quarta-feira, 30 de maio de 2012

Alerta geral: o recrutamento de professores para o ensino básico de sociologia não pode ser confundido com videogame



Por Tâmara de Oliveira

Em janeiro último, foi aberto, pela Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão do governo de Sergipe, edital para realização de Concurso Público para provimento do cargo de professor de Educação Básica, com 47 vagas para licenciados em Ciências Sociais ou em Sociologia. Esse edital chegava em boa hora, pois aqui em Sergipe vivemos alguns anos convivendo com a resistência governamental à abertura de vagas para diplomados em ciências sociais ou sociologia – fato que agravava os numerosos pontos frágeis do retorno da sociologia ao ensino médio no país.

Estávamos então animados, sabendo da preparação para o concurso de numerosos de nossos egressos e aguardando o certame e seus resultados. O concurso foi realizado em 1º de abril, dia da mentira, pois é...Pelo menos entre os professores do DCS/UFS, ninguém tinha atinado para essa coincidência temporal, até começar a perguntar a um(a) e outro(a) egresso(a) como ele(a) tinha se saído. Fomos percebendo que gente demais saiu-se mal ou muito mal, inclusive alguns cuja reputação desde o primeiro ano de graduação até a seleção para o doutorado em sociologia, sempre foi a de excelentes estudantes. As palavras de uma candidata (doutoranda em sociologia) sintetiza o alarme: “acho que não passei, professor, foi uma prova tão confusa...” Logo depois, fomos consultados por outros candidatos – que abriam recursos contra os resultados da prova (dita objetiva).

Entretempo, outros acontecimentos nos faziam pensar: o Ministério Público estadual já tentara, sem sucesso, anular o concurso antes de sua realização e, posteriormente, recebendo uma comissão de concursados para denunciar irregularidades, continuava apurando os numerosos problemas da prova desse concurso, em várias áreas do conhecimento: química, física, geografia, biologia... Conversando com colegas de outros departamentos, soubemos que em história, também, concursados procuraram professores do departamento para auxiliá-los na análise e elaboração de recursos. Em reunião ordinária, o professor José Rodorval Ramalho trouxe o assunto à pauta e o Conselho Departamental de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe deliberou pela composição de uma comissão para analisar e elaborar parecer sobre a prova de sociologia, bem como sobre as justificativas do responsável por sua elaboração (Fundação Professor Carlos Augusto Bittencourt – FUNCAB) a respeito dos recursos impetrados por candidatos. Essa comissão foi composta por mim, Christine Jacquet e José Rodorval Ramalho.

Antes de qualquer coisa, decidimos que cada um faria a prova em casa. Teve sua graça. Descobrimos que nós, professores do único departamento de ciências sociais de Sergipe, estaríamos provavelmente entre os reprovados do concurso. Disse provavelmente, porque nem verificamos nossos resultados pelo gabarito da prova, tamanho foi o susto que cada um teve em sua casa, à medida da leitura das questões da prova de sociologia, dita objetiva, da FUNCAB. Nosso exercício lúdico de se testar numa prova para o ensino básico de sociologia sofreu um terrível choque de realidade: esse concurso público, ao invés de exprimir um avanço no retorno do ensino médio de sociologia, revela que o recrutamento de professores pelos governos estaduais (responsáveis pela maior parte do ensino básico no Brasil), pode até agravar os pontos frágeis desse retorno.

Já sabíamos que a Ação Pública com Medida Liminar ajuizada pelos promotores do MPE-SE em março de 2012, requerendo suspensão do concurso, fora justificada por ausência de licitação na escolha da FUNCAB como elaboradora das provas. Mas essa Ação foi recusada pela justiça, tendo em vista a diversidade interpretativa possível e juridicamente legítima que se dá ao conceito de inexigibilidade de processos licitatórios. O que pudemos perceber, analisando a prova de sociologia, é que o princípio legal que foi mais afrontado pela escolha sem licitação da FUNCAB foi o da eficiência do serviço contratado – inscrito no Art. 37 da Constituição Federal, ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Com efeito, a FUNCAB elaborou mal a maioria das questões (com certos enunciados falsos, outros imprecisos, outros simplesmente confundindo comentadores indeterminados com os autores em questão; com certas questões possuindo mais de uma ou até todas as alternativas potencialmente válidas – a depender do ponto de vista que não foi explicitado –, outras com a alternativa oficialmente válida simplesmente incorreta, outras ainda deformando a argumentação dos próprios autores ou comentadores utilizados – devido à introdução de termos equivocados ou adjetivos excessivos).

O resultado não pode ser considerado como uma prova que testa conhecimentos específicos em sociologia, mas como um conjunto errático de questões e/ou alternativas oficialmente válidas que, majoritariamente, confudem os candidatos. Com efeito, dado o impressionante número de questões problemáticas, pode-se afirmar que a prova da FUNCAB tem mais afinidades com um videogame (onde cada etapa implica em armadilhas cada vez mais perigosas contra o jogador) do que com um teste de conhecimentos científicos de candidatos. Abaixo, reproduzo o parecer que elaboramos e que foi entregue ao promotor Luiz Fausto Valois, em audiência pública do MPE-Sergipe aos 09 de maio de 2012:

O edital n°01 de 27 de janeiro de 2012 referente ao concurso público n° 01/2012 para provimento do cargo de professor de Educação Básica do estado de Sergipe, como também a capa do caderno de questões entregue aos candidatos no dia da prova escrita explicitam que a primeira etapa do referido concurso é constituída por uma prova objetiva composta por questões de múltipla escolha, o candidato devendo "marcar, para cada questão, somente uma das opções de resposta. Será considerada errada e atribuída nota 0 (zero) à questão com mais de uma opção marcada, sem opção marcada, com emenda ou rasura" (artigo 9.10, p. 14 do edital).

Uma questão de prova é objetiva quando as opções corretas (ou incorretas) são independentes do candidato e do autor da pergunta, e portanto, irrefutavelmente exatas (ou erradas) em relação ao enunciado do problema. Deve, conseqüentemente, ter delimitação de conteúdo inequívoco.

Ora, o Departamento de Ciências Sociais (DCS) da Universidade Federal de Sergipe sustenta que determinados enunciados, tanto das questões como também das alternativas propostas, não são objetivos e propiciam várias possibilidades de resposta ou até nenhuma: o uso recorrente de termos dúbios (em geral, alguns estudiosos, os estudiosos contemporâneos da modernização, as teorias acerca da pós-modernidade, os escritores pós-modernos, os novos teóricos sociais, os funcionalistas em geral, etc.), como também de aspas para expressões que não se reportam a conceitos sociológicos, títulos de livros ou ainda citações explícitas (por exemplo nas questões 29-30-33-41-49-50), geram ambigüidades, criando problemas gravíssimos no entendimento. As ciências humanas e sociais são caracterizadas por uma diversidade interpretativa. Se a prova objetiva não explicita com clareza os pontos de vista aos quais as questões se referem, não distingue os comentadores utilizados dos autores em foco na prova, ou ainda, é errática na seleção dos comentadores utilizados (contruindo questões, por exemplo, que ora incluem ora excluem tal ou tal autor da tradição sociológica) e, excede em adjetivos ou termos estranhos à sociologia que deformam argumentos dos próprios comentadores utilizados, o resultado é a própria negação do princípio de uma prova objetiva. A prova desfavoreceu os candidatos que se prepararam para o concurso, pois os confundiu desde a imprecisão de certos enunciados até as alternativas apresentadas para responder aos mesmos.

A propósito, vale a pena indagar sobre a composição efetiva da equipe de elaboração das provas. Quais foram os sociólogos ou cientistas sociais participantes? Quais as modalidades concretas dessa participação – coordenação efetiva e regular ou mera consultoria pontual e apressada? Eis algumas questões fundamentais que nossa responsabildade profissional e cívica desenvolveu durante essa necessária avaliação da prova da FUNCAB/SEED.

Assim, segundo a análise realizada pela Comissão nomeada pelo DCS, quanto às questões da prova e, outrossim, quanto às justificativas sobre os recursos feitos por candidatos que se sentiram prejudicados, a FUNCAB/SEED incorreu em todas as falhas acima citadas. Desse modo, acatar tal prova como instrumento adequado para o recrutamento de professores do sistema público de ensino de Sergipe seria corroborar e reforçar seus graves problemas.
(Jacquet/ Oliveira/ Ramalho)

Nosso documento inclui ainda a análise de cada questão problemática, bem como das justificativas da FUNCAB para o deferimento ou indeferimento de recursos. Para ilustrar o tamanho do problema, solicitamos anulação de 18 das 24 questões da prova de sociologia. Uma delas já fora anulada pela própria FUNCAB, deferindo apenas um dos numerosos recursos dos candidatos. Os concursados prejudicados de química tiveram mais sorte do que os nossos, já que a FUNCAB deferiu recursos referentes a nove (9) das questões específicas em química...Em geral, segundo a imprensa local, o MPE declarou que o período dos recursos fechou-se com a anulação de 62 questões da prova e a alteração de mais 23 pela própria FUNCAB. Mas novas denúncias continuavam a chegar, como as de concursados em sociologia e a da comissão do DCS – que só foram entregues ao MPE durante a audiência do último dia 09 de maio. Francamente, quando a próprio elaborador da prova anula 60 questões e altera 23, durante o período de apreciação de recursos contra os resultados, podemos estar certos de que as denúncias não são mero efeito da judicialização das sociedades contemporâneas, desse fenômeno responsável pela proliferação de uma espécie nova, a dos candidatos a recursos, mas a indicação de que o próprio elaborador da prova está desorientado sobre o que elaborou.

Durante a audiência pública em 09 de maio, decidimos comparecer todos da comissão, acompanhados de nossa chefe departamental, profª Joelina Menezes – que compôs a mesa da audiência, a convite do promotor Valois.

Entendo que fizemos muito bem em comparecer institucionalmente. De fato, embora os problemas da elaboração das provas envolvam diversas áreas do conhecimento, fomos o único departamento universitário a se apresentar oficialmente como reclamante. Dois professores do departamento de física da UFS atestaram por escrito a legitimidade dos recursos dos concursados de física, mas seu departamento não se pronunciou oficialmente. E mais nada. A maioria dos candidatos sentindo-se prejudicados estavam naquela audiência por sua conta e risco, principalmente o de serem considerados candidatos sem preparo que, por razões oportunistas, estavam instrumentalizando a justiça para justificar sua reprovação – como podemos ler entre internautas que comentam as notícias sobre esse imbróglio.

Ora, enquanto órgão responsável pela formação universitária de licenciados, nosso departamento, como qualquer outro, conta com egressos aprovados e reprovados, logo, não é parte interessada na anulação oportunista do concurso. Nossa motivação vem da análise cuidadosa das questões da prova de sociologia, constatando que a mesma fere o princípio moderno de seleção, qual seja o da meritocracia que, embora atravessado de problemas (como dira um John Rawls), ainda é o meio mais legítimo para a distribuição de cargos em sociedades democráticas. Neste sentido, lembramos ainda que concursos públicos ou ferramentas de avaliação de desempenho referentes à educação formal no Brasil, têm sido recorrentemente contestados (como o ENEM, por exemplo). Mesmo relativizando essa recorrência pelo fato de que vivemos num contexto histórico-social de judicialização abusiva de situações de conflito ou desacordo, nossa avaliação técnica da prova da FUNCAB/SEED indica que estamos diante de um problema muito grave, já que esses concursos ou ferramentas de avaliação de desempenho referem-se à educação formal, ou seja, a um domínio societal ao mesmo tempo problemático e crucial para uma sociedade que pretende consolidar suas aquisições democráticas. Selecionar empresas para a elaboração de concursos (ou convidar legalmente, como foi o caso de Sergipe) a partir de uma lógica meramente econômico-burocrática pode revelar-se – como revela-se neste caso – trágico, no que diz às possibilidades de consolidação de nossas aquisições democráticas e, sobretudo, de enfrentamento das condições lamentáveis de nosso sistema de ensino básico.

A FUNCAB (também representada na audiência pública) comprometeu-se em avaliar as novas irregularidades encaminhadas ao MPE. Todavia, a fala do representante da Procuradoria Geral do Estado apresentou uma consideração que nos deixa inquietos sobre o desenrolar do processo. Com efeito, declarando que o mais importante é que nossas crianças e adolescentes não permaneçam sem professores em sala de aula, parece-nos deixar indicado que a orientação do governo estadual é a de solucionar rápida e “jeitosamente” os problemas levantados, economizando o tempo necessário para a organização e realização de outro concurso.

Cá pra nós, se a prioridade é colocar professores nas salas de aula o mais rápido possível, independentemente da qualidade do processo seletivo, reclassificando candidatos a partir de uma quantidade cada vez menor de questões válidas, por que não contratar professores pela mera análise de cartas de motivação dos candidatos? Em termos não irônicos: como sustentar a validade de um concurso em que a própria empresa que elaborou as provas já anulou ou alterou mais de oitenta (80) questões e ainda pode anular dezenas de outras?

No que diz respeito à prova de sociologia, não sabemos que “jeito” poderia ser dado, considerando-se que a maioria das questões são problemáticas. Digamos que a FUNCAB defira apenas metade de nossos recursos: isso significaria a anulação de 8 questões, ou seja, um terço da prova de conhecimentos específicos. Qual a validade de uma reclassificação dos candidatos, nessas condições? É o que já se pergunta sobre a prova de química, posto que a FUNCAB, analisando recursos que lhes chegaram às mãos a partir da própria comissão local de organização do concurso (segundo um de seus membros presentes à audiência), já anulou 9 das questões.

É por isso que estamos tentando tornar o mais público possível a situação que vivemos com esse processo mais do que sintomático de recrutamento de professores do ensino básico em Sergipe. Precisamos enfrentar a tentação governamental de considerar a economia de tempo e dinheiro como o princípio fundamental da solução das necessidades e problemas educacionais. De fato, a autonomia quase totalitária da lógica do capitalismo financeirizado, bem como as consequências socioantropológicas do imperativo da aceleração da experiência social do tempo (tão adequada ao funcionamento desse capitalismo financeirizado e enlouquecido), mantêm-se impregnando as orientações das políticas públicas dessas nossas sociedades globalizadas e cada vez mais desiguais e injustas.

Finalmente, estou falando sobre um concurso ocorrido no estado de Sergipe, mas tratando de um grave problema de recrutamento de professores do ensino básico que pode acontecer em outros estados brasileiros. Considerando que o retorno do ensino médio da sociologia apresenta fragilidades que interessam diretamente aos profissionais e entidades das ciências sociais do país, espero que nosso caso seja objeto de reflexão e ação mais amplas. Além disso, como o processo do MPE junto à justiça continua em andamento, sendo que o julgamento de seu mérito pode ser beneficiado com o acúmulo de análises das provas, como a que fizemos, entendo que ainda é tempo de reagir.



sábado, 26 de maio de 2012

Desastres em áreas urbanas brasileiras: uma reflexão a partir das ideias de risco e catástrofe





Jonatas Ferreira e Breno Fontes

As sociedades contemporâneas parecem radicalizar um sentimento coletivo e intenso de ansiedade, marca mais que conhecida do processo de modernização. Essa ansiedade nos é íntima, filhos que somos da aceleração tecnológica e da corrosão permanente dos vínculos sociais associados à “destruição criativa” (MARX, Berman, Sennett, Virilio, por exemplo). Porém, em nenhum outro contexto social o futuro da espécie se apresenta a partir de perspectivas tão sombrias quanto aquele que nos é mais diretamente familiar, basta que recordemos algumas espadas que pairam sobre nossas cabeças: ameaça atômica, aquecimento global, crise econômica mundial, terrorismo internacional. Em nenhum outro contexto social, nossa capacidade coletiva de nos anteciparmos, de nos prepararmos para o futuro incerto parece ser questionada com tamanha intensidade. Diluição, desorientação, desastre, catástrofe, risco, são palavras que têm mobilizado a produção sociológica recente que nos reporta invariavelmente a uma situação paradoxal. De fato, como propõe o “catastrofismo ilustrado” de Jean-Pierre Dupuy, confrontamos constantemente a perspectiva de materialização de uma realidade impossível, inconcebível, mas que em uma análise ex-post facto, mostra-se inevitável. Pensemos nos exemplos clássicos: as duas guerras mundiais, ou o extermínio de centenas de milhares de seres humanos que resultou na explosão de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Tudo isso é inimaginável para uma razão antecipadora e, no entanto, concretizado o horror destes fatos, fatos que têm o poder de cancelar toda experiência (BENJAMIN), eles surgem como consequência lógica de uma configuração política, econômica e tecnológica.

A constatação deste paradoxo, deste absurdo com o qual se depara a razão, não deve nos impor um fatalismo trágico, a acedia de que fala Benjamin, mas o compromisso de investigar o motivo pelo qual a razão científica responde tão inadequadamente às demandas de um “tempo das catástrofes”, a uma época dos grandes desastres. Dupuy alinha sua contribuição com a autores como Weber, Ivan Illich, Hans Jonas, para quem a razão técnica, hegemônica, vem desencadeando certo automatismo, “efeitos não-pretendidos” da ação racional, que nos surgem como “contraprodutividade” desta mesma razão. A lógica que preside a ação racional, técnica, esclarece Illich, é marcada pelo desvio, pela postergação de uma satisfação. O perigo de uma civilização exacerbadamente técnica, como é o caso da nossa, é de nos perdermos nos desvios da tecnicidade sem podermos mais nos perguntar a que serve o mundo dos instrumentos. Weber já nos questionava acerca das condições de exercício de nossa responsabilidade em uma sociedade em que a racionalidade instrumental (em cujo contexto a regra é seguida por ser aparentemente inevitável) se torna um imperativo. As implicações daquilo que formula Dupuy a partir de Ivan Illich talvez fiquem mais evidentes quando tomarmos os resultados de um estudo comparativo elaborado pelos dois pensadores acerca do uso de bicicletas e carros (DUPUY, 2011, p. 30). A conclusão a que chegam, mais uma vez, nos conduz a uma espécie de paradoxo. Se nossa intenção é poupar tempo, argumenta, devemos optar pelo primeiro meio de transporte, mesmo quando consideramos grandes distâncias. Contabilizados os custos do carro e transformados esses valores em tempo de trabalho, a conclusão é que o tempo que gastamos para manter tal meio de transporte os transforma em algo mais lento que a bicicleta. No entanto, se isso é claro, por que usamos carros e não bicicletas, já que estas últimas são environment friendly e mais saudáveis? Porque a velocidade do capitalismo, que seria em princípio um meio técnico, converte-se em um fim: gastar, dilapidar, esgotar recursos apresentam-se como ações inevitáveis, necessárias à própria dinâmica do capitalismo. Não seria o caso de questionarmos o sentido desta dinâmica?

Tomemos uma outra perspectiva. Os que pensam uma sociologia do desastre, fazem-no a partir da constatação de que a ocorrências de catástrofes naturais sobre sociedades já não devem ser pensadas exclusivamente como fenômeno natural. Ora, em seu livro Hominescências, Michel Serres já alertava para o fato de a vida civilizada, o consumo de energia nas grandes cidades, por exemplo, ter se convertido em um fenômeno natural, dada a escala desse consumo, o impacto que apresenta sobre o planeta. E neste caso não basta afirmar que esses acontecimentos se transformam em desastres “quando o seu potencial de dano atua sobre uma comunidade humana vulnerável” (KROLL-SMITH apud FONTES:2008:118), ou seja, quando as comunidades humanas de alguma forma se desestruturam. Evidentemente, o desastre ambiental ocorrido no Golfo do México apresenta um impacto direto nas populações humanas do sudeste americano. Porém, a ideia de vulnerabilidade deve ser estendida à fauna e à flora afetadas por aquele desastre.

Uma coisa, porém, é perceber que as consequências de um que o desastre, de uma catástrofe se estendem para além da esfera da cultura, ou seja, para além das populações humanas. Outra coisa completamente distinta é perceber a importância do desastre, da catástrofe, humanamente produzidos, como fenômeno radicalmente moderno que deve ser compreendido dentro de um contexto tecnológico, politico, econômico e cultural específico. Admitindo os elementos de sociabilidade como variáveis centrais para a explicação da produção deste tipo de fenômeno, assumem importância fundamental os conceitos de risco, vulnerabilidade e manejo, que instrumentalizam empiricamente o fenômeno. Ocorrência que, como afirmamos, têm origem nos aspectos organizativos da estrutura social. Ora, mesmo entendendo que eles não são suficientes para pensarmos desastres como os que ocorreram em Teresópolis em 2011, ou aqueles que arrasaram parte da zona da mata sul de Pernambuco em 2010, não podemos deixar de nos colocar esse tipo de questão, de caráter racional e instrumental. A pergunta é: até que ponto esse tipo de reflexão pode identificar suficientemente o problema que tem diante de si? Porém, sigamos.

Risco e vulnerabilidade são expressões que se referem a uma mesma ordem de fenômenos: a possibilidade de ocorrência de desastres. Risco refere-se à probabilidade de que a uma população (pessoas, estruturas físicas, sistemas produtivos, etc.), ou segmentos da mesma, aconteça algo nocivo ou daninho (FONTES, 2008 p. 121). Vulnerabilidade refere-se a uma outra face do mesmo problema. Ela nos remete aos elementos já presentes na estrutura social que resultam em uma maior possibilidade de ocorrência de desastre – às formas pelas quais as populações enfrentam as situações de risco e os efeitos decorrentes desse estado de organização social. A noção de vulnerabilidade remete desta forma, à ideia de sustentabilidade ambiental. Práticas sociais são sustentáveis se garantem sua reprodutibilidade para as gerações seguintes. E esta garantia só é possível quando se considera o fato de que o uso de recursos naturais e o modelo civilizatório subjacente se façam a partir da consideração de que parte importante das riquezas não é renovável; ou, dito de outro modo, que a natureza tem um tempo que às vezes pode não coincidir com o da cultura.

Talvez um bom exemplo para refletir sobre o assunto seja o olhar sobre o cotidiano das cidades. Hoje a vida urbana é uma realidade que está presente na vida cotidiana da maioria das pessoas. Os que vivem em grandes cidades compartilham um ambiente onde a mão humana está presente mais que em qualquer outro lugar. O espaço urbano, marcadamente produto da intervenção humana sobre o ambiente natural, é marca característica da modernidade. Apesar de as cidades existirem há muito tempo, a modernidade e o espaço metropolitano, anônimo, confundem-se. E ser urbano significa pertencer a uma civilização que, embora produzindo riquezas, e oferecendo a possibilidade do consumo a um número crescente de pessoas, o faz de forma destrutiva, pondo em risco a própria existência humana. O cotidiano das grandes cidades é bem ilustrativo a respeito: deparamo-nos diariamente com os problemas de gigantescos engarrafamentos, de níveis preocupantes de qualidade do ar, enchentes, poluição sonora, paisagens degradadas, pessoas vivendo em ambientes insalubres ou inadequados (palafitas, encostas de morro). A pergunta que podemos fazer nesse ponto é: como, do ponto de vista da manutenção da estrutura de consumo capitalista contemporânea, poderíamos evitar a “contraprodutividade” que se materializa no desastre? Mais especificamente: tendo em vista a realidade de um capitalismo predador, como poderemos questionar e agir de modo propositivo contra desastres ambientais como os que estão associados à destruição de áreas enormes da floresta amazônica para o cultivo de pasto? Como, diante das pressões pelo desenvolvimento capitalista no Brasil, podemos conceber uma ação política eficaz que aceite os custos financeiros e sociais de uma ocupação ordenada e ambientalmente sustentável que possa fazer face a “sinistros anunciados” como o de Teresópolis?

A luta contra o caos, muitas vezes iminente, deve ocorrer considerando-se o fato de que, embora muitas vezes em conflito, as pessoas compartilham o mesmo espaço e os efeitos destrutivos da ação incontrolada sobre o meio ambiente se voltam contra todos. O que parece óbvio, entretanto, não é compreendido como tal por um motivo simples: no curto prazo, as consequências de práticas predatórias não são, em inúmeros casos, distribuídas igualmente entre todos. Temos, é certo, o fato de que por vezes os efeitos deste modelo civilizatório selvagem são compartilhados: a poluição, o stress provocado por longos engarrafamentos. Mas há incontestavelmente o fato de que esta repartição das economias de aglomeração também se distribuem assimetricamente, alguns arcando com parte importante do ônus desta curiosa civilização onde o viver coletivo é solenemente desprezado, dando lugar ao exclusivo interesse privado, à ação egoística da busca de vantagens. O paradoxo de uma civilização onde são produzidos custos que devem compartilhados, mas que todos lutam pela maximização de seus interesses individuais resulta na reprodução da desigualdade, na distribuição assimétrica dos efeitos de um modelo predatório de civilização. A ocupação de áreas de risco, por exemplo, deve ser entendida a partir dessa constatação. A urbanização descontrolada, ditada pela busca do lucro imobiliário e pela necessidade imediata daqueles que não podem ter acesso a tal mercado, não pode produzir uma lógica coletiva de proteção de encostas e de mananciais. Os desastres, e por vezes catástrofes, fazem-se sentir a cada período de chuva mais intenso, com inundações e deslizamentos de encostas, com efeitos perversos sobre populações economicamente mais fragilizadas.

Tomado com frequência nas ciências sociais como o sociólogo do risco, Ulrich Beck talvez devesse ser mais adequadamente entendido como um crítico contundente desta ideia que recorrentemente mobilizamos como forma de enfrentar a perspectiva de desastre e catástrofes que sempre rondam nosso envolvimento profundamente tecnológico com o mundo que nos cerca (FERREIRA, 2010). Se tomarmos suas considerações sobre risco, tal como expostas na Sociedade de Risco, por exemplo, de fato não teríamos uma formulação daquela que já encontramos em Dupuy acerca deste mesmo tema. O cálculo de risco pressupõe sempre a possibilidade de analisar da perspectiva do custo e benefício nossa ação sobre o meio ambiente, sem levar em contata, por exemplo, que pequenos custos em princípio negligenciáveis podem se somar e formar um pesadelo ambiental. A noção de risco parece partir do pressuposto de que uma solução técnica pode sempre ser encontrada para um problema tecnicamente gerado. Na realidade acreditamos que uma discussão política mais profunda acerca das origens culturais da constituição de “um tempo de catástrofes” deve ser procurada. E esse deve ser um ponto de partida de qualquer projeto de desenvolvimento que se pretenda sustentável.


REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich. 2010. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo, Editora 34.
DUPUY, Jean-Pierre. 2011. O Tempo das Catástrofes: quando o impossível é uma certeza. São Paulo, Editora Realizações.
BERMAN, Marshall. 2007. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. São Paulo, Cia de Bolso.
FERREIRA, Jonatas. 2009. Nanobiotecnologia no Brasil: algumas reflexões acerca da vida vista sob a ótica do infinitamente pequeno. In: MARTINS, Paulo Henrique e MEDEIROS, Rogério de Souza. América Latina e Brasil em Perspectiva. Recife, Editora Universitária da UFPE.
FONTES, Breno Augusto Souto Maior. 2008. “Democracia, comunidade e território”. In: MARTINS, Paulo Henrique; FONTES, Breno; MATOS, Aécio. Limites da Democracia. Recife, Editora da UFPE.
FONTES, Breno Augusto Souto Maior. 1998. Assentamentos Populares e Meio Ambiente. Dados. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 41, n.01, pp.115-146.
HABERMAS, Jürgen. Les Discours Philosophique de la modernité. Paris, Editions Gallimard, 1988
ILLICH, Ivan. 2006. Obras Reunidas 1. Mexico, Fondo de Cultura.
SENNETT, Richard. 2004. A corrosão do Caráter. Rio de Janeiro, Editora Record.
SERRES, Michel. 2003. Hominescências: o começo de uma outra humanidade. São Paulo, Bertrand-Brasil
VIRILIO, Paul. 1996. A arte do Motor. São Paulo, Espaço Liberdade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Assédio Sexual nas Universidades Brasileiras




Por Cynthia Hamlin

Nenhuma atividade humana ocorre em um vácuo social. O que pode parecer um truísmo – e um especialmente redundante depois que a última pá de cal foi lançada sobre a concepção positivista de objetividade - tende a ser esquecido quando a atividade em questão diz respeito à produção de conhecimento.

Universidades e demais instituições de ensino são formadas por pessoas de carne e osso que trazem para seu ambiente de trabalho crenças, valores e sistemas simbólicos de classificação e compreensão do mundo: preconceitos, no sentido Gadameriano do termo. Tais preconceitos afetam profundamente a forma como os objetos de pesquisa são construídos, assim como as relações humanas que estão na base do processo de construção do conhecimento. Neste sentido, também é fácil entender que as ações e interações que ocorrem nos laboratórios, corredores e salas de aulas tendem - exceto quando diretamente questionadas - a reproduzir a estrutura social mais ampla em que estão inseridas. No caso brasileiro, nunca é demais lembrar, essa estrutura  é marcada por enormes desigualdades de classe, de raça e de gênero.

Alguns mecanismos dessa reprodução são bem conhecidos. Especificamente no que diz respeito às relações de gênero, sabe-se, por exemplo, que a socialização a que meninos e meninas são submetidos pelos diversos agentes tem um impacto direto na formação dos chamados “guetos sexuais” na academia (cf. Rosemberg, 2000; Eccles, Jacobs e Harold, 1990; Hoschild e Machung, 1989). Também são bem conhecidos os impactos da divisão desigual e naturalizada do trabalho doméstico nas carreiras femininas; ou dos estereótipos de gênero no “efeito teto” que descreve a menor participação das mulheres nos cargos mais elevados da hierarquia universitária e de outras organizações (cf. Araújo e Scalon, 2006; Tannen, 1994; Nogueira, 2011; Boyd, 1997; Mahony, 1995).

Não me interessa detalhar seu funcionamento aqui, mas chamar atenção para um outro tipo de mecanismo reprodutor de desigualdade de gênero em instituições de ensino e em outras organizações que não tem recebido a atenção necessária entre nós: o assédio sexual.

O termo “assédio sexual” foi cunhado pela jurista e cientista política Catharine MacKinnon, na década de 1970. Seu livro “Assédio Sexual de Mulheres Trabalhadoras”, de 1978, baseou-se em uma série de casos de assédio contra estudantes e funcionárias de Universidades americanas. Lá, ela argumentava que, de acordo com o Código dos Direitos Civis de 1964, o assédio sexual deveria ser caracterizado como uma forma de discriminação sexual. Ao estabelecer uma teoria que relacionava diretamente comportamentos sexuais e discriminação sexual (ou de gênero), MacKinnon enfatizava que o assédio sexual ocorria como expressão do status desigual de homens e mulheres (Dinner, 2006).

O trabalho de MacKinnon serviu de base não apenas para o desenvolvimento das leis americanas sobre discriminação sexual, mas também para o estabelecimento de códigos e programas contra o assédio sexual em Universidades e outras organizações. Hoje em dia, qualquer universidade dos EUA, Canadá, Reino Unido, e (a partir dos anos 2000) França, distribui entre professores, alunos e funcionários uma espécie de manual que regulamenta o que constitui assédio sexual, estabelece comissões internas para julgar denúncias e informa o que fazer caso se suspeite ter sido vítima do assédio sexual.

Outras Universidades do mundo, como ocorre na Colômbia, Zâmbia, Austrália, África do Sul e Malásia, também têm atentado para o tema, seja por meio da produção de pesquisas, seja por meio da regulamentação de códigos de conduta, programas educativos etc. (Smit e Du Plessis, 2011;  Ismail et al. 2007; Menon et al. 2009; Moreno-Cubillos, 2007).

E no Brasil? Uma rápida pesquisa em inglês, francês, português e espanhol no portal de periódicos da Capes não gerou um trabalho sequer sobre assédio sexual nas Universidades e demais instituições de ensino no país. A invisibilidade das pesquisas, associada à ausência de qualquer política contra assédio sexual nas Universidades Brasileiras, gera a impressão de que “uma das formas mais comuns de discriminação sexual no mundo inteiro” (Menon et al. 2009) não ocorre entre nós. Isso é estranho, considerando que as mulheres, em particular as mulheres negras, aparecem na base do sistema de estratificação social no Brasil para a maioria dos indicadores de desenvolvimento humano.

E, no entanto, isso não procede. Como atesta um caso recente, no qual um professor da Universidade Federal de Pernambuco foi condenado em primeira instância pelo crime de assédio sexual, o problema também ocorre entre nós. E o caso é instrutivo, por uma série de razões. Em primeiro lugar, questões relativas a gênero não foram mencionadas na sentença. Segundo, deixa claro que, ao contrário do que ocorre em diversos lugares do mundo, o sistema de justiça é a única alternativa a que supostas vítimas de assédio podem recorrer. Isso, obviamente, tem seu preço. Vejamos.

De acordo com convenções internacionais das quais o Brasil é signatário (como a CEDAW ou a Convenção de Belém do Pará), a violência sexual ou de gênero deve ser combatida por meio de leis e políticas públicas integrais que de fato previnam, punam e erradiquem a violência contra mulheres, e que acolham de forma humanizada a quem sofreu a agressão.  De um ponto de vista jurídico, algumas iniciativas podem ser mencionadas, como a Lei Maria da Penha e a recente mudança no Código Penal, em 2009, da caracterização de assédio sexual como crime contra os costumes para crime contra a liberdade sexual. Mas enquanto a primeira baseia-se integralmente numa perspectiva de gênero, este ainda não é o caso em relação ao Código Penal. De fato, tratar o assédio sexual a partir de um viés de gênero permitiria, por exemplo, caracterizar como assédio formas de discriminação sexual nas quais o agressor ou agressora não é caracterizado em função de “sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (Art. 216 A do Código Penal).

Um estudo australiano (citado em Smit e du Plessis, 2011) ajuda a ilustrar este ponto. Enquanto que no ensino superior a forma mais comum de assédio sexual ocorre entre professores e alunas, caracterizando uma desigualdade de poder facilmente enquadrada como superioridade hierárquica ou “ ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, no nível médio, a situação se inverte: a forma mais comum de assédio sexual é de alunos em relação a professoras. Isto aponta para uma questão de gênero segundo a qual a autoridade das professoras está claramente subordinada à sua autoridade como mulheres (o que tende a ser neutralizado ou minimizado no ensino superior). Prevalecem, neste caso, as relações de poder características da estrutura social mais ampla (patriarcal), o que, de um ponto de vista teórico e conceitual, está de acordo com a concepção relacional do gênero.

A escassez de políticas públicas integrais que constituam alternativas e/ou complementos ao sistema de Justiça também ficou evidente no caso em pauta. Enquanto grande parte das Universidades do mundo têm códigos internos de assédio sexual e mecanismos que ajudam a informar e coibir tais práticas, as Universidades brasileiras não têm nada neste sentido. De fato, ainda que tenha sido criada uma comissão interna para avaliar o caso, até o momento, a mesma não se pronunciou publicamente. Além disso, dado que não existe nada que regulamente a forma como esses casos devem ser tratados no âmbito da Universidade, não é claro que esta comissão possa ter alguma eficácia ou mesmo utilidade.

Assim como ocorreu em relação à criação de comissões de ética que regulamentam as pesquisas nas Universidades, talvez esteja na hora de pensarmos algo semelhante em relação ao assédio sexual.


Referências

Araújo, Clara; Scalon, Celi (2006). Gênero e a Distância entre a Intenção e o Gesto. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 21, n. 62, p. 45-68.
Boyd, Monica (1997) Feminizing Paid Work. Current Sociology, no. 45, p. 49-73.
Dinner, Deborah (2006) A Firebrand Flickers. Legal Affairs, Mar/abr. Disponível em: http://www.legalaffairs.org/issues/March-April-2006/review_Dinner_marapr06.msp
Rosemberg, Fúlvia (2000). Educação Infantil, Gênero e Raça. In: Antonio Sérgio Guimarães e Lynn Huntley (orgs), Tirando a Máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra.
Eccles, J.S.; Jacobs, J.E.; Harold, R. D. (1990) Gender Role Stereotypes, Expectancy Effects and Parents’ Socialization of Gender Differences. Journal of Social Issues, no. 46, p. 183-201.
Hoschild, Arlie R.; Machung, Anne (1989). The Second Shift: working parents and the revolution at home. Nova York: Viking.
Ismail, Mohd Nazari et al. (2007) Factors Influencing Sexual Harassment in the Malaysian Workplace. Asian Academy of Management Journal, Vol. 12, No. 2, Jul. p. 15–31 
Tannen, Deborah (1994). Talking from 9 to 5: How women’s and men’s conversational styles affect who gets heard, who gets credit, and what gets done at work. Nova York: William Morrow.
Mahony, Rhona (1995). Kidding Ourselves: breadwinning, babies and bargaining power. Nova York: Basic Books.
Menon, A et. Al (2009) University Students’ Perspective of Sexual Harassment:A Case Study of the University of Zambia. Medical Journal of Zambia, vol. 36 n. 2, p. 
Moreno-Cubillos, Carmen et al. (2007). Violencia Sexual contra las Estudiantes de la Universidad de Caldas (Colombia): Estudo de Corte Transversal. Revista Colombiana de Obstetricia y Ginecología, Vol 58, n. 2, p. 115-128.
Nogueira, Pablo (2011). A Ciência das Mulheres. Unespciência, março, p. 18-25. 
Smit, D; du Plessis, V (2011). Sexual Harassment in the Education Sector. Potchefstroom Electronic Law Journal, África do Sul,  vol 14, no 6, p. 173-217. Disponível em: http://www.ajol.info/index.php/pelj/article/view/73012


domingo, 20 de maio de 2012

Teoria Social e Técnica

As tarefas da coordenação do PPGS e a orientação de mais alguns estudantes não têm me permitido postar no Cazzo (this hard instrument of our soft science) com a regularidade que gostaria. Isso não me impede de fazer agora uma propagandazinha de um livro novo que acaba de sair pela Editora da PUC do Rio Grande do Sul. Trata-se de Teoria Social e Técnica, livro organizado por Franz Brüseke e que conta com as colaborações de Carlos Sell, Francisco Rüdiger, Jonatas Ferreira, além do próprio Brüseke.

Se eu fosse você, encomendaria logo um exemplar.

Jonatas

[Não consegui uma fotografia da capa melhor. Vai essa mesmo].


domingo, 6 de maio de 2012

O que é nanossociologia? *



Por Frédéric Vandenberghe

Talvez tenha chegado a hora de revisar a história recente da teoria sociológica e trazer alguma ordem à galáxia da microssociologia. A fim de focar a atenção do leitor, proponho renomear a microssociologia. Chamá-la-ei ‘nanossociologia’ por duas razões: primeiro, por estar cansado da já banalizada história envolvendo as relações entre agência e estrutura e desejar contornar por completo todo o debate acerca da ligação micro-macro; segundo, pelo fato de o termo micro não se referir a um domínio da existência social, e sim a um olhar, uma determinada maneira de perscrutar as minúcias da vida social visando descobrir como os atores habilmente a viabilizam. Não existe razão pela qual o microscópio sociológico deva se deter no nível molecular e não explorar o infinita ou infinitesimalmente pequeno. A sociedade é em última instância constituída de indivíduos, mas como nos diz Gabriel Tarde em seu Monadologia e Sociologia, os últimos elementos alcançados pela ciência são eles mesmos complexos e compostos [1]. E se alguém não desejar enfocar indivíduos, porém, como os pragmatistas, os interacionistas simbólicos e os etnometodólogos, optar por investigar situações de ação, por que não levar a empreitada às últimas consequências e investigar curtas sequências de ação que poderiam variar de algumas horas a alguns minutos ou mesmo segundos?


Atualmente, tornou-se lugar comum nas introduções à sociologia uma apresentação da história recente da disciplina em termos da antinomia entre agência e estrutura ou ação e ordem – como se os sociólogos tivessem que ter esperado por Jeffrey Alexander, Pierre Bourdieu ou Tony Giddens para encontrar uma teoria dialética das práticas que resolvesse o dilema. Esta história canônica não é somente infrutífera e repetitiva; é sobretudo enganadora. Quem quer que considere a ‘microrrevolução’ californiana dos anos 1960 sem os antolhos do debate agência-estrutura não deixará de observar que Goffman, Garfinkel e Harvey Sacks, os campeões da análise situacional, eram obcecados com a questão da ordem. Para eles, o desafio consistia em demonstrar a natureza ordenada da vida cotidiana. Esperar por um ônibus, dirigir em uma autoestrada, portar-se como os playboys do posto 8, observar por um microscópio, todas essas atividades comuns são ordenadas, quer dizer previsíveis, testemunháveis, relatáveis enquanto atividades orquestradas em situações concretas. Da mesma forma, eles não opunham agência e estrutura, mas encontravam ‘estrutura’ em todos os níveis da sociedade e, particularmente, no nível ‘nano’ da ação.


Com efeito, ao invés de opor agência e estrutura, se poderia igualmente opor ação à prática e, assim, distinguir entre várias microssociologias conforme elas enfoquem o ator de dentro ou de fora, à medida que elas adotem a perspectiva em primeira pessoa do participante ou a perspectiva de terceira pessoa do observador, ou ainda que elas tentem interpretar o comportamento social ou simplesmente descrevê-los. Enquanto que a sociologia da ação é uma sociologia interpretativa que pode legitimamente reivindicar sua origem nas páginas iniciais de Economia e Sociedade [2], a sociologia da prática é uma sociologia descritiva que encontra sua inspiração central não em Weber, tampouco em Marx, mas em Durkheim.


Oriundos da fenomenologia e do pragmatismo, os autores mencionados leram criativamente Durkheim (ou o ‘desinterpretaram’, como o Garfinkel tardio instruía seus orientandos), projetando sua análise estruturalista dos fatos sociais para o nível micro. Entre uma sociologia fenomenológica da ação que investiga as motivações, significados e tipificações dos atores e enfatiza a intencionalidade e a reflexividade de um lado e, de outro, uma sociologia microestruturalista das práticas que descreve sequências ordenadas de ações situadas por agentes anônimos que rotineiramente fazem o que fazem sem muita reflexão, encontra-se a sociologia da interação que analisa como os atores definem as situações em que estão inseridos de modo a coordenar suas ações com outros agentes na mesma situação. Esta sociologia interacionista da ação, que remonta a Georg Simmel, Marcel Mauss ou G. H. Mead, pode seguir ambos os caminhos. Quando acentua a conexão entre agência e cultura e concebe a linguagem como o meio simbólico que possibilita a Ego e Alter coordenarem suas ações e agirem juntos, se coaduna à teoria fenomenológico-hermenêutica da ação de Weber, Schütz e Parsons. No entanto, quando enfoca mais a situação da ação do que os atores propriamente ditos para analisar como os agentes sociais se deparam com injunções situacionais formando um microssistema que condiciona rigorosamente suas práticas, ela se associa à teoria das práticas de Goffman, Garfinkel e Wittgenstein.


Notas
* Esta é uma versão ligeiramente modificada de texto a ser publicado no Cadernos do Sociofilo, no. 2. A tradução do inglês foi de Thiago Panica Pontes.
[1] Tarde, G. (1999): “Monadologie et sociologie”, Oeuvres de Gabriel Tarde, vol. 1, p. 36. Paris: Les empêcheurs de penser em rond.
[2] "Sociologia… é a ciência que procura compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e consequências".

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Intercâmbio com a Universidade de Hamburgo


Jonatas, estudando teratologia em Hamburgo

EDITAL DE SELEÇÃO PROJETO UNIBRAL II
BOLSAS DE ESTUDO NA ALEMANHA PARA ALUNOS DO BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFPE

Estarão abertas inscrições, no período e local abaixo indicados, para seleção de alunos do Bacharelado em Ciências Sociais da UFPE, que tenham interesse em participar do projeto UNIBRAL II de Intercâmbio entre a UFPE e o Instituto de Sociologia da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, financiado pela CAPES/DAAD. Serão oferecidas quatro bolsas de estudo, com duração de 10 meses, a partir de outubro do corrente ano. O valor das bolsas e do auxílio instalação e seguro saúde seguirão as normas vigentes da CAPES.

- PERÍODO E LOCAL DE INSCRIÇÃO: 02 a 07 de maio de 2012 na Secretaria da Graduação em Ciências Sociais, no horário das 9 -12h e 14-17h.

- DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA PARA INSCRIÇÃO:
  • Carta do candidato expondo razões de seu interesse em participar do intercâmbio;
  • histórico escolar emitido pelo SIG@ (com carimbo e assinatura da Coordenação do Curso);
  • Currículo Lattes com apresentação de documentos comprobatórios;
  • certificado ou declaração do nível de estudos da língua alemã. 

- REQUISITOS:
  • ser brasileiro ou estrangeiro com visto de residência permanente no Brasil;
  • não ter usufruído, anteriormente, de outra bolsa de graduação sanduíche no exterior; 
  • não ultrapassar o período total para conclusão da graduação, de acordo como prazo regulamentar do curso;
  • ter cumprido, no mínimo, 50% dos créditos nas disciplinas da graduação atéa data da viagem, bem como concluir o curso no Brasil;
  • apresentar coeficiente de rendimento escolar igual/superior a 7,0;
  • ter, no máximo, 1 reprovação nos períodos.

- CRITÉRIOS DE SELEÇÃO: A seleção dos alunos será feita com base na avaliação do histórico escolar, proficiência no idioma alemão, análise do Currículo Lattes e entrevista com comissão de seleção.

- PERÍODO DA SELEÇÃO: 08 a 12 de maio de 2012.

Profa. Eliane Maria Monteiro da Fonte
Coordenadora do Projeto na UFPE

terça-feira, 1 de maio de 2012

Como sobreviver a uma tese de doutorado

Raewyn Connell, professora de sociologia da Universidade de Sidney, Austrália, mais conhecida no Brasil por seus estudos sobre masculinidades
Cynthia Hamlin

Passei o feriadão (que ainda não acabou!) dividida entre a correção de teses e dissertações e a edição de uma entrevista com Raewyn Connell que eu e Frédéric Vandenberghe fizemos no final do ano passado. Entre uma coisa e outra, encontrei um artigo da própria Connell intitulado "Como orientar um PhD".

Embora antigo (de 1985), o artigo continua atual. Acredito, entretanto, que ele pode ser mais útil aos próprios doutorandos (e, em certa medida, mestrandos), do que aos orientadores. O texto traz algumas ideias simples, mas que tendem a ser esquecidas no calor das crises ocasionais. Cito dois trechos, escolhidos relativamente ao acaso:

A tese não deve ser um trabalho sem falhas ou definitivo. Trata-se de um treinamento para a pesquisa. É uma obra-prima no antigo sentido das guildas, do trabalho cuidadoso que mostra que o aprendiz está agora qualificado para exercer um ofício. Teses de doutorado sempre têm um escopo limitado e sempre têm erros e julgamentos equivocados. [...] A questão não é produzir a pesquisa perfeita, mas produzir uma pesquisa que seja adequada, em qualidade e quantidade, para justificar o título de doutor. (p. 38)
Decidir sobre o problema da pesquisa pode levar uma quantidade de tempo surpreendente. Frequentemente, isso toma todo o primeiro ano do doutorado; algumas vezes, as redefinições ocorrem como próprio cerne do projeto. Pode ser muito desconcertante para aqueles estudantes que, depois de seis meses lendo em todas as direções, sentem como se não tivessem chegado a lugar algum e que estão desperdiçando seu tempo e o dinheiro público. (p. 39)
 
Trata-se de um verdadeiro "ansiolítico textual" que ajuda a manter os nervos sob controle naqueles momentos de crise acadêmica que todos aqueles que já passamos por um doutoramento conhecemos bem. Mas também deixa claro que a melhor prevenção para a ansiedade é o trabalho constante e regular.

Abaixo, a referência completa do artigo e o link para o site de onde ele pode ser baixado:

Connell, Raewyn. How to supervise a PhD. Vestes: Australian Universities Review, 1985, vol. 28 no. 2, 38-41.