terça-feira, 16 de outubro de 2007

O Proto-romantismo e a hermenêutica (parte 2 - Schiller e o Sturm und Drang)


"Um sonhador", de Caspar David Friedrich.

Estive conversando com a professora Hamlin acerca do Sturm und Drang, já falamos dele no post anterior, e mais pontualmente sobre como enquadrar Schiller dentro do movimento romântico alemão - eu queria falar sobre futebol e pagode, mas... Há muitos anos li o ensaio que ele escreveu sobre a estética kantiana, creio que se chama ‘Sobre o Belo e o Sublime’. Ora, Kant foi um pensador francamente moderno, iluminista e sua estética não escapa dessa tradição. Schiller, por outro lado, é uma das referências fundamentais do Sturm und Drang, cuja resistência ao universalismo, ao racionalismo, ao otimismo iluminista é bem conhecida. A conversa, então, me trouxe dividendos.
Permitam-me pensar em voz alta.
Se a palavra final que Kant dá na primeira parte da Crítica do Juízo, ou seja, quando ele está tratando de temas francamente estéticos, é dado na ‘Analítica do Sublime’, essa palavra não pode ser de fé em ideais tais como harmonia entre imaginação e entendimento, crença nos ideais gregos da proporção, equilíbrio formal. Já leram a Poética de Aristóteles? Leiam e veja se não corresponde ao que digo: a proporção, a temperança são valores éticos e estéticos na cultura grega - Foucault, entre muitos outros, trata bem disso no segundo volume da História da Sexualidade.
Antecipando a estética modernista, a 'Analítica do Sublime' fala de um sentimento de ansiedade, desacomodação, de uma incapacidade intrínseca ao ser humano de apresentar (como ele julga que os objetos se apresentam ao nosso entendimento, ou seja, aqui e agora) idéias que pertencem ao terreno da razão, tais como infinitude. A intuição (percepção aqui e agora) do infinito é impossível; tudo que a razão pode produzir aqui e agora é um conceito. O que seria do desassosego modernista com relação à forma, seus investimentos metaestéticos, sem essa constatação inicial do velho filósofo de Könisberg?
Algumas de nossas emoções estéticas mais importantes são dadas em sentimentos de inquietação profunda, como aquelas que experimentamos diante uma natureza desproporcionalmente poderosa com relação aos nossos poderes de controlá-la. Estar de frente de uma paisagem devastada por um maremoto seria uma dessas sensações. Schiller, entretanto, incialmente não está interessado no indizível, na experiência estética de um chamado da razão que vivenciamos diante do que é tremendo, colossal, incontrolável na natureza. O chamado que ele escuta ainda são relacionados às promessas de proporção e harmonia do belo - a natureza para ele é a possibilidade de um aprendizado moral: viver de acordo com os ditames de uma natureza pura, não artificalizada pela técnica. Baixei do Domínio Público do MEC (ver links ao lado) o livro Poesia Ingênua e Poesia Sentimental, da Graça e da Dignidade, de Schiller – há muitos outros do autor disponíveis no site. Recomendo que passem lá. Trata-se de um acervo valioso que certamente atenua a precariedade de nossas bibliotecas.

Pois bem, estou na metade do livro. Uma das inquietações mais constantes que ele expressa, até o momento, é saber em que medida a cultura pode promover uma aproximação entre o ser humano e a natureza.
“Con ansia dolorosa sentimos su nostalgia en cuanto comenzamos a experimentar los vejámenes de la cultura y oímos en las lejanas tierras del arte la aleccionante voz maternal. Mientras éramos simples hijos de la naturaleza, gozábamos de felicidad y perfección; llegamos a emanciparnos, y perdimos lo uno y lo otro. De aquí, nace un doble y muy desigual anhelo de naturaleza: un anhelo de su felicidad, otro de su perfección. La pérdida de la primera, la lamenta sólo el hombre sensible; la perdida de la otra sólo aflige al hombre moral”.

Trata-se de um libelo ("libelo" é brega de doer! mas deixa assim) contra o formalismo, o artificialismo da cultura clássica, um convite para mergulharmos numa estética que valorize a ingenuidade, a razão sensível e imediata dos povos primitivos e das crianças. Este mergulho na natureza, entretanto, nada tem de ameaçador. A poesia ingênua nos ofereceria a possibilidade de encontrar uma unidade perdida entre cultura e natureza – pois trata-se de uma união com uma “natureza pura – não bárbara”.

“Esa sensibilidad para la naturaleza se pone de manifesto con particular fuerza y de la manera más general ante objetos que, como los niños y los pueblos infantiles, están más estrechamente enlazados a nosotros y nos llevan tanto meor a reflexionar sobre nosotros mismos y sobre lo que tenemos de artificial”.
Embora Schiller cite em seu livro Kant e a 'Analítica do Sublime', as conclusões a que chega estão bem mais próximas de Rousseau, de sua idealização de uma natureza não corrompida, harmoniosa, uma natureza que é objeto de comunhão e não de dominação que a angústia (respeito) de que fala Kant quando confrontado com os poderes, dimensões colossais da natureza. Se a arte já não poderia estabelecer uma relação confortável entre sentir e pensar, a poesia ingênua torna-se então um ideal a ser perseguido pela estética romântica. “El poeta, he dicho, o es naturaleza o la buscará; de lo uno resulta el poeta ingenuo, de lo otro el sentimental”.

Nesse ponto do texto, no entanto, uma oposição entre modernos e antigos começa a ser estabelecida, uma oposição entre sensibilidade e razão, ou melhor, uma sensibilidade para o finito e outra para o infinito. E aqui podemos apreciar o coração ambíguo que dirige o Sturm und Drang para uma idealização da natureza, para uma valorização da ingenuidade e da antiguidade clássica.

“Si se llama poesía sólo a aquello que en todos los tiempos ha actuado uniformemente sobre la naturaleza sencilla, no se podrá menos de tener que discutir hasta el nombre de poetas a los modernos, justamente en su belleza más peculiar y más sublime, porque precisamente allí hablan solo al entendido en cosas de arte y nada tienen que decir a la naturaleza sencilla. A quien no tenga el ánimo ya preparado para ir, más allá de la realidad, al reino de las ideas, el más rico contenido le parecerá vacía apariencia, y el más alto vuelo poético. [...] El antiguo es, si se me permite expresarlo asir poderoso por el arte de la limitación; el moderno lo es por el arte de la infinitud. Y precisamente porque en la limitación reside la fuerza del artista antiguo (pues lo dicho aquí del poeta puede también extenderse, con las restricciones que de por sí resultan, a las bellas artes en general), se explica la gran ventaja que las artes plásticas de la antigüedad llevan a las de la época moderna, y toda esa desigual relación de valor en que la poesía moderna y la plástica moderna están con respecto a uno y otro arte en la antigüedad. Una obra para los ojos, sólo puede encontrar su perfección en lo limitado; una obra para la fantasía puede también alcanzarla por lo ilimitado. En las obras plásticas, pues, de poco le vale al moderno su superioridad em ideas; aquí está obligado a precisar lo más exactamente en el espacio la imagen de su fantasía y por lo tanto a medirse con el artista antiguo en aquella misma calidad en que éste tiene indiscutible ventaja. No así en las obras poéticas. Aunque también em ellas venzan los antiguos poetas en la sencillez de las formas y en lo que sea sensorialmente representable y corpóreo, el moderno puede a su vez dejarlos atrás por la riqueza de la materia, por todo lo que sea imposible de representar y expresar; en suma, por lo que en las obras de arte se llama espíritu”.
E é claro que chegamos aqui em um ponto fundamental para entender alguns valores imporantes que subjazem à crítica romântica da cultura iluminista, bem como da forma que esta influenciou uma atitude de desconforto com relação à cultura da razão e do controle. Mas a esse respeito falarei ainda. Esse post se conclui nesse estado de suspensão – e obviamente não por uma necessidade estrutural do texto, mas porque no momento enchi o saco mesmo. Depois tem mais. E você? Por que não vai a um show do Babado Novo, Paralamas do Sucesso, escutar o cd novo de Latino, assistir à última crônica televisiva de Arnaldo Jabor?...
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Jonatas Ferreira

2 comentários:

Anônimo disse...

O show do Paralamas foi no final de semana antes do Feriado. HAhahaha

Anônimo disse...

sabe, assim, fico me perguntando o quanto de cada vertende (racional-empiricista típica das Ciências Sociais e romântico-elucidativo, característica dos cientístas sociais) compôe melhor o autor deste post. Acho que saber a opinião pura e direta dos professores e não ler apenas as suas respectivas interpretações teóricas, ajudam ao a-luno a entender o perfil daqueles os dão luz.