quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Curiosidades de um forasteiro


Dante no Exílio. Obra de Domenico Petarlini. Circa 1860.

Pedro Lincoln C. L. de Mattos (Professor do Departamento de Ciências Administrativas da UFPE)

Foi uma situação inusitada e um diálogo mais ainda. Cá estava ele, sete séculos após sua tumultuada passagem pela Itália medieval. Apesar de ser apenas uma figura meio diáfana na tela de meu notebook, pude reconhecê-lo pelas longas vestes, o nariz adunco e o gorro florentino, ainda hoje rid... digo, gracioso. Montava guarda junto àquele blog, não sei se para prestigiá-lo ou se para assegurar a autoria do famoso dístico que lhe fora tão caro: "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate".

- Senhor Alagherii, sou um forasteiro, de passagem por esses sítios, cujo endereço me foi dado por amigos. Vejo que aqui se reúnem virtualmente pessoas interessadas em teoria e metodologia das ciências sociais. Fiquei levemente chocado com a referência ao famoso pórtico, idéia sua. (Não disse a ele, é claro, mas tinha também receio que, ao lado do papa Bonifacius VIII, posto por Dante no primeiro e mal-habitado destino do após-morte, eu me deparasse com um sucessor mais recente, Benedictus...). Devo realmente abandonar toda esperança ao adentrar esse campo acadêmico?

- Primeiro, podes chamar-me mesmo de Alighieri, já que meu amigo Giovanni Boccaccio, deixou meu nome assim para a posteridade. És, então, um forasteiro por esses sítios da sociologia? Isso me lembra meus longos anos de exílio em Roma... De onde vens?

- Sim, sou da área de administração – declarei, com certo receio de reação negativa dele, que era um nobre, filósofo e poeta; também não me ocorria que tivesse posto no Céu alguém da minha área. – Mas administração tem se esforçado por caracterizar-se como campo de interesse interdisciplinar, por isso tenho colegas da sociologia das organizações, da antropologia, da psicologia social...


Um comentário:

Cynthia disse...

Caro Pedro Lincoln,

Seja bem-vindo ao Cazzo! Embora com toques dantescos, não somos, assim, um infeeeeerno, inferno - de forma que você pode pelo menos reter a esperança de que suas reflexões serão bem acolhidas.

Confesso que me sinto um pouco incompetente para meter minha colher nas suas investigações, já que meu conhecimento de administração é basicamente nulo. Mas vou tentar contribir com duas provocações.

Em primeiro lugar, acredito que toda boa teoria sobre a sociedade (ou algum aspecto dela) digna desse nome enquadra-se na categoria de teoria social. Isso quer dizer que são interdisciplinares, embora possam ter partido de uma disciplina específica. Neste sentido, fico imaginando se essa busca por uma teoria administrativa (seria esse o nome?) não seria sintoma de uma crise de identidade da administração. Por outro lado, confesso que desconheço uma teoria social que tenha sido produzida por administradores, de forma que entendo um pouco as razões da crise.

A outra questão é mais específica. Será que essa definição de teoria como "a estruturação 'artesanal' e justificada de unidades conceituais de diferentes escopos, com linguagem denotativa e intenção explicativa" não é ela própria aprioristicamente normativa (além de excessivamente restritiva) e, portanto, incompatível com a ideia de práticas linguísticas?

Abraço.