sexta-feira, 24 de agosto de 2012

e-Aulas da USP



A Universidade de São Paulo lançou, recentemente, um portal que reúne uma série de aulas das disciplinas mais diversas.

Inspirados em serviços já em uso por Universidades de grande reconhecimento internacional como a Harvard, Yale, Columbia, MIT e Princeton, estamos colocando à disposição de todos um novo serviço da USP, o e-Aulas. Este novo serviço expressa o reconhecimento por parte da Universidade de que uma de suas funções é a disseminação do conhecimento, permitindo que professores disponibilizem suas vídeo aulas, e que alunos acessem vídeo aulas de diversas disciplinas da USP. Ele também é aberto ao público. A motivação para o desenvolvimento e implementação do e-Aulas USP foi devido ao grande benefício que se observa com o consumo de objetos de aprendizagem em formato de vídeo disponíveis na Web, que tem demonstrado ser um grande aliado do aluno, que pode acessar este conteúdo de onde estiver. Através deste novo recurso esperamos contribuir também para a melhoria do processo ensino/aprendizagem da Universidade de São Paulo. Este sistema foi idealizado pelo Professor Gil da Costa Marques, atual Superintendente de TI da USP (Superintendência de Tecnologia da Informação – USP). Sua implementação foi coordenada pela Profa. Regina Melo Silveira da Escola Politécnica – EPUSP, e a implantação esteve sob a responsabilidade da equipe técnica da STI – USP). A STI e a USP estão oferecendo este novo sistema, e ainda oferece suporte ao professor que desejar disponibilizar ou que desejar produzir e disponibilizar vídeo aulas no sistema e-Aulas USP.

Ainda em seu início, as Ciências Sociais contam apenas com um curso na área de Ciência Política. Ministrado pelo professor José Álvaro Moisés, o curso intitulado "Qualidade da Democracia, Instituições Democráticas e Cultura Política: A Relação entre Confiança Política e Accountability". O vídeo postado acima é o primeiro de uma série de 18 e, de acordo com informações contidas no portal:

Trata-se de um curso de leituras em torno dos conceitos de qualidade da democracia, instituições democráticas e cultura política. O foco central da discussão são as relações entre confiança política e accountability. O objeto empírico da discussão é, por um lado, o fenômeno contemporâneo de desconfiança dos cidadãos de instituições políticas e, por outro, o desempenho das instituições de representação, assim como os efeitos de ambos para o funcionamento do regime democrático. Por uma parte, serão examinados os conceitos de cultura cívica e cultura política, qualidade da democracia e confiança política em sua relação com as instituições democráticas, com base na literatura especializada recente; por outra, será discutida a significação da evidência empírica que, desde há algumas décadas, aponta para a perda sistemática ou para a formação incompleta de apoio político dos cidadãos às instituições democráticas - tanto em países de democracia consolidada, como nos que se democratizaram a partir de meados dos anos 70, a exemplo do Brasil. O desempenho do Congresso Nacional será examinado como um caso especial em sua associação com a desconfiança política. O esforço analítico se orientará em sentido comparativo, buscando apontar o significado teórico das diferentes experiências de relação entre a democratização e o modo de funcionamento das instituições.

 Desejamos sucesso na empreitada e aguardamos ansiosamente os cursos na área de Sociologia.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Documentário: Aquelas Mulheres

"...Aquellas Mujeres..." from Verena Kael on Vimeo.

(O Vimeo retirou o vídeo do link acima. Para ter acesso ao vídeo, clique aqui.)

Sinopse / Sinopsis

Relato sobre las esclavas blancas judías, llamadas “polacas”, que fuereon traídas a Rio por los cáftens desde final del siglo XIX; aqui ellas crearon una sociedad de ayuda mutua, una sinagoga y un cementerio, manteniendo su vínculo con la religion, a pesar de la práctica circunstancial de la prostitutión.

Ficha Técnica / Ficha Técnica

Título / Título: Aquellas Mujeres
Diretor / Director: Matilde Teles e Verena Kael
Roteirista / Guionista: Matilde Teles
Diretor de fotografia / Director de Fotografía: Haroldo Borge e Renata Gordo
Editor / Editor: Verena Kael e Matilde Teles
Ano de Produção / Año de producción:: 2010
País/ País: Brasil

Histórico da obra / Histórico de la obra

Premiado Mejor Cortometraje, REcine 2010. Primeira Mostra Campinas de Filmes Políticos e Independentes. Exibição em 12 de Maio2012 http://mostrafilmespoliticos.blogspot.com.br/p/programacao.html http://mostrafilmespoliticos.blogspot.com.br/ Mostra Cortados - Mostra Curtas Argentina Brasil - 2011 Tucumam – Argentina em dezembro http://www.filing.com.br/#!__mostra-cortados http://www.filing.com.br/#!__selecionados-cortados 8º Festival Imagem-Movimento - 28 de novembro a 04 de dezembro de 2011. http://www.imagemovimento.org/ Exibição em 4 de dezembro. Festival Internacional de Cortometrajes Cusco - FENACO Perú 17 a 19 de novembro de 2011 (18,viernes) http://www.festivalcinecusco.com/home_span.htm http://www.festivalcinecusco.com/pdf/programacion.pdf Curta Neblina 3 – Festival Latino Americano de Cinema em SP/Santo André. 15 e 18 de dezembro na Vila de Paranapiacaba. http://mostracompetitiva.blogspot.com/ http://mostracompetitiva.blogspot.com/ XXXVIII Jornada Internacional de Cinema da Bahia 2011 De 9 a 15 de setembro. http://www.jornadabahia.com/2011/38filmlistvid.php www.jornadabahia.com/index.html Mostra Curto Encontro 2011 De 22 a 28 de agosto, Sábado, 27/08, às 19h em todos os 16 espaços em 13 cidades da Bahia: Salvador (Sala Walter da Silveira, Espaço Cultural Alagados, Solar da Boa Vista, Centro Cultural Plataforma), Santo Amaro, Vitória da Conquista, Juazeiro, Porto Seguro, Guanambi, Mutuípe, Valença, Lauro de Freitas, Alagoinhas, Jequié, Itabuna e Feira de Santana. http://tabuleiroproducoes.com.br/2011/category/curto-encontro/ http://tabuleiroproducoes.com.br/2011/2011/08/19/aquelas-mulheres-matilde-teles-e-verena-kael/ IV Muestra de Cine y Video Centroamericano y II Ventana Iberoamericana , Nicarágua . 23-30 marzo de 2011. / Asociación Nicaragüense de Cinematografía ANCI. http://www.anci.org.ni/proyectos.html REcine - Festival Internacional de Cinema de Arquivo, Rj. dia 25 e acaba em 29 de outubro, de 2010. www.recine.com.br. Mejor cortometraje de Júri Popular. 17º Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, MT . 25 a 30 de outubro de 2010. www.cinemaevideocuiaba.org Fazendo Genero 9 -( Diásporas, Diversidades e Deslocamentos), 20 a 26 de agosto de 2010, florianopolis SC. http://www.fazendogenero9.ufsc.br/mostraaudiovisual Cinesul – Festival Latino-Americano de Cinema e Vídeo, RJ. 15 a 27 de junho de 2010. http://www.cinesul.com.br/site_2010/festival_cinesul.shtml Cinedocumenta - 7ª Mostra de Cinema Documentário de Ipatinga, MG 12 a 16 de maio de 2010. http://www.cinedocumenta.com.br/historico.html

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A ausência de cidadania dos imigrantes ou o confuso pertencimento ao Estado-nação

Imigrantes albaneses chegam à Itália, 1991 (Fonte: Corbis)

Por Raquel Camargo - Professora Substituta do Dept. de Ciências Jurídicas da UFPB

H. Arendt nos ensina que o Estado-moderno, desde o seu início, assumiu a forma de Estado-nação. Ou, nos termos de Habermas, com o “desencantamento do mundo” a organização que veio suprir a contento a necessidade de racionalização da vida, sem perder o componente da transcendência, foi exatamente o Estado-nação. Mistura engenhosa e criativa, porém quase improvável, o Estado-nação forneceu a melhor resposta: um novo modo de legitimação do poder – republicano e racional – convivendo com o pertencimento, mais ou menos espontâneo, mais ou menos forjado, a uma ideia de nação pautada no compartilhamento de uma língua, de uma história e de uma vontade difusa de “viver junto” (RENAN, 1992). Em outras palavras, o Estado-nação, ao pertencimento a uma comunidade de livres e iguais – o Estado – juntava um sistema de representação capaz de produzir sentido para a alma – a nação.

Ao falar desse tema, que tanto me estimula e inquieta, não posso deixar de mencionar o meu próprio itinerário pessoal, longo e surreal, de convencimento de um membro de minha banca de defesa final do mestrado da possibilidade de usar este binômio (Estado-nação) sem estar cometendo a maior incoerência jurídica de todos os tempos. Quando eu estava perto de vencê-lo pelo cansaço, chegamos a um acordo meio bizarro: cada vez que eu pronunciasse ou escrevesse a polêmica expressão, deveria me justificar mostrando as razões de fazê-lo. Pois bem, acho que sou dura na queda, não desisto: volta e meia retorno com o problemático, porém não menos fascinante, Estado-nação.

Começo tentando fazer justiça, dizendo que compreendo as inquietações do meu professor. Ora, falar em Estado-nação é trazer a todo momento um componente de pertencimento cultural e acreditar numa ideia “vaga”, historicamente datada, de compartilhamento de crenças, identidades, hábitos e vários outros elementos inventados para que encontrássemos certo sentido no ato de vivermos juntos. Portanto, juridicamente falando, e já pedindo desculpas pelo trocadilho, acreditar nesse sentido não faz mais nenhum sentido. Tal atitude é, inclusive, nociva, pois implica em excluir do pertencimento ao Estado todos aqueles que não podem se inserir na “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008) que convencionamos chamar de nação. Devemos, pois, seguindo este raciocínio, substituir a expressão “Estado-nação” por “Estado-territorial”, e ao nos referirmos à dimensão pessoal do Estado, devemos então falar em “povo”, não em “nação”.

Essa fórmula/estratégia de substituição tem um objetivo claro e configura uma tese defendida por vários autores, sobretudo aqueles que têm uma inserção transdisciplinar no campo da política e do direito internacional (CORRAL, 2006). A ideia é de que, como diria Schnnaper (2003), alguns conceitos escondem verdadeiras teorias. Assim, trocar “Estado-nação” por “Estado-territorial” seria defender a ideia segundo a qual, nos Estados democráticos, o povo não precisa mais se configurar como nação para que haja o pertencimento estatal, basta fazer parte dos limites territoriais dentro dos quais o Estado exerce a sua jurisdição. A principal e melhor consequência deste rearranjo é que a cidadania deixaria de depender da nacionalidade e os estrangeiros poderiam ser tornar cidadãos.

Não é que não considere esse resultado o melhor possível, ao contrário. Dentro do melhor dos mundos possíveis é exatamente isso o almejado, que o mundo não mais se divida em Estado-nações e os estrangeiros possam ter acesso a uma cidadania que lhes garanta direitos fundados no princípio do indivíduo, e não no pertencimento nacional. A história, porém, nos deixa calejados. Como dar concretude ao povo senão através da nação? Claude Lefort (2003) não tinha razão ao dizer que o povo sem nação é mera abstração? Quando eu falo em “povo”, como posso atribuir uma forma a essa massa disforme senão por via da nação? O povo... Mas que povo? O povo francês, o povo inglês, o povo brasileiro etc. Por outro lado, não foi exatamente através do Estado-nação que conseguimos dar forma e conteúdo ao Estado, desde Hobbes pensado como uma pessoa fictícia?

As palavras dão nomes as coisas, são suportes, ou melhor, signos linguísticos que trazem significados e nos permitem representar o mundo. Mas as coisas existem! No caso da nação, por mais que a palavra expresse uma invenção do mundo da cultura, isto é, do mundo dos significados, ela não foi pensada em meio a um vazio. Ela é uma ficção, sim, mas nem por isso é uma mentira. Ficções são invenções que de alguma forma representam a realidade. A nação não pode ser observada da maneira como observamos um fenômeno da natureza, por exemplo. Porém, a nação traduz um sentimento que não pode ser negligenciado (acabamos de assistir as Olimpíadas em Londres, por sinal...).

Longe de mim achar que o modelo de Estado-nação não gera exclusões as mais drásticas possíveis. É exatamente a nação, ou melhor, a criativa mistura entre Estado e nação, que faz com que a até hoje a cidadania dependa da nacionalidade. Consequencia disso: os imigrantes estrangeiros não podem ser considerados cidadãos, o que os colocam em uma situação delicada na hora de fazer valer seus direitos.

De fato, é impossível negar a crise do modelo de Estado-nação. “Crise”, no entanto, não implica em superação imediata, e sim em um momento agonizante a partir do qual novos e desconhecidos caminhos podem ser imaginados. As crises configuram momentos ideais para pensar, questionar e vislumbrar novas possibilidades. O importante, nesse exercício, é “não jogar fora o bebê junto com a água do banho”, como faz, por exemplo, Mario Vargas Llosa ao culpar o Estado-nação por todos os males e todas as crueldades produzidas pela humanidade e acusá-lo do exemplo privilegiado de uma imaginação maligna (SCHNNAPER, 2003).

Para esse tipo de reflexão, a leitura de Butler me parece uma ótima opção. Ao tentar rearranjar a ideia de Estado-nação, ela parte de uma mistura tão criativa e improvável quanto àquela que deu origem a esse conceito: literatura comparada, política, estética e uma pitada de filosofia da linguagem. Uma associação muito livre de ideias e observações da realidade que nos levam ao estimulante conceito de “contradição perfomativa”. A que isso dá nome? Explico-me.

Butler, observando da janela de sua casa uma manifestação de imigrantes que acontecia em uma rua qualquer de Los Angeles, foi levada a exercer sua imaginação e nos brindar com o belíssimo articulado de ideias que compõe o livro Quem canta o Estado Nação?. A situação é a seguinte: no ano de 2006, imigrantes hispânicos em situação irregular fizeram uma marcha na qual foi cantado, como forma de protesto, o hino nacional estadunidense em espanhol. Butler viu nessa manifestação performática o caldo perfeito para a reflexão sobre imigrantes ilegais sem nacionalidade, portanto sem cidadania.

A primeira coisa que Butler identificou foi a existência de um “nós”, isto é, um sujeito coletivo, que ao cantar hino em espanhol reivindicava, de forma performática, a inclusão na nação estadunidense. Esse pedido de inclusão, porém, não era tão simples, pois não se tratava apenas de se inserir em uma ideia já existente de nação. O buraco, ou melhor, a nação, era mais embaixo: o ato de cantar o hino estadunidense em espanhol trazia consigo o problema da igualdade, sem a qual o “nós” que compõe a nação fica impronunciável (BUTLER, 2009). A igualdade necessária para pronunciar o “nós” que compõe a nação, porém, é excludente. Tanto que, na ocasião, Bush se pronunciou para deixar claro que “o hino nacional só se canta em inglês”, do contrário, ele deixa de ser nacional. Está montado o drama. Parece que o máximo que poderia ser feito em termos de inclusão na ideia de nação era admitir um pouquinho de pluralismo para incluir umas tantas pessoas e depois redefinir os critérios de igualdade para a partir daí excluir umas tantas outras.

Felizmente Butler não parou por aí. E se considerássemos que manifestações como estas são exercícios retórico-performativos que, de tão improváveis, paradoxais e contraditórios poderiam nos fornecer novos modelos para reorganizar o poder? Afinal, não são das misturas mais impensáveis e experimentais que surgem os imponderáveis da vida? Vejamos então até que ponto o exercício da imaginação pode nos levar: a tal marcha dos imigrantes é uma contradição performativa em todos os seus termos – e seria uma catástrofe se não fosse tão inovadora. O hino nacional foi cantado em espanhol, contrariando o requisito monolinguístico da nação, e na rua, espaço público por excelência no qual os imigrantes ilegais não têm o direito de se reunir. Ou seja, os imigrantes que participaram do protesto estavam exercendo direitos que, na realidade, não possuíam. Apropriaram-se daquilo que pediam, tornando visível uma liberdade que, contraditoriamente, não estava lá (BUTLER, 2009). Não se pode deixar de ver a importância simbólica deste ato: a nação estava se reproduzindo em termos retóricos não autorizados através dos imigrantes!

O que realmente existiu e o que pôde ser gerado com esse ato político contraditório e performático? Que relação se pode traçar entre o que entendemos por nação, ou, se preferirmos, a nossas representações de nação, e a realidade que se deixa ser observada? Em outras palavras, esse tipo de exercício imaginativo é útil para resolver, ou ao menos explicar, os problemas que realmente importam? O que consigo perceber observando a realidade é que, no mundo de hoje, as pessoas se deslocam cada vez mais e nesses movimentos os limites e fronteiras, ainda que não passem de construções imaginárias, repercutem de forma muito real na vida de todos nós. É só experimentar atravessar uma fronteira nacional sem um visto ou um passaporte alegando ser cidadão do mundo para que se sinta na pele os efeitos do não pertencimento nacional. O que me faz concluir que o Estado-nação é problemático, mas, ainda assim, não podemos prescindir de refletir e nem mesmo de considerar a existência, talvez tardia, dele. E uma boa maneira de fazer isso é se acostando em autores que, de forma criativa, tentam resignificar a própria realidade.

Acabo, pois, como Butler, sem encontrar uma resposta certa para o problema da exclusão dos imigrantes estrangeiros do pertencimento nacional, mas acreditando que as contradições são bem vindas. Devemos levá-las em conta se queremos mudar aquilo que, embora saibamos uma construção e por isso passível de ser relativizada, ainda nos apresenta como praticamente imutável. É o caso do Estado-nação.
Confesso que gostei do que escutei na rua. Soava bem, era uma linda canção. Creio que nos deixa com uma pergunta acerca da relação entre linguagem, performatividade e política. Uma vez que deixamos de lado o ponto de vista que afirma que nenhuma posição política pode basear-se em uma contradição performativa, e admitimos a função performativa como uma declaração e um ato cujos efeitos se despregam no tempo, então podemos considerar a tese oposta, isto é, que não pode haver uma política de mudança radical sem contradição performativa [...] (BUTLER, 2009).

Referências

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BUTLER, Judith; SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Quién le canta al Estado-Nación? Buenos Aires: Paidós, 2009. 
CORRAL, Benito Aláez. Nacionalidad, ciudadanía y democracia. ¿A quién pertence La Constituición? Madrid: Tribunal Constitucional, 2006. 
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
LEFORT, Claude. Nação e soberania. In: NOVAES, Adauto (org.). A crise do Estado-nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation? Et autres essays politiques. AGORA, 1992.
SCHNAPPER, Dominique. La communauté des citoyens. Paris: Galimard, 2003.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Vol.2. Brasília: UNB, 2004.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Nós, nossas medalhas e nosso futuro: livre associação em torno de Londres, CAPES e frescobol.




Por Eduardo Leal Cunha
Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), Professor do
Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social e do Departamento de Psicologia da UFS,
autor de Indivíduo singular plural: a identidade em questão, 7Letras, 2009


Freud nos ensinou que ao ouvir uma interpretação o paciente não se encontra diante da solução imediata dos seus problemas e sim frente à necessidade, ou oportunidade, de trabalhar. É preciso associar livremente, recordar o passado, vislumbrar futuros, reconhecer desejos, ligar os pontos, produzir novos enunciados, colocar o psiquismo em movimento, encontrar novos modos de pensar e outras formas de ser. É preciso, enfim, elaborar (FREUD, [1914] 2010).

Foi mais ou menos isso o que me levou a fazer certa interpretação da nossa presença nas Olimpíadas de Londres, a qual me parece corrente e que, para mim, se materializou de modo mais claro no editorial da Folha de São Paulo deste último domingo, cujo título sugestivo é Brasil Olímpico, e que pretendeu, depois de apresentar um rápido balanço das nossas conquistas, listar uma série de providências recomendáveis para que o Brasil possa “galgar posições no ranking dos jogos”.

Nesse momento, vocês evidentemente têm o direito de se perguntar o que diabos um psicanalista e professor de psicologia tem a dizer sobre esporte e medalhas; e eu, por outro lado, poderia refutar com a necessária contribuição das ciências para o progresso do esporte e da nação.

Acontece que, na verdade, o caminho percorrido nas minhas curiosas associações foi outro: as inúmeras recomendações que temos ouvido recentemente em nossa gloriosa imprensa sobre como o Brasil pode galgar posições no ranking das universidades ou da educação em geral ou do número de patentes ou de artigos publicados em inglês ou de restaurantes classificados entre os melhores do mundo. E vamos parar por aqui antes que as tais associações livres me levem longe demais.

Estamos obcecados por rankings, classificações, números e é através deles que o maior jornal do país, organiza seu (ou nosso) pensamento em torno do que aconteceu em Londres. O que curiosamente me fez pensar em algumas coisas razoavelmente difíceis de medir, senão mesmo de objetivar.

Comecemos como os principais argumentos do texto da Folha: o primeiro deles é que avançamos no quadro de medalhas e batemos nosso próprio recorde, estabelecido em Atlanta há 16 anos, porém o fazemos de modo muito lento; o segundo, e que se torna o eixo central de argumentação é que o problema não está no dinheiro: investimos muito nessa última olimpíada e os resultados, portanto, foram insatisfatórios, ou seja, em termos de custo-benefício, Londres não foi um bom negócio.

Antes mesmo de nos aprofundarmos no diagnóstico para tal fracasso do empreendedorismo olímpico nacional e que, aliás, não trará nada de novo além da velhíssima tese da ineficiência do governo e dos seus agentes (tese certamente verossímil, embora insuficiente para explicar todos os infortúnios verde-amarelos), parece impossível evitar uma pergunta preliminar e um tanto incômoda, daquelas que a intervenção do psicanalista deve nos obrigar a fazer: que tipo de benefício esperamos do investimento em esporte?

Porque me parece esquisito acreditar que o governo deve investir dois bilhões de reais em quatro anos (ao que parece, foi esse o investimento do Brasil nas últimas olimpíadas) prioritariamente para ganhar mais medalhas. Imagino que tal investimento deva produzir, isto sim, uma ampliação do número de jovens envolvidos com esportes, o aumento do número de opões educativas e de lazer para as camadas mais pobres da população, a melhor integração das pessoas em suas comunidades com a ampliação de redes comunitárias e sociais formadas em torno de práticas esportivas, o desenvolvimento de habilidades sociais e competências atléticas entre um percentual maior da população, a difusão de valores e ideais vinculados culturalmente ao esporte, como a superação de limites e obstáculos ou a cooperação mútua. Ou seja, muito simplesmente a consolidação das diversas práticas esportivas como opção de formação, inserção social e lazer para uma parcela significativa da população, em função do que, com o tempo, certamente teremos brasileiros campeões e, salvo inevitáveis acidentes de percurso, mais medalhas.

Dito de outro modo, o pódio olímpico deveria ser consequência e não o único ou principal objetivo da política oficial em relação ao esporte. Além disso, o número de medalhas pode ser até um indicador do valor do dinheiro investido, mas não é o único e talvez não seja nem mesmo o mais importante.

Infelizmente, no entanto, parece que a única coisa que importa é o numero de medalhas. O que é muito parecido com o que acontece em certos setores da educação no Brasil, em especial na pós-graduação: definimos metas, estabelecemos a mensuração como critério fundamental e, de olhos nos números, perdemos de vista o que realmente interessa. Um exemplo: nós das áreas de ciências humanas e sociais estamos nos últimos anos sendo delicadamente constrangidos a publicar em inglês. Em nossos currículos individuais e na avaliação dos nossos programas, publicar em inglês é fundamental, pois seremos mais lidos e nossos artigos atingirão um maior fator de impacto, ou seja, seremos mais citados. Será mesmo? Será que em todas as áreas do conhecimento o essencial da nossa contribuição precisa ou deve ser feita em inglês? Não haverá problemas e setores específicos em que é preciso conversar prioritariamente com nossos colegas de outras regiões do país ou da América Latina? Será mais bem investido o dinheiro gasto em uma tradução para o inglês ou para o espanhol? Ou ainda, melhor investir agora na publicação de revistas brasileiras em língua inglesa ou na disponibilização pela internet, com acesso aberto, das milhares de dissertações e teses produzidas anualmente no país e que morrem de inanição nas prateleiras dos programas de pós? Perguntar, ao menos, não custa nada.

Este, contudo, não me parece sequer o problema fundamental. A meu ver, ele aparece, por exemplo, na própria nomenclatura do setor da Capes que define a nota dos nossos programas e a partir daí hierarquiza nossos pesquisadores e estudantes: diretoria de avaliação. Por que não diretoria de qualidade ou de qualificação? Colocamos a avaliação e a classificação em primeiro lugar e a partir de dados quantificáveis, como o número de artigos publicados em periódicos, definimos posições, construímos nossos rankings e distribuímos medalhas, muitas vezes na forma de verbas para pesquisa e bolsas de estudo. Mas para onde vão especificidades regionais ou fatores como inserção social e contribuição para a formação docente. Ao que parece, o importante é medir e obter números e, assim, em nome da objetividade priorizamos o que pode ser medido e deixamos de lado todo o resto. Ou seja, o que importa é apenas a classificação, nosso lugar na fila.

O mesmo, ouso pensar, acontece no caso das medalhas que ganhamos, ou deixamos de ganhar. O que fica claro se continuarmos seguindo os argumentos dos editorialistas da folha, especialmente quando nos colocam diante de outros países e dos seus resultados.

Comparando nosso desempenho com “países com população menor que a do Brasil”, aprendemos então que erramos ao privilegiar esportes coletivos ao invés dos individuais, pois “dos 258 atletas nacionais, 38% disputaram apenas sete medalhas – no futebol, vôlei, basquete e handebol”. Devemos então priorizar o individualismo e deixar em segundo plano esses esportes improdutivos, nos quais é preciso um consistente trabalho conjunto de cooperação e assistência mútua para conquistar uma vitória. Certamente, ao menos segundo a lógica que guia o argumento da Folha, nosso país só teria a ganhar com isso.

Da mesma forma – e eu aqui deixo de lado o editorial de domingo da folha e passeio, no mesmo jornal, pelas matérias pós-olímpicas da segunda-feira –, devemos nos mirar nos exemplos vitoriosos dos verdadeiros campeões olímpicos, como China e Estados Unidos.

De novo, sou atormentado por algumas perguntas: alguém ainda acredita que o sucesso chinês e sua invejável disciplina olímpica não têm absolutamente nada a ver como o regime totalitário em vigor no gigante asiático ou muito simplesmente com a falta de liberdade e oportunidades que marca a grande maioria da população, e que o prêmio Nobel Amartya Sen (2000) descreveria de modo simples e provocativo como baixo desenvolvimento econômico, a despeito dos impressionantes números da economia chinesa?

Ou queremos para nós exatamente o mesmo ambiente cultural que produz os talentos atléticos dos nossos irmãos americanos do norte, no qual é quase inconcebível que os ricos paguem mais impostos e que a assistência em saúde deva se estender a toda a população, inclusive aqueles que não podem pagar? Isso se não quisermos continuar no mundo paradisíaco dos números e, em mais uma associação livre, registrar que os Estados Unidos, como lembrou recentemente um personagem do seriado The Newsroom – criado por Aaron Sorkin e exibido no Brasil pela HBO – não são apenas campeões nas olimpíadas, são também o país como maior percentual de jovens encarcerados em presídios, os quais, aliás, livres da ineficiência estatal, são excelente negócio.

Enfim, eu também, como torcedor, quero mais medalhas e quase morri de tristeza vendo a final do vôlei masculino. No entanto, acredito que o quadro de medalhas, como qualquer classificação, deve refletir alguma outra coisa além dele mesmo. Afinal, os rankings e as hierarquias existem para nos dizer quem são os melhores, mas isso nos obriga a pensar o que é ser o melhor ou o que e, sobretudo, de que modo, queremos ou precisamos, enquanto nação, melhorar.

Definitivamente, não posso crer que o número de medalhas seja mais importante do que o modo como elas são conquistadas ou produzidas. Se é que para nós, dito povo brasileiro, a medalha de ouro é mesmo o objetivo maior a ser alcançado. Pois, como nos diz José Miguel Wisnik, o brasileiro, dentro ou fora dos campos, talvez seja movido mais por um desejo de felicidade do que pela vontade de potência (WISNIK, 2008). Ou como Santos-Dumont, esteja mais preocupado em voar do que em registrar a patente. Será mesmo isso tão ruim assim?

Não estará aí um elemento central em nossa capacidade criativa e mesmo produtiva? Sem de modo algum ir de encontro ao mais puro espírito esportivo, o qual, segundo o sábio tupiniquim Millôr Fernandes, nunca foi tão bem representado quanto pelo nosso frescobol: único esporte sem vitórias ou derrotas, vencidos ou vencedores, no qual o importante realmente é apenas competir.

Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund “Recordar, repetir e elaborar” (1914) in Freud, S. Obras completas vol. 10. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
WISNIK, José Miguel. Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

domingo, 12 de agosto de 2012

A pluralização do campo religioso no Brasil e em Pernambuco segundo o Censo 2010




Gustavo Gilson Oliveira - Professor do Departamento de Fundamentos Sócio Filosóficos da Educação, UFPE.

Os dados sobre religião do Censo 2010 do IBGE (divulgados no final de junho e já discutidos anteriormente no Que Cazzo pelos professores Péricles Andrade e Jonatas Menezes) chamaram a atenção de diversos setores sociais por indicar que a proporção de católicos no Brasil continua decaindo vertiginosamente (de 73,57% em 2000 para 64,63% em 2010) ao mesmo tempo em que se ampliam em diferentes compassos o número de evangélicos (de 15,41% para 22,16%), de “sem religião” (de 7,35% para 8,04%) e de espíritas (de 1,33% para 2,02%). Apesar do interesse despertado pelo visível processo de transformação no cenário religioso nacional, porém, poucas das análises esboçadas têm enfocado os aspectos regionais e locais dessas mudanças. Poucas, igualmente, têm buscado discutir mais qualitativamente sobre os sentidos e as possíveis implicações desse processo para a realidade social, cultural e política no país e especialmente nas diferentes regiões e estados.

Uma leitura inicial dos dados do Censo 2010 sobre religião em Pernambuco indica não somente que o estado tem vivenciado o mesmo movimento de pluralização do campo religioso observado no cenário nacional, mas, parece revelar também que esse processo tem ocorrido de forma mais intensa em Pernambuco (juntamente com a Bahia) que nos demais estados do nordeste. Indica ainda que esse fenômeno ocorreu de forma mais brusca no estado a partir da década de 1990, que se desenvolveu de forma particularmente acentuada na Região Metropolitana do Recife e no litoral, embora também já seja expressivo nas regiões de Caruaru e Petrolina e, especialmente, que vem produzindo um cenário novo no qual um número significativo de munícipios pernambucanos (20) passa a apresentar uma proporção de menos de 50% de católicos, dois dos quais (Rio Formoso e Sirinhaém) já são de maioria religiosa evangélica em 2010.

O declínio da hegemonia católica e a pluralização do campo religioso

Para compreender melhor esse contexto de transformação é importante discutir, primeiramente, sobre até que ponto e em que sentido esse movimento pode realmente ser qualificado como um processo de pluralização do campo religioso, uma vez que ainda se percebe uma distribuição predominante da população do país e do estado entre católicos e evangélicos e, portanto, que os cristãos ainda concentram mais de 86% da população nos dois âmbitos. Apesar do crescimento consistente dos espíritas, da presença constante das religiões de matriz africana e do surgimento e desenvolvimento de outros grupos minoritários, a soma dos demais grupos religiosos (não católicos ou evangélicos) não ultrapassa atualmente os 5,1% no Brasil e os 3,3% em Pernambuco. Deve-se destacar, todavia, que a noção de pluralização não implica necessariamente em um crescimento significativo de todas as religiões nem na tendência a uma distribuição proporcionalmente aproximada da população entre as mesmas.

A configuração de um campo religioso plural (ou pluralista) é mais bem caracterizada, de fato, pelo lugar social relevante atribuído aos diversos grupos ou identidades religiosas e pelo reconhecimento cultural (não somente jurídico) da legitimidade dessa diversidade assim como dos diferentes grupos participantes do campo. A pluralização do campo religioso pode ser pensada, nessa perspectiva, como um processo de transição de uma situação de não percepção, reconhecimento e/ou legitimação da diversidade para um cenário de reconhecimento e problematização da presença de uma pluralidade de grupos e identidades religiosas em uma dada realidade social. Nesse sentido, o crescimento explosivo do número e da visibilidade pública dos evangélicos a partir das décadas de 1980 e 1990 tem se constituído no principal fator de pluralização do campo religioso brasileiro, a revelia das intenções ou objetivos desses atores, ao passo em que vem contribuindo fortemente para a ruptura e o declínio da hegemonia de uma religião civil católica nos contextos nacional e regional.

Fonte: IBGE – Censo Demográfico

Identidades e movimentos entre católicos, evangélicos e sem religião

Há ainda outros aspectos que precisam ser considerados para aprofundar a compreensão desse processo de pluralização do campo religioso. Em primeiro lugar, deve-se destacar que a pluralização gera uma mudança nas dinâmicas do campo religioso que passam a influenciar inclusive as próprias religiões e igrejas tradicionais. O próprio catolicismo, por exemplo, vem sendo cada vez mais atravessado por diferentes movimentos (como a teologia da libertação, a renovação carismática e os novos movimentos eclesiais) que constituem diferentes grupos de identidade (ainda não destacados pelo Censo) com diferentes práticas, características e formas de inserção na realidade social. Os evangélicos, por sua vez, já se constituem enquanto uma categoria que aglutina um número indefinido de denominações e igrejas com dezenas de tendências teológicas, culturais, políticas e com complexas articulações entre si. Os movimentos pentecostais e neopentecostais forneceram o maior impulso para o crescimento e visibilidade pública do grupo, mas, as características desses movimentos já se disseminaram e diluíram parcialmente entre as igrejas e denominações e não se percebe nenhuma tendência significativa de centralização.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), reconhecida pela agressividade midiática e por suas inovações polêmicas, curiosamente apresenta um quadro de pequeno decréscimo em sua participação nacional (de 1,24% em 2000 para 0,98% em 2010) e um pequeno crescimento em Pernambuco (de 0,61% para 0,7%). As Assembleias de Deus, que constituem a maior das igrejas pentecostais, é a única das grandes denominações a crescer expressivamente na última década (de 4,96% para 6,46% no Brasil, e de 7,23% para 9,12% em PE). Observe-se, todavia, que as Assembleias de Deus já se configuram como uma denominação bastante fragmentada em dezenas de ministérios e convenções com diversificados tamanhos e características, não se apresentam como uma igreja orgânica e unificada. Destacam-se, portanto, em 2010, as “outras evangélicas de origem pentecostal” (2,76% no Brasil e 1,71% em PE) e as “evangélicas não determinadas” (4,83% no Brasil e 3,52% em PE), mostrando que ainda há muito a ser pesquisado sobre esses movimentos. É digno de nota também o crescimento marcante dos luteranos em Pernambuco (de 0,01% para 0,07%) e no Recife (de 0,02% para 0,11%), na contramão do decréscimo em nível nacional (de 0,63% para 0,52%).

Outro dado a ser examinado com bastante cuidado diz respeito ao percentual dos sem religião. Ao contrário do que possa parecer, a categoria dos sem religião não representa diretamente o percentual de ateus e agnósticos na população. Neste Censo 2010 o IBGE distinguiu dentre os sem religião (8,04% no Brasil e 10,40% em PE) aqueles que se declaravam ateus (0,32% no Brasil e 0,12% em PE), agnósticos (0,07% no Brasil e 0,06% em PE) e simplesmente sem religião (7,65% no Brasil e 10,22% em PE) confirmando que, como alguns pesquisadores já haviam sugerido (Rodrigues, 2010; Novaes, 2004), a grande maioria das pessoas que se declaram sem religião apontam a sua não filiação ou não identificação (permanente ou temporária) com qualquer denominação ou instituição religiosa, não necessariamente sua ruptura com a religiosidade. Desse modo, a categoria dos sem religião parece constituir-se como mais um índice de pluralização e dinamização do campo religioso, não de seu esvaziamento.
Fonte: IBGE – Censo Demográfico

O crescimento da proporção dos sem religião, que vinha praticamente dobrando a cada década, desacelerou bastante entre 2000 e 2010 (de 7,35% para 8,04% no Brasil, e de 9,46% para 10,40% em PE). Mesmo assim, o índice atingiu um patamar importante e ainda apresentou um crescimento significativo no período. Deve-se ressaltar que Pernambuco e Bahia, mais uma vez, apresentam uma proporção de sem religião muito acima da média dos outros estados do nordeste. Também é interessante perceber que, embora o percentual dos sem religião em Pernambuco esteja bem acima da média nacional, o percentual de ateus e agnósticos fica abaixo dessa média. Esses dados parecem fortalecer a percepção de que vivenciamos ainda um pleno processo de redefinição do campo religioso nesses estados.

A expansão evangélica no litoral e a reconfiguração do campo religioso pernambucano

A discussão específica dos números sobre o campo religioso em Pernambuco é importante para demonstrar que esse processo de pluralização não ocorre de forma homogênea ou bem distribuída no país ou mesmo nos estados. O Atlas da Filiação Religiosa no Brasil (Jacob et al., 2003), ao analisar os dados sobre religião até o Censo 2000, indica que os três principais fatores relacionados à diversificação religiosa no território brasileiro a partir dos anos de 1980 são: a) a colonização por populações protestantes (em algumas regiões do Sul e Sudeste); b) a migração em massa (especialmente em certas regiões do Norte e Centro-oeste); c) A urbanização acelerada (sobretudo no litoral e nos principais centros econômicos). A pluralização do campo religioso em Pernambuco parece estar relacionada principalmente aos dois últimos fatores. Tanto a migração quanto a urbanização são fenômenos que provocam processos de “desenraizamento” ou “destradicionalização” de grandes contingentes de população, demandando a adaptação a novas situações e abrindo espaço para a articulação e propagação de novas alternativas religiosas. Esse espaço foi conquistado principalmente pelos grupos (neo)pentecostais no Brasil, mas, a pluralização religiosa também criou condições para a afirmação de identidades anteriormente negadas ou consideradas como apêndices sincréticos do catolicismo popular, como acontecia com as religiões afro-brasileiras, indígenas e, parcialmente, com o próprio espiritismo.

A origem do pentecostalismo em Pernambuco (entre 1916 e 1918) está relacionada às famílias dos migrantes nordestinos que entraram em contato com os fundadores e primeiros missionários das Assembléias de Deus no Pará. Até o final da década de 1980, entretanto, os católicos ainda representavam mais de 85% da população do estado. Na década de 1980 o percentual dos sem religião triplica em Pernambuco e, na década seguinte, a proporção de evangélicos dobra enquanto o contingente de católicos despenca dez pontos percentuais. A década de 1990 parece marcar, desse modo, o grande ponto de inflexão desse movimento de pluralização do campo religioso no estado. Entre 2000 e 2010 o percentual de católicos cai mais oito pontos (de 74,52% para 65,95), o de evangélicos continua a crescer de forma significativa (de 13,53% para 20,34%), e cresce também o percentual de espíritas (de 1% para 1,4%) e dos que se declaram adeptos do Candomblé (de 0,05% para 0,08%). No mesmo período cai a proporção dos que se declaram umbandistas (de 0,1% para 0,05%) o que pode estar relacionado ao persistente estigma contra a umbanda, em contraposição a uma tendência crescente de valorização cultural do Candomblé. Surge também, em 2010, um contingente de 0,03% da população que se declara como praticante de “tradições indígenas”, o que pode ser um indicativo da presença dos praticantes da Jurema Sagrada no estado. Pode ser notada, ainda, a presença diferenciada dos judeus, com percentual bem acima da média do Nordeste, tanto em Pernambuco (0,03%) quanto em Recife (0,05%).















Fonte: IBGE – Censo Demográfico

A pluralização religiosa não ocorre igualmente e na mesma intensidade em todas as regiões do estado. Ao mesmo tempo em que metade dos municípios do interior permanece com um índice de mais de 85% de católicos em 2010, principalmente nas regiões do Agreste e Sertão Pernambucano, a Mata Pernambucana apresenta atualmente um índice de 61,59% de católicos e a Região Metropolitana do Recife de apenas 50,29% de católicos. Ou seja, praticamente metade da população da Região Metropolitana, hoje, já não se declara católica. Os centros mais urbanizados do interior também apresentaram uma queda acentuada no percentual de católicos na última década, especialmente os municípios de Caruaru (de 77,17% para 66, 37%) e Petrolina (de 80,09% para 73,09%), enquanto a proporção de evangélicos praticamente dobrou nessas cidades no mesmo período. Há ainda outro fator que deve ser levado em conta nessa análise, entretanto, que é a relação entre religião, renda e ocupação territorial urbana. Um fenômeno curioso que se destaca, nesse contexto, é o surgimento de vários municípios na periferia ou no entorno da Região Metropolitana do Recife com proporções entre católicos e outras religiões ainda menores que os registrados na capital.

Fonte: IBGE – Censo Demográfico

Em 2000, quatro municípios pernambucanos já apresentavam uma proporção de menos de 50% de católicos (Cabo de Santo Agostinho, 49,54%; Itapissuma, 45,92%; Rio Formoso, 45,84%; Sirinhaém, 43,95%). Em 2010, nada menos que dezenove municípios do litoral continental pernambucano (mais Fernando de Noronha) passaram a possuir menos de 50% de católicos (ver Tabela). Quatro desses municípios exibiram uma queda de cerca de vinte pontos no percentual de católicos na última década (Água Preta, de 64,07% para 41,11%; Ipojuca, de 61,95% para 41,04%; Moreno, de 64,39% para 44,98%; Tamandaré, de 61,19% para 40,43%). Fernando de Noronha, que por suas condições específicas exige um estudo especial, vivenciou uma queda de vinte e oito pontos percentuais (de 73,8% para 45,65%). A partir desse movimento, o Censo 2010 registrou pela primeira vez na história do estado (ao menos desde a expulsão dos holandeses) a existência de duas cidades pernambucanas com população majoritariamente evangélica ou protestante (Rio Formoso, com 35,86% de evangélicos e 34,14% de católicos; Sirinhaém, com 38,51% de evangélicos e 33,22% de católicos). O maior percentual de evangélicos, não obstante, continua a ser o de Abreu e Lima (40,47%).

População por religião em municípios com menos de 50% de católicos em Pernambuco (%)
Município
Católicos
Evangélicos
Espíritas
Umbanda e Candomblé
Outros grupos
Sem Religião
1. Abreu e Lima
41,31
40,47
1,25
0,21
1,76
14,99
2. Agua Preta
41,11
37,45
0,04
--
0,37
20,34
3. Araçoiaba
48,51
27,2
0,1
0,04
2,94
21,19
4. Barreiros
46,43
36,42
0,13
0,1
0,84
15,78
5. Cabo de Santo Agostinho
37,62
36,88
0,54
0,08
2,54
21,75
6. Camaragibe
49,74
31,22
1,29
0,11
2,51
14,93
7. Escada
47,66
29,87
0,34
0,07
1,09
20,89
8. Fernando de Noronha*
45,65
37,78
3,72
0,18
0,37
12,08
9. Igarassu
48,29
35,17
0,57
0,19
2,73
12,79
10. Ipojuca
41,04
35,46
0,28
--
1,32
21,88
11. Itapissuma
43,79
29,22
0,21
0,14
2,76
23,35
12. Jaboatão dos Guararapes
47,34
31,44
2,18
0,16
2,6
16,16
13. Moreno
44,98
36,24
0,43
0,04
1,69
16,56
14. Paulista
49,03
30,23
3,21
0,32
2,46
14,54
15. Ribeirão
45,81
35,02
0,68
0,02
1,17
17,3
16. Rio Formoso
34,14
35,86
0,05
0,12
0,8
29,01
17. São José de Coroa Grande
42,76
36,58
0,44
0,05
0,72
19,45
18. São Lourenço da Mata
49,82
30,42
1,53
0,33
1,44
16,4
19. Sirinhaém
33,22
38,51
0,18
--
2,95
25,14
20. Tamandaré
40,46
37,93
0,07
--
1,02
20,52
Fonte: IBGE – Censo Demográfico

Em parte, esse fenômeno no litoral continental pode ser explicado pelos processos agudos de urbanização e (re)fluxo migratório desencadeados, sobretudo, pelas obras da Refinaria Abreu e Lima e do Complexo Industrial de Suape. Outro aspecto que parece estar relacionado a esse movimento, porém, é que a maior parte do percentual de pentecostais se concentra nas camadas de menor renda da população, que tendem a ocupar as regiões e cidades periféricas em relação aos grandes centros urbanos (fenômenos semelhantes podem ser observados nos litorais da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro).

Cartograma: Municípios com menos de 50% de católicos em Pernambuco




Torna-se evidente que a transformação sociocultural representada pelo intenso processo de pluralização do campo religioso em diversas regiões de Pernambuco traz, inevitavelmente, implicações importantes para vida social, cultural e política do estado. A primeira e mais visível dessas implicações diz respeito às questões do reconhecimento, da (in)tolerância e da convivência não somente entre os diferentes grupos religiosos, mas, também entre instituições como o Estado, a mídia, a academia e essas “novas” identidades e grupos. Não é por acaso que se tornam cada vez mais frequentes episódios de conflitos entre grupos e personalidades religiosas e, ao mesmo tempo, de desentendimento, estigmatização ou mesmo perseguição contra grupos minoritários, em especial as religiões de matriz africana, inclusive por agentes públicos. Outra implicação que merece destaque está relacionada ao campo da educação. Embora a educação no Brasil tenha sido oficialmente secularizada a partir do processo de consolidação da República, é amplamente reconhecido que a maioria das estruturas curriculares, práticas pedagógicas e dinâmicas escolares vigentes no país foram desenvolvidas ainda em um contexto de hegemonia de uma cultura nacional católica. Nesse contexto, questões como a diversidade de identidades, discursos e práticas religiosas nas escolas, na mídia e na sociedade ainda não eram visível e seriamente reconhecidas como questões prementes para a vida social e para a formação dos sujeitos. Os dilemas despertados pela pluralização religiosa, todavia, não precisam ser tratados necessariamente ou simplesmente pela perspectiva da acomodação dos diferentes grupos em um sistema “multicultural” de diferenças. No qual cada grupo passe a ocupar um espaço social (físico ou simbólico) apartado, estático e pré-determinado como forma de evitar divergências e conflitos. A pluralização do campo religioso pode mesmo contribuir, se não for reduzida ao modelo de um mercado de disputa por fiéis ou de comercialização de bens simbólicos, para um aprofundamento das experiências de participação coletiva e de construção democrática em uma população que foi longamente alijada dessas experiências.

Referências bibliográficas

JACOB, Cesar et al. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. Rio de Janeiro/São Paulo: PUC-Rio/Loyola, 2003. 
NOVAES, Regina. Os jovens sem religião: ventos secularizantes, “espírito de época” e novos sincretismos. Notas preliminares. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, p. 321-330, 2004. 
RODRIGUES, Denise. Juventude sem religião: uma crise do pertencimento institucional no Brasil. Teoria e Sociedade, v. 18, n. 1, p. 66-93, 2010.