segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Assédio Sexual nas Universidades Brasileiras




Por Cynthia Hamlin

Nenhuma atividade humana ocorre em um vácuo social. O que pode parecer um truísmo – e um especialmente redundante depois que a última pá de cal foi lançada sobre a concepção positivista de objetividade - tende a ser esquecido quando a atividade em questão diz respeito à produção de conhecimento.

Universidades e demais instituições de ensino são formadas por pessoas de carne e osso que trazem para seu ambiente de trabalho crenças, valores e sistemas simbólicos de classificação e compreensão do mundo: preconceitos, no sentido Gadameriano do termo. Tais preconceitos afetam profundamente a forma como os objetos de pesquisa são construídos, assim como as relações humanas que estão na base do processo de construção do conhecimento. Neste sentido, também é fácil entender que as ações e interações que ocorrem nos laboratórios, corredores e salas de aulas tendem - exceto quando diretamente questionadas - a reproduzir a estrutura social mais ampla em que estão inseridas. No caso brasileiro, nunca é demais lembrar, essa estrutura  é marcada por enormes desigualdades de classe, de raça e de gênero.

Alguns mecanismos dessa reprodução são bem conhecidos. Especificamente no que diz respeito às relações de gênero, sabe-se, por exemplo, que a socialização a que meninos e meninas são submetidos pelos diversos agentes tem um impacto direto na formação dos chamados “guetos sexuais” na academia (cf. Rosemberg, 2000; Eccles, Jacobs e Harold, 1990; Hoschild e Machung, 1989). Também são bem conhecidos os impactos da divisão desigual e naturalizada do trabalho doméstico nas carreiras femininas; ou dos estereótipos de gênero no “efeito teto” que descreve a menor participação das mulheres nos cargos mais elevados da hierarquia universitária e de outras organizações (cf. Araújo e Scalon, 2006; Tannen, 1994; Nogueira, 2011; Boyd, 1997; Mahony, 1995).

Não me interessa detalhar seu funcionamento aqui, mas chamar atenção para um outro tipo de mecanismo reprodutor de desigualdade de gênero em instituições de ensino e em outras organizações que não tem recebido a atenção necessária entre nós: o assédio sexual.

O termo “assédio sexual” foi cunhado pela jurista e cientista política Catharine MacKinnon, na década de 1970. Seu livro “Assédio Sexual de Mulheres Trabalhadoras”, de 1978, baseou-se em uma série de casos de assédio contra estudantes e funcionárias de Universidades americanas. Lá, ela argumentava que, de acordo com o Código dos Direitos Civis de 1964, o assédio sexual deveria ser caracterizado como uma forma de discriminação sexual. Ao estabelecer uma teoria que relacionava diretamente comportamentos sexuais e discriminação sexual (ou de gênero), MacKinnon enfatizava que o assédio sexual ocorria como expressão do status desigual de homens e mulheres (Dinner, 2006).

O trabalho de MacKinnon serviu de base não apenas para o desenvolvimento das leis americanas sobre discriminação sexual, mas também para o estabelecimento de códigos e programas contra o assédio sexual em Universidades e outras organizações. Hoje em dia, qualquer universidade dos EUA, Canadá, Reino Unido, e (a partir dos anos 2000) França, distribui entre professores, alunos e funcionários uma espécie de manual que regulamenta o que constitui assédio sexual, estabelece comissões internas para julgar denúncias e informa o que fazer caso se suspeite ter sido vítima do assédio sexual.

Outras Universidades do mundo, como ocorre na Colômbia, Zâmbia, Austrália, África do Sul e Malásia, também têm atentado para o tema, seja por meio da produção de pesquisas, seja por meio da regulamentação de códigos de conduta, programas educativos etc. (Smit e Du Plessis, 2011;  Ismail et al. 2007; Menon et al. 2009; Moreno-Cubillos, 2007).

E no Brasil? Uma rápida pesquisa em inglês, francês, português e espanhol no portal de periódicos da Capes não gerou um trabalho sequer sobre assédio sexual nas Universidades e demais instituições de ensino no país. A invisibilidade das pesquisas, associada à ausência de qualquer política contra assédio sexual nas Universidades Brasileiras, gera a impressão de que “uma das formas mais comuns de discriminação sexual no mundo inteiro” (Menon et al. 2009) não ocorre entre nós. Isso é estranho, considerando que as mulheres, em particular as mulheres negras, aparecem na base do sistema de estratificação social no Brasil para a maioria dos indicadores de desenvolvimento humano.

E, no entanto, isso não procede. Como atesta um caso recente, no qual um professor da Universidade Federal de Pernambuco foi condenado em primeira instância pelo crime de assédio sexual, o problema também ocorre entre nós. E o caso é instrutivo, por uma série de razões. Em primeiro lugar, questões relativas a gênero não foram mencionadas na sentença. Segundo, deixa claro que, ao contrário do que ocorre em diversos lugares do mundo, o sistema de justiça é a única alternativa a que supostas vítimas de assédio podem recorrer. Isso, obviamente, tem seu preço. Vejamos.

De acordo com convenções internacionais das quais o Brasil é signatário (como a CEDAW ou a Convenção de Belém do Pará), a violência sexual ou de gênero deve ser combatida por meio de leis e políticas públicas integrais que de fato previnam, punam e erradiquem a violência contra mulheres, e que acolham de forma humanizada a quem sofreu a agressão.  De um ponto de vista jurídico, algumas iniciativas podem ser mencionadas, como a Lei Maria da Penha e a recente mudança no Código Penal, em 2009, da caracterização de assédio sexual como crime contra os costumes para crime contra a liberdade sexual. Mas enquanto a primeira baseia-se integralmente numa perspectiva de gênero, este ainda não é o caso em relação ao Código Penal. De fato, tratar o assédio sexual a partir de um viés de gênero permitiria, por exemplo, caracterizar como assédio formas de discriminação sexual nas quais o agressor ou agressora não é caracterizado em função de “sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (Art. 216 A do Código Penal).

Um estudo australiano (citado em Smit e du Plessis, 2011) ajuda a ilustrar este ponto. Enquanto que no ensino superior a forma mais comum de assédio sexual ocorre entre professores e alunas, caracterizando uma desigualdade de poder facilmente enquadrada como superioridade hierárquica ou “ ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, no nível médio, a situação se inverte: a forma mais comum de assédio sexual é de alunos em relação a professoras. Isto aponta para uma questão de gênero segundo a qual a autoridade das professoras está claramente subordinada à sua autoridade como mulheres (o que tende a ser neutralizado ou minimizado no ensino superior). Prevalecem, neste caso, as relações de poder características da estrutura social mais ampla (patriarcal), o que, de um ponto de vista teórico e conceitual, está de acordo com a concepção relacional do gênero.

A escassez de políticas públicas integrais que constituam alternativas e/ou complementos ao sistema de Justiça também ficou evidente no caso em pauta. Enquanto grande parte das Universidades do mundo têm códigos internos de assédio sexual e mecanismos que ajudam a informar e coibir tais práticas, as Universidades brasileiras não têm nada neste sentido. De fato, ainda que tenha sido criada uma comissão interna para avaliar o caso, até o momento, a mesma não se pronunciou publicamente. Além disso, dado que não existe nada que regulamente a forma como esses casos devem ser tratados no âmbito da Universidade, não é claro que esta comissão possa ter alguma eficácia ou mesmo utilidade.

Assim como ocorreu em relação à criação de comissões de ética que regulamentam as pesquisas nas Universidades, talvez esteja na hora de pensarmos algo semelhante em relação ao assédio sexual.


Referências

Araújo, Clara; Scalon, Celi (2006). Gênero e a Distância entre a Intenção e o Gesto. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 21, n. 62, p. 45-68.
Boyd, Monica (1997) Feminizing Paid Work. Current Sociology, no. 45, p. 49-73.
Dinner, Deborah (2006) A Firebrand Flickers. Legal Affairs, Mar/abr. Disponível em: http://www.legalaffairs.org/issues/March-April-2006/review_Dinner_marapr06.msp
Rosemberg, Fúlvia (2000). Educação Infantil, Gênero e Raça. In: Antonio Sérgio Guimarães e Lynn Huntley (orgs), Tirando a Máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra.
Eccles, J.S.; Jacobs, J.E.; Harold, R. D. (1990) Gender Role Stereotypes, Expectancy Effects and Parents’ Socialization of Gender Differences. Journal of Social Issues, no. 46, p. 183-201.
Hoschild, Arlie R.; Machung, Anne (1989). The Second Shift: working parents and the revolution at home. Nova York: Viking.
Ismail, Mohd Nazari et al. (2007) Factors Influencing Sexual Harassment in the Malaysian Workplace. Asian Academy of Management Journal, Vol. 12, No. 2, Jul. p. 15–31 
Tannen, Deborah (1994). Talking from 9 to 5: How women’s and men’s conversational styles affect who gets heard, who gets credit, and what gets done at work. Nova York: William Morrow.
Mahony, Rhona (1995). Kidding Ourselves: breadwinning, babies and bargaining power. Nova York: Basic Books.
Menon, A et. Al (2009) University Students’ Perspective of Sexual Harassment:A Case Study of the University of Zambia. Medical Journal of Zambia, vol. 36 n. 2, p. 
Moreno-Cubillos, Carmen et al. (2007). Violencia Sexual contra las Estudiantes de la Universidad de Caldas (Colombia): Estudo de Corte Transversal. Revista Colombiana de Obstetricia y Ginecología, Vol 58, n. 2, p. 115-128.
Nogueira, Pablo (2011). A Ciência das Mulheres. Unespciência, março, p. 18-25. 
Smit, D; du Plessis, V (2011). Sexual Harassment in the Education Sector. Potchefstroom Electronic Law Journal, África do Sul,  vol 14, no 6, p. 173-217. Disponível em: http://www.ajol.info/index.php/pelj/article/view/73012


20 comentários:

Renan Springer de Freitas disse...

Em outubro 1996 eu trouxe um professor neo-zelandês ao Brasil, Peter Munz. Fomos à ANPOCS e ele ficou espantado com o modo como professores e alunos interagiam em volta da piscina. Em dado momento, uma colega da UNB que conversava conosco mandou um beijo com as mãos para um aluno. Ele disse que na Nova Zelândia ela seria demitida. Um colega que estudou na UCLA me disse que lá professor não fecha a porta quando está com aluna em seu gabinete, e há quem evita de pegar elevador sozinho com aluna. Por outro lado, no Colégio Técnico da UFMG um professor ficou dois anos sem poder dar aula (mas recebendo) enquanto correu um processo contra ele por assédio sexual. Ao fim dos dois anos ele foi absolvido. É complicado esse troço...

Anônimo disse...

Cynthia, gostaria de dizer tanta coisa...mas vou dizer apenas que gostei muito do texto e que você toca em um ponto sobre o qual tenho refletido bastante: o assédio de professoras pelos alunos. Isso acontece não só no ensino médio, e é muito complicado lidar com isso. Assim como tenho minhas dúvidas em relação aos comitês de ética em pesquisa, suspeito de alguma comissão que venha a ser criada com o intuito de discutir tais questões. De qualquer forma pode ser um início e é preciso começar de algum lugar.
Abçs. Sheila Bezerra.

Cynthia disse...

Sheila, juro que lembrei de seu calvário pelos comitês de ética enquanto escrevia isso! Mas talvez o problema não esteja na existência dos comitês, mas no fato de que eles precisam se ajustar à realidade.

Bjs

Cynthia disse...

Renan, a questão é mesmo complicada. Mas se nos dispomos a discutir até a situação do Oriente Médio, por que não o faríamos em relação ao assédio sexual, não é mesmo?

Bj

Le Cazzo disse...

Cynthia,

Gosto muito quando você escreve sobre temas atuais, sobre problemas candentes. Mais até mais do que quando você escreve sobre teoria: reflexividade, conversações interiores, Margareth Archer etc. Você tem essa boa capacidade de colocar um tema que nos mobiliza intimamente em um contexto sociológico mais amplo, o que parece simples, mas demanda um talento danado. Espero que o seu texto tenha a atenção que merece. Temos um bom começo, com os comentários de Renan e Sheila. Abraço.

Jonatas

verí disse...

tá aí... eu concordo com o jonatas. parece que ao escrever seu texto simples e direto, você não teve trabalho nenhum, de tanta lógica e clareza entre os argumentos.
gostei bastante e faço minha a sua bandeira.
e quanto à "complicação" citada pelo outro comentador, acho que ela apenas justifica a necessidade imediata de uma regulamentação, além de comprovar a atualidade do pensamento de beauvoir sobre a suposta banalidade das "querelas femininas". boa sorte e um beijo!

Fernando disse...

Cynthia, primeiramente, parabéns pelo texto e postagem. Se faz extremamente necessário o debate sério e cientificamente comprometido neste momento em que se encontra a academia, o país e, em especial, a UFPE.

Recentemente, tenho tido a oportunidade de viajar o pelo estado debatendo os processos de desigualdade de gênero expressos por meio da violência contra a mulher. Nesse sentido, uma das coisas que mais me tem chocado ultimamente, se faz em relação à quantidade de mulheres com seu ensino superior completo que toma a decisão, durante um período de duas semanas de contato, de revelar pela primeira vez o acontecimento de casos de violência ocorridos com elas – principalmente de assédio e abuso sexual. Por meio de conversas reservadas e posteriores, tenho percebido que grande parte dessas toma essa decisão por, finalmente, passar a perceber que o fato traumatizante, não se faz de forma isolada e não decorre de nenhuma conduta inadequada da vítima.

Longe dessas mulheres serem as únicas que se encontram (ou se encontraram) em situação de violência, tiveram acesso a cursos como enfermagem, pedagogia, serviço social – várias delas, inclusive, na UFPE – e geralmente nunca chegaram a discutir esse tipo de tema. Sendo assim, compreendo que a criação de comitês, tal qual códigos de conduta para professores/as, seja uma boa porta de entrada para tornar mais evidente a emergência que se deve ter com o trato das desigualdades de gênero.

Por fim, ao contrário do que se passa com a lei Maria da Penha – a qual maior parte da população não a percebe como uma política de ação afirmativa com o intuito de corrigir essas desigualdades de gênero – é necessário que essas ações sejam acompanhadas de conteúdos explicativos para que se evidencie qual ponto fundamental se pretende atacar.

Mais uma vez, parabéns e espero, sinceramente, que a partir desse texto sejam possíveis debates cada vez mais profundos e ações efetivas.

Wedja Martins disse...

Estou aqui pensando na sua destreza em abordar questões tão relevantes - de forma tão articulada - em um único texto!
Quando trabalhamos com adolescentes em processo de Orientação Profissional, percebemos o quanto os cursos universitários (e as profissões de uma forma geral)estão marcados por estereótipos. Tanto quanto se espera que uma menina opte por cursos ligados às áreas de saúde e artes, os garotos que se identificam com as profissões correlatas a estas áreas sofrem para assegurar seu direito de escolha e pelo risco de se aproximarem do tal "universo feminino", pois são julgados por isto. E como você bem colocou, as universidades também são espaços onde estes mecanismos são reproduzidos e reforçados.
Interessante a reflexão sobre a interpretação que o nosso Código Penal faz sobre o assédio sexual e a ideia que MacKinnon apresenta para a análise da questão. Ficamos realmente convencidos da importância de outros mecanismos institucionais que ajudem a coibir estas práticas. E neste caso, a proposta do código nas universidades pode ser uma boa saída!
Obrigada por compartilhar conosco as suas reflexões! Bjs

Suzy disse...

Cynthia,

Talvez, de fato, o texto esteja "leve", mas isso não o faz menos importante..

Precisamos sim pensar o caso de Zaverucha, acredito que agora ainda mais temos a obrigação de nos posicionar e principalmente cobrar um posicionamento da Universidade, a priori, pela teórica autonomia da comissão interna, que deveria ter resolvido o caso há meses! Mas, para além, por respeito às mulheres dessa instituição, a tod@s que fazem parte da universidade, inclusive, respeito a sociedade, afinal, ainda que seja no âmbito da justiça que o caso esteja se resolvendo, acredito no papel social da Universidade e não acho que esse papel envolva calar algo tão representativo.


E é por isso que vejo a importância do texto, porque ultrapassa o que poderia ser chamado de um caso particular. Precisamos discutir que modelo de universidade (e sociedade) queremos e para isso é preciso admitir que assédio sexual acontece sim, que é um problema de desigualdade de gênero e que é preciso não naturalizar, não calar, não deixar passar!

Cynthia disse...

Olha que legal, acabo de descobrir que meu companheiro de blog de TEORIA SOCIAL prefere quando eu escrevo sobre outras coisas.

Brincadeiras à parte, embora meio apressado, o texto é, como bem apontou Suzy, uma tentativa de pensar sobre o tipo de Universidade que queremos para nós. Realmente, não é aceitável que questões tão sérias não sejam debatidas internamente.

Tenho recebido muitas mensagens, diversas delas mencionando casos de assédio, como Sheila fez acima. É como se ao darmos um nome ao fenômeno, as pessoas passassem a reconhecê-lo (embora tenha consciência de que muitas dessas pessoas sabiam exatamente o que estava se passando).

Também concordo que as professoras das universidades também sofrem assédio sexual por parte de alunos, mas imagino que não tanto quanto as alunas. Pelo menos, a única vez em que isso me aconteceu, pude contar com um coordenador de Pós que me ouviu e sugeriu levar a questão para o Colegiado, caso o aluno não parasse. Quantas alunas ouvem algo semelhante?

Wedja, seja bem vinda ao Cazzo! Eu é que agradeço suas reflexões e adoraria poder contar com um texto sobre suas experiências como psicóloga de mulheres que sofrem violência sexual.

wellthon disse...

Cynthia,

Além de fundamental esse texto (que a meu ver tende a se tornar um começo de uma discussão mais aprofundada, legitima, e integra dentro da UFPE) a própria ação politica para tornar compreensível as questões de gênero e de opressão; que é visível em vários espaços institucionalizados, é de extrema relevância.

O embasamento intelectual como ferramenta argumentativa é bem pregado pela sociologia e por aqui também. Já dizia P. Bourdieu: "sociologia é um esporte de combate". O combate está explicito. Se por um lado alguns professores de CP insinuam abertamente via facebook a necessidade de "perdão" em tempos de caça as bruxas, coordenadora de Pós-graduação que vê um assédio sexual como algo para se ter orgulho ("olha alguém quer usar seu corpo! Você é jovem e bonita, aproveite!" - sic), professora de Politica que afirma que estamos expondo algo pessoal de um professor, professor de politica intitular alunos que pensam temas contrários a ele como seres estranhos, e depois insinuar que existem possibilidades de processos via internet... Alunos da UFPE que afirmam que na verdade tudo isso é uma perseguição contra judeus (sic)...

Sinceramente há muito a ser feito. Esse quadro mostra o quanto uma visão legalista e economicista (leia-sê liberdade de mercado capitalista de modo mais desumano) que se apoderou de alguns departamentos de Humanas na UFPE tem formado uma deficiência quando se deparada com problemas sociais. O "lavar" as mãos da UFPE e do Departamento de Politica é um exemplo do quanto a falta da discussão e da problemática, racial, sexual, social tem se esquivado da construção de conhecimento, em uma espaço que deveria minimamente levar isso em consideração. O bode expiatório não é o Departamento de Politica, esse grupo é apenas um exemplo do quanto toda a Universidade está distanciada desse debate que envolvem todxs que frequentam a universidade. De visitantes, até alunxs. (Ai se o elevador do CFCH pudesse falar a quantidade de assédios que ocorreram ali dentro...).

Eu possuo amigas e amigos em vários cursos, e não é novidade casos de assédios no CCB, CAC, CCSA... A falta de politica e preocupação com isso torna os assediadores sem o menor receio em continuar agindo. O caso de um determinado professor é um mero exemplo do quão absurdo é nosso sistema universitário, em que o medo de perder pontos da CAPES fazem qualquer colega de departamento "relativizar" um crime que causa dor psiquica e afeta diretamente na participação (sobretudo) de mulheres em espaços acadêmicos.

Hoje em uma Assembleia Estudantil da UFPE foi aprovada como uma das demandas do indicativo de greve estudantil a criação de estruturas que visem coibir o assédio sexual e moral, e CLARO que também pedimos o afastamento IMEDIATO do Profº Zaverucha das salas de aula por ter sido condenado em primeira instância.

Se pensam que nós iremos nos calar, e agir com relativismos, coorporativismos, amiguismos e covardia. Enganam-se. Antes de buscar por notas CAPES, bolsas, produção acadêmica, respeito intelectual, legitimidade como instituição... se deve construir uma Universidade como espaço minimamente humano e fechar os olhos para isso não é nada ético; mas sim uma covardia que legitima as mulheres e pessoas oprimidas a permanecerem nos locais que lhe foram determinados desde sua nascença. Isso não é um conhecimento digno, nem uma ciência digna, muito menos uma ciência política/acadêmica responsável.

Anônimo disse...

Fazia tempo que eu não passava pelo seu blog, e felizmente vários colegas compartilharam seu texto e me fizeram voltar à ele. Eu sou professora de EJA e Ensino Médio, e essa situação também ocorre, como você mesma mencionou, em nossas escolas. Mas, o que me espantou no ano passado em sala de aula, foram a quantidade de alunas e professores numa relação de muita intimidade, as meninas com a intenção de obter simpatia para conseguir boas notas e novas oportunidade para entregar atividades e trabalhos fora do prazo, e professores, maioria com mais de 20 anos de trabalho, aproveitando-se dessa situação... Vi e ouvi coisas que demais professores e colegas sabem , mas ignoram, outros fingem não saber, outros não querem se meter... Muito bom que essas discussões estejam sempre no nosso horizonte, não debaixo do tapete. Bom dia! :-)
Thais.

Cynthia disse...

Thais,

Imagino que situações como a que você menciona sejam frequentes mesmo. Mas acho que a responsabilidade continua sendo do professor, que é quem está na posição de autoridade. Não sou jurista, portanto, falo como leiga. Mas de acordo com a caracterização de assédio sexual da MacKinnon, atualmente vigente nos EUA, isso caracterizaria o assédio quid pro quo, no qual uma pessoa obtém sexo diretamente em troca de uma vantagem relativa a emprego ou posição. Neste caso, o sexo é uma moeda de troca e, embora seja lamentável ver meninas proporem isso, mais lamentável ainda é ver professores aceitarem.

Creio que isso só reforça a ideia de que a questão também tem que ser tratada a partir de ações educativas, como as que estão propostas nas convenções para erradicação da violência sexual mencionadas no texto.

Abçs

Maria Eduarda Rocha disse...

Parabéns a Cynthia e ao cazzo por trazerem à tona um aspecto tão fundamental do assédio: seu caráter de gênero. Já tá mais do que na hora de enfrentarmos esta questão de um ponto de vista político e institucional, reinvindicando à UFPE a construção de mecanismos que nos permitam caracterizar, encaminhar e punir os casos de assédio sexual na universidade. O momento é oportuno, uma vez que o novo estatuto está sendo elaborado.

Cynthia disse...

É verdade, Eduarda. Abaixo, alguns exemplos de como os códigos de conduta relativos ao assédio sexual poderiam parecer.

Universidade de Harvard:
http://www.fas.harvard.edu/home/content/sexual-harassment-and-unprofessional-conduct-guidelines

Universidade de Yale:
http://www.yale.edu/hronline/careers/managers/shbroch.pdf

Universidade de Princeton:
http://www.princeton.edu/uhs/healthy-living/hot-topics/sexual-harassment-assault/

Brenda Monteiro disse...

Realmente, acho que agora devemos nos concentrar para exigir da UFPE a criação um código de conduta que caracterize, especifique como deve ser o processo de investigação e quais as punições devidas para os casos de assédio sexual nas universidades brasileiras. Essa é uma situação recorrente, mas sem um código de conduta, parece que o problema nem existe. Isso é muito grave.

Parabéns, Cynthia. Ótimo texto.

Alyson Freire disse...

Excelente texto, e muito importante abrir esta discussão.

A universidade não possui, como alguns gostariam de imaginar por conta dos esclarecidos que nela vivem e trabalham, uma autoimunidade contra as mazelas e opressões da vida social. Estas não estão lá fora, num mundo à parte. O escolasticismo do qual a universidade é tributária é um dos fatores, penso, responsáveis por essa visão demasiada disjuntora entre o que seria o mundo da busca do conhecimento desinteressado e o mundo impuro da sociedade, que seria ao primeiro, na melhor das hipóteses, apenas campo de pesquisa e intervenção.

Seu texto, Cynthia, é um exercício que, a meu ver, é raro entre os professores e na universidade, qual seja, redirecionar o olhar crítico desenvolvido em relação as questões “exteriores” contra o nosso próprio lugar social, a universidade, e sobre as práticas que nela tem lugar. Esse exercício de autoobjetivação, para falar como Bourdieu, é algo que, por corporativismo e ou escolasticismo, não é lá tão cultivado quanto deveria ser em nossas universidades. E, quando ocorre, dificilmente é publicizado como fizeste.

Daí o silêncio produzido em relação às diversas violências, discriminações e autoritarismos que acontecem no mundo dos corredores dos departamentos, entre professores e alunos e professores entre si. A universidade é, por sua natureza própria, uma instituição reflexiva. Ela possui o capital humano e o conhecimento pra lidar, com autonomia, com seus próprios problemas e conflitos. Portanto, se não é exatamente as condições institucionais gerais que dificultam a prática dessa reflexividade, temos de procurar as respostas em outras alternativas, mais precisamente nas relações sociais concretas estabelecidas. Parabéns pelo texto! Abraços,

Cynthia disse...

Brenda,

vamos levar adiante a ideia de Eduarda e propor isso na reformulação do Estatuto.

Alyson,

acho que todo aquele Gadamer acabou servindo para alguma coisa :) E obrigada pela sua reflexão - como sempre, instigante.

Anônimo disse...

olá, gostei muito do seu texto, apesar de nao ser da área e alguns conceitos terem passado ao largo. sou professora de ies e recentemente me separei devido ao caso do meu companheiro, tambem professor de universidade, com uma aluna. Há tempos, até antes disso, venho observando que muito professores se envolvem com alunas em seus laboratorios. Cheguei até a ver uma noticia do governo que se preocupava com isso, mas por motivos de pensao e nao de conduta moral. No meu Instituto sao vários os casos de envolvimento professor-aluna e nenhum caso de professora-aluno, o que será que estamos vivendo? Por que professores e alunas tem comportamento diferente de Professoras e alunos? Por que o assédio masculino se dá mais fortemente, inclusive professor - aluno que o oposto? Nao estou aqui defendendo professoras e alunos, mas estou aqui levantando uma questao intrigante. parece ser uma questao de tempo para que tudo fique banalizado e o ENSINO, que é o objetivo de uma universidade, ficar disperso nessa questao. Adorei seu texto.

Cynthia disse...

Cara anônima,

obrigada por seu comentário. Não sei se tenho uma resposta conclusiva para seu questionamento, mas vamos lá.

Primeiro, há que se fazer uma diferenciação entre assédio sexual e o envolvimento consentido entre dois adultos. Relações em sala de aula são relações humanas e é possível que dois adultos se envolvam sexual e afetivamente sem que isso configure assédio. Obviamente que, quer se trate de professor/aluna ou professora/aluno, a responsabilidade em uma relação como esta é sempre do/a professor/a, que é quem está numa posição de poder.

Alguns dos códigos listados acima estabelecem muito claramente que, quando isso ocorrer, o/a professor/a não pode avaliar o/aluno ou participar de bancas e comissões nas quais este/a esteja em posição de ser julgado/a. Na prática, entre pessoas e em ambientes pautados pela ética, isso sempre ocorreu, particularmente nas pós-graduações, onde não é tão incomum que, por ex., o cônjuge de um/a professor/a se submeta a um processo seletivo para ingresso no Programa.

No que se refere a uma maior frequência do envolvimento entre professores e alunas (e diversos estudos mencionados no texto confirmam essa tendência), alguns fatores sócio-culturais podem explicar isso.

Em primeiro lugar, em uma cultura machista e patriarcal, o sexo tende a ser oferecido como moeda de troca por quem detém menos poder e, portanto, só está numa posição de oferecer isso como algo socialmente valorizado. Como o machismo não é privilégio dos homens, o sexo como moeda de troca é amplamente utilizado pelas mulheres. No entanto, aqui também vale o que foi afirmado anteriormente: mesmo que seja uma troca consensual, é responsabilidade do professor dizer não. Incidentemente, isso aponta para a necessidade dos processos educativos na diminuição das desigualdades de gênero - que incluem, mas de forma alguma se limitam, ao assédio sexual.

Outros elementos podem ainda ser considerados: o fato de que, enquanto relações entre homens mais velhos e mulheres mais jovens é amplamente aceito e valorizado culturalmente, a relação entre mulheres mais velhas do que homens é socialmente reprovada. Assim como a idade, a diferença de sócio-econômico também tende a ser aceita quando ela favorece os homens, tornando mais frequente homens de status mais elevado se relacionando com mulheres de status mais baixo do que o contrário.

Espero ter ajudado.

Abç