sábado, 13 de março de 2010

A venda do Hospital da Tamarineira

No último sábado, 13 de março, estive numa manifestação em defesa do Hospital Ulysses Pernambucano, do Hospital da Tamarineira, como todos conhecemos esse espaço de tratamento de pacientes psiquiátricos graves. Com toda a reforma psiquiátrica ocorrida nos últimos vinte anos, nunca se falou contra a necessidade de um hospital para internamento de quadros psiquiátricos agudos. E, no entanto, agora, interesses maiores que a saúde dos pacientes do HUP querem se impor. Durante a manifestação do sábado, escutamos atentos o discurso do Professor Othon Bastos, que, com autorização do autor, transcrevo abaixo. J. F.


CRIME PRESTES A SER CONSUMADO

Por Othon Bastos*

Há cerca de três anos, vimos denunciando pelos periódicos locais a cobiça e os propósitos mercantilistas da “Santa Casa de Misericórdia” e da Mitra Diocesana, em relação ao Hospital da Tamarineira e de seu precioso entorno. Logo após o carnaval deste ano, D. Fernando Saburido OSB, sucessor do malfadado D. José Cardoso, tornou-se arauto de atos anteriores à sua posse e anunciou pela imprensa falada, escrita e televisiva a triste notícia da negociata da venda do referido imóvel a um grupo comercial do Rio de Janeiro. A cobiça inicial consumava-se em desastrada transação, efetuada à socapa, contendo sanções contra os vendilhões do patrimônio sanitário e ambiental do povo e da cidade do Recife.

A ilicitude do ato é do conhecimento público, o que já foi demonstrado historicamente. Há registros de propriedade desde 1551, ato de venda à Congregação do Oratório do Recife realizada em 1710, mas a Escritura de Aforamento à Congregação de São Felipe Néri é datada de julho de 1826. No governo do Barão de Lucena (Henrique Pereira de Lucena) foi iniciada a construção do Hospital da Tamarineira com recursos públicos e donativos de particulares. Por fim, foi inaugurado em 1874, em pleno segundo reinado, quando o trono e o altar encontravam-se unidos. Logo, o que pertencia a Igreja Católica também era patrimônio do Estado e vice-versa. A seguir, a Congregação dos Oratorianos afastou-se do Recife. Como era de costume, à pia “Santa Casa de Misericórdia do Recife” foi entregue a administração da Tamarineira, o que se verificou até 1924, quando foi reintegrada ao Governo do Estado, na gestão do Dr. Sérgio Loreto, sendo Secretário de Saúde o ilustre Dr. Amauri de Medeiros. Era dirigido, então, o Hospital de Alienados pelo Prof. Ulysses Pernambucano, fundador da Escola de Psiquiatria do Recife, ainda viva e presente no cenário científico brasileiro.

A luta atual pela preservação do espaço de Saúde, representado pelos serviços psiquiátricos históricos lá existentes e ainda em funcionamento, e também pela manutenção da última reserva ambiental devidamente tombada pelos órgãos competentes, tem sido assumida pelos intelectuais do Recife, pelos psiquiatras, trabalhadores de Saúde Mental e voluntários integrantes dos “Amigos da Tamarineira”. Trata-se, na realidade, do último pomar remanescente dos antigos quintais desta pobre cidade tão devastada pela insaciável febre imobiliária. Fato semelhante ocorreu em Lisboa, há 20 anos, em relação ao Hospital Júlio de Matos, localizado no bairro de Portela. A reação dos órgãos médicos portugueses impediu a consumação deste atentado. Quem conhece os serviços psiquiátricos londrinos, parisienses e alemães tem ciência de que todos aqueles serviços centenários preservam sua aparência externa, enquanto são interiormente modernizados. Refiro-me ao Maudsley Hospital, à Salpétrière, à Sainte Anne, ao Hospital de Heidelberg, etc.

Há igualmente um estranho silêncio e omissão das autoridades constituídas do Estado e do Município em relação a estes fatos, as quais parecem mais preocupadas com as próximas eleições. D. Fernando Saburido, monge beneditino, deve estar por certo intimamente dividido entre a defesa dos interesses e deveres da Mitra e os seus princípios éticos emanados da Ordem de São bento, tão contrastantes entre si. Mas, até a presente data, não se preocupou em receber em audiência os dirigentes dos serviços de saúde, ora ameaçados. Limitou-se a expor seus argumentos a um grupo restrito de parlamentares, vereadores e demais representantes do poder legislativo. Pouco importam os protestos veiculados pela imprensa não comprometida da cidade, contendo a opinião de parcela representativa da população e de técnicos de notório saber. As especulações financeiras, por certo, têm falado mais alto.

Resta-nos, porém, o pronunciamento de um terceiro poder, o Judiciário, representado pelo Ministério Público, a quem caberá julgar a ilicitude da transação, assim como das autoridades defensoras do meio ambiente, a quem cabe zelar pelo patrimônio comum do povo desta cidade indefesa.

*Professor Titular de Psiquiatria das Universidades Federal e Estadual de Pernambuco. Professor Emérito da UPE.

2 comentários:

Amigos da Tamarineira disse...

Caríssimos,
Grata pelo apoio ao nosso movimento, além do hospital nossa luta é pela preservação integral da área verde.
Amélia Lyra
ex-aluna do PPGs
Movimento Amigos da Tamarineira

Cynthia disse...

Boa sorte, Amélia!