terça-feira, 15 de setembro de 2009

Entre o Burocratismo e a Anomia

Já que estamos falando de educação e que Artur está de férias no Congo Belga, roubei o texto abaixo do Blog dos Perrusi. Com palavra, o Dr. Perrusi, o Psiquiatra de Intermares.

Cynthia


Não imaginava que fosse um fenômeno mundial. É muito esquisito saber que acontece noutros países, pois o problema, desse jeito, torna-se mais profundo, menos conjuntural.

Leiam abaixo. Vou comentando. Pesquei na Folha de São Paulo.

CLÓVIS ROSSI

A impunidade da ignorância

LONDRES – Pelo choque que me causou, repasso ao leitor o essencial de artigo do escritor espanhol Rafael Argullol para “El País”.

Começa relatando que alguns dos melhores professores universitários espanhóis estão se aposentando “precipitadamente”. Cita dois motivos: “o desinteresse intelectual dos estudantes e a progressiva asfixia burocrática da vida universitária”.

Explico o sentimento de choque: não sei se a situação ocorre também no Brasil, mas sei que o caldo de cultura descrito por Argullol é parecido no Brasil (como, aliás, no resto do mundo).

Bem parecido, quase igual, pra dizer a verdade. A vida acadêmica é absolutamente burocratizada. Quando não, é anômica. Vive-se num pêndulo entre o burocratismo e a anomia. E, quanto mais se tenta ser produtivo, fazendo pesquisas, por exemplo, mais se entra numa rede maluca de regras e procedimentos completamente kafkianos. Fazendo pesquisa, virei um empreendedor de atalhos burocráticos. Sei todos os caminhos e todas as escadas que levam à secretaria de orçamento da UFPB. E não nego: os servidores são simpáticos e prestativos, mas são todos, apesar dos sorrisos, da ajuda e da competência, vetores de um sistema impessoal, que parece mais uma máquina de moer paciência, além e aquém de nossas vontades.

Tenho pesadelos com todas as rubricas que infestam a Conta da União. Meus sonhos têm uma única temática: recebo uma bolada da UNESCO, mas não posso gastar por causa de duas ou três rubricas ensandecidas. Corro delas, mas cinco rubricas, escondidas no andar da pró-reitoria de administração, apanham-me com uma rede de artigos que me impossibilitam gastar o dinheiro. Ganhar um bom financiamento de pesquisa é uma maldição — não recomendo a ninguém. As rubricas são más: dão choques elétricos no cérebro. Meus sonhos, cá entre nós, dariam uma boa animação de terror para criancinhas. Minhas experiências, sem dúvida, dariam um bom diário de campo: etnografias da burocracia universitária.

A organização atual das federais é incompatível com a produção científica. Somos, na verdade, uma repartição pública. Cadê a reforma universitária? Virou uma utopia.

Os professores, escreve Argullol, “se sentem mais ofendidos pelo desinteresse [dos estudantes] do que pela ignorância”. Acrescenta que um amigo lhe disse que “os estudantes universitários eram o grupo com menos interesse cultural da nossa sociedade, e isso explicava que não lessem a imprensa escrita, a não ser que fosse de graça, que não buscassem livros fora das bibliografias obrigatórias, ou que não assistissem a conferências se não fossem premiados com créditos úteis para serem aprovados”.

Não me sinto particularmente ofendido. O que sinto é um baita desânimo. Claro, não generalizo, pois existem alunos muito bons. Porém, a maioria não lê bulhufas. E falo de alunos de ciências sociais que, em tese, deveriam ter uma mínima curiosidade intelectual. Estão nem aí! O problema é que a indiferença não é monopólio da graduação, mas também da… pós. Os alunos da pós reclamam das leituras. 50 páginas semanais é um estorvo! Na universidade, qualquer tipo de esforço é visto como uma imposição do professor. No fundo, ler é um ditadura imposta por um sádico. O esforço só é concebido quando há uma contrapartida ou uma recompensa imediata. Pavlov venceu!

Inocentemente, defendo as virtudes do diálogo democrático entre professor e aluno. Acho, imaginem só, que o contrato pedagógico deve substituir a autoridade. Através do blablablá igualitário, tentando diminuir as assimetrias que existem entre docente e discente, penso na possibilidade de esclarecer e de justificar o sentido do esforço e os modos de transmissão do saber. Como prêmio da minha patetice, recebo uns 10 bocejos, três roncos e um silêncio profundo (lá no fundo da sala, tenho certeza que escutei um risinho…).

Como voltar ao chicote? É tarde demais! É o fim da autoridade. Cavamos nossa própria cova. Minha vocação igualitária matou minha vontade de poder. :)

É o triunfo do que o escritor chama de “utilitarismo”. Os estudantes são adestrados na “impunidade ante a ignorância”, porque o conhecimento é um “caminho longo e complexo” e perde para o imediatismo da posse instantânea.

Simplesmente, é incompreensível a idéia singela de que a aquisição de um conhecimento é um “caminho longo e complexo”. Há um desejo frenético para que seja um caminho rápido e simples. A transmissão do saber teria como modelo os manuais de auto-ajuda ou as pregações de algum pastor da Universal. Procuram-se fórmulas, um kit qualquer, ou uma catarse, uma revelação rápida, que esclareça tudo de uma vez. O modelo pedagógico que mais se aproxima do “caminho rápido e simples” é o professor de cursinho, aquele que ensina porra nenhuma, e nem pode, pois a organização de um cursinho é, metaforicamente, um grande manual de auto-ajuda. É o lugar onde se oferecem espetáculos, fórmulas e, muitas vezes, uma catarse cênica que pode revelar “caminhos rápidos e simples” para se entrar numa universidade.

Não tenho informações para afirmar se essa situação ocorre também no Brasil. É evidente, em todo o caso, que há ou houve recentemente uma discussão sobre a asfixia burocrática.

Gilberto Dimenstein já comentou, tempos atrás, o fato de que professores de universidades públicas estavam se aposentando cedo e passando ao ensino privado.

O utilitarismo e o predomínio do individual são características contemporâneas globais. Estamos nós também cevando “a impunidade ante a ignorância”?

Estamos é lascados… A organização da universidade pública brasileira está datada. Quem produz ciência nesse estabelecimento, destinado a atender interesses do além-mundo, é um herói. Eu sou um deles; sim, sou um herói, mas me sinto muito mais um otário.

4 comentários:

Sergio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sergio disse...

Já pensaram no que será então nosso cotidiano docente no ensino superior quando os egressos do Ensino Médio em (até) 2 meses estiverem no ensino superior? Em menos de um semestre, alguém salta de um ensino fundamental feito na infância para, já adulto(a) e sem hábito de leitura, em dois meses estará supostamente/formalmente apto(a) ao ensino superior. É o caos. Mas o MEC reconhece esses cursos.

E como para o REUNI é preciso ter cada vez mais vagas e estimular o discente a ficar na universidade, ele(a) terminará. Cedo ou tarde, ele(a) concluirá seu curso. E irá ao mestrado, onde em diversos cursos brasileiros sobram vagas e já são feitas até 2 chamadas após o resultado, para cobrir o n. de vagas. E ele(a) será mestre.

Vi num mestrado um professor explicar aos alunos porque usariam texto em espanhol na aula, com semblante de culpa, como se fosse tortura. Naquele caso deveria ser mesmo.

Mas ele(a) concluirá o mestrado e irá ao doutorado. Durante toda a vida estudantil conheceu a burocracia e soube aproveitá-la para concluir créditos, obter certificados, tudo dentro da legalidade. Tem estímulo para disputar títulos, colecionar créditos e obter diplomas. Sabe que estudar é apenas um obstáculo que às vezes é colocado no seu caminho, mas que se lembrar de como rotineiramente são elaboradas as avaliações e do baixo nível que o cerca, saberá como o professor tende a corrigir. E sempre se sairá bem. Reprovado às vezes ou não, vai se sair bem, pois conseguirá terminar os cursos. Sem aprender, mas que diferença faz para ele (a)?

Somos cada vez em menor número órfãos do Iluminismo, confiando demais numa Razão à qual cada vez menos gente no mundo dedica alguma atenção.

Como bem diz o texto, otários. Mas otários úteis à burocracia. Pelo menos não seremos extintos.

Cynthia disse...

Quanto otimismo de vocês dois! Deu até um desânimo...

Sergio disse...

Cynthia,

Comparando com a análise de Gilberto Dimenstein sobre uma pesquisa com universitários de 15 universidades de São Paulo, talvez ainda seja otimismo o que eu publiquei antes.

Segue o link para o artigo de Dimenstein:

http://aprendiz.uol.com.br/content/guciwutruk.mmp

Abraços.