quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Heinrich Rickert e Funes, o Memorioso




Não sei se vocês sabem, mas o professor Jonatas Ferreira é um grande ator. Ator de verdade, daqueles que sabem os textos de cor e têm um grande repertório de vivências internas capazes de suscitar expressões de todos os tipos. Não sei o que ele está fazendo na sociologia mas, a crermos nos interacionistas simbólicos, ele deve ser um desses mentirosos patológicos em sala de aula que apresentam uma fachada perfeita a fim de esconder seu verdadeiro self. Tudo em prol da didática, claro. Pois bem: ontem eu tive que interromper sua brilhante performance de um filme dos Irmãos Marx porque precisava dar uma aula sobre Rickert na graduação. Talvez movido por inércia, Jonatas, que além de ator é um grande conhecedor do neo-Kantismo, tira da cartola um conto de Borges que ilustra perfeitamente um dos problemas centrais da teoria da formação de conceitos de Rickert e que eu resolvi compartilhar com vocês.

Para os neo-Kantianos da escola de Baden, da qual Rickert fazia parte, a realidade é um caos, infinita e multifacetada. Isto coloca um problema considerável ao conhecimento, já que nossas mentes são finitas e não podem lidar com a realidade em sua infinitude. Neste sentido, uma das principais questões da metodologia é a de como lidar com este hiato entre uma realidade concebida como “irracional” e a “racionalidade” do conhecimento. Para Rickert, isto significa que precisamos de uma teoria da formação de conceitos, isto é, de uma teoria (normativa) que nos diga como diminuir o tal do hiato irrationalis entre conceito e realidade, ou como reduzir a complexidade do mundo a fim de que ele possa se tornar cognoscível. Com base na distinção efetuada por Windelband entre ciências nomotéticas e ciências idiográficas, Rickert defende que a mesma realidade é “natureza” se a considerarmos do ponto de vista da generalidade e “história” ou “cultura”, se considerada de uma perspectiva individual ou singular. São, portanto, nossos “interesses cognitivos”, para tomar emprestada uma expressão de Habermas, que nos permitem estabelecer uma distinção entre as ciências da natureza e as ciências da cultura e construir conceitos apropriados para cada uma delas.

O problema que se coloca é como criar conceitos individualizantes ou singularizantes. Todo conceito é uma abstração e simplificação de algo concreto e infinito (e é esta concretude e infinitude que dá ao objeto seu caráter singular). Certamente que Rickert não é ingênuo o suficiente para defender que o historiador pode identificar todas os elementos de um objeto (o que, incidentemente, faria da história um processo descritivo ad infinitum), nem nega que a explicação causal seja necessária para a compreensão dos fenômenos humanos. O que ele nega é que a explicação ocorra necessariamente a partir de leis gerais e, mais do que isso, que a compreensão possa ocorrer por meio de mera descrição. Alguma generalização é, portanto, necessária para a construção dos conceitos individualizantes e isto pressupõe uma seleção de aspectos que supostamente ajudariam a delimitar o caráter singular de determinados eventos históricos. Esta seleção seria feita a partir de uma “relação com valores” (do investigador e do período/ sociedade em questão) que, para Rickert, possibilitaria isolar os elementos significativos e, num certo sentido não especificado, singulares. No entanto, dado que Rickert concebe valores como universais (a fim de garantir a objetividade do conhecimento produzido) e faz diversas concessões ao uso de conceitos universais e generalizantes, resta saber se esta não foi uma saída engenhosa para evitar o coice do cavalo que atingiu o pobre Ireneo Funes, deixando-o com uma memória infinita e perfeita e paralisando-o para sempre. Transcrevo um trecho do infortúnio de Funes a seguir:

“No humilde rancho, a mãe de Funes recebeu-me.

Disse-me que Ireneo estava no quarto dos fundos e que não me estranhasse encontrá-lo às escuras, pois Ireneo preferia passar as horas mortas sem acender a vela. Atrevessei o pátio de lajota, o pequeno corredor; cheguei ao segundo pátio. Havia uma parreira; a escuridão pareceu-me total. Ouvi prontamente a voz alta e zombeteira de Ireneo. Essa voz falava em latim; essa voz (que vinha das trevas) articulava com moroso deleite um discurso, ou prece, ou encantamento. Ressoavam as sílabas romanas no pátio de terra; o meu temor as tomava por indecifráveis, intermináveis; depois, no enorme diálogo dessa noite, soube que formavam o primeiro parágrafo do 24o capítulo do 7o livro da Naturalis historia. O tema desse capítulo é a memória: as últimas palavras foram ut nihil non iisdem verbis redderetur auditum.

Sem a menor mudança de voz, Ireneo disse-me o que se passara. Estava na cama, fumando. Parece-me que não vi o seu rosto até a aurora; creio lembrar-me da brasa momentânea do cigarro. O quarto exalava um vago odor de umidade. Sentei-me, repeti a estória do telegrama e da enfermidade de meu pai.

Chego, agora, ao ponto mais difícil do meu relato. Este (é bem verdade que já o sabe o leitor) não tem outro argumento senão esse diálogo de há já meio século. Não tratarei de reproduzir as suas palavras, irrecuperáveis agora. Prefiro resumir com veracidade as muitas coisas que me disse Ireneo. O estilo indireto é remoto e débil; eu sei que sacrifico a eficácia do meu relato; que os meus leitores imaginem os períodos entrecortados que me abrumaram essa noite.

Ireneo começou por enumerar, em latim e espanhol, os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis historia: Ciro, rei dos persas, que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos; Metríadates e Eupator, que administrava a justiça dos 22 idiomas de seu império; Simónides, inventor da mnemotecnia; Metrodoro, que professava a arte de repetir com fidelidade o escutado de uma só vez. Com evidente boa fé maravilhou-se de que tais casos maravilharam. Disse-me que antes daquela tarde chuvosa em que o azulego o derrubou, ele havia sido o que são todos os cristãos; um cego, um surdo, um tolo, um desmemoriado. (Tratei de recordar-lhe a percepção exata do tempo, a sua memória de nomes próprios; não me fez caso.) Dezenove anos havia vivido como quem sonha: olhava sem ver, ouvia sem ouvir, esquecia-se de tudo, de quase tudo. Ao cair, perdeu o conhecimento; quando o recobrou, o presente era quase intolerável de tão rico e tão nítido, e também as memórias mais antigas e mais triviais. Pouco depois averiguou que estava paralítico. Fato que pouco o interessou. Pensou (sentiu) que a imobilidade era um preço mínimo. Agora a sua percepção e sua memória eram infalíveis.

Num rápido olhar, nós percebemos três taças em uma mesa; Funes, todos os brotos e cachos e frutas que se encontravam em uma parreira. Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer de trinta de abril de 1882 e podia compará-los na lembrança às dobras de um livro em pasta espanhola que só havia olhado uma vez e às linhas da espuma que um remo levantou no Rio Negro na véspera da ação de Quebrado. Essas lembranças não eram simples; cada imagem visual estava ligada a sensações musculares, térmicas, etc. Podia reconstruir todos os sonhos, todos os entresonhos. Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro, não havia jamais duvidado, mas cada reconstrução havia requerido um dia inteiro. Disse-me: Mais lembranças tenho eu do que todos os homens tiveram desde que o mundo é mundo. E também: Meus sonhos são como a vossa vigília. E também, até a aurora; Minha memória, senhor, é como depósito de lixo. Uma circunferência em um quadro-negro, um triângulo retângulo; um losango, são formas que podemos intuir plenamente; o mesmo se passava a Ireneo com as tempestuosas crinas de um potro, com uma ponta de gado em um coxilha, com o fogo mutante e com a cinza inumerável, com as muitas faces de um morto em um grande velório. Não sei quantas estrelas via no céu.

Essas coisas me disse; nem então nem depois coloquei-as em dúvida. Naquele tempo não havia cinematógrafos nem fonógrafos; é, no entanto, verossímil e até incrível que ninguém fizera um experimento com Funes. O cérto é que vivemos postergando todo o postergável; talvez todos saibamos pronfundamente que somos imortais e que mais cedo ou mais tarde, todo homem fará todas as coisas e saberá tudo.

A voz de Funes, vinda da escuridão, seguia falando.

Disse-me que em 1886 havia elaborado um sistema original de numeração e que em muito poucos dias havia ultrapassado vinte e quatro mil. Não o havia escrito, porque o pensado uma só vez já não podia desvanecer-lhe. Seu primeiro estímulo, creio, foi o descontentamento de que os trinta e três uruguaios requeressem dois signos e três palavras, em lugar de uma só palavra e um só signo. Aplicou logo esse desparatado princípio aos outros números. Em lugar de sete mil e treze, dizia (por exemplo) Máximo Pérez; em lugar de sete mil e catorze, A Ferrovia; outros números eram Luis Melián Lafinur, Olivar, enxofre, os rústicos, a baleia, o gás, a caldeira, Napoleão, Agustín de Vedia. Em lugar de quinhentos, dizia nove. Cada palavra tinha um signo particular, uma espécie de marca; as últimas eram muito complicadas... Eu tratei de explicar-lhe que essa rapsódia de vozes desconexas era precisamente o contrário de um sistema de numeração. Eu lhe observei que dizer 365 era dizer três centenas, seis dezenas, cinco unidades; análise que não existe nos "números". O Negro Timoteo a manta de carne. Funes não me entendeu ou não quis me entender.

Locke, no século XVII, postulou (ou reprovou) um idioma impossível no qual cada coisa individual, cada pedra, cada pássaro e cada ramo tivesse um nome próprio; Funes projetou alguma vez um idioma análogo, mas o desejou por parecer-lhe demasiado geral, demasiado ambígüo. De fato, Funes não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado. Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças, que definiria logo por cifras. Dissuadiram-no duas considerações: a consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou que na hora da morte não havia acabo ainda de classificar todas as lembranças da infância.

Os dois projetos que foi indicado (um vocabulário infinito para a série natural dos números, um inútil catálogo mental de todas as imagens da lembrança) são insensatos, mas revelam certa balbuciante grandeza. Nos deixam vislumbrar ou inferir o vertiginoso mundo de Funes. Este, não o esqueçamos, era quase incapaz de idéias gerais, platônicas. Não apenas lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma; perturbava-lhe que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quatro (visto de frente). Sua própria face no espelho, suas próprias mãos, surpreendiam-no cada vez. Comenta Swift que o imperador de Lilliput discernia o movimento do ponteiro dos minutos; Funes discernia continuamente os avanços tranqüilos da corrupção, das cáries, da fatiga. Notava os progressos da morte, da umidade. Era o solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme, instantâneo e quase intolerantemente preciso. Babilônia, Londres e Nova York têm preenchido com feroz esplendor a imaginação dos homens; ninguém, em suas torres populosas ou em suas avenidas urgentes, sentira o calor e a pressão de uma realidade tão infatigável como a que dia e noite convergia sobre o infeliz Ireneo, em seu pobre subúrbio sulamericano. Era-llhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo; Funes, de costas na cama, na sombra, figurava a si mesmo cada rachadura e cada moldura das casas distintas que o redoavam. (Repito que o menos importante das suas lembranças era mais minucioso e mais vivo que nossa percepção de um gozo físico ou de um tormento físico). Em direção ao leste, em um trecho não pavimentado, havia casas novas, desconhecidas. Funes as imaginava negras, compactas, feitas de treva homogênea; nessa direção virava o rosto para dormir. Também era seu costume imaginar-se no fundo do rio, mexido e anulado pela corrente.
Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos.

A receosa claridade da madrugada entrou pelo pátio de terra.

Então vi a face da voz que toda a noite havia falado. Ireneo tinha dezenove anos; havia nascido em 1868; pareceu-me tão monumental como o bronze, mais antigo que o Egito, anterior às profecias e às pirâmides. Pensei que cada uma das minhas palavras (que cada um dos meus gestos) perduraria em sua implacável memória; entorpeceu-me o temor de multiplicar trejeitos inúteis.

Ireneo Funes morreu em 1889, de uma congestão pulmonar.”

Tradução de Marco Antonio Franciotti
(in Jorge Luis Borges: Prosa Completa, Barcelona: Ed. Bruguera, 1979, vol. 1., pgs. 477-484). Para ler o conto inteiro, acesse http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/funes.htm

Cynthia Hamlin

7 comentários:

Unknown disse...

Sociologia é a ciência que estuda a sociologia.

Existem paradigmas teóricos para analisar significados dos signos estão como prostitutas no bordel.

Seleciona-se sempre pensando numa convicção inabalável sobre uma concepção de Verdade. Mas, se mudam as necessidades circunstanciais, a fonte de financiamento prefere esta a tal outra concepção, dá-se um jeito e muda-se, ou readapta-se o paradigma. Creio que amo a Kely Cristina, Kely não me "servindo" mais, descambo pra cima da Cindy Natasha.

Cynthia se temos que ser humildes e constatar que nenhum aparato teórico dá conta em analisar o signo social vivo e bulindo nos espíritos da multidão, com milhares de motivos, valores, desejos, culpas, ações, impotências, segredos. Vamos nos aventurar a selecionar análises que nos pareçam que foram relevantes em se arriscar a analisar discursos. Aventura-se a dizer-me quais são esses discursos ideais? De Benjamin? Freud? Marx?

Aventura-se a colocar um tema pra toda a turma de Hermenêutica e tentar-mos analisá-lo? Proporia empregar a metodologia do grupo focal, que elege um certo universo restrito. Todos os membros do grupo são mulheres. Temos duas horas para a seção. Três mulheres adultas de estilo de vida popular, outro tanto de estilo de vida "classe média suburbana", outro de "alunas universitárias descoladas" e finalmente as últimas três "moças chics da elite recifense".

Qual o objeto de interrogação? Publicidades de Brastemp. Pergunta-se: esse casal poderá tornar-se mais feliz? Como? Ou mais infeliz? Como?

Reduz muito as tão profundas questões dos limites da mente humana, diante do imenso círculo Pitagórico? Claro que sim, por isso falei de humildade. Senão é ficar meses dando círculos de cão sarnento a procura da pulga na ponta do rabo. Ou lidar com o luxo epistemológico chic de gente do Cefich. Que como não dá jeito nas questões do mundo estuda a epistemologia da cognição de, pasme! Da própria sociologia.

Sociologia é a ciência que estuda a sociologia.

Um beijo com muito carinho. Adorei estar com você e seus alunos a doer-se com os impasses da civilização ocidental.

Le Cazzo disse...

Dirceu,

Publicidade é o estudo da sociologia para vender cosméticos para metrossexuais.

Mas você tem razão: é pena que nós sociólogos gastemos tanto tempo refletindo sobre os nossos pressupostos e deixemos de lado as questões que realmente interessam para a humanidade... como procurar a felicidade num comercial da brastemp. O problema é que nós, o povo chic do cefish, só usamos Bosch...

Topo o grupo focal, desde que, 1)seja ligado a humor; 2) inclua os meninos, 3)você deixe eu formular os problemas de pesquisa, 4)você deixe eu lhe amordaçar durante o debate.

Beijo,
Cynthia

Le Cazzo disse...

PS. Tanto tempo na profissão e você ainda não sabe que a verdadeira felicidade só pode ser encontrada nos comerciais de margarina? Oh Happy Day...!

C.

Anônimo disse...

Cynthia,

Confesso que ainda estou muito confusa quanto ao conceito (seria mesmo um conceito?) de "relação com os valores". No texto de Freund há a seguinte frase "A relação com os valores constitui a base das perguntas que formulamos à realidade". Porém neste último post você fala que Rickert concebe valores como universais a fim de garantir a objetividade do conhecimento produzido.

Minhas dúvidas são:

1- Se os valores são universais, isso quer dizer que a pergunta que fazemos à realidade deve estar de acordo com esta universalidade? Se haveria uma relevância e irrelevância universal em um dado período ou cultura, portanto uma relação com os valores uniforme?

2- Como pode a unversalidade garantir a objetividade se a própria diversidade de pontos de vista seriam a garantia de uma maior aproximação da realidade?

Estas dúvidas estão comendo o meu juízo, Cynthia. Aguardo uma resposta nem que seja admitindo uma contradição dos autores.

Le Cazzo disse...

Oi, Camila,

Muito interessantes as suas perguntas, pois elas mostram que você identifica onde estão os problemas.

Rickert é contraditório, sim. Em primeiro lugar porque o papel do valor relevância é selecionar o que é relevante e o que não é. Se todos os valores são universais, tudo é relevante, o que levaria à questão da infinitude (e neste sentido, o valor relevância não permite discriminar entre o essencial e o acessório ou entre o que é relevante e o que não é). Por outro lado, caso se considere que apenas alguns valores são universais, então as ciências da cultura lidariam com as generalidades e não com as especificidades culturais.

Weber evita essa armadilha negando a universalidade dos valores, por um lado, e incluindo explicitamente o papel dos conceitos gerais na determinação de singularidades, por outro. Mas a questão do porquê isso tem que ser feito em relação a valores ainda permanece um mistério...

Quanto à questão dos diversos pontos de vista, eles não garantiriam a objetividade (entendida aqui no sentido estrito de se expurgar a subjetividade), mas uma pluralidade de recortes de uma realidade multi-facetada. A objetividade seria garantida ao se garantir que "mesmo um chinês", como curiosamente coloca Weber, possa enxergar a realidade da forma enxergada por outro observador. Em outros termos, o chinês, embora não parta do mesmo ponto que um outro observador, pode reconhecer a validade do ponto de vista do outro...

Podemos discutir mais esta questão amanhã, no debate do texto de Weber sobre objetividade.

Até lá!
Cynthia

Anônimo disse...

É com bastante atraso que li o texto da Profa. Cynthia sobre Rickert e Funes. Gostei da primeira parte, e mais ainda da segunda (sempre menciono o texto do Borges aos alunos). Mas uma coisa não se adequa à outra. Rickert não era um "nominalista" - aliás ele era um duro crítico do historicismo.

Não basta ler "Ciência cultural e ciência natural" para entender Rickert. Seu magnum opus é "O limite da formação de conceitos nas ciências naturais. Uma introdução lógica às ciências históricas". Livro de Weber nunca deixou de citar. E elogiar.

Aliás o próprio Weber, em carta, diz que seu ensaio sobre a "objetividade" nada mais era que uma aplicação da teoria dos conceitos de Rickert aos problemas específicos da economia política. Isso está em algum artigo da revista "Max Weber Studies", se não me engano um artigo do H. H. Bruun.

Rickert espera ainda por uma interpretação à altura de sua importância. Sem um estudo minucioso do livro acima citado (de preferência nas suas várias edições, visto que o autor fez inúmeros acréscimos até a edição definitiva de 1925) e de "Der Gegenstand der Erkenntnis" (também nas suas três edições), fica difícil.

Por fim: "compreender" Rickert via Heidegger, como faz o Jonathas, não me parece o melhor caminho.
É a velha história do discípulo que se insurge contra o antigo mestre, e não vê rigorosamente nada de útil na obra dos neo-kantianos. Talvez fosse melhor seguir o conselho de Weber, e admitir que temos de escolher nosso deus ou demônio. Avaliar um pelo outro mais nos afasta que nos aproxima de seu pensamento.

Prof. Sérgio da Mata
Programa de Pòs-Graduação em História da UFOP

Cynthia disse...

Caro Prof. Sérgio,

Com alguns anos de atraso, escapou-me onde foi que eu sugeri que Rickert era nominalista e a análise heideggeriana de Rickert por parte de Jonatas. A propósito: o texto de Rickert que trabalhamos (na Pós, bem entendido) não é "ciência cultural e ciência natural", mas "os limites da formação de conceitos nas ciências naturais" (aquela edição com a excelente introdução de Guy Oakes). De qualquer forma, grata pelas considerações.

Abç