terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Hegel, os hegelianos e o Romantismo 1: uma empadinha sociológica
















Jonatas Ferreira

Com efeito, se em contraste com os outros materiais sensíveis – madeira, pedra, tinta e som – só a linguagem, a palavra e o discurso constituem o elemento digno de servir a expressão do espírito, também a poesia dramática, por sua vez, que reúne a objectividade lírica, é um género superior, pois apresenta uma acção circunscrita como sendo uma acção real, cujo resultado deriva tanto do carácter íntimo das personagens que a efectuam, como da natureza substancial dos fins e conflictos que a acompanham ou que provoca” (Hegel, Estética. Poesia, s/d, p. 277)

Inveja é uma péssima maneira de começar o ano novo, além de ser uma merda. Mas, para não deixar Artur sozinho, e próspero!, no negócio das iguarias sociológicas, resolvi investir no ramo das empadinhas. É verdade que este é um produto mais perecível que os dropes, alerta-me um amigo empresário. De qualquer modo, dá pra estocar no Kelvinator enquanto o leitor não tiver disposição de consumir o quitute – sobretudo logo após os excessos de final de ano: salsichão, queijo coalho na brasa, franguinho com farofa na praia de Boa Viagem ou alhures; ah, os prazeres da gastronomia, a delícia de escutar Ivete Sangalo, Paulo Diniz nas primeiras horas do ano. Mas, tergiverso. De qualquer modo, tenho de colocar esse texto para fora – temo que o consumo da empadinha se torne ainda menos palatável agora – e dar continuidade ao meu investimento no Romantismo alemão como um campo privilegiado para compreender o surgimento de uma vertente crítica, não positivista no pensamento sociológico.

Assim é que chego a Hegel. E é claro que logo percebemos que a relação inicial que se poderia estabelecer entre o Romantismo de Jena, que viemos trabalhando, e esse grande filósofo seria de oposição. Hegel é um pensador francamente iluminista, defensor qualificado da razão na vida moderna, de uma filosofia científica, um pensador sistemático, e um pensador de sistemas. Como tal, ele antagoniza a sensibilidade romântica, sua ironia, sua crença na estética, na arte como lugar de superação das aporias da vida moderna. Se sob o Romantismo a arte se tornara filosófica, e a partir da poiesis, da produtividade desse espaço, pretendia propor uma superação das antinomias entre razão e entendimento, entre conceito e intuição, entre sujeito absoluto e sujeito objetivo etc., Hegel busca afirmar o papel fundamental, exclusivo, que uma razão científica e histórica teria na busca de superação dessas mesmas fraturas. Ou seja, Hegel reafirma o lugar fundamental da filosofia no projeto moderno. A própria maneira como Hegel apropriou o legado iluminista, bebendo seu cálice de vinho todo 14 de julho e mantendo “ao mesmo tempo uma postura conservadora, fiel ao Estado” (Safranski, 2010, p. 213), o faz suspeitar da ousadia individualista romântica.

Porém, em meio a essas diferenças claras, já encontramos um primeiro ponto de contato entre Hegel e o grupo de Jena – que ele conheceu e criticou tão bem. Se a terapêutica encontrada para certas dificuldades da modernidade difere num e noutro caso, o diagnóstico é amplamente coincidente. A vida moderna radicaliza a tendência que o ser humano tem de se alienar de si próprio, de encontrar-se fraturado entre esferas de exigência díspares. A alienação é um diagnóstico comum tanto ao Romantismo quanto em Hegel - e Hegel e Marx teriam pouco a dizer acerca desse tema sem a contribuição romântica, sem o seu gesto artístico e filosófica de procurar encontrar um espaço fundamental no qual o sujeito possa estar pleno consigo mesmo. Desde Fichte, a palavra alienação entra no vocabulário da cultura alemã. Quem não se lembra a esse respeito do Sistema da Vida Ética, do diagnóstico Hegeliano de que o ser humano é o ser indireto, alienado de si, mas que essa alienação (ou seja, o fato de não estarmos plenos naquilo que fazemos, de sempre colocarmos um intermediário entre o nosso desejo e sua fruição) era histórica e que portanto haveria de ser superada uma vez que ele realizasse em si plenamente a razão, a universalidade do espírito. O Romantismo, como vimos, acreditava que caberia à arte realizar essa tarefa, assim como lutava por uma mudança radical da relação instrumentalizadora, distanciada que o homem moderno passara a estabelecer com a natureza. Acerca desse último tema, temos de Hegel (1989, p. 49) a seguinte passagem:
Cierto que puede asumirse la forma de hablar corriente según la cual el hombre ha de permanecer en unidad inmediata con la naturaleza; pero tal unidad en su abstracción es precisamente barbarie y salvajismo. Y el arte, en cuanto disuelve esta unidad para el hombre, lo eleva con manos suaves sobre la cautividad en la naturaleza”.


Uma segunda maneira de abordar a influência que o Romantismo exerce sobre Hegel é, evidentemente, considerar os seus estudos sobre o belo, sobre a arte. E aqui também teremos o que apreciar. Em Hegel e a sociedade moderna, Charles Taylor considera uma expressão do Romantismo sobre a qual não nos debruçamos até aqui, a obra de Herder, e sua influência na filosofia hegeliana. Comecemos então por considerar a sugestão de Taylor. Tradicionalmente associado ao movimento estético conhecido como “Tempestade e Ímpeto”, Herder opunha-se à análise objetificadora do ser humano que prevaleceria no pensamento iluminsta e que o reduziria à condição de “sujeito de desejos egoístas, em relação aos quais a natureza e a sociedade meramente forneciam os meios de satisfação” (Taylor, 2005, p. 12). No lugar disso, propunha a ideia do homem como “objeto expressivo”. “A vida humana era vista como possuidora de uma unidade mais propriamente análoga à obra de arte, na qual cada parte ou aspecto só encontra seu significado próprio em relação com todos os outros” (Ibid.). Se a vida moderna transforma essa vida num amontoado disparatado de elementos, tais como, “razão e sensibilidade”, “corpo e alma” e se a ciência, raciocina Herder, age de modo a recrudescer essas antinomias, caberia à arte buscar uma síntese expressiva, uma unidade estética da vida.
Hemos dicho ya que el contenido del arte es la idea y que su forma es la configuración imaginativa y sensible de la misma. El arte tiene que hacer el mediador para que ambas partes constituyan una totalidad libre y reconciliada” (Hegel, 1989, p. 66)

Já afirmamos acima que Hegel não compartilhava com a ideia de que a arte seria a mais alta realização do espírito humano, nem que exclusivamente por seu intermédio pudéssemos vencer a alienação inerente a uma vida mediada pelo trabalho e pela técnica. Para ele, a expressão artística, no entanto, fornece ao ser humano uma experiência intelectual e sensível que se diferencia da luta pela sobrevivência, e de um certo nível de animalidade ainda implícita nos cuidados com nossa condição física – muitas décadas depois, Bataille, que estudou Hegel com Kojève na juventude, dirá algo parecido ao analisar as pinturas rupestres das cavernas de Lascaux. E se a arte desempenha aqui um papel tão importante é precisamente porque ela resiste a toda instrumentalização. A arte não é meio para realizar algo que esteja fora de seu próprio sentido; nela o espírito, ou seja, nossa vocação para a universalidade, encontra expressão e, portanto, possibilidade de reconhecimento de sua própria essência. A possibilidade de que cada indivíduo encontre a expressão de sua condição de ser universal, entretanto, só é possível como experiência temporal, o que vale dizer: só é possível dentro de um determinado contexto cultural. E assim: “o Volk como Herder o descreve é o portador de uma determinada cultura e sustenta seus membros, que só podem se isolar ao preço de um grande empobrecimento. Estamos aqui no ponto de origem do nacionalismo moderno. Herder pensa que cada povo tinha seu próprio tema norteador, sua própria maneira de expressão, únicos e insubistituíveis” (Taylor, 2005, p. 13). No expressivismo de Herder, Taylor argumenta, Hegel encontra pela primeira vez uma possibildiade de unidade entre indivíduo e comunidade, corpo e mente. “Como um ser expressivo, o homem tem de recobrar a comunhão com a natureza, que foi rompida pela postura analítica e dissecadora da ciência objetificadora” (Ibid., p. 13 e 14). Para Hegel também, a realização do potencial universal de cada individualidade passa pela cultura nacional onde ela está inscrita. É isso, por exemplo, que constatamos em seu famoso texto dedicado à poesia.
Como a poesia tem por objecto, não as generalidades da abstracção científica, mas todas as ideias da razão individual, encontra a sua principal determinação no carácter nacional que é uma emanação e cujo conteúdo e modo de concepção se torna o seu conteúdo e o seu modo de expressão próprios, o que conduz a um grande número de formas particulares e originais. Com efeito, as poesias oriental, italiana, espanhola, inglesa, romana, grega e alemã diferem umas das outras pelo seu espírito, sentimentos, maneira de conceber o universo, expressão etc”. (Hegel, s/d, p. 37 e 38)

É claro que entendemos os limites da influência de Johann Gottfried von Herder na obra de Hegel. Seu rousseauismo, sua descrença no caráter abstrato do exercício filosófico, na universalidade da razão beira ao irracionalismo. Para ele, o ensino da lógica, da matemática, das ciências, da filosofia com pretensões universais é pedagogicamente artificial e em última instância culturalmente alienantes. A educação do povo deve significar o fortalecimento de cada indivíduo nas lições práticas de sua própria cultura. “O mais alto grau de habilidade filosófica não pode coexistir de modo algum com o mais alto nível de um entendimento sadio; e então a disseminação do primeiro torna-se danoso para povo” (Herder, 11). A especulação filosófica é infinita; sua perturbadora curiosidade opõe-se à tranquilidade do povo. Evidentemente, o anti-iluminismo de Herder não corresponde àquilo que a filosofia hegeliana tem de mais caro, a crença de que a própria razão poderia livrar a modernidade das mazelas da fragmentação, da objetificação e da instrumentalização da vida. Porém, mesmo no irracionalismo de Herder, há lições preciosas a serem aprendidas. Tomemos como exemplo a crítica que ele realiza ao conteúdo abstrato de certas filosofias da ética, sua incapacidade de servir ao homem comum. Há aqui, sem dúvida, ideias muito próximas àquelas que constituíram a base da crítica hegeliana à deontologia kantiana, no que pese uma certa reificação do espírito do povo. Em outras palavras, já encontramos aqui evidência da necessidade de uma realização histórica do espírito, de sua expressão concreta e temporal no mundo. Vejamos o que Herder diz a esse respeito:
Enquanto emitirmos julgamento sobre a perfeição ou imperfeição numa ciência ideal do pensamento sem mostrar essa deusa nas roupas comuns da humanidade, admitiremos muita coisa como bom que, em si mesmo, mostra falhas quando a aplicamos. Certamente o pensamento filosófico é uma perfeição. Mas em que medida essa perfeição é algo para os seres humanos como nós, cujo slogan foi escrita pela natureza, “Viva, reproduza e morra!”, e em que medida pensar de modo filosófico é algo para os cidadãos para quem o Estado fala o slogan “Aja!” é uma questão bastante relevante para o nosso problema” (Herder, p. 10)

Em Hegel, o modo de vida dos seres humanos não é um entrave no caminho da realização de sua plena potencialidade como espírito, isto é, como razão universal e absoluta; é antes o caminho. Assim, a linguagem de uma determinada cultura é a própria substância sobre a qual se abrem as possibilidades dos indivíduos históricos – e mais uma vez aqui escutamos os ecos do nacionalismo de Herder. “O modo de viver é tanto uma maneira de cumprir as funções da vida – nutrição, reprodução e assim por diante – como uma expressão cultural que revela e determina o que somos, nossa “identidade” (Taylor, 2005, p. 37). E essa constatação nos abre a possibilidade de perceber a importância da arte como expressão orgânica e temporal do espírito humano que, na contradição de sua finitude, se projeta em direção ao Espírito Absoluto, ou seja, na realização plena de seu potencial como ser humano. Essa realização, realcemos, seria o fim da alienação humana. E se a arte não é, para Hegel, o fundamento desse projeto, ela é absolutamente vital na tarefa de apresentar à sensibilidade humana, à sua corporeidade, o espírito.

A questão estética em Hegel

Ao propor uma discussão científica, filosófica, do belo artístico, que Hegel entende como sendo o campo total da arte, uma primeira constatação é apresentada: a arte não é algo útil. Comprometido de um modo bastante específico com aquilo que Benjamin chamaria de arte aurática, para ele, a arte tem um fim em si própria, tem sua própria essência, sendo inconcebível que ela venha a se subordinar a um fim que lhe seja externo: engajamento político, moral ou busca de sucesso comercial, por exemplo1. Embora não seja útil, o belo artístico é considerado fundamental, pois em qualquer manifestação artística sempre se trata de expressar de modo sensível o espírito humano, possibilitando, por essa via, o seu reconhecimento. A arte nos apresenta nossa vocação espiritual de modo sensível. E assim, Hegel afirma: “La necesidad general del arte es, pues, lo racional, o sea, el hecho de que el hombre ha de elevar a la conciencia espiritual el mundo interior y el exterior, como un objeto en el que él reconoce su propia mismidad. El hombre satisface la necesidad de esta libertad espiritual en cuanto, por una parte, hace interiormente para sí mismo lo que él es, y a la vez exteriormente ese ser para sí” (Hegel, 1989, p. 34). A arte é, pois, uma forma de mediação entre o sensível e a razão, entre o interno e o externo em que o ser humano expressa sua espiritualidade e testemunha acerca da tendência a espiritualização do cosmos – pois o homem, em sua essência e naquilo que produz, “é o veículo da vida espiritual do Geist” (Taylor, 2005, p. 59).

Em sua qualidade expressiva, a manifestação artística apresenta as contradições e limites de uma espiritualização que é sempre histórica. Retornar à forma como essas contradições foram representadas é seguir, para Hegel, o próprio progresso do espírito humano. “Esta verdad superior, debida al grado de espiritualidad que ha logrado la configuración adecuada al concepto del espíritu, ofrece el punto de partida para la división de la ciencia del arte. Pues el espíritu, antes de llegar al concepto de su esencia absoluta ha de recorrer diversos estadios que se fundan en ese concepto mismo. Y al despliegue del contenido que él se da a si mismo corresponde un curso correlativo de configuraciones artísticas, en cuya forma el espíritu, como artístico, se da a sí mismo la consciencia de sí” (Hegel, 1989, p.68). Que estágios seriam esses? Hegel identifica três grandes estágios que, por seu turno, comportam variações internas: simbólico, clássico e romântico. Discorramos um pouco acerca dessa tipologia, ou melhor, dessas etapas de desenvolvimento do espírito. Através dela, teremos a oportunidade de perceber a teoria da história hegeliana operando como resposta possível à questão fundamental da alienação do ser humano.

Creio que algo fundamental na caracterização de uma arte simbólica seria a maturidade que o ser humano teria para transformar a matéria de acordo com a idealidade do espírito. Assim, a representação, sua qualidade, é uma questão importante para Hegel. A arte simbólica, para ele, evidencia uma imaturidade técnica, mas fundamentalmente uma imaturidade do espírito humano, de colocar-se adequadamente e reconhecer a si em sua idealidade. E por esse motivo ela é “indeterminada”, falta-lhe “clareza” e, portanto, “verdade”. “Como indeterminada, todavía, no tiene en sí misma aquella individualidad que reclama el ideal; su abstracción y unilateralidad hace que la forma exterior sea deficiente y causal. Por eso, la primera forma del arte es más un mero buscar la configuración que una facultad de verdadera representación” (Hegel, 1989, p. 71). Como representação inadequada, mas que já mostra a presença do espírito, de uma razão universal, um leão pode se converter em “determinação abstrata” da força, por exemplo (Ibid.). Mas essa inadequação que o simbólico carrega em si, essa distância entre idéia e expressão concreta, é, ela própria, matéria para a consciência do espírito. “Y cuando la idea, que ya no da expresión a ninguna otra realidad, sale a la luz en todas estas formas y se busca allí en medio de la inquietud y falta de medida de las mismas, pero sin poderse encontrar adecuadamente en ellas, entonces eleva a lo indeterminado y desmedido las formas de la naturaleza y los fenómenos de la realidad” (Ibid.). O simbólico em sua desmedida gera uma arte vocacionada ao sublime, à desmedida que nos remete ao espírito, mas ali não encontra forma adequada de expressão. Seu sentido expressivo é, portanto, negativo.
Dichos aspectos constituyen en general el carácter del primer panteísmo artístico en Oriente, en cual, por una parte, pone la significación absoluta incluso en los peores objetos, y, por otra parte, fuerza violentamente las formas de manifestación para que expresen su concepción del mundo. Con ello se hace bizarro, grotesco y falto de gusto, o bien, despreciando la libertad infinita, pero abstracta de la sustancia, se vuelve contra todas las apariciones como nulas y perecederas. Con ello la significación no puede acuñarse perfectamente en la expresión, y, pese a tanta aspiración e intento, se mantiene, sin embargo, la inadecuación entre idea y forma. Esta es la primera forma de arte, la simbólica, con su búsqueda, efervescencia, enigma y elevación” (Ibid., p. 72)

A forma artística clássica corresponde, para Hegel, à solução de dois problemas que caracterizam o estágio simbólico. Esta última, como vimos, é imperfeita porque a idealidade que ela busca expressar permanece abstrata e porque a forma simbólica permanece inadequada àquele conteúdo. Em outras palavras, o simbólico é prisioneiro de uma representação deficiente, imperfeita da ideia. O progresso do espírito, portanto, age de modo a resolver essa dupla deficiência. A arte clássica traduz perfeitamente conteúdos perfeitos, equilibra harmoniosamente forma e conceito. Esse passo adiante, evidentemente, deve ser entendido não apenas como uma vitória formal, mas como amadurecimento do espírito no sentido do seu auto-reconhecimento. Não é fortuito, portanto, que predomine a idealidade das formas clássicas encontre como principal expressão a forma humana. “Con frecuencia el personificar y humanizar han sido denigrados como si fueran una degradación de lo espiritual. Pero el arte, en tanto tiene que conducir lo espiritual a la intuición sensible, no pude menos de pasar a esta humanización, pues el espíritu sólo en el cuerpo humano aparece de manera adecuadamente sensible” (Hegel, 1989, p. 73). Parece já bastante claro que o espírito caminha no sentido da tradição artística ocidental. Os motivos lógicos e políticos dessa tomada de partido serão discutidos mais adiante. Por ora, repisemos o já dito:
Así la forma queda purificada para expresar en sí el contenido adecuado a ella. Y, por otra parte, si la concordancia entre significación y forma ha de ser perfecta, también la espiritualidad, que constituye el contenido, ha de ser de tal índole que sea capaz de expresarse en la forma natural del hombre, sin decollar por encima de esta expresión en lo sensible y corporal” (Ibid)

A arte clássica consegue uma perfeita harmonia entre forma e conceito. Neste ponto, poderíamos perguntar por qual motivo o espírito não se contenta com esse equilíbrio. Poderíamos dizer que na arte clássica o particular se espiritualiza, que a natureza encontra sua idealidade na forma humana, porém o espírito que aí se expressa não é absoluto. Isso vale dizer que não apenas a trajetória ocidental é aqui privilegiada, mas a tragetória cristã, na qual o destino da espiritualidade é o absoluto. Porém, há algo mais. É preciso que essa espiritualidadade na arte se descubra como subjetividade. Todos sabemos que esse é um conceito moderno, que as formas clássicas de expressão artística não se estruturam a partir de dramas subjetivos. O herói clássico é quase um joguete das forças cósmicas – não fosse o caso de que ele tenta o impossível, se rebelar contra essas forças. O herói clássico não é propriamente responsável por seus atos e, portanto, não é plenamente um sujeito. Ulisses, Aquiles, Édipo, Agamenon procuram assumir o seu destino apesar do fato de que este lhes ultrapassa. E, no entanto, eles pagam o preço. Ao clássico falta interioridade, entende Hegel. Há no clássico um contentamento que é o da finitude, imediato que ainda não descobriu o absoluto, que aceita a natureza como seu destino. Em suma, é a subjetividade como questão religiosa do cristianismo, quer dizer, como primazia do indivíduo responsável por seus atos, e que traduz a espirirualidade como interioridade, que falta ao clássico. Porém realizar esse diagnóstico significa clamar pelo romântico.
Si, de esa manera, el en sí del estadio anterior, la unidad de la naturaleza humana y de la divina, es elevado de una unidad inmediata a una unidad consciente, entonces el verdadero elemento para la realidad de ese contenido ya no es la inmediata existencia sensible de lo espriritual, la forma corporal humana, sino la interioridad consciente de sí misma” (Hegel, 1989, p. 75)
Para Hegel, o mundo interior constitui o terreno fundamental do romântico. Mas o mergulho nessa interioridade, na medida em que despreza o universal, o racional, e mesmo o formal é também o limite do Romantismo. “Pues, a diferencia de lo clásico, lo externo ya no tiene el concepto y la significación en si mismo, sino en el ánimo, que ya no encuentra su aparición en lo exterior y en su forma de realidad, sino en si mismo” (Ibid.). Essa talvez não seja apenas a limitação do Romantismo, mas da arte de um modo amplo como força capaz de promover a realização do espírito absoluto na terra. Falaremos mais a esse respeito.

[Continua. Texto sem qualquer revisão – olhos atentos e generosos, gente boa do norte e do sul, identifiquem os bugs].
1Há uma passagem muito bonita da Estética em que Hegel diferencia o prazer estético diante de um objeto artístico da relação que o apetite estabelece com seus objetos. Ambas são relações ditadas pela sensibilidade, mas: “En esa relación negativa el apetito exige para sí no sólo la apariencia superficial de las cosas exteriores, sino las cosas mismas en su concreta existencia sensible. El apetito no quedaría servido con meras pinturas de madera, materia que él quisiera utilizar, o de animales, que él quisiera consumir. Igualmente, el apetito no puede dejar que el objeto subsista en su libertad, pues él tiende a suprimir a suprimir esta autonomía y libertad de las cosas exteriores, a fin de mostrar que ellas están ahí solamente para ser destruidas y consumidas” (Hegel, 1989, p. 38).

7 comentários:

Artur disse...

Uma empada romântica, baseada num estudo da Estética de Hegel?!

Recomendo que seja com palmito, vá por mim.

Faço perguntas. Foi a empada, não posso fazer nada. São perguntas para meu ensimesmamento.

Na Estética, Hegel entende a arte como prefiguração da religião e da filosofia?

O espírito absoluto é objeto da arte ou já é a arte mesma?

Na arte, no ponto mais alto de sua potência espiritual, o ser humano encontra o espírito absoluto ou, na criatividade artística, ele já é o espírito absoluto? A segunda hipótese seria romântica?

Cynthia disse...

Eu acho ótimo qdo Jonatas escreve coisas do tipo: "quem não se lembra de a esse respeito do Sistema da Vida Ética...". Juro que minha ambição do momento é um dia responder "eu me lembro, eu me lembro!".

Le Cazzo disse...

Dom Arturo,

Primeiro a coisa mais importante. Não sei o motivo do espanto contido na primeira pergunta... Algo pode ser romântico e nutritivo, calórico e racional. Sou aquele amante e pasteleiro à moda antiga, do tipo que ainda manda guloseimas.

Palmito: está anotado.

Arte como prefiguração da religião. Não. Se a arte fosse prefiguração da religião, um estágio para a religião, ela seria inessencial,não estaria em si. Agora toda a filosofia hegeliana tem um sentido religioso. Qualificar essa religiosidade é que é a questão. Nunca os escritos de Hegel especificamente sobre religião. Deixe-me então citar Taylor: "Ora, para Hegel, o absoluto é sujeito. O que está subjacente e se manifesta em toda a realidade, o que para Spinoza era 'substância' e, para aqueles inspirados no Sturm und Drang, passou a ser visto como uma vida divina fluindo em dudo, Hegel entendia como Espírito. Mas o espírito, a subjetividade são necessariamente corporificados. Consequentemente,o Espírito ou Geist não pode existir separadamente do universo que sustenta e no qual se manifesta". O ponto aqui é que mesmo o Espírito Absoluto precisa se realizar e o faz na História. Esse é o ponto que a religião encontra a arte e a filosofia.

terceira questão. A conclusão acima é que mesmo Deus precisa se realizar; e o ser humano precisa se realizar para se reconhecer. O belo artístico é a indicação de que a partir do sensível, de sua corporeidade o ser humano pode descobrir em si o chamado do espírito, de sua capacidade para o universal,racional e absoluto. O espírito absoluto se manifesta na arte, mas apenas se realiza na história do ser humano.

Não acho que arte não seja para Hegel a mais alta potência do espírito humano, isso seria romantismo. Para Hegel esse lugar cabe à razão, ao logos, que só se realiza plenamente na filosofia. Abraço. Jonatas

Le Cazzo disse...

Cynthia,

Faltaste a essa aula foi? É uma frase retórica... Ela diz pr@s leitore(a) do Cazzo: "Oxe! E tu ainda não leste esse texto, não? Menin@, estás no débito". Aí ele(a)s se estimulam: "haverá o dia..." Rs.

E há sempre umas boas dúzias (o cazzo está se tornando cada dia mais pop) que já leram Hegel e devem estar achando tudo o que estou dizendo café requentado. Para estes, o reconhecimento de que o que estou dizendo não é novo. Jonatas

Le Cazzo disse...

Artur,

Uma correção: "Não acho que a arte seja" e não "Não acho que a arte não seja", como está escrito acima.

Tâmara disse...

Eita!
Passei uns dias desconectada (histo'ria de participar ao empanturramento universal de fim de ano)e agora o Cazzo esta' tão cheio de guloseimas que nem sabia por onde começar! Acho que vocês deviam transferir a produção de guloseimas para o carnaval, quando as pessoas costumam comer pouco para dançarem felizes.
Mas resolvi priorizar as empadinhas porque acho que, mesmo considerando tudo o que foi consumido e mal digerido entre o natal e o réveillon, empadas devem constipar menos do que pedras e guerras ontolo'gicas. Ou não, como diria a vaca de nariz sutil...
Gostei de sua iguaria, Jonatas, e pouco importa se não é novo: como Cynhtia, eu também tenho a ambição de um dia poder dizer "lembro sim". A verdade é que não so' deu vontade de ler a continuação, como remeteu-me a uma conversa que tive ha' um mês e meio (dia em que o Barcelona arrasou o Madrid) com um jovem estudante de filosofia que, cansando de tanto gol, deixou o jogo de lado para conversar com uma professora de sociologia sobre seu "mémoire" de mestrado: ele quer justamente resolver-se intelectualmente com a concepção hegeliana da arte moderna. Tenho certeza de que seu texto sera' u'til para ele (mas do que a conversa que teve comigo).
Espero que a continuação ja' esteja no forno. Abraço, Tâmara

Le Cazzo disse...

Estou dando umas pinceladas de gema de ovo na massa para ficar com aquele tom dourado. Já-já entra no forno, Tâmara. E um abraço, Jonatas