domingo, 12 de dezembro de 2010

A CONDIÇÃO PÓS-HUMANA: OU “COMO PULAR SOBRE NOSSA PRÓPRIA SOMBRA”





















Jonatas Ferreira

“Eis-nos aqui, pais de nosso próprio parentesco” (Serres, 2003, p. 50).

“O fato de que a Filosofia e a química fisiológica podem examinar o homem como organismo, sob o ponto de vista das Ciências da Natureza, não é prova de que neste elemento ‘orgânico’, isto é, de que no corpo explicado cientificamente, resida a essência do homem. Isto vale tão pouco como a opinião de que na energia atômica, esteja a essência da natureza. Pois, poderia mesmo acontecer que a natureza escondesse precisamente a sua essência naquela face que oferece ao domínio técnico do homem” (Heidegger, 1987, p. 47).


Introdução


Por intermédio de uma interface qualquer, a partir de uma série de perguntas e respostas, você seria capaz de diferenciar um computador de um ser humano? O famoso artigo de Alan Turing (1990), ‘Computer Machinery and Intelligence’, de 1950, propõe esse como critério para decidir se máquinas podem ou não ser consideradas inteligentes. Você é capaz de distinguir “performance verbal” de uma “realidade corpórea” e humana? Se você existe num mundo em que essa distinção não pode em certas circunstâncias ser traçada com facilidade, pouco importa, ao final, que a máquina em questão responda suas perguntas por meio de regras pré-estabelecidas. Você já se relaciona com o computador como se se tratasse de um ser humano. De acordo com Katherine Hayles (1999, p. xii), para além de nossa opinião pessoal sobre o assunto, ao aceitar os termos a partir dos quais Turing apresenta o problema, deparamo-nos com a seguinte situação:
O que o teste de Turing ‘prova’ é que uma sobreposição entre a corporeidade vivida e representada não é mais uma inevitabilidade natural, mas uma produção
contingente, mediada por uma tecnologia que se tornou tão entrelaçada com a
produção da identidade que ela não pode mais ser separada de modo significativo do sujeito humano. A percepção de que a ‘subjetividade’ humana já não pode ser claramente discernível de um aparato mecânico é um passo decisivo na direção daquilo que ela chama ‘pós-humanidade’.


Na medida em que você olha atentamente significantes florescentes rolando pela tela de seu computador, independente das identificações que você possa atribuir às entidades corpóreas que você não pode ver, você já se tornou pós-humano (Hayles, 1999, p. Xiv). Recentemente, algumas vozes no campo da sociologia passaram a afirmar que as tecnologias de digitalização da vida nos conduzem a um tipo de sociedade na qual prevaleceria uma ruptura com o humano e com o humanismo. Lendo as citações acima, ocorre-me o quanto esse discurso está associado àquilo que se convencionou chamar de virada lingüística ou, mais remotamente, ao fato de, já no século dezenove, Nietzsche observar a inexistência de uma ligação orgânica entre a coisa nomeada, a sensação que ela produz e o símbolo que convencionamos adotar para evocar coisa e sensação. Devemos certamente à penetração dessa observação elaborações posteriores, tais como: a circulação desses símbolos obedece a uma lógica própria, em que o significante tem primazia sobre o significado (Saussure); o inconsciente se  estrutura como linguagem (Lacan); os meios contemporâneos de comunicação produzem realidade como simulação (Baudrillard); a virtualidade dessa simulação implode o tempo e o espaço, e, conseqüentemente, retira-nos a possibilidade de agir reflexivamente, de pensar criticamente (Virilio e Baudrillard). Se os símbolos têm dinâmica própria e, portanto, já não podem ser considerados reflexos, representações de uma realidade pré-existente, se o próprio inconsciente se estrutura como linguagem, o que nos impede de inferir que o ato de pensar seja separável de um tipo específico de suporte: a mente humana?

Em 2004, publiquei esse pequeno ensaio na revista Política e Trabalho. Para baixar o texto, clique aqui.

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