segunda-feira, 29 de março de 2010

O Romantismo e as Ciências Sociais 5


Géricault: Evening Landscape with an Acqueduct; 1818

Jonatas Ferreira

Proponho uma citação como ponto de partida a esse quinto post acerca da importância do Romantismo nas ciências sociais. A citação começaria com uma definição de sociedade:

“entidade moral com qualidades específicas distintas daquelas dos seres individuais que a compõem, assim como os componentes químicos têm propriedades que não devem a quaisquer de seus elementos. Se a agregação resultante dessas vagas relações de fato formassem um corpo social, haveria uma sorte de sensório comum que sobreviveria à correspondência das partes. O bem e o mal públicos não seriam apenas a soma do bem e do mal individuais, como uma simpes agregação, mas residiriam na relação que os une. Seria maior que a soma, e o bem-estar público não seria o resultado da felicidade dos indivíduos, mas antes sua fonte”.



16 comentários:

Cynthia disse...

Jonatas,

Essa relação entre corpo e sociedade em Durkheim sempre me pareceu muito próxima à concepção do corpo político de Shakespeare, em Coriolanus. Especialmente agora que vc contrastou com a visão de Rousseau. Depois eu acho e coloco por aqui.

Le Cazzo disse...

Bueno,
Espero que os especialistas em Durkheim me ajudem a afinar essa ousadia teórica. Onde está Artur? Ouvi falar que ele hoje se dedica a promover o encontro de gêmeos separados no parto...

Le Cazzo disse...

Só uma coisa: o foco de minha observação é a ideia de emergência. Acerca da figura de um corpo político, podemos ir até Aristóteles (que eu saiba). Cito duas passagens da Política:

"No puede ponerse en duda que el Estado está naturalmente sobre la familia y sobre cada individuo, porque el todo es necesariamente superior a la parte, puesto que una vez destruido el todo, ya no hay partes, no hay pies, no hay manos, a no ser que por una pura analogía de palabras se diga una mano de piedra, porque la mano separada del cuerpo no es ya una mano real".

E a outra:

"Por lo pronto, el ser vivo se compone de un alma y de un cuerpo, hechos naturalmente aquélla para mandar y éste para obedecer. Por lo menos así lo proclama la voz de la naturaleza, que importa estudiar en los seres desenvueltos según sus leyes regulares y no en los seres degradados. Este predominio del alma es evidente en el hombre perfectamente sano de espíritu y de cuerpo, único que debemos examinar aquí. En los hombres corruptos, o dispuestos a serlo, el cuerpo parece dominar a veces como soberano sobre el alma, precisamente porque su desenvolvimiento irregular es completamente contrario a la naturaleza. Es preciso, repito, reconocer ante todo en el ser vivo la existencia de una autoridad semejante a la vez a la de un señor y a la de un magistrado; el alma manda al cuerpo como un dueño a su esclavo, y la razón manda al instinto como un magistrado, como un rey; porque, evidentemente, no puede negarse que no sea natural y bueno para el cuerpo el obedecer al alma, y para la parte sensible de nuestro ser el obedecer a la razón y a la parte inteligente. La igualdad o la dislocación del poder, que se muestra entre estos diversos elementos, sería
igualmente funesta para todos ellos".

Tâmara disse...

Jonatas,
E' sempre muito bom tratar dos cla'ssicos de uma disciplina de maneira a embaralhar as classificações correntes. Os leitores do Cazzo ficam com o que refletir sobre Durkheim - e sobre Rousseau também. Valeu!
E seu texto deu-me saudades do tempo em que eu tinha que ler Durkheim todos os dias para minha dissertação. Eu quase fui especialista em Durkheim, mas fiquei com vergonha dessa possibilidade exatamente quando estudei no pai's dele: disseram-me que sociologia é pesquisa empi'rica e que refletir sobre os fundamentos conceituais so' é admissi'vel se e somente se, depois de fazer o "trabalho sujo" com os dados, o pesquisador ainda tiver espaço para florear a pesquisa com isso.
Assumindo que estou sendo um pouco caricatural acima, diria que Durkheim, embora seja um dos grandes responsa'veis por essa caricatura positivista-empiricista de certos discursos da sociologia francesa, nem sempre obedeceu ao que o seu pro'prio positivismo exigia. E não digo isso sozinha: Jean-Claude Filloux (especialista em Durkheim que trabalhou suas supostas afinidades com Freud), organizando textos de Durkheim que no Brasil têm o titulo de "A ciência social e a ação", selecionou textos em que a dimensão metafi'sica da sociologia durkheimiana aparece sem pudor e se sustentando inclusive em Pascal.
Assim, num desses textos, o quociente de estabilidade ontolo'gica que você sugere parece-me respondido por Durkheim a partir do "dualismo da natureza humana": egoi'smo e altrui'smo que, em movimento de desequili'brio/equili'brio, são a fonte da sociedade enquanto si'ntese histo'rica, ou seja, perfecti'vel, irremediavelmente desequilibra'vel/reequilibra'vel. Ou seja, o fundamento do contrato em Durkheim chamar-se-ia altrui'smo - o que explica seu horror à perspectiva liberal utilitarista de definição da sociedade.
Eu gostaria de apontar uma outra pista, mas ela esta' tão perdida em minha memo'ria de estudante de graduação que não vou me arriscar aqui. De qualquer forma, indico que ela se refere às descontinuidades rousseaunianas entre O Contrato e A Origem das Deigualdades, permitindo que alguns leitores percebam uma definição rousseauniana não contratual de sociedade - até a origem da propriedade privada. Talvez esta possi'vel leitura também tenha trabalhado a cabeça de Durkheim.
Quanto à oposição entre o culturalismo durkheimiano e o universalismo rousseauniano, é bom lembrar que Durkheim também tem um horizonte universalista. Segundo Boudon existe uma tendência atual(sobretudo em paises de li'ngua inglesa) em ler-se a sociologia durkheimiana sob uma perspectiva inteiramente relativista, enquanto que o que ha' de relativismo em Durkheim seria na verdade subordinado (coerente ou incoerentemente) às suas adesões mais firmes. Por outro lado, não se é socio'logo amigo dos socialistas da Terceira Repu'blica francesa sem partilhar certos princi'pios universalistas. Novamente, valeu.Abraço.

Le Cazzo disse...

Tâmara,

Obrigado pelos comentários. Prometo pensar em todos eles, sobretudo no último deles. Abraço, Jonatas

Cynthia disse...

Jonfer,

creio que as metáforas organicistas e o próprio conceito de emergência antecedem o romantismo, que simplesmente os utilizou em uma direção particular. Um exemplo importante (fora Platão, Aristóteles e o próprio Shakespeare - incidentemente, vc acabou com qualquer tesão pela busca da referência de Coriolanus) foi Montesquieu que, por sua vez, influenciou St. Simon, que influenciou Comte, que influenciou Durkheim. Ou seja, tem uma longa linhagem aí e Rousseau era apenas mais um...

Acho que uma forma mais profícua de se perceber a influência do romantismo sobre D. é justamente a partir das dicotomias que vc menciona entre natureza e cultura e indivíduo e sociedade (a essas, Steven Lukes adciona ainda sociologia/psicologia, regras morais/apetites sensuais, conceitos/sensações, sagrado/profano, normal/patológico).

Grande parte do projeto Durkheimiano parece recair sobre a necessidade de distinguir a sociologia da biologia e da psicologia e, neste sentido, uma das coisas mais centrais em sua distinção indivíduo/sociedade é a negação de que se possa explicar os fenômenos sociais por meio de disposições mentais, à maneira dos contratualistas, ou de tendências inatas dos seres humanos ao progresso, como fizeram Comte e Spencer. De fato, tudo o que diz respeito à constituição orgânico-psíquica do indivíduo é considerado individual; por outro lado, todas as inclinações individuais não são consideradas inerentes à natureza humana, mas resultado da organização coletiva.

Dá para se surpreender com sua solução culturalista? Além disso,
dado o racionalismo de Durkheim e o "propalado romantismo de Rousseau", por que a surpresa em relação à instabilidade e ao perfectibilismo como ontologia do ser humano em Durkheim?

Cynthia disse...

Tâmara,

bem lembrada essa questão do "relativismo" em Durkheim. Se não me engano, o argumento de Boudon, baseado nas Formas, é o de que o relativismo dele é de tipo kantiano ou epistemológico, isto é, baseado na fragilidade do nosso conhecimento e não em alguma equivalência real entre sistemas culturais distintos. Também plenamente compatível com seu racionalismo...

Le Cazzo disse...

Cynthia,

Escrevi um longo comentário respondendo às suas críticas. Deu tilt no meu computador e não consegui salvar o comentário. Vou aqui apenas retomar sucintamente alguns pontos.

1. A ideia de emergência é o que me interessa e acho que ela é nova. A metáfora acena para a química, coisa muito distante da Política e do que me lembro da República. Não li o Coriolano, mas suspeito que ali também não devemos encontrar essa novidade.

2. A ideia de emergência nos ajuda a entender como para R e D a vida em sociedade, com sua limitação e interdependência, pode constituir uma resposta superior a formas de vida menos dependentes da divisão do trabalho - e aqui o estado de natureza é um limite para R, assim como formas de vida baseadas em sol. mecânica o são para D. O argumento: se a sociedade fosse apenas uma agregado de indivíduos, se nada lhe fosse acrescentado na interdependência, de modo algum R poderia defender um contrato social (e aqui eu explicava mais detidamente) nem Durkheim poderia ter falar da estabilidade que a sociedade moderna poderia alcançar se plenamente alcançado uma forma de solidariedade que lhe é compatível. A instabilidade, antes, seria potencializada pelo número de indivíduos.

3. A influência do contratualismo em D. é realmente um problema. Eu defendia minha visão, embora a restringisse, mas não vou voltar a fazer.

4.Quanto ao culturalismo, ao contrário de me surpreender, ele é um dos elementos, junto com a ideia de um ser humano instável e perfectível, e perfectível porque instável, que me fazem falar de uma influência romântica em Durkheim. Culturalismo só é possível quando ideias românticas como espírito do povo etc. já estão bastante maduras para gerar essa tolerância cosmopolita.

E tinha mais, mas agora eu estou com preguiça. De qualquer modo, obrigado pelos comentários.

Cynthia disse...

Jonatas,

Realmente, a idéia de emergência é nova e deriva da química, mas o que eu quis dizer foi que ela antecede o romantismo e é usada por não românticos, como Comte. Eu tinha um artigo muito interessante sobre este conceito, retirado da International Encyclopedia of the Social Sciences, mas perdi. Refletindo sobre isso hoje à tarde, cheguei à conclusão de que talvez você tenha razão em relação a determinados usos de uma concepção mecanicista de vida ou de organismo que se contrapõe ao vitalismo (do romantismo?). Era nesse sentido que estava pensando tanto na concepção organicista quanto na concepção de emergência como coisas que antecedem o romantismo e que são relativamente independentes dele. Isso não quer dizer que eu esteja negando uma influência romântica em Durkheim, apenas que ela deve ser interpretada com cautela e por vias mais seguras, como as dicotomias que você aponta. As metáforas orgânicas e o conceito de emergência são muito disseminados para, sozinhos, se prestarem a este papel.

Quanto à influência do culturalismo, eu tinha esquecido desses conceitos centrais do historicismo que são românticos. Estava usando o termo num sentido muito mais lato - como a influência das representações, por ex., no conhecimento. Mas continuo achando que a idéia de um perfectibilismo é plenamente compatível com, senão mesmo inerente ao, racionalismo. Neste sentido, é muito anti-romântica, não?

Mas continuemos. Isso tá ficando cada vez mais interessante.

Le Cazzo disse...

Entendo que Comte pode ter usado a ideia de emergência, embora não saiba exatamente onde - seria útil ter a informação. Mas Rousseau é anterior. E no caso em questão, Durkheim cita este e não aquele. Quanto à questão da perfectibilidade, o que acho arretado é ela estar associada a uma instabilidade ontológica do ser humano e não à estabilidade da razão. Mas acho que a sua dúvida sobre o contrato ainda precisa ser respondida... Vou pensar. Abraço. Ah! E o lançamento do livro de Luciano foi um sucesso. Tive que esperar na fila trinta minutos antes de ter o autógrafo do famoso Oliveira. Jonatas

Le Cazzo disse...

Mas é preciso ver a época, Jonatas. A idéia de emergência já havia sido referida por D. via Renouvier, Boutroux e o próprio Comte antes que ele fizese uma leitura de Rousseau como um precursor da sociologia, o que só acontece em cerca de 1902. Até então, Rousseau só é mencionado como representante de um individualismo político e social por sua concepção de contrato. Achei um texto bem interessante sobre isso. Se quiser, te envio.

Eita, perdi o lançamento! Fica para o próximo livro.

Bjs
Cynthia

Le Cazzo disse...

Claro que quero, Cynthia. Por favor, envie-me o tal texto. Abraço, Jonatas

Tâmara disse...

Cynthia,
Acho que o argumento de Boudon é o que você descreve, mas eu mesma tendo a ir um pouco mais longe quanto ao relativismo de Durkheim, embora admire a arte com que ele busca acomodar isso ao seu racionalismo. Mas, como estou aqui travada com um artigo que estou começando hoje, não posso usar meu tempo agora para desenvolver meu argumento. Deixemos isso para outro post em que Durkheim apareça. Abraço.

Guilhermino disse...

cynthia, não sei o que ocorre, mas toda vez que entro no seu blog, abre uma segunda janela de propaganda que "dá pau" no meu micro, se não fecho logo acabo tendo de desligar no botão. Por favor verifique o que é isso ou se ocorre apenas comigo...
Grato

Cynthia disse...

Caro Guilhermino,

algumas pessoas já se queixaram dessa janela por aqui, mas não tenho a menor idéia de como alterar isso. Quem costumava dar umas dicas internéticas para a gente era o George Coutinho, do Outros Campos. Mas nunca mais o vi por aqui. Se alguém mais souber, por favor, diga o que fazer.

Cynthia disse...

Tâmara, aguardo ansiosa seu comentário no próximo post que Artur, nosso especialista em Durkheim, vai colocar por aqui. Né, Arture?