quarta-feira, 2 de junho de 2010

Entrevista com Robert J. Brym



Bob Brym é professor da Universidade de Toronto, Canadá, e autor de diversos livros, dentre eles
Intellectuals and Politics (1980 e 2010), The Capitalist Class: an international study (com Tom Bottomore, em 1989), Sociology as a Life or Death Issue (2008) e Sociologia: sua bússola para um novo mundo (com um montão de gente, em 2006).

Cynthia Hamlin: William Outhwaite certa vez o definiu como “um excelente sociólogo, com uma gama extremamente ampla de interesses”. Dada a variedade de temas sobre os quais você tem publicado (intelectuais, poder, estratificação, mobilidade social, emigração, suicídio, violência, relacionamentos virtuais etc.) é possível identificar uma preocupação comum que confere unidade à sua obra?

Robert J. Brym: Uma interpretação não muito generosa para isto seria a de que eu sofreria de Síndrome de Déficit de Atenção intelectual: eu não consigo focar um tópico único por mais de cinco anos. Como resultado, meu conhecimento teria um quilômetro de diâmetro e um milímetro de profundidade. Uma interpretação mais generosa poderia começar citando Max Weber, que escreveu que escolhemos estudar “apenas aqueles segmentos da realidade que se tornaram significantes para nós devido ao seu valor-relevância”. Ele estava certo. Meus pais eram judeus da Europa ocidental com inclinações esquerdistas, então Weber não acharia difícil compreender por que meu primeiro livro diz respeito à participação dos judeus no movimento revolucionário russo, ou por que minha pesquisa mais recente lida com a violência coletiva no conflito Palestina-Israel. No entanto, Weber não contou a história toda. Nossos valores biograficamente embasados podem nos orientar em direção a certos temas, mas determinadas oportunidades e restrições influenciam nossas escolhas.


7 comentários:

Tâmara disse...

Cynthia,
Essa sua entrevista até parece que foi feita para mim, para que eu pense melhor em algumas de minhas preocupações centrais no momento. Mas a verdade é que apresentar perspectivas como as de Brym num blog de teoriaMetodologia em ciências sociais, sempre vai produzir afinidades eletivas, né? Fui lendo e ficando contente, como que tranquilizada por sentir-me num mundo sociolo'gico que tem pessoas como ele.
Para começar, a conhecidi'ssima articulação weberiana entre escolhas tema'ticas e valores-relevância como colocada por Brym, desde seu estudo sobre judeus na revolução russa até sua pesquisa sobre as condições sociais do câncer a partir de um texto de Paulo Freire, ajudou-me a entender porque eu mesma ando sofrendo com um velho livro de Alain Touraine (às vezes datado, às vezes inconsistente, mas para mim ainda va'lido para uma sociologia ativa no mundo), tentando elaborar um programa mezzo-pesquisa/mezzo extensão com estudantes de graduação. Depois, a resposta à sua questão sobre o ensino em turmas gigantes, foi um alento: em Sergipe, a a'rea de sociologia esta' tão estrangulada pela relação entre o nu'mero infinito de turmas de introdução e o nu'mero restrito de professores que isso acaba gerando uma oposição entre "pesquisadores" e "professores" fadada à morte de ambos. No ano passado discutimos possibilidades de reestruturação das turmas que têm afinidades com as condições e limites para o ensino em turmas gigantes de que fala Brym. Vou até enviar esse post para colegas: quem sabe isso nos ajude a amadurecer nossas idéias.
Quanto à pesquisa sobre a violência em Palestina/Israel, a resposta de Brym fez-me pensar em nossos comenta'rios sobre meu u'ltimo texto. Falando nisso, fico aqui pensando como e quando o Estado de Israel vai deixar de alimentar a praga do anti-semitismo no mundo...
Voltando às coisas boas, valeu: você é ainda melhor entrevistadora do que o de Animal!

Cynthia disse...

Hahahaha! É que Bob, sendo um pouco mais articulado do que Animal, tornou as coisas mais fáceis para mim. Mas acabamos fazendo a entrevista via email mesmo, de forma que faltou aquele "bate bola" que caracteriza as boas entrevistas. A culpa não foi do entrevistado.

Quanto às turmas gigantes, Tâmara, acho que seria uma péssima ideia entre nós. Não temos nada parecido com a infra-estrutura que eles dispõem, sem falar que temos um acúmulo de atividades que não encontra paralelo entre os professores no Canadá.

Uma vez assisti a uma dessas aulas, que são ministradas em um teatro enorme. Sentei no balcão e fiquei olhando tudo lá de cima. Senti-me como se estivesse em um show de Madonna. Bob aparecia pequenininho, lá em baixo, projetado em dois telões, iluminado com luz de teatro. À medida que ele introduzia certos temas, os telões alternavam sua imagem com gráficos e tabelas que os estudantes tinham ainda reproduzidos em seus laptops. Fiquei imaginando o que seria dispor de um material didático como aquele em uma turma menor, com cerca de 40 alunos. Metade da tecnologia seria supérflua, pois as aulas poderiam tomar uma forma mais dialógica. Depois da aula, Bob me perguntou o que eu tinha achado e, para falar a verdade, estava meio horrorizada. O conteúdo era fantástico, mas interação me pareceu complicada. Quando voltei para o Brasil, comecei a aplicar algumas de suas ideias e parte de seu livro nas turmas de fundamentos. No segundo ano, vi que a coisa poderia funcionar muito bem, de forma que começamos a pensar mais seriamente em adaptar a Bússola para o Brasil.

Honestamente, não troco toda a tecnologia por uma boa interação face-a-face. Não há nada mais desconcertante e, portanto, melhor para nos fazer refletir sobre os conceitos sociológicos, do que as perguntas meio mal-ajambradas dos estudantes de primeiro período. Eles ainda não dominam o jargão sociológico, de forma que geram em nós um estranhamento constante em relação à nossa linguagem. É impressionante, mas, geralmente, se você não consegue explicar claramente um conceito a um aluno de primeiro período, é porque não tem muita clareza sobre ele. Claro que às vezes temos que trabalhar com simplificações excessivas, já o entendimento de alguns conceitos e teorias pressupõe um conhecimento que os alunos calouros ainda não têm e já me peguei mais de uma vez dizendo "olha, por enquanto você vai ter que acreditar em mim". Mas juro a você que aprendi mais sociologia geral ensinando fundamentos do que qualquer outra disciplina. Sem falar que é muito lindo ver um estudante aplicar um conceito novinho em folha em sua cabeça a um mundo que lhe parecia completamente familiar e notar a mudança de perspectiva. Isso Bob não pode ver, o que é uma pena.

Beijo!

SEAF disse...

Olá,
acabo de conhecer este belo Blog de vocês e não resisto à tentação de espalhá-lo, para que mais e mais possam partilhar da lucidez que vi aqui.

Espero que estejam de acordo.
Está com "link" no menu à esquerda, sob o título "Parceria em Blogs", no Blog da SEAF - http://seaf-filosofia.blogspot.com

Abraço,
Ana

T^amara disse...

Cynthia,
Entendo seu horror diante de mais de mil alunos num audito'rio. Quando penso em turmas gigantes, n~ao é mais do que 150 alunos e em condiç~oes diferentes das que temos, naturalmente. Mas desconfio que com os 50 a 80 alunos que temos em turmas de introduç~ao, no's ja' estamos vivendo um pequeno horror. N~ao penso em algo assim para estudantes de ci^encias sociais, mas reflito se tornar os cursos mais din^amicos e com assistentes da po's, n~ao seria mais interessante com alunos de outros cursos. O nosso dilema é: como oferecer mais do que o alfabeto inteiro de turmas de introduç~ao, as turmas da nossa graduç~ao, as turmas de nosso mestrado, as de nosso doutorado, com apenas 10 professores? E pesquisar e publicar e ir para congressos...Enquanto filha de Macunai'ma, acho que é o gigante malvado chegando!Abraço

Le Cazzo disse...

Cara Ana,
Muito obrigado por seu interesse. Que bom que você gostou. Vou retribuir a visita. Abraço.

Cynthia disse...

Oi, Ana,

A parceria é muito bem-vinda, especialmente porque temos aqui um apreço especial à filosofia. Obrigada!

Cynthia disse...

Tâmara,

confesso que também já nos ocorreu a ideia de juntarmos turmas a fins para fazer grupos maiores, mas continuo achando que talvez não seja uma boa ideia. Um dos problemas seria como incentivar os professores a assumir turmas tão grandes sem a infra-estrutura necessária. Ao contrário do que ocorre nas universidades canadenses, o estágio docência para alunos da pós limita-se a um por turma, por 30 horas e para desenvolver atividades em sala de aula, junto com o professor. Nós não temos, especialmente em outros cursos, a possibilidade de promover um horário fixo de encontro com os assistentes de ensino - se isso ocorrer, será em prejuízo da carga horária do professor responsável pela disciplina (o que seria o mesmo que responsabilizar o estagiário pela aula). Além disso, quantos Bob Brym existem em seu departamento? É muito difícil imaginar que alguns colegas simplesmente deixariam o estagiário dar as aulas em seu lugar?

Independente disso, o próprio modelo canadense é questionável sob certos aspectos. Por ex., professores de mega-turmas não corrigem provas: isso é tarefa dos assistentes de ensino. Para minimizar os problemas com isso, eles fazem uso extensivo de provas objetivas, o que é um problema em sociologia. Eu, Eliane e Remo tentamos desenvolver uma série de testes semi-objetivos, com questões verdadeiras e falsas (onde se justificava discursivamente as questões falsas) e foi um horror. Frequentemente, questões que para nós eram "verdadeiras" eram consideradas falsas (e vice-versa), e as justificativas dadas pelos alunos de fato permitiam considerá-las como falsas (bastava a adoção de uma teoria alternativa à que tínhamos implícita em nossa pergunta para desmontá-la de forma adequada). Simplesmente não funciona, além de minimizar um dos aspectos mais importantes da atividade sociológica, que é a capacidade de argumentação.

A impossibilidade de estabelecer o diálogo com o professor em sala de aula também não pode ser minimizada. Uma turma com 150 alunos dificilmente constitui uma situação ideal de fala, para roubar a expressão de Habermas.

Sei não, mas quanto mais eu penso nisso, mais complicada a coisa me parece...

Sobre o conflito Israel/Palestina, concordo com você que o Estado israelense tem ajudado a fortalecer o antissemitismo, abrindo espaço para comparações (a meu ver injustificadas) entre Gaza e Auschwitz. Não é à toa que um grande amigo e colaborador do Bob escreveu um livro sobre a política de Ariel Sharon intitulado "Politicídio" e morreu como persona non grata na academia israelense. Complicada essa situação...