tag:blogger.com,1999:blog-71176740840270330812024-02-26T22:59:27.872-03:00Que cazzo é esse?!!"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate":
Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociaisLe Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.comBlogger555125tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-37994291389285860632017-03-27T11:57:00.006-03:002024-02-18T15:45:05.846-03:00Sobre o Ódio (originalmente publicado em Exercícios de Caligrafia)<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-pn1iKNCWwh3bgnGKc6t3dQSzEf3IomfR641K0Rj0aBb_yaelFk5TkDSMndVgQCSOc0iF-ktF5BBmObHmweDGpS1-tgoxk09rTs3kAO-uBHwLw_fsqzaD4v02ili22M9vHsShVH97P6Cr/s1600/odiio.jpg"><img border="0" height="218" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-pn1iKNCWwh3bgnGKc6t3dQSzEf3IomfR641K0Rj0aBb_yaelFk5TkDSMndVgQCSOc0iF-ktF5BBmObHmweDGpS1-tgoxk09rTs3kAO-uBHwLw_fsqzaD4v02ili22M9vHsShVH97P6Cr/s320/odiio.jpg" width="320" /></a><br />
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<i>Jonatas Ferreira</i><br />
<br />Fiquei feliz por ter participado hoje do <i>Programa Fora da Curva</i>. Não apenas acho a ideia de discutir temas que não encontram espaço na mídia corporativa muito boa, como a equipe que está tocando o projeto é excelente: além de Maria Eduarda da Mota Rocha (dona Maria) e Yvana Fechine, o time é composto por Lula Pinto e uma galera muito boa - não lembro do nome de todo mundo. Pela manhã, pois, estávamos na TV Universitária prontos para conversar sobre esse tema central na política brasileira contemporânea que é o ódio, a raiva ao pobre. Na bancada, estávamos Maria Eduarda, Beth de Oxum e eu. Esse episódio do programa, assim como os outros já feitos até agora, estão na página do Programa Fora da Curva no Facebook. Mas quem quiser acompanhar ao vivo a série de conversas sobre temas cruciais da sociedade brasileira atual é só sintonizar de segunda a sexta a Rádio Universitária, de 11:30 às 12 h.<o:p></o:p></div>
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O ódio na sociedade brasileira, de modo amplo, demanda uma discussão urgente. Aceitemos, porém, o ponto de partida mais circunscrito proposto pelas produtoras e produtores do <i>Programa Fora da Curva</i>. Por que nos deparamos hoje com um discurso de ódio ao pobre na grande mídia, nas redes sociais e em fatos do dia a dia? Vamos a alguns exemplos – por força do hábito profissional sempre ilustro o que digo. O Nordeste, nas últimas eleições presidenciais, foi determinante para dar vitória à candidata da coligação PT-PMDB-PDT-PC do B-PP-PSD-PROS e PRB, Dilma Rousseff. Embora um estado como Minas Gerais também tenha sido importante para aquela vitória, foi largamente divulgado e comentado o resultado eleitoral que a candidata obteve entre pobres, ignorantes, analfabetos na região Nordeste. Não me deterei aqui, mas esse contingente da população brasileira parece ser, de acordo com certas análises, culpado de certo fisiologismo, de votar com o estômago e não estar realmente preparado para o exercício democrático. Discursos e atos de ódio aos nordestinos nos estados do Sul e Sudeste não são exatamente novidade, mas fizeram manchetes recentes e se espalharam pelas redes sociais, particularmente associados a análises do papel que tais discursos exerceram no último pleito presidencial. Maria Eduarda em sua fala de abertura ao programa sugeriu, e a propósito, que o ódio a Marisa Lula da Silva se deve à sua origem social, ter sido ela uma empregada doméstica e ter se tornado primeira dama do país. Não "soube o seu lugar" e por isso o ódio social chegou mesmo a se converter em sugestão de procedimentos médicos para assassiná-la ou celebrações quando ela faleceu.<br />
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Poderíamos ainda falar de vários outros e outras brasileiros e brasileiras que ascenderam socialmente em decorrência de políticas desenvolvimentistas dos Governos Lula e Dilma - parte deles constituem o que Jessé Souza chama de “batalhadores”. Esses governos tentaram aliar políticas neoliberais na área econômica a políticas sociais inclusivas, como lembra André Singer. Essas últimas, como se sabe, resultaram em alguma mobilidade social, no que pese a dificuldade política de mantê-las, ou ampliá-las, no médio prazo. </div><div class="MsoNormal"><br /></div><div class="MsoNormal">Existe uma tendência a se afirmar que as elites brasileiras têm nojo, asco de pobre. E há aqui muita verdade, afinal não estamos tão distantes assim daquele general que disse preferir o odor de seus cavalos ao cheiro do povo. Mas esse tipo de argumentação não diz algo fundamental. Há algo de muito racional nos pelos eriçados das classes médias, por exemplo, diante da proximidade física de “batalhadores” nos "seus" redutos de compra, ou fazendo barulho na segunda classe de “seus” aviões, ou ainda atulhando as avenidas das grandes cidades com seus modestos 1.0, comprados em infinitas prestações. </div><div class="MsoNormal"><br /></div><div class="MsoNormal">A estratificação brasileira é produto de uma acomodação social perversa. Os salários pagos pelas empresas nacionais e internacionais, ou pelo setor público, aos profissionais qualificados, membros das classes médias, não seriam suficientes para lhes dar um padrão de vida razoável, compatível com sua pretensão de classe, caso esses profissionais pagassem valores razoáveis por todos os serviços de que necessitam. A exploração a que são submetidas as classes médias brasileiras só não é explosiva porque ela transfere essa pressão para camadas da população que fazem tarefas necessárias em suas vidas, tais como, lavar suas roupas, passá-las, reparar máquinas, equipamentos, cozinhar sua comida, varrer e aspirar suas casas etc. etc. Aprendemos isso ao ler Florestan Fernandes. </div><div class="MsoNormal"><br /></div><div class="MsoNormal">O Brasil foi tradicionalmente pensado como um país em que não há conflitos sociais sérios porque um nível de exploração tão brutal, quanto este que existe entre nós, inconcebível com seu lugar de sétima, oitava, nona economia do mundo, penaliza sobretudo quem nada tem e dispõe de pouca organização política para lhe impor resistência. Essa é uma lição básica acerca da perpetuação do passado colonial e escravocrata que marca a nossa modernidade: os financistas ingleses exploram a corte que explora os produtores brasileiros que exploram os seus escravos. E essa lógica se manteve quando o regime escravocrata é legalmente suspenso.</div>
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<div class="MsoNormal">Uma mudança ainda que mínima nessa situação, afinal nos últimos anos nossos indicadores sociais melhoraram, inclusive o nível de concentração de renda, tem um impacto direto em tal estrutura da estratificação social, em sua acomodação perversa. Há que se pagar um salário mínimo menos aviltante para as domésticas, que passam a ter alguns direitos trabalhistas garantidos, por exemplo. Em período de prosperidade econômica tudo isso já é visto com extrema suspeita pelas classes médias, que vão às ruas contra à corrução suposta e real, mas que silenciam diante da tomada de várias instâncias do poder pelo crime organizado, caso esse novo poder esteja, como está, disposto a colocar os miseráveis no seu devido e mau cheiroso lugar. Há emoção na postura de manifestantes que reivindicam empregadas domésticas que durmam no serviço, ou passeios regulares e mais exclusivos a Miami – por que porra Miami, eu me pergunto, talvez porque nunca estive lá... Há emoção, mas há sobretudo um cálculo estreito. Há defesa de capitais simbólicos distintivos, claramente, e muito poderíamos falar a esse respeito, mas há também uma contabilidade econômica básica. As classes médias não veem a possibilidade de elas próprias também melhorarem sua situação social e de adotar práticas menos ligadas a um passado escravocrata, de aceitar a cidadania do maior número possível como conquista desejável da democracia.</div><div class="MsoNormal">
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Raiva de pobre nesse grupo é também um ódio íntimo com respeito à sua condição de classe média periférica, mal paga, inculta, portadora de valores retrógrados que fariam vergonha nos lugares do mundo por onde passeiam com tanto gosto - bem, hoje em dia está complicado afirmar isso com a ascensão da extrema direita no mundo... Setores significativos das classes médias brasileiras não podem deixar de ver na pobreza econômica e social de largas parcelas da população sua própria miséria existencial. Nesse sentido, sou hegeliano: o outro com quem convivo é sempre o espelho em que me reconheço. Ir a Miami, nesse sentido, indica o quanto posso virar as costas para tal espelho e até onde minha cultura permite a imaginação se soltar. Por que Miami, eu ainda me pergunto...<br />
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E aqui poderíamos passar para outro aspecto do ódio no Brasil.<o:p></o:p></div>
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Conforme lembrou Beth de Oxum, em nossa conversa, o ódio entre nós não é apenas contra os pobres, mas contra negros, homossexuais, lésbicas, praticantes de cultos de origem africana. Nesse sentido, o ódio é um sintoma ainda mais grave. Ele nos remete ao quanto nossas instituições democráticas se encontram destroçadas. Numa situação em que o direito à cidadania seja garantido, não preciso odiar o outro, a outra. Certificar-me de que tanto eu quanto esse outro/outra seremos, ambos!, tratados como cidadãos de direito deveria ser o suficiente. A leitura de intelectuais como Judith Butler, neste ponto, ajuda muito. O ódio é um sintoma paranoico, é um medo intenso de que minha identidade seja tão frágil que o convívio com a diferença possa resultar em seu colapso - ademais, em nosso contexto caótico, tememos todos, progressistas e reacionários, que não haja instituições para defender nossos direitos. Esses medos intensos por vezes são projetados em nossos filhos. Se meus filhos conviverem com pessoas gays, vão achar isso normal e querer ser também, raciocina-se. </div><div class="MsoNormal"><br /></div><div class="MsoNormal">Eis aí o que parece uma possibilidade concreta. Se você achar essa opção ou orientação normal, é possível que seu filho também não veja grande problema em uniões homoafetivas. Mas ninguém vai se tornar negro, ou lésbica, ou judeu por “contagio”. O mimetismo emocional que certos pais ou mães identificam em sua prole revela no mais das vezes dúvidas íntimas, suas. Quem aí viu Beleza Americana, com Kevin Spacey? Os rituais de depreciação e a busca de extermínio da alteridade é uma tentativa triste, fascista, de preservar a coerência de uma identidade que intimamente sabemos frágil. Nunca devemos esquecer que o fascismo junta sempre esses componentes, numa política das emoções fundada no ódio, na busca por uma pureza inconcebível – pois toda identidade é relacional – e numa política de extermínio: do outro/da outra que ameaça e de parte de nós mesmos que precisamos reprimir. Lembremos nesse ponto da tal cura gay. Esse é claramente um ritual de repressão do outro e de si próprio. No programa, lembramos da defesa que o deputado Jair Bolsonaro faz da pureza de sua família, contra negros, homossexuais, pobres etc. Vimos recentemente sobre que bases morais se estrutura essa pureza desejada ao termos acesso pela imprensa a uma troca de mensagens entre ele e seu filho. Aqui não se trata de fulanizar a discussão, apenas de ilustrá-la.<o:p></o:p></div>
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O outro, a outra, deveria sempre ser visto como uma possibilidade de crescimento, de aprendizado, caso possamos nos abrir sem medo de autodestruição ao seu contato, ao incomensurável de que o ele/ela é portador(a). A existência da diferença não deveria sufocar minha possibilidade de existir.<o:p></o:p></div>
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Falar contra as políticas fascistas de ódio, sempre facilmente mobilizáveis pelos partidos, pela mídia, sempre econômicas em seus investimentos, entretanto, não é apenas falar das práticas da direita. Tradicionalmente, o humanismo, a luta democráticas de diversos setores da esquerda nos fez portadores de um discurso antiautoritário, antifascista. Mas não existem puros onde uma estrutura social tão perversa se impõe, como é o caso brasileiro. Há alguns anos, o desespero de alguns setores da esquerda com respeito ao regime de exceção, contra a ditadura que se instalou em nosso país, levou-os a práticas políticas vanguardistas, descoladas das possibilidades políticas do país. A guerrilha não foi uma resposta autocrática ao autoritarismo vigente, no que pese todo o seu discurso humanista? Hoje segmentos dessa mesma esquerda, ao simplificarem seus adversários como “coxinhas”, não reduzem e empacotam seus adversários políticos exatamente como a direita o faz ao chamar quem não foi conivente com o golpe parlamentar de 2016 de “petralha”? O ódio que marcou a campanha eleitoral de 2014 foi apenas um fenômeno da direita? Creio que a luta crucial pela democracia e contra o ódio – mas não contra o conflito e a divergência – passa por refletirmos sobre os atalhos perigosos que uma indústria da opinião pública nos oferece. O ódio é um investimento libidinal econômico, mas é também empobrecedor e autodestrutivo.<o:p></o:p><br />
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De tarde, vi o programa pelo Facebook. Fiquei muito contente de ver o ambiente tranquilo e de muita escuta em que nossa conversa se desenrolou. Quase à noite, AL... me falou que eu sou coerente em minha resistência ao ódio também no campo pessoal. Fiquei mais feliz ainda, embora saiba que isso é sempre uma luta que acarreta muito sofrimento.</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-50189661611052465712017-03-21T07:57:00.001-03:002017-03-21T07:58:35.223-03:00Responsabilidade Sociológica como Resistência à Reforma do Ensino Médio<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWosHeJDUkQHdhEYq6Y53w8qRoD9U-l-45Rbn3MUEu-PvU9zVNAFHvevVqAjjuyoEB5zzDmBgVrZuGXB8WRZ0K84ocRJPqCmpt6mDcthHtwWryPW_gq2ZOupqc1gT0PyD-cTTPB8iRA-k/s1600/PinkFloydTheWall.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="333" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWosHeJDUkQHdhEYq6Y53w8qRoD9U-l-45Rbn3MUEu-PvU9zVNAFHvevVqAjjuyoEB5zzDmBgVrZuGXB8WRZ0K84ocRJPqCmpt6mDcthHtwWryPW_gq2ZOupqc1gT0PyD-cTTPB8iRA-k/s400/PinkFloydTheWall.jpg" width="400" /></a></div>
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Por <b>Tâmara de Oliveira</b> – UFS</div>
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<i>Este texto foi preparado para minha participação na mesa redonda “Ensino da Sociologia na Educação Básica”, do <b>II Encontro de Ciências Sociais UFCG</b>, sob o tema As Ciências Sociais no Brasil Contemporâneo: Lutas e Resistências, ocorrido em Sumé-PB de 08 a 10 de março de 2017. </i></div>
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Agradeço à comissão organizadora pelo convite para participar deste Encontro como membro desta mesa redonda, muito especialmente à minha amiga querida profª Tânia Régia – que sugeriu meu nome – e à profª Maria Assumpção – que me recebeu tão calorosamente. A motivação para estar aqui vem da responsabilidade que sociólogos, cientistas sociais e professores universitários em geral precisam assumir diante da derrota de uma perspectiva educacional democrática e inclusiva, por causa de um reforma do ensino médio imposta goela abaixo por quem (des)governa o país após o impeachment delinquente de 2016. Começo citando o escritor argentino Ernesto Sábato e a jornalista brasileira Eliane Brum:</div>
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Vivemos um tempo em que o futuro parece estar dilapidado. Mas se o perigo tornou-se nosso destino comum, temos que responder perante aqueles que realmente reclamam nosso cuidado. (Sábato, 2000)</blockquote>
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Os estudantes da escola pública estão no meio do caminho do projeto de poder de muita gente inescrupulosa. Com seus corpos franzinos. Com sua voz trêmula. Tão sós num momento em que adultos que poderiam estar ao seu lado têm dificuldades para compreender a gravidade do momento e assumir responsabilidades. (Brum, 2016)</blockquote>
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Precisamos responder responsavelmente às meninas e meninos do Brasil que ocuparam escolas públicas para resistir a uma reforma do ensino médio de um governo de quadrilhas de malfeitores, cuja concepção da Educação nada mais exprime do que uma lógica hipercompetitiva, segregativa e multiplicadora de desigualdades. Lógica esta, por sua vez, articulada à (des)ordem de um capitalismo financeirista, tecnocrata e hiperacelerado, cujas consequências societárias frequentemente nos mergulham nesse sentimento de que o futuro está dilapidado – sobretudo o dos jovens. E acredito que podemos assumir tal responsabilidade, apesar da dilapidação de nossas expectativas de futuro, porque o ensino básico das ciências sociais e das humanidades em geral tem um potencial de resistência que Simone Meucci (2016), no último congresso da ANPOCS, chamou de humanismo sociológico e que se aproxima do que C. Wright Mills (2006) chamara de imaginação sociológica já no final dos anos 1950: o de um tipo de conhecimento que permite aos indivíduos aprenderem a articular suas dificuldades pessoais a problemas das estruturas sociais modernas e contemporâneas. </div>
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Neste sentido, muitos estudos de caso ou pesquisas comparativas (Dubet, 2008; Moignard, 2007; Béaud, 2005; Amrani/Béaud, 2003; Charlot, 2002; van Zanten, 2001;) permitem identificar empiricamente certas consequências perversas da impregnação da lógica competitiva e flexível dos mercados, de um lado sobre sistemas, redes, instituições de ensino e, de outro lado, sobre trajetórias, representações e relações pessoais dos jovens contemporâneos aos estudos, aos saberes e à escola. Cito aqui duas: a) uma consequência macrossociológica, referindo-se à convergência temporal entre uma orientação democratizante de sistemas de ensino e um progressivo estreitamento das possibilidades de inserção não precária no mercado de trabalho para boa parte dos jovens escolarizados – tornando paradoxal o princípio de uma escola adequada às necessidades desse mercado; b) uma consequência microssociológica, referindo-se às trajetórias e consequentes relações práticas e simbólicas de jovens à sua escolarização, tais como: relação instrumental – que se exprime como interesse aos saberes por mero cálculo de sua rentabilidade para o mercado de trabalho (Dubet, 2008), atingindo sobretudo jovens cuja trajetória escolar é fortemente marcada pelo laço liberdade/competitividade como princípio naturalizante da educação (Oliveira, 2011; Oliveira, 2012); relação apática – que se exprime no fracasso, defasagem ou abandono escolar e que atinge sobretudo jovens inseridos em sistemas de ensino fortemente influenciados pelas desigualdades sociais, como o Brasil (Oliveira, 2013) ou a França (van Zanten, 2009); e relação violenta – se exprimindo como práticas violentas entre alunos ou contra escolas e seus atores responsáveis, também atingindo sobretudo jovens inseridos em sistemas de ensino fortemente influenciados pelas desigualdades sociais. </div>
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Em dados referentes a uma atividade do Pibid/UFS-Ciências Sociais em 2015, quando elaboramos uma sequência didática a partir de entrevistas coletivas com alunos de escolas parceiras, a relação violenta à escola não apareceu na fala dos entrevistados; mas manifestou-se uma forte relação de ressentimento contra o que parte deles representa como descaso dos responsáveis – diretores, professores, coordenadores – para com alunos que não parecem ter chances claras de sucesso nos exames de ingresso ao ensino superior, em favor dos “queridinhos”, dos “excelentes” sobre quem, segundo os alunos ressentidos, toda a escola se concentra, deixando os demais por si mesmos. Também apareceram na fala dos alunos a relação apática e a instrumental (esta última predominante), bem como uma outra relação negativa aos estudos que possui adequação de sentido com a lógica hipercompetitiva de nosso sistema de ensino. Falo de uma relação de ansiedade, colocada por um grupo de alunos “excelentes” (que declaram ter uma relação positiva à escola e, alguns, um gosto dos saberes para além do cálculo instrumental), mas que se sentem demasiadamente pressionados para o sucesso nos exames, indicando que suas trajetórias escolares são marteladas noite e dia por uma equação representada como imperativo categórico sobre os jovens: estudar + arranjar emprego = poder de consumo = felicidade. </div>
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O quadro que levantamos com os grupos de alunos cujas entrevistas foram analisadas apresenta um significativo mal-estar escolar como dificuldade pessoal da maioria dos entrevistados. Mal-estar que pode ser conjugado diretamente, na apatia dos mais fracos da competição, na ansiedade dos “excelentes” ou ainda no forte ressentimento dos que se sentem abandonados por uma escola em caça desenfreada por excelência competitiva, mas que também aparece conjugado indiretamente, quando os alunos exprimem suas expectativas sobre o mundo do trabalho. Com efeito, observamos que os dois tipos de alunos mais vulneráveis ao abandono ou ao fracasso escolar (os apáticos e os ressentidos), são também aqueles que preferem o espaço do trabalho ao espaço escolar, quando se trata de representar suas expectativas de autorrealização e concretização de sonhos de futuro, como se estudar fosse uma corveia inevitável que os alunos tivessem que pagar antes de alcançar seu verdadeiro espaço de realização – o trabalho. Assim, considerando-se que aprender foi representado, majoritariamente, como mero meio para realização de finalidade que não está na aquisição de saberes mas na empregabilidade que os estudos podem fornecer aos alunos, pode-se lançar a hipótese de que esses jovens naturalizam uma relação instrumental aos saberes e à escola porque essa é a principal relação que as estruturas e políticas educacionais lhes oferecem em sua trajetória escolar e que o mal-estar resultante disso faz com que eles transfiram para outro espaço, o do trabalho – deles menos conhecido, portanto mais facilmente idealizado – o locus de suas esperanças de vida futura. </div>
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Mas esse mundo do trabalho, tão mais idealizado quanto mais for desconhecido, trata-se de mundo de acesso complicado – sobretudo para esses alunos mais vulneráveis ao abandono ou ao fracasso escolar, tendo em vista que o trabalho é cada vez mais precário para quem tem trajetória escolar negativa, como é o caso desses apáticos e ressentidos. De tal sorte que as expectativas desses jovens costumam ser frustradas; e o serão muito mais ainda, agora que o Brasil está sob dominação política, jurídica e econômica francamente contrária aos direitos sociais. O contexto onde se encontram só tem reforçado uma marca estrutural das trajetórias escolares na maioria das escolas públicas, qual seja a de um círculo vicioso entre uma experiência escolar vulnerável à apatia, ao ressentimento e ao fracasso, levando-os a desgostarem dos estudos e sonharem com um mundo do trabalho que, fechando o círculo vicioso, os exclui ou precariza justamente por causa de seu fracasso ou instabilidade escolar. Sendo assim, no meio dos escombros produzidos e a se produzir com a reforma do Ensino Médio e a emenda Constitucional dos gastos públicos, dois dos mais graves problemas dos jovens articulados às marcas estruturais de nosso sistema de ensino básico ruim, desigual e segregativo tendem a crescer: o da relação violenta à escola e, para parte dos seus alunos mais fracassados, o da inserção social negativa, via crime organizado (Moignard, 2007; Rolim, 2016). </div>
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Ora, diante desse contexto societário precário e multiplicador de desigualdades e frustrações, nossos jovens estão precisando mais do que nunca de um conhecimento de tipo sociológico – onde as ciências sociais e sua reflexividade múltipla sobre o mundo social, em sua diversidade e complexidade, possam lhes oferecer recursos para melhor se situarem dentro das estruturas sociais e canalizarem essas frustrações de forma refletida e objetiva. Quando afirmo que um conhecimento científico-social é necessário aos jovens, não estou querendo dizer que nossos secundaristas não consigam perceber muitos dos danos dessas políticas educacionais pós-impeachment delinquente. Pelo contrário, penso que a rapidez e a violência com a qual esse (des)governo tem defendido medidas reforçadoras de uma lógica economicamente hiperliberal e moralmente conservadora no mundo da educação, têm sido melhor percebidas por parte dos próprios secundaristas, tendo em vista que eles protagonizaram a resistência mais criativa e mobilizadora, por isso mesmo mais reprimida, contra a MP 746, os projetos “Escola sem Partido” e a PEC 55. </div>
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Mas tal percepção precisa ser ampliada e, acredito, pode e deve ser mediada pela contribuição que conhecimentos de pesquisas científico-sociais têm fornecido sobre o mundo da educação e do trabalho. Neste sentido, segundo a pesquisadora Nadya Guimarães (2011) – que se debruçou sobre dados brutos de pesquisa quantitativa feita em 2003 sobre jovens brasileiros - uma característica de países como o Brasil é que seus jovens são trabalhadores, tendo em vista que em torno de um terço deles ingressa no trabalho ainda criança ou adolescente e experimenta na própria pele a deterioração das chances de inclusão não-precária. Por isso,</div>
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os jovens brasileiros,(...), exprimem, com razão, um forte sentido de risco e vulnerabilidade em relação ao trabalho, elegendo-o como 2º maior problema (o primeiro foi segurança, com apenas 1% a mais de escolha). E representam o trabalho como necessidade, direito a ser suprido e mesmo como valor ético – valor da “dedicação ao trabalho” que, embora em bem menor proporção do que religiosidade e “temor a Deus”, também apareceu como valor principal de uma sociedade ideal, em equivalência com um valor geralmente tido como tipicamente juvenil, qual seja o da liberdade individual. (Oliveira, 2016, p. 8)</blockquote>
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De tal sorte que não é surpreendente que esse forte sentimento de vulnerabilidade e risco em relação ao trabalho que já aparecia em 2003, quando se iniciava um ciclo tenso de esforços por uma educação mais efetivamente democrática e integral (Meucci, 2016), lhes pareça agora diretamente articulado a um cenário político e econômico que retira da educação os poucos recursos de acesso democrático ao ensino superior que foram criados pelos governos Lula e Dilma. Acesso que continuava difícil ou impossível para boa parte deles, mas que eles sabiam e sabem ser condição para a aquisição do trabalho tão sonhado. Mas se a percepção clara dos danos da reforma do ensino médio e da emenda dos gastos públicos, bem como as ocupações que se lhes resistiram, têm sido um aprendizado profundo para essas meninas e meninos do Brasil, articulando-os a formas recentes e horizontais de movimentos estudantis no Chile e na Argentina, a verdade é que eles estavam quase inteiramente sozinhos, como disse Eliane Brum. </div>
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Vivemos um momento em que os setores da sociedade brasileira que discordam de uma visão de mundo economicamente hiperliberal, moralmente conservadora e politicamente cínica estão derrotados, divididos e confusos, consequentemente, com muita dificuldade de articulação mobilizadora. Enquanto isso, secundaristas apareceram como opositores mobilizados contra políticas educacionais reforçadoras da orientação mercadológica e segregativa. Isso significa que a lógica hipercompetitiva que anima as ações governamentais não tem seu correspondente completamente consolidado nas subjetividades juvenis, ou seja, nas motivações e representações dos secundaristas sobre sua educação escolar. Esses corpos, em geral franzinos porque ainda estão crescendo, como não nos deixa esquecer Brum, não são então ovelhas a guiar. Pelo contrário, em suas ocupações, acho, têm encarnado o conceito de atores sociais da já idosa teoria dos movimentos sociais de Alain Touraine (1978). Ou, melhor ainda, exprimiram-se como atores empíricos das descrições teórico-interpretativas que especialistas fazem de um novo ciclo de movimentos sociais que desabrocharam depois dos anos 2010: Primavera Árabe, Occupy Wall Street nos EUA, Indignados na Espanha, Revolta dos Pinguins no Chile, Nuits Debout na França, O Mal Educado na Argentina, etc. Todos eclodindo depois que o crash financeiro não parou mais de afligir sociedades mundo afora e indivíduos mundo adentro.</div>
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Por isso mesmo, os secundas das ocupações não podem ser ignorados por professores universitários, como se sua responsabilidade estivesse circunscrita ao ensino superior. Em primeiro lugar, porque se a repressão jurídico-policial, que também se incorporou nos espaços escolares durante as ocupações, tornar-se agressão regular sobre corpos de secundas resistentes à reforma, nós educadores, por mais enlutados e confusos que estejamos, devemos assumir o aumento de nossa responsabilidade diante da coragem que ess@s menin@s já demonstraram. Em segundo lugar, porque educadores não podem assistir passivamente à exposição de adolescentes como vítima sacrificial geracional de nossos desmazelos públicos, políticos, econômicos, éticos, etc. Enfim, porque as ocupações dos secundas já se tornaram passado ou invisíveis com a repressão e, mesmo em seu ápice, foram mais representativas em apenas dois estados do país – primeiro em São Paulo e depois no Paraná. </div>
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Nossa responsabilidade não está em pretender guiar ou se confundir com as ocupações secundaristas. O que eles fazem é ação coletiva inspirada em movimentos sociais contemporâneos (de ocupação de espaços/bens públicos e com gestão horizontal). O que nós fazemos é ciência social e nossa responsabilidade é com a sustentação do acesso do conhecimento científico-social aos secundas, num contexto societário de retrocesso educacional instituído por quem tem poder de governo no Brasil. Responsabilidade que, de meu ponto de vista, se justifica porque a reflexividade sociológica e científico-social possibilita que atores de movimentos sociais reflitam objetiva e racionalmente sobre suas próprias ações, tendo potencial para evitar derivas como instrumentalização político-partidária (Rabenhorst, 2016), reivindicações abstratas com baixa possibilidade de legitimação social ou radicalizações emocionais – que terminam por legitimar socialmente a criminalização e a repressão jurídico-policial. </div>
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Creio que sociólogos eticamente orientados por aquele humanismo sociológico de que nos fala Meucci, ou pela imaginação sociológica que defendia Mills, não terão dificuldades para assumir sua responsabilidade, pois como também se percebem como educadores, reconhecem o aumento drástico dos riscos crônicos a que jovens estudantes no Brasil estarão expostos em suas trajetórias escolares, quando a reforma do ensino médio e a emenda dos gastos públicos manifestarem suas consequências de médio e longo prazo. Mas mesmo aqueles que assumem uma ética estritamente profissional, ou seja sem compromisso com as implicações político-sociais do conhecimento das ciências sociais, também podem facilmente assumir sua responsabilidade, porque a presença de suas disciplinas no ensino médio é objetivamente pertinente para uma compreensão científica de relações instrumentais, apáticas ou violentas aos estudos – como a atividade do PIBID/UFS-Ciências Sociais revelou. Finalmente, para aqueles que seguem uma ética fundamentalmente estratégica (Habermas, 1997) em sua condição de cientistas sociais, resta ainda a responsabilidade com seu próprio ganha-pão: ter sido riscada da LDB de sua condição de disciplina obrigatória no ensino médio significa que a sociologia e demais ciências sociais perderão pertinência ainda maior no mercado do ensino, desvalorizando ainda mais as ciências sociais como opção dos jovens no ensino superior. </div>
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Pessoalmente, depois de quatro anos coordenando o Pibid-Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe, deixei-o nas mãos de duas professoras experientes na formação de docentes para o ensino básico, profªs. Vilma S. Barbosa e Mônica C. S. Santana, mas minha experiência no Programa tornou-me convicta de que a inserção regular de universitários das ciências sociais na vida escolar do ensino básico é necessária. Sendo assim, embora nosso contexto sinistro esteja me afetando com tal intensidade que às vezes temo cair em melancolia mórbida, aquele velho apelo do motoqueiro sociólogo, Charles Wright Mills (2006), o apelo da imaginação sociológica, tem me retirado do abismo e me apontado caminhos de resistência. Elaborei um projeto de intervenção sociológica a ser submetido ao próximo edital do Pibix-UFS, estabelecendo parceria com a Secretaria de Educação de Sergipe (SEED), com o Pibid/UFS-ciências sociais e com o Cacam (Centro Acadêmico Caio Amado – ciências sociais). </div>
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Este projeto objetiva uma ação regular integrando extensão e pesquisa, no qual alunos de escola pública comporão um grupo de levantamento e análise de suas dificuldades escolares, de confrontação dialógica com grupos de atores responsáveis por sua escolarização (professores, diretores, coordenadores e familiares) e de auto-análise sobre as divergências entre seu grupo e os grupos dos demais atores, numa rede de co-produção de conhecimento sobre sua própria experiência social no mundo escolar, bem como de reflexão dialógica para a solução das dificuldades escolares detectadas. Assim, numa prática processual de articulação entre as dificuldades dos alunos com os estudos e as estruturas educacionais da escola, sob a coordenação da equipe de intervenção sociológica (responsável por conduzir, restituir e discutir sobre as sessões de levantamento das dificuldades, de confrontação com outros tipos de atores e de auto-análise do grupo de alunos), esse projeto de intervenção sociológica pretende realizar-se como ação extensionista cujas atividades tragam impactos de curto, médio e longo prazo, no sentido da reconstrução de uma experiência escolar participativa, sustentada pelo diálogo constante entre alunos e demais atores escolares e em constante comunicação com a produção acadêmica sobre educação escolar. </div>
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Soluções à instrumentalização, apatia, ansiedade e violência escolares não são fáceis nem rápidas, sobretudo em momentos de desmonte e deslegitimação institucional como o que vivemos. Todavia, mesmo sem a garantia de sua presença no ensino médio enquanto disciplina, as ciências sociais mantêm-se ambiguamente na LDB e devem permanecer como corpo vivo no espaço escolar. Corpo que parece dilapidado em seu futuro, mas que continua pulsando e responsável por aqueles que demandam nosso cuidado científico-social e ético : os jovens de todos os níveis de escolarização.</div>
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<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirft-dBVYYETUtOj-wLc-AZpicCezBOuDRIj-RIbgHorsRWPIqpJJdr7kbQ2fGxWVN-lEtG5M6V-mU5AqqSq-m33Om5rPJnqiB8dFoW7EUAGF0sjpVM1IkqfWHqjOkvpL8-3pxE024OUM/s1600/The_Scream.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirft-dBVYYETUtOj-wLc-AZpicCezBOuDRIj-RIbgHorsRWPIqpJJdr7kbQ2fGxWVN-lEtG5M6V-mU5AqqSq-m33Om5rPJnqiB8dFoW7EUAGF0sjpVM1IkqfWHqjOkvpL8-3pxE024OUM/s400/The_Scream.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"O Grito" - Edvard Munch, 1893. </td></tr>
</tbody></table>
<div style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<br /></div>
<br />Por <b>Simone Meucci</b> (UFPR)<br /><br /><br /><div style="text-align: right;">
Calo-me, espero, decifro. </div>
<div style="text-align: right;">
As coisas talvez melhorem. </div>
<div style="text-align: right;">
São tão fortes as coisas! </div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
Mas eu não sou as coisas e me revolto. </div>
<div style="text-align: right;">
Tenho palavras em mim buscando canal </div>
<div style="text-align: right;">
são roucas e duras </div>
<div style="text-align: right;">
irritadas, enérgicas </div>
<div style="text-align: right;">
comprimidas há tanto tempo, </div>
<div style="text-align: right;">
perderam o sentido, apenas querem explodir. </div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
Carlos Drummond de Andrade, <b>Nosso tempo</b>, 1945 (In: A Rosa do Povo) </div>
<br /><br />Nesse período de instabilidade institucional em que políticas públicas estão sob ataque, quando fazemos uso da palavra, ficamos, na melhor das hipóteses, entre a explosão e a análise. Na pior, não conseguimos explodir nem analisar. Sinceramente minha tendência, nos últimos tempos, é para a explosão e, no esforço de contê-la a fim de alcançar alguma análise, tive receio, ao preparar essa comunicação, de que tudo o que eu teria para dizer aqui figurasse como uma espécie de escavação arqueológica num passado muito recente que já está, no entanto, coberto por muitos escombros. O curioso é que os escombros da superfície são muito mais velhos do que toda a matéria que sufocam. Minha fala seria então uma espécie particular de trabalho arqueológico já que se trata de buscar o novo encoberto pelo antigo. Por vezes, tenho a sensação de que todo o peso da história do país está sob os nossos ombros na forma de um presente que é sempre interrompido por um passado que nunca quer terminar. A gerontocracia de Temer não nega o que meus sentidos me sugerem. <br /><br /><div>
No entanto, pelo menos a rigor, o objeto desta mesa - qual seja, a Base Nacional Curricular Comum - não é ainda propriamente um pretérito. É um documento que está suspenso em sua forma mais conhecida e que, apresentado sob uma nova forma, terá centralidade na conformação futura do Ensino Médio. Trata-se então de um documento sem presente que já é futuro. A metáfora arqueológica encontra aí o seu limite, pois estamos diante de um objeto intangível posto que não tem sequer uma presença e um presente; ao passo que sua condição de passado e futuro não está também certa. Ora, não se pode escavar o intangível, o ausente, o imaginário; como também não se pode prever o futuro sem um presente. </div>
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<br /></div>
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Talvez nossa situação atual encontre um paralelo mais fiel com a de uma família que vê desaparecido um membro há muitos meses: a falta do cadáver não confirma a morte, ao mesmo tempo em que sua ausência, cada vez mais longa, não permite esperança. </div>
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As últimas notícias sobre a Base vêm da Câmara dos Deputados e do Ministério da Educação. São de alguns meses atrás. Algumas notas antigas dão conta de que haverá definição da versão final da Base em novembro (estamos a pouco dias disso). Nesse sentido, por enquanto, temos apenas notícias velhas nos sites oficiais o que é quase como ver os posts antigos no Facebook de um sequestrado. </div>
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Na Câmara, em maio, houve o seminário capitaneado pela Comissão de Educação que excluiu da sua programação os agentes responsáveis pela artesania do documento. No site do Ministério da Educação afirma-se, numa nota de junho, que a discussão sobre a Base Nacional Curricular Comum está numa nova fase, na qual seminários locais, organizados pelo Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), sistematizam contribuições. Não obstante, a agenda pública de reuniões foi até 10 de agosto. Depois disso, um silêncio que apenas não foi absoluto devido à publicação da Medida Provisória 746 que reestrutura o Ensino Médio e que remete à Base desaparecida e aos estados alquebrados toda a ossatura curricular. </div>
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<br />De qualquer modo, considerando que a Medida Provisória prescreve apenas a obrigatoriedade da Língua Portuguesa e da Matemática é certo que o documento sequestrado sofrerá mutilações. Aguardamos preocupados. Numa postagem recente, para estudantes do Ensino Médio, diz-se que a previsão é de que até abril de 2017 a Base seja encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para aprovação e que ciclos de debate e seminários envolvendo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), escolas, professores e especialistas deverão ocorrer a partir de outubro deste ano. <br /><br />Com efeito, a Medida Provisória é como se recebêssemos uma carta do sequestrador, acompanhada de alguns dedos e da orelha da vítima, anunciando seu retorno. O recado antecipou notícias de mutilações e apenas tornou mais eloquente o silêncio, mais desesperada a esperança. <br /><br />Temos então uma tarefa muito difícil aqui que é a de debater um documento que foi subtraído do debate. Aliás, considerando que o documento era em si mesmo, um processo de discussão abrangente, podemos dizer que tivemos subtraído o próprio debate. Nesse caso já temos um cadáver para prantear e um morto para encantar. Vou então iniciar a elaboração do luto embora não pretenda me limitar a isso, pois quero também entender as causas da morte (não a causa do crime porque essa é impronunciável aqui - lembrando que eu optei pela análise e não pela explosão). Prometo então lidar com nosso morto e com a elaboração de sua morte de modo muito civilizado. <br /><br />Como luto é também encantamento tomarei alguns poderes xamânicos da Ileizi Silva que, em artigo publicado em novembro de 2015 na Revista da Unisinos, nos diz que a Base foi, em que pese algumas dificuldades, produto e expressão de um aprendizado democrático que se manifestou através do amadurecimento da política curricular. Concordo com Ileizi: a Base foi um aprendizado maduro, que enfrentou e explicitou uma grande tensão entre a centralização e a autonomia dos currículos. Pretendeu ser um esforço de sistematização de documentos estaduais que, se externamente figurou como ação centralizadora, dentro do Ministério da Educação pretendeu enfrentar o protagonismo do INEP que induz nacionalmente conteúdos do Ensino Médio por meio do ENEM sem um consequente diálogo com a fortuna curricular dos estados. <br /><br />Com efeito, o debate centralização/autonomia no Brasil é antigo e parece se explicitar de modo notável no campo educacional. Basta ver, para citar exemplos mais remotos, os dilemas dos educadores da República Velha em suas reformas estaduais impraticáveis, os debates parlamentares acerca da educação na Constituinte de 1934 e a longa jornada de discussões entre 1946 e 1961 para definição de uma lei de Diretrizes e Bases Nacional. <br /><br />Essas tensões históricas no campo educacional entre a centralização e descentralização se articulam também a outros binômios, a saber: atraso/avanço e democracia/autoritarismo. Mas essa associação não se dá de modo fixo; ao contrário: a centralização é ora entendida como atraso e autoritarismo; ora como avanço e democracia em oposição a poderes regionais conservadores. Exemplos dessas associações móveis são muitos, mas vou me limitar a dois. Quem aqui não tomou a prova do ENEM de 2015 (com suas questões sobre gênero no bloco de humanas e sua redação com tema sobre violência contra a mulher) como uma resposta imperativa aos legisladores, que nos Planos de Educação municipais e estaduais, tinham recentemente abolido o termo “gênero”? Aqui o centralismo, que se expressa numa prova unificada, é visto como salvaguarda democrática contra o obscurantismo das lideranças locais. Em contrapartida, quem já não viu com certo mal-estar a política nacional de avaliação e distribuição de livros didáticos que não possibilita contemplar plenamente conteúdos regionais e que institui, através do Ministério, uma comissão de avaliadores supondo que isso não deve ser feito nas secretarias e nas escolas? Aqui, por sua vez, o centralismo pode ser visto como um obstáculo a certo ideal de democracia posto que não apenas limita a autonomia, mas também desconfia dela. </div>
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Observem que o dilema é complexo. A mobilidade dos sentidos na combinação desses binômios centralização/descentralização, atraso/avanço, democracia/autoritarismo se expressa não apenas numa pendulação histórica das soluções políticas no Brasil, mas nas nossas posições contraditórias já que a própria realidade o é. Não há, por isso, opções simples para esse dilema tão insolúvel quanto incontornável. Enfrentá-lo é, pois, tarefa dolorosa e necessária no campo educacional brasileiro. </div>
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<br />Com efeito, nos últimos anos, vários esforços visaram a consolidação de um sistema educacional nacional com base em discussões sistemáticas com todos os setores da sociedade e entes da federação. Creio que o Plano Nacional da Educação é emblema disso, pois convocou gestores, profissionais da escola, estudantes e pais (além dos órgãos competentes) para a tarefa de elaboração de um sistema educacional capaz de superar alguns gargalos relativos à universalização e à qualificação do ensino em todos os níveis e modalidades (desde a pré-escola até a pós-graduação) - com especial atenção (nas metas 15 a 20) com a formação, carreira e remuneração dos docentes da Educação Básica. Apelou para a superação de uma visão fragmentada de gestão da própria rede, propondo um compromisso com uma concepção integrada, universalista e democrática, fazendo lembrar sobretudo dos compromissos com a Constituição de 1988. Infelizmente é bastante possível que o Plano Nacional de Educação desapareça num triângulo das bermudas formado pela PEC 241, pela MP 746 e pela PL 4567/16 que aprovou o fim da participação obrigatória da Petrobrás no pré-sal. <br /><br />Nesse sentido, podemos dizer que os últimos governos federais tomaram para si a tarefa de organizar um pacto em direção a um Estado coordenador que também pressiona governos estaduais e municipais para suas obrigações constitucionais (claro que não foi tudo assim maravilhoso, mas me perdoem lembrando que o luto supõe esse encantamento). <br /><br />A Base, como se sabe, é também parte desse contexto do PNE. Expressa, no nível do currículo escolar, os dilemas da relação entre os estados, municípios e a união. O Ministério da Educação assumiu, pois, a tarefa de propor uma definição de certos conteúdos comuns. Por isso, a Base é acusada de homogeneizadora, ainda que tenha pretendido um diálogo inédito com entes federados. Lembremos, nesse sentido, do notável esforço de examinar e incorporar o repertório curricular dos estados que resultou num impressionante banco de currículos que está disponível na plataforma online do Ministério. <br /><br />Ocorre que esse esforço teve seu curso mais decisivo no momento mesmo em que o governo teve sua legitimidade solapada. Não sei se houve apenas uma infeliz sincronia entre o agravamento da crise política e o desenvolvimento dos trabalhos da Base ou se as tensões provocadas pelo governo aos estados no campo educacional, desde o PNE não é também ingrediente decisivo dessa crise. Por isso, muitas vezes, na mídia, a crítica à Base se confundiu com uma crítica ao PT, num debate social que frequentemente está embaralhando políticas de Estado e governo, ideologia e ciência, republicanismo com o que chamam de bolivarianismo. A Base, orientada por ideais republicanos, que nasce na crença do Estado coordenador e promotor da universalização, não tem condições de sustentação nesse ambiente, sobretudo depois que o Golpe se consumou. <br /><br />Nesse sentido, podemos imaginar, numa nova metáfora, que a Base foi como um bebê (ainda que imperfeito, saudável e forte) que teve boa gestação, mas nasceu num momento em que o oxigênio estava escasso. Foi afastado dos pais e em coma, levado para alguma UTI obscura da qual, suspeitamos, sairá morto ou mutilado. As condições para artesania de uma política curricular baseada no debate e na pretensa universalidade do Estado se esgotaram. Isso se expressa num clima social orientado para a desqualificação generalizada da política e, na vertente religiosa, na condenação de tudo que não é a continuidade da família. A Base não enfrenta mais o debate da autonomia e descentralização, mas enfrenta agora inimigo maior que, na verdade, já estava à espreita: a vitória do privado sobre o público que se realiza através da usurpação do poder por determinados grupos para garantir o monopólio dos meios administrativos e legais. <br /><br />A conciliação entre descentralização e centralização, entre poder central e poderes locais, assume então a sua pior forma no campo educacional. Tem agora a forma de um pacto apressado com governos estaduais para reforma do Ensino Médio na busca pela governabilidade ilegítima. Lembremos que o afastamento definitivo da Presidenta ocorreu em 31 de agosto e a medida foi apresentada menos de um mês depois, no dia 22 de setembro. <br /><br />É assim que eu vejo a Medida Provisória: a farsa da flexibilidade que oculta a falta de opção e a privatização, a farsa da integralidade que, no entanto, oferece o mínimo de conteúdo, a farsa da formação profissional que não admite pensamento inteligente e, finalmente, a farsa da urgência pela “recuperação” da qualidade de ensino que esconde redução imediata de custos. Conforme nota do próprio MEC, uma vez aprovada a Medida Provisória, os estados poderão trabalhar a implementação da flexibilização dos currículos dos matriculados, já na segunda metade do ensino médio, a partir de 2017. <br /><br />Nesse sentido, não há como não aguardar, numa nova versão da Base, descontinuidade com o desenho curricular que se consolidava pouco a pouco desde os anos de 2000 e que introduziu conteúdos inéditos no ambiente escolar, a saber... <br /><br />em 2003 - História e cultura africana e afro-brasileira <br />em 2005 - Espanhol <br />e em 2008 - Sociologia e Filosofia, Musica, História e cultura afro-brasileira e indígena <br /><br />Observemos que estas disciplinas e conteúdos introduziram, na escola, novas formas de expressão e interpretação do mundo. Os conteúdos escolares recentes, ao contemplar, por exemplo, a história e cultura indígena e afro brasileira, oferecem instrumentos através dos quais os estudantes negros e indígenas do ensino médio podem reconhecer a si próprios nas propriedades valorativas socialmente atuantes no currículo. Não por acaso, a área que mais sofreu mudanças foi a área de Humanas, além de Linguagens e Códigos. Foram áreas que se ampliaram notavelmente no momento mesmo em que o Ensino Médio foi considerado obrigação do Estado através da lei 12.061 de 2009. É, pois, essa abordagem inclusiva e plural que a Medida Provisória não assegura à escola. <br /><br />A crítica à ampliação do repertório de linguagens, conhecimentos e valores dessa configuração curricular encontra seu argumento preferível na alegação de que há excesso de componentes curriculares que são a causa da baixa qualidade do ensino. Nesse sentido, cria-se a correlação espúria de que sociologia subtrai tempo da matemática, a filosofia de português, as artes das disciplinas técnicas-profissionais por exemplo. Quanto aos conteúdos propriamente ditos, a crítica tem a mesma lógica que não admite conciliação entre variedade de repertório e o aprendizado. No caso da história, isso foi notável logo após a publicação da primeira versão da Base, na celeuma entre a história clássica greco-romana e a dos povos ameríndios. Em muitos meios, o debate foi orientado na direção da crítica à ampliação do repertório que tem fundamentado os esforços de uma política curricular há muitos anos. Nesse sentido, a Base (tomada como epifenômeno da política curricular recente) foi, especialmente pelos setores que hoje se sentem representados nessa nova configuração de governo, condenada pela suas maiores virtudes. <br /><br />Não há, portanto, muitas dúvidas de que a Medida Provisória e o sequestro da Base são, além do sepultamento do debate e do desrespeito ao protocolo democrático, uma modalidade de ataque aos direitos e às políticas públicas inclusivas. Um Estado mínimo corresponde a um currículo mínimo e a um reconhecimento mínimo. <br /><br />E aí, diante desse quadro geral, eu me pergunto qual o lugar da sociologia numa política orientada nessa direção. Creio, sinceramente, que os pressupostos da sociologia não se acomodam aos princípios que norteiam esse projeto. E assim como eu acho que o ataque à política curricular recentemente consolidada é não apenas um ataque ao governo anterior, mas também ao Estado de Direito, creio que a desqualificação da sociologia em vários níveis no debate social é, rigorosamente, uma agressão à sociedade e a um certo pressuposto de humanismo. Então penso que estamos diante de dificuldades mais sérias do que a defesa desta ou daquela disciplina no Ensino Médio. Estamos vendo o assalto de um modelo societário ou, como diria Elias, estamos diante de um ciclo descivilizador que ocorre, ao meu ver, através de duas frentes que, apenas em princípio, parecem inconciliáveis: o liberalismo econômico e o fundamentalismo religioso (ambos têm o Estado como inimigo número um). <br /><br />Se formos para o nível empírico e observarmos em particular o site da “Escola Sem Partido” (cuja capilaridade na sociedade e em partidos políticos da nova base de governo é ainda bastante perigosa - embora o parecer de inconstitucionalidade elaborado pelo STJ nos últimos dias nos tranquilize um pouco), vemos ali que três são os temas para o qual os delatores são mais sensíveis: a) a recusa do estatuto semelhante ao cristianismo às religiões afro-brasileiras; b) a negação da sexualidade (incluindo aí o tema do gênero) como um assunto escolar e c) a desqualificação da problematização da desigualdade social. Creio que, de certo modo (e vou a partir de agora argumentar nessa direção), a vigilância a esses três temas é uma amostra significativa das origens das dificuldades que a sociologia enfrenta na Escola Básica atualmente. <br /><br />Observemos que os temas elencados manifestam, de um lado, a recusa a uma consciência objetiva da vida social e, de outro, o não reconhecimento de vínculos sociais que não aqueles que passam pela religião, pela determinação biológica e pelas trocas econômicas. Essa perspectiva não reconhece o ser humano senão numa tripla determinação: pelo deus cristão implacável, pela biologia e pelo mercado - que se apresentam como universais conciliados. Neste horizonte, não existe outra autoridade de base sobrenatural senão o cristianismo, não existe outro imperativo para a sexualidade senão o sexo biológico, não existe outro marcador social que não o mérito que atua como uma espécie de honra legítima estamentalmente distribuída. A família nuclear reconhecida por deus e forjada pelo sangue e o indivíduo orientado pelo trabalho e pelo interesse são os únicas unidades da vida social socialmente válidas. São porém anti-sociológicas: posto que são tão universais, não há alteridade nem desigualdade a ser inquirida e refletida. <br /><br />Nesse sentido, o contraste entre essa perspectiva do mundo e o que vou chamar aqui de humanismo sociológico é gritante. Sabemos que a sociologia, desde seu início, sempre se confrontou com o pensamento religioso, com o determinismo biológico e com o pensamento liberal. A racionalização, a objetivação da vida social e o reconhecimento de que não há um indivíduo atômico são as operações intelectuais básicas da sociologia que, não raro, se expressaram também em compromissos com ideais republicanos. Para ficar apenas entre os fundadores, lembremos da empreitada de Durkheim para consolidação da III República na França ou da adesão de Weber ao projeto da recém fundada República de Weimar na Alemanha. <br /><br />Não obstante, a base da sociologia é um humanismo difícil que não reconhece universais, que crê na responsabilidade humana ainda que acredite na incômoda objetividade do processo histórico que opõe criador e criatura. A sociologia admite essa complexidade acreditando, porém, que a consciência racional da vida social é um compromisso não apenas com o conhecimento, mas também com a preservação dos vínculos: as noções de exploração, racionalização e anomia dos clássicos me parecem ser expressão de uma preocupação engajada nesse aspecto. Por isso, entendo que a sociologia é uma reflexão a um só tempo tributária, crítica e compromissada com a modernidade. <br /><br />Eu disse tudo isso para lembrar que no Brasil, a sociologia ressurgiu há 8 anos no currículo das escolas em meio ao processo de redemocratização, quando a Constituição Federal fazia 20 anos e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 12 anos. Ao longo da década de 1990, apareceu como disciplina optativa aqui e ali e depois se consolidou nacionalmente junto com a filosofia, evocando sobretudo seu vínculo para o preparo da cidadania. Há, com efeito, na sociologia em especial, mas não apenas nela, uma relação muito nítida entre ciência e democracia que o texto da Base reforça. <br /><br />Perscrutando os conteúdos da Base, observamos que a sociologia pretende, na Educação Básica, auxiliar o jovem tanto na compreensão dos processos de integração social quanto de subjetivação fazendo reconhecer igualmente as formas de organização social e os mecanismos identitários, as estratégias e as formas de reconhecimento nos processos de interação. Para isso, propõem que se conheça os vínculos sociais, as representações simbólicas e as formas institucionais num consórcio entre a sociologia e os conhecimentos da antropologia e da ciência política. <br /><br />É portanto uma ciência escolar muito nova no Brasil. Não tem precedente histórico porque no ensino secundário dos anos de 1930 era um conhecimento das elites que foi reclamada para atuar como um braço do Estado autoritário considerado qualificado para fundar a sociedade atomizada (uma espécie de repercussão prática da tese de Oliveira Viana). Daí que seu conteúdo foi orientado para ideais de civismo e civilidade. Atualmente, a sociologia encontra dificuldades para ser reconhecida em sua dimensão científica e republicana, cuja potência ela finalmente contém: ironicamente é agora considerada uma ideologia que atua como braço de um Estado desqualificado para dividir e desorganizar a vida social fundada em unidades anti-sociológicas. <br /><br />Nesse sentido, creio que a condenação de um ideal de consciência racional do mundo é também a condenação de uma dos melhores fundamentos da modernidade: a reflexividade vigilante para o sentido da vida e da ação humana em meio a complexificação inexorável da vida social. Essa preocupação que a sociologia tem para oferecer e esse valor que ela pode compartilhar não podem, ao meu ver, ser negados à juventude. <br /><br />Nesse sentido, finalmente, compreendo o que Bourdieu, nos anos de 1990, nos dizia: a sociologia é um esporte de combate. Admitindo isso, teremos como tarefa (a ser realizada com força e calma) restituir o valor da palavra e dizer que não defendemos a sociologia tão simplesmente, mas empenhamos nossos esforços em, através da sociologia, defender vínculos societários que não estão baseados na exclusão e no interesse. Um pugilismo urgente num mundo dividido entre indignos e indignados (como nos disse um dia Galeano). <br /><br /><div style="text-align: right;">
Bairro dos Aflitos, Recife, 23 de outubro de 2016. </div>
<br /><span style="font-size: x-small;">Texto apresentado na 40ª ANPOCS na mesa 16 - “O debate em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no contexto das políticas curriculares brasileiras” organizada pela Dr. Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins (USP) com a participação de Ileizi Luciana Fiorelli Silva (UEL) e Julia Polessa Maçaira (UFRJ). </span></div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-69723903027064300682016-09-14T14:20:00.004-03:002016-09-14T14:20:50.855-03:00Los Cuerpos Expuestos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0fZvQa8k36pyiDwavwImSBb79-1Yk6LPfCvLAGc98Q5NEu2zYjOO3uRFgOQevizBf4zvSZbU_JXOkoJpvYO6BFrkvDHRNX2s22A9kdfqjnaW_AzKuSDeCIxWghUccWE_59G1ucZDLSAw/s1600/BenegasLoyo.Otero.2016.Cuerpos.Expuestos-page-001.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0fZvQa8k36pyiDwavwImSBb79-1Yk6LPfCvLAGc98Q5NEu2zYjOO3uRFgOQevizBf4zvSZbU_JXOkoJpvYO6BFrkvDHRNX2s22A9kdfqjnaW_AzKuSDeCIxWghUccWE_59G1ucZDLSAw/s320/BenegasLoyo.Otero.2016.Cuerpos.Expuestos-page-001.jpg" width="226" /></a></div>
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<a href="https://dl.dropboxusercontent.com/u/24852758/BenegasLoyo.Otero.2016.Cuerpos.Expuestos.pdf" target="_blank">Livro digital para baixar (de graça!). Tem um artigo meu nele. Clica aqui para fazer o download.</a><br />
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JonatasLe Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-34347880810846234912016-08-09T20:06:00.001-03:002016-08-11T16:00:39.836-03:00Um artesanato de iniciação à docência: mundo do trabalho e representações juvenis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-ZkiaY9HITLMM7O9PlwDwMsfzoUU9hEP0rPRNp-c4ExsqRiZLHgOCjrBhqeOrUSFLqUhNvAqytz8NfaODa65MVs8Ogonw4t3y7edW3pBC2JLQJCDrham048B4RePnAYAbFxuGfcTwhQw/s1600/Sand-mandala-still-from-SAMSARA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="235" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-ZkiaY9HITLMM7O9PlwDwMsfzoUU9hEP0rPRNp-c4ExsqRiZLHgOCjrBhqeOrUSFLqUhNvAqytz8NfaODa65MVs8Ogonw4t3y7edW3pBC2JLQJCDrham048B4RePnAYAbFxuGfcTwhQw/s400/Sand-mandala-still-from-SAMSARA.jpg" width="400" /></a></div>
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Por <b>Tâmara de Oliveira</b> (DCS-UFS/PIBID-CAPES)<br />
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<b>Introdução</b><br />
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Estava eu me deliciando numa dessas reuniões departamentais adoradas pelos professores de todo o mundo (rsss), quando uma das organizadoras do I Seminário Nacional de Sociologia da UFS (abril de 2016), professora Fernanda Petrarca, convidou-me para compor uma mesa redonda tematizando as mudanças no mundo do trabalho e o ofício do sociólogo. Pensei e disse: o que danado eu poderia dizer sobre isso se não sou especialista do mundo do trabalho? Mas a ideia de Fernanda era a de que, enquanto coordenadora do Pibid-Ciências Sociais, eu estou envolvida com um programa de certa forma articulado à abertura de um mercado de trabalho que durante décadas esteve fechado para as ciências sociais: o do ensino básico, com mais um retorno da sociologia à grade curricular. Aí eu fui atingida num ponto sensível, porque minha experiência no Pibid (que vai se encerrar em agosto de 2016) tem me apaixonado pelo potencial de uma sociologia ao mesmo tempo artesanal e pública voltada à atuação da licenciatura no ensino médio. Mas minha fala não tratou diretamente de relações diretas entre mundo do trabalho e ensino da sociologia; ela abordou o mundo do trabalho contemporâneo e os desafios que este coloca ao ofício de sociólogo, a partir de uma atividade que desenvolvi com bolsistas de iniciação do Pibid/UFS-Ciências Sociais, junto a alunos de duas escolas parceiras – por isso oscilarei entre “eu” e “nós” neste texto. Essa atividade foi a primeira parte de uma sequência didática que não pudemos realizar completamente, mas seus resultados preliminares trouxeram indicações significativas das representações (Moscovici, 2004) dos alunos envolvidos, em torno do trabalho e dos estudos. Este texto é uma versão reduzida e modificada do que preparei para orientar minha fala na mesa redonda. <br />
<br />
A etapa realizada foi a de construção de dados com/dos próprios alunos, tematizando sua experiência juvenil, sua relação aos estudos, ao trabalho, à família e às expectativas de futuro; inspirou-se no chamado método de intervenção sociológica em sessões fechadas (Touraine, 1978; Dubet, 2007) e usou a técnica da entrevista coletiva. Falarei aqui dos resultados da turma do Colégio Estadual Atheneu Sergipense – dividida em três grupos pelos próprios alunos. A análise de conteúdo das respostas de cada grupo desenhou três idealtipos de orientações simbólicas sobre esses assuntos : a visão dos incomodados da escola – cujo traço idealtípico é o de uma relação tensa com a escola e majoritariamente estratégica aos estudos; a visão dos desafinados da escola – cujo traço idealtípico é o de uma relação de desgosto com os estudos e apática com a escola; e a visão dos afinados da escola – cujo traço idealtípico é o de uma relação ao mesmo tempo motivada e ansiosa aos estudos.<br />
<br />
<b>I- Relação instrumental aos estudos e valor subjetivo do trabalho: inversão de valores sociologicamente compreensível</b><br />
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Para que se compreenda as implicações sociológicas mais importantes das diferenças idealtípicas acima apontadas, vou reproduzir aqui parte do que não tive tempo de falar na mesa redonda, mas que está num texto em co-autoria que será apresentado no X Colóquio Internacional “Educação e Contemporaneidade” (EDUCON), em setembro de 2016 na UFS. Quando analisamos o que os três grupos disseram sobre a importância dos estudos e do trabalho para a realização de seus sonhos de vida futura, ficamos inicialmente intrigados com os resultados comparativos entre os dois temas. Esperávamos que a relação entre trabalho/sonhos de vida fosse muito mais instrumental do que subjetivamente valorativa, já que o trabalho é um espaço imediatamente ligado ao mercado e à aquisição de condições materiais de vida, enquanto os estudos são um espaço imediatamente ligado ao conhecimento, à abertura dos indivíduos ao mundo que os cerca, logo, a priori articulados a uma valorização existencial. Mas a verdade é que apenas num dos três grupos (os afinados da escola) o trabalho apareceu majoritariamente nessa função periférica de meio necessário para a realização de sonhos e de si mesmo, deslocando para outras atividades seu espaço de realização pessoal ou de satisfação com a vida. Para os dois outros grupos (incomodados e desafinados da escola) o trabalho apareceu majoritariamente como atividade diretamente articulada à identidade existencial: aquisição de experiência, reconhecimento e satisfação com a vida. <br />
<br />
Quando se tratou dos estudos, mais uma vez os afinados da escola revelaram-se minoritários: foram eles que exprimiram com mais intensidade o gosto dos saberes, da abertura ao mundo que estudar pode proporcionar à vida juvenil. Além disso, enquanto os dois grupos problemáticos com os estudos ou com a escola tendem a identificar profissão, trabalho e emprego, os afinados tendem a distinguir profissão de trabalho e emprego, a primeira sendo representada como formação em curso superior, ou seja como continuação dos estudos, confirmando sua preferência valorativa dos estudos em detrimento do trabalho. Mas o fato é que na maioria da turma predominou uma relação problemática em sua relação aos estudos ou à escola, sobretudo instrumental, mas também de desgosto apático (nos desafinados), além de uma forte expressão de ressentimento para com a escola (nos incomodados). <br />
<br />
Esse contraste entre valorização existencial do trabalho e valorização meramente instrumental dos estudos na maioria da fala dos alunos contraria a tese de Claus Off (1989, apud Guimarães, 2011) sobre os efeitos das mudanças do mundo do trabalho, tese esta que fez furor na virada do século XX para o XXI na sociologia do trabalho, segundo a qual, por ter se tornado objetivamente disforme, o trabalho também teria se tornado subjetivamente periférico, não valorizado na construção subjetiva das identidades. Vejamos como Nadya Guimarães (2011) sintetiza os impactos dessa tese sobre estudiosos do mundo do trabalho, interpretando a relação contemporânea dos jovens ao trabalho:<br />
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<blockquote class="tr_bq">
[Uma] sorte de “passagem pré-programada” dá lugar mais recentemente a uma situação de “inserção aleatória”(...): rompe-se a equiparação entre trabalho e emprego remunerado(...); cai por terra o modelo do trabalhador permanente e contratado a tempo completo (multiplicando-se as formas alternativas de trabalho, como tempo parcial, auto-emprego, trabalho no domicílio, entre outros); e saem de cena os contratos de longa duração, em que o vínculo empregatício “casa” o trabalhador a um mesmo empregador por toda (ou quase toda) a sua vida produtiva (de sorte que o emprego deixa de ser uma salvaguarda para o desemprego. (Guimarães, (2011, p. 155)<br />
<br />
(...)Ante a intensidade com que foram tocados pela incerteza e pela transitoriedade dos vínculos, que faz do desemprego juvenil o principal componente do recente fenômeno do “desemprego de massa”, os jovens teriam reagido antecipando uma mutação cultural que estaria (para o conjunto da sociedade) apenas prenunciada como horizonte. Antecipando o fim da centralidade do trabalho, assumiram a condição de “exilados do trabalho”, tal como a qualifica Gorz [1997], antes mesmo que esta se impusesse de modo socialmente mais amplo.(Guimarães, 2011[2005], pp. 156/157) </blockquote>
<br />
Mas outras tendências da sociologia do trabalho, com pesquisas em apoio, não aceitaram essa tese. Antes de tudo porque ela idealizaria o trabalho juvenil entre a segunda guerra mundial e o final dos anos 1970 como uma “passagem pré-programada”, quando na verdade,<br />
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<blockquote class="tr_bq">
(...)nem tudo eram flores para os jovens. De fato, a incerteza que hoje contamina as trajetórias profissionais dos trabalhadores “maduros” era destacada, desde então, como uma característica dos percursos ditos “juvenis”, tanto nos momentos de auge como nos momentos de retração cíclica da oferta de empregos. Isso porque, na sua condição de “recém-chegados” ao mercado de trabalho, via de regra eximidos da responsabilidade de chefia do grupo familiar (e da função de provedor que a ela se associa), adolescentes e jovens expressavam uma grande rotatividade (…), em sua busca do “emprego certo”(...) - Guimarães, 2011, p. 156 </blockquote>
<br />
Além disso, se é válido afirmar que “transformações no trabalho põem em cheque antigos valores, ao tempo em que reestruturam novas formas de produzir bens e serviços, esse movimento não é unidirecionado, nem por seu conteúdo, nem por seus atores” (Guimarães, 2011, p. 171). Melhor dizendo, não há correspondência precisa entre um trabalho “objetivamente disforme” e uma valorização “subjetivamente periférica”, porque as mudanças são complexas e porque a situação dos jovens diante do mercado de trabalho, além de historicamente problemática, tem a marca da heterogeneidade.<br />
<br />
Neste sentido, nossos dados exploratórios e qualitativos vão na mesma direção dos dados de pesquisas empíricas no Brasil e em países com estrutura demográfica e de mercado de trabalho próximos (como o México ou a Argentina), os quais revelam que nossos jovens, longe de se exilarem do trabalho, produzem novos e diferentes sentidos subjetivos para essa atividade. Em pesquisa nacional feita em 2003 (Abramo/Branco, 2011[2005]), os jovens brasileiros, segundo Nadya Guimarães (2011), exprimem, com razão, um forte sentido de risco e vulnerabilidade em relação ao trabalho, elegendo-o como 2º maior problema social (o primeiro foi segurança, com apenas 1% a mais de escolha). E representam o trabalho como necessidade, direito a ser suprido e mesmo como valor ético da primeira modernidade - valor da “dedicação ao trabalho” que, embora em bem menor proporção do que “religiosidade” e “temor a Deus”, também apareceu como valor principal numa sociedade ideal, em equivalência com um valor geralmente tido como tipicamente juvenil, qual seja o da liberdade individual. <br />
<br />
Seguindo ainda Nadya A. Guimarães (2011), que se debruçou sobre os dados brutos da pesquisa de 2003 acima citada, a peculiaridade objetiva dos jovens de um país como o Brasil é que se trata de uma juventude trabalhadora: em torno de 33% ingressava no trabalho ainda criança ou adolescente, experimentando diretamente as transformações no mundo do trabalho e a deterioração de suas chances de inclusão positiva (estão majoritariamente no trabalho informal e recebendo até dois salários mínimos; 1/3 deles ultrapassa 8 horas de jornada). Em tal contexto objetivo, se as mudanças do mundo do trabalho põem em questão a ética da primeira modernidade, isso não vai implicar em descentralização do sentido do trabalho para os jovens, mas, pelo contrário, resultar numa pluralidade de significados, entre os quais: provedor de necessidade; direito a ser suprido; independência; crescimento; autorrealização; e até mesmo o da ética moderna clássica (dedicação ao trabalho como valor numa sociedade ideal). E é verdade que, se do ponto de vista objetivo a maioria dos alunos do Atheneu entrevistados ainda não está na PEA, os sentidos do trabalho que eles exprimiram estão em consonância com os que apareceram nessa pesquisa nacional e também na pesquisa de Bernard Charlot (2006) sobre jovens sergipanos, realizada a pouca distância dessa pesquisa nacional. Sobretudo os mais articulados à construção da própria identidade e da autorrealização – experiência, reconhecimento e satisfação com a vida –, apesar da distância de mais de 10 anos entre as pesquisas quantitativas nacional e estadual e a nossa entrevista coletiva.<br />
<br />
Por outro lado, o sistema escolar brasileiro é uma variável importante da condição de vulnerabilidade e risco que os jovens brasileiros vivem e representam em relação ao trabalho, tendo em vista que as classes popular e média instável sofrem de uma “intensa deterioração das condições do mercado de trabalho para trabalhadores sem níveis educacionais adequados” (Guimarães, 2011, p. 169). A reprovação, a evasão e o atraso escolar continuam a atingi-los fortemente, sob um modelo demasiadamente desigual e segregativo de oportunidades escolares. Ora, o público do Atheneu é predominantemente de classe média instável ou popular e os 3 grupos compostos espontaneamente pela turma entrevistada revelou que aqueles que têm mais problemas com os estudos e/ou a escola (os incomodados e os desafinados) são os mesmos que investem seus sonhos e expectativas de vida futura mais no trabalho do que na continuação dos estudos. <br />
<br />
Foram esses dois grupos que imprimiram, na análise da entrevista coletiva da turma, a marca de uma continuidade negativa em sua relação aos estudos (da instrumental à de desgosto) ou à escola (a de apatia, mas sobretudo a de ressentimento diante do que eles representam como descaso de seus responsáveis pelos alunos não excelentes, ou seja, não claramente competitivos no ENEM). Mas mesmo os afinados da escola, dançando animadinhos a melodia dos saberes escolares, da pressão por excelência, do imperativo categórico do ENEM e de outras cobranças competitivas o dia inteiro, num prédio improvisado, calorento e com comida ruim (segundo eles mesmos), muitas vezes falaram em cansaço e revelaram a marca de uma ansiedade escolar que chegou a se manifestar como ceticismo agudo na fala de uma aluna. <br />
<br />
Então articulemos: em suas falas sobre estudos e escola, os incomodados e os desafinados são os que mais exprimem problemas com os estudos ou com a escola – e isso é um indicativo de que são vulneráveis à reprovação, ao atraso ou à evasão escolares; embora tenhamos falhado na coleta de dados complementares que confirmassem nossa observação, temos indícios de observação direta que nos levam a lançar a hipótese de que os grupos do Atheneu espontaneamente compostos revelam um corte de classe socieconômica: os afinados provavelmente sobrerrepresentados por alunos com condições socioeconômicas superiores à média do público do Atheneu; os incomodados provavelmente sobrerrepresentados por alunos com condições de classe média instável; os desafinados provavelmente sobrerrepresentados por alunos com condições de classe popular. Sendo assim, por origem de classe e por relações negativas aos estudos e à escola, são os incomodados e os desafinados os que terão mais dificuldades de inserção não precária no mercado de trabalho, embora seja no trabalho que eles prefiram apostar mais suas fichas de reconhecimento e satisfação com a vida. <br />
<br />
Talvez esses dois grupos tenham essa preferência simplesmente porque experimentam concretamente os problemas de uma escola submetida a uma lógica competitiva, reprodutiva e produtiva de desigualdades (Bourdieu/Passeron, 1970; Dubet, 2008; van Zanten, 2009), enquanto têm uma relação apenas abstrata com o mercado de trabalho, podendo mais facilmente transferir para esse espaço desconhecido suas expectativas e sonhos de futuro – já que sua experiência escolar não os ajuda a sonhar com o prolongamento dos estudos como caminho de satisfação com a vida. Por outro lado, os afinados parecem menos vulneráveis a reprovação, atraso ou evasão escolares porque têm uma relação positiva aos estudos e à escola (e provavelmente também por origem social), mas são vulneráveis a uma ansiedade prejudicial ao longo percurso de escolarização que eles pretendem perfazer, posto que tal ansiedade seja articulada a uma lógica escolar competitiva que seleciona/elimina alunos sob a falsa “boa consciência” de buscar excelência e de ter que se sustentar na competição entre escolas por aprovações no ENEM e outros vestibulares.<br />
<br />
Os resultados da etapa da sequência didática realizada remeteram-me a algo que já escrevi num capítulo de livro aguardando publicação, afirmando que o processo fragmentado, multidimensional e acelerado de socialização das novas gerações as colocam diante de uma espécie de imperativo categórico: o da equação estudar + arranjar emprego = poder consumir muito enquanto orientação e finalidade da vida. Mas tal equação torna-se cada vez mais difícil de ser resolvida para aqueles que não são herdeiros de muito boas condições socioeconômicas, ou seja, para a maioria dos jovens contemporâneos. Por isso é sociologicamente compreensível que eles desenvolvam uma relação à escola ou aos estudos instrumental ou ansiosa (sobretudo os que têm chances reais ou imaginárias de conseguir emprego qualificado e alcançar um nível de consumo idealizado), apática ou violenta (sobretudo os que se percebem sem chance nessa competição cega por diplomas, empregos e nível de consumo). <br />
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<b>II- Sobre artesanato sociológico: como o ensino médio da sociologia pode contribuir para aumentar o gosto dos saberes</b><br />
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Experimentamos assim como a abertura de nossa imaginação sociológica a uma abordagem do ensino da sociologia como artesanato intelectual pode ser útil. Combinamos dialogicamente (Levine, 1997) diferentes autores que sustentam a indissociabilidade entre aprendizado teórico e aprendizado prático, aplicando tal combinação a uma iniciação à docência que privilegie uma formação integrando ensino e pesquisa. Os autores são Charles Wright Mills ([1957]2006) e sua noção de artesanato intelectual (apêndice de The sociological imagination), Richard Sennet e sua noção de habilidade artesanal (The craftsman ([2008]2013), Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron com sua noção de pedagogia racional (Les héritiers (1964). Entendemos a habilidade artesanal como “impulso humano básico e permanente, o desejo de [fazer] um trabalho benfeito por si mesmo” (Sennet, 2013). Impulso este que, se para Wright Mills teria desaparecido da maior parte das atividades humanas no século XX e sobrevivia na imaginação sociológica, para Sennet sobrevive em múltiplas e variadas atividades e continua capaz de atuar contra formas destrutivas do trabalho, da educação, do uso dos recursos naturais e das organizações institucionais em geral, no século XXI. Assim fazendo, podemos apresentar o caminho artesanal que estamos traçando a partir dos argumentos de Molénat sobre a posição de Bourdieu e Passeron a respeito do ensino universitário:<br />
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A relação pedagógica entre os estudantes e o professor se funda muito mais no carisma deste último, em sua virtuosidade e em sua capacidade a ser um “guru” do que em seus talentos de pedagogo. Segundo P. Bourdieu e J.-C. Passeron, um professor que se obrigasse a ensinar as técnicas do trabalho intelectual (definição de conceitos, elementos de retórica e de lógica, maneira de construir um fichamento e de definir uma bibliografia), “abdicaria de sua autoridade de 'mestre' para aparecer aos olhos dos estudantes com a imagem de professor de escola básica perdido no ensino superior”. (Molénat, 2014, pp. 54-55)<br />
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Nosso caminho artesanal implicou então em se afastar do papel de professor-guru e se aproximar do papel de professor pedagogo, para identificar as dificuldades de aprendizagem de bolsistas e trabalhar com elas, ao mesmo tempo em que os introduzimos em atividades nas escolas partindo do levantamento das representações sociais dos alunos sobre o eixo temático do projeto. Num indo-e-vindo entre dimensões prazerosas, subjetivas e dialógicas do aprender (como a entrevista coletiva que tanto motivou os bolsistas do Pibid e os alunos das escolas parceiras) e dimensões exigentes e cansativas do mesmo aprender (como estudo e produção de textos sobre os mesmos temas das entrevistas), buscamos fazê-los compreender que estudar ou aprender a ensinar não se realizam sem dificuldades, erros, recuo e paciência, mas que podem trazer satisfações para além da orientação competitiva, desigual e segregativa da experiência estudantil que eles vivem. <br />
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Se reorientamos nossas atividades a partir de uma articulação entre as visões de artesanato intelectual de Mills ou Sennet e da defesa de uma pedagogia racional de Bourdieu e Passeron, foi porque, sintetizadas, elas se exprimem como um apelo motivante e prático a um ensino científico-social existencialmente engajado. Queremos dizer com isso que nossa prática de formação dos bolsistas no eixo temático do subprojeto busca articular vida pessoal e trabalho de estudante, buscando incutir satisfação com um trabalho benfeito de aprender a ensinar, e que, tendo em vista que objetiva formar professores, ou seja trabalhadores sociais educacionais, não pode prescindir de posições e proposições reflexivas, empiricamente fundamentadas, sobre o estado econômico, político e sociocultural do mundo onde vivemos. <br />
<br />
Sendo assim, não é verdade que a sociologia pode ser relegada a conteúdo transversal de outras disciplinas; nem a filosofia. Pelo contrário, elas e demais ciências sociais, diante da perplexidade com que se observa mudanças hiper-aceleradas e destrutivas de laços sociais e do meio ambiente, profundamente articuladas às mudanças no mundo do trabalho, têm em sua tradição muitos recursos teórico-metodológicos para que a experiência de aprender deixe os limites problemáticos de uma relação apática, ansiosa, instrumental ou violenta à escola e contribua para que as novas gerações recuperem o gosto e a necessidade tão intrinsecamente humanos de articular seus problemas pessoais às estruturas sociais. Buscando combinar formação artesanal à docência com atuação artesanal nas escolas parceiras do Pibid, acreditamos que o ofício do sociólogo é potencialmente capaz de aumentar as possibilidades dos jovens do ensino médio e da licenciatura a desenvolverem uma reflexividade empiricamente fundamentada diante de seus problemas estudantis e de suas chances futuras no mercado de trabalho. Todavia, pensamos que "mudanças estáveis e duradouras são contínuas e lentas, pacientes e persistentes" (Freire Costa in NOVAES, R/VANNUCHI,P. (org.). Juventude e Sociedade. Trabalho, Educação, Cultura e Participação. São Paulo, Editora Perseu Abramo/Instituto Cidadania, 2003/2011). E neste sentido, as ameaças intermitentes que o Pibid tem sofrido desde 2015, assim como o assustador projeto de Escola Sem Partido (que mal dissimula seu caráter de ideologia conservadora e opressora das diversidades humana e científica), agridem violentamente a potencialidade de atuação da sociologia, e das ciências sociais e humanas em geral, diante das mudanças do mundo do trabalho e dos problemas graves de nosso sistema de ensino. Mais que nunca precisamos continuar artesãos da sociologia, porque navegar é preciso.<br />
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BIBLIOGRAFIA<br />
<br />
BOURDIEU, P. / PASSERON, J.-C. La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement. Paris : Les Editions de Minuit, 1970.<br />
________________________________ Les héritiers. Paris: Éditions de Minuit, 1964.<br />
CHARLOT, B. Juventudes Sergipanas. Relatório de Pesquisa. Aracaju: J. Andrade, 2006.<br />
DUBET, F. « Déscolariser la société. Rencontre avec François Dubet. » In: Sciences Humaines, nº 199. Paris: déc. 2008. Disponível em : <a href="http://www.scienceshumaines.com/descolariser-la-">http://www.scienceshumaines.com/descolariser-la-</a><a href="http://www.scienceshumaines.com/descolariser-la-societe_fr_23000.html">societe_fr_23000.html</a>.<br />
__________ L 'expérience sociologique. Paris : La Découverte, 2007.<br />
__________ L'école des chances. Qu'est-ce qu'une école juste ? Paris : Éditions du Seuil et La République des Idées, 2004. <br />
GUIMARÃES, N. A. “Trabalho: uma categoria-chave no imaginário juvenil?” In: ABRAMO, H. W./BRANCO, P. P. M. Retratos da juventude brasileira. Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Instituto da Cidadania, 2005/2011.<br />
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VAN ZANTEN, A. Choisir son école. Stratégies familiales et méditations locales. Paris : PUF, 2009.Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-28960097995310387092016-07-31T11:06:00.000-03:002016-07-31T11:06:11.159-03:00Cristianismo e Alinhamentos Étnicos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEislhYaTG5oyXjsP0iU06wOtkvw-CUIwnn6SN0GDz9FC3RJMryp86oNn0LD4AHeaztrv_hfPkMh0Uau6T-VGcBmoJnlQjMTOass_HY9VOiexTDaC67zpFXtLf8JvCCcdu6sv5Ko6ipkvv8/s1600/d70567e7380e2a7836849ec6b6eba254.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="185" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEislhYaTG5oyXjsP0iU06wOtkvw-CUIwnn6SN0GDz9FC3RJMryp86oNn0LD4AHeaztrv_hfPkMh0Uau6T-VGcBmoJnlQjMTOass_HY9VOiexTDaC67zpFXtLf8JvCCcdu6sv5Ko6ipkvv8/s400/d70567e7380e2a7836849ec6b6eba254.jpg" width="400" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<br /><div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%; mso-margin-top-alt: auto;">
<o:p> Por </o:p><span style="text-align: center;"><b>Renan Springer de Freitas</b> - UFMG</span></div>
<br />A crença de que o Cristianismo foi a religião que tornou diferenças étnicas irrelevantes ao substituir, através do trabalho missionário do apóstolo Paulo, os “laços de sangue” valorizados pelo Judaísmo por uma fraternidade universal baseada na “fé em Cristo” se manteve inabalada no interior do pensamento cristão até muito recentemente. Uma boa síntese dessa crença está na afirmação do teólogo protestante Albert Ritschl, em 1875, de que “o reino de Deus consiste daqueles que acreditam em Cristo, na medida em que tratam uns aos outros com amor, sem considerar diferenças de sexo, posição social, ou raça, criando, dessa forma, uma comunhão baseada na atitude moral (...)”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn1">[1]</a> <br /><br />Ninguém em nossos dias confunde “laços de sangue” com laços baseados em uma fé comum. Damos como certo que “sangue” é algo que se herda e “fé” é algo que se adquire. Entretanto, por mais óbvia que se nos afigure, a distinção entre “herdar” e “adquirir” um atributo não fazia muito sentido no mundo mediterrâneo do apóstolo Paulo. Nesse mundo a fé não era, como modernamente tendemos a pensar, uma crença abstrata a ser internalizada, ou uma disposição mental a ser adquirida, mas um traço de caráter que se herda de algum ancestral. No mundo de Paulo se acreditava que os traços de caráter eram atributos hereditários. Herda-se do pai a honestidade ou a desonestidade, do mesmo modo que se herda o nariz grande ou pequeno, ou uma casa ou um jumento. Um raciocínio semelhante valia para a fé. A única diferença é que, no caso da fé, havia um ancestral particularmente talhado para legá-la: o patriarca Abrahão. Para Paulo, somente um verdadeiro descendente de Abrahão (como, aliás, ele próprio acreditava ser) poderia herdar a fé redentora de Cristo. Isso trazia um problema: quem não era judeu não era descendente de Abrahão. Como tornar a fé acessível a esse gentio, ou não-descendente? A resposta era: através do batismo. O batismo fazia de um gentio um descendente (espiritual) de Abrahão, assegurando-lhe, com isso, o direito à herança do patriarca, outrora restrito aos descendentes carnais. Através do batismo se estabelecia, então, uma nova linhagem, para ser mais preciso, uma nova “raça abrahâmica”, ao lado da que já existia. A que já existia, isto é, os judeus, era constituída pelos descendentes carnais; a que veio a existir, isto é, os cristãos, era constituída pelos descendentes “espirituais”. O fato de os cristãos não serem descendentes carnais, mas, apenas, “espirituais”, não altera o fato de se perceberem como uma raça, uma nova raça, a “raça cristã”, porque, no mundo de Paulo, a “carne” e o “espírito” não eram vistos como antitéticos. O próprio “espírito” (o pneuma) era visto como uma entidade material transmitida de pai para filho.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn2">[2]</a> Por mais paradoxal que pareça, ele fazia parte do corpo. Um herdeiro “espiritual” era também, nesse sentido, um herdeiro carnal e tinha, por essa razão, os mesmos direitos que este último. <br /><br />Na medida em que os cristãos, eles próprios, podem ser considerados como o resultado de um alinhamento étnico estabelecido através da oferta de um ancestral comum para aqueles que ainda não dispunham de um, não é de todo surpreendente que o Cristianismo tenha, ele próprio, nas mais variadas circunstâncias históricas, estabelecido alinhamentos étnicos conectando a fé ao sangue de uma forma como nenhuma outra religião mundial o fez. <br /><br />Com efeito, foi o Cristianismo católico que estabeleceu, pela primeira vez, alinhamentos étnicos na Espanha medieval. Como ensina o historiador Leon Poliakov, depois que os visigodos invadiram a Espanha, o Arcebispo Isidoro de Sevilha se encarregou de emparentar os iberos invadidos e os visigodos invasores. Ele o fez tornando os iberos descendentes de Tubal e os visigodos descendentes de Magog, ambos filhos de Jafé. Nosso bom arcebispo não deixava de conceder a superioridade à raça dos visigodos, mas, por meio dos “laços de sangue” agora estabelecidos, os conquistados puderam ser promovidos à dignidade de seus “primos”.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn3">[3]</a> De forma semelhante, foi com a Reforma Protestante que se ofereceu aos alemães, pela primeira vez, um ancestral bíblico comum: Asquenaz, filho de Gômer, filho de Jafé, filho de Noé.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn4">[4]</a> E, justamente na França racionalista do séc. XVII, na qual as “genealogias circunstanciadas” eram uma coisa do passado, “a nação e a humanidade se encontravam dissociadas”, e os teólogos e filósofos contentavam-se em “saudar com uma barretada, de passagem, Jafé, o antepassado comum da Europa”,<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn5">[5]</a> havia ainda congregações católicas que conservavam o interesse por genealogias bíblicas, pois é por meio delas que julgavam ser possível mostrar aos franceses seu “verdadeiro berço”. Assim, por volta do ano de 1700, o beneditino bretão Dom Pezron recorreu aos capítulos IX e X do Gênesis e aos escritos dos Padres da Igreja e de Flávio Josefo para mostrar aos franceses que eles eram na verdade gauleses, uma vez que descendiam todos de Gômer, filho de Jafé.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn6">[6]</a> <br /><br />Se, por um lado, o cristianismo conectou a fé ao sangue oferecendo, em circunstâncias históricas as mais variadas, uma ancestralidade bíblica aos mais diferentes povos, por outro ele o fez ao criar e implementar uma ideologia racial que grassou na Europa ibérica por três séculos, a saber, a ideologia da “pureza do sangue”. Com efeito, na época da “Reconquista cristã” (consumada com a queda de Granada, em 1492), os teólogos espanhóis desenvolveram a doutrina de que nem todo sangue é compatível com a fé cristã.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn7">[7]</a> De acordo com esta doutrina, a rejeição de Cristo pelos judeus e mouros do passado era uma mácula de sangue que se transmitia hereditariamente. Essa mácula, ou “nota”, era tão devastadora que anulava o efeito regenerador do batismo. Dessa forma, seria inútil um judeu ou mouro se converter ao cristianismo pelo batismo porque sua “nota” o impedia de se tornar um verdadeiro cristão – como corolário, impedia também seus descendentes.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn8">[8]</a> Assim, em 1391 teve início uma conversão em massa de judeus ao cristianismo na Espanha e, passados cem anos, os descendentes batizados desses judeus convertidos não podiam ser considerados verdadeiros cristãos porque eram portadores do “defeito de sangue”. Eram, então, chamados “conversos”. Dessa forma, uma conversão em massa, longe de conduzir a uma “fraternidade universal”, acabou por estabelecer duas etnias, os cristãos-velhos, de puro sangue, e os “conversos” (posteriormente chamados, em Portugal, de “cristãos-novos”), de sangue impuro.<br /><br />Isso dito, é importante realçar que embora a ideologia da “pureza do sangue” tenha se originado na Espanha, ela foi institucionalizada pelo Vaticano. Um breve do papa Paulo IV (1555-59), de 1558, determinava que o ingresso na vida eclesiástica fosse condicionado à “pureza do sangue”, a ser averiguada mediante “diligências de gênere”. Quatro pontificados consecutivos - Gregório XIII (1572-85), Sisto V (1585-90), Clemente VIII (1592-1605) e Paulo V (1605-21) - confirmaram esta necessidade de “pureza do sangue”.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn9">[9]</a> O papa Sisto V, por exemplo, ordenava, através do breve “Dudum Charissimi”, de 25 de janeiro de 1588, que nenhum cristão-novo fosse promovido em qualquer benefício eclesiástico.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn10">[10]</a> Não há mérito em multiplicar exemplos. Importa, porém, salientar, que as “diligências de gênere” foram uma prática habitual por cerca de três séculos, as quais inicialmente limitaram-se a investigar os clérigos dos cabidos catedralícios (clérigos de “sangue impuro”, isto é, descendentes de judeus ou mouros, não poderiam ser aceitos na carreira eclesiástica) mas, com o passar do tempo, esta prática “estendeu-se celeremente ao clero regular e secular, às ordens militares, câmaras municipais, confrarias, irmandades, magistratura etc.”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn11">[11]</a> <br /><br />Na verdade, o fato de o Cristianismo ter promovido alinhamentos étnicos e uma ideologia racial, como também conferido a genealogias bíblicas uma assombrosa relevância social (a ponto de exumar corpos de conversos para queimá-los),<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn12">[12]</a> só é surpreendente na medida em que se pressupõe que o sentido do trabalho missionário do apóstolo Paulo era a abolição de barreiras étnicas de modo a imprimir no Cristianismo a marca indelével do universalismo. Se o Cristianismo pode mesmo, em nossos dias, ostentar essa marca, isso nada tem a ver com o trabalho missionário de Paulo. Curiosamente, enquanto os próprios teólogos cristãos têm crescentemente rejeitado a ideia de que o cristianismo nasceu para tornar diferenças étnicas socialmente irrelevantes, muitos sociólogos respeitáveis continuam subscrevendo essa ideia de forma acrítica, na esteira do pensamento seminal de Max Weber.<br /><br /><div style="mso-element: footnote-list;">
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="mso-ansi-language: EN-US;"> <span lang="EN-US">A. Ritschl, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Instruction in the Christian Religion</i>
(1875).</span></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-size: 9.5pt;">.</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"> <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"> Veja-se Caroline J. Hodge, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">If son, then heirs</i>, <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A study of kinship and ethnicity
in the letters of Paul, </i>Nova York<i style="mso-bidi-font-style: normal;">:</i>
Oxford University Press, 2007, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>pp. 74 a
76.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> L.
Poliakov, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Mito Ariano</i>, São
Paulo:Perspectiva [1971]1974, p. 68.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
Esta genealogia está em Gênesis 10:1-3. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> L.
Poliakov, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">op. cit</i>., p. 15.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Idem.ibid</i>.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt;"> É possível que esses
teólogos tenham se inspirado no Cânone 65, do IV Concílio de Toledo, realizado
em 633. De acordo com este cânone, redigido pelo já citado Arcebispo Isidoro de
Sevilha (560-636), reputado como o autor mais influente da Europa
pré-carolíngia, tanto os judeus quanto os cristãos de origem judaica deveriam
ser proibidos de exercer cargos públicos. </span><span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">Veja-se
Albert, Bat-Shelva, “Isidore of Seville: his attitude towards Judaism and his
impact on early medieval Canon Law”, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">The
Jewish Quarterly Review</i>, LXXX, 3-4, p. 207-20, 1990.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
L. Poliakov, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Mito Ariano</i>, citado,
p. 5. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[9]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
José Gonçalves Salvador, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cristãos-Novos -
Jesuítas e Inquisição</i>, São Paulo:Livraria Pioneira Editora, 1969, p. 4.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[10]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Idem</i>. p. 5<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[11]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
E. C. de Mello, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Nome e o Sangue</i>,
citado, p. 28. Tanto no Brasil quanto em Portugal e na Espanha as “diligências
de gênere” se deram desta forma: no início restringiam-se ao clero e, depois,
se expandiram para outros setores.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[12]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
Cabe registrar que em 1448, antes mesmo da implementação dos chamados “estatutos
da pureza de sangue”, nos três autos-de-fé ocorridos em Toledo, mais de cem
corpos de conversos foram exumados e queimados. Em um único dia, em 25 de Maio
de 1490, foram exumados e queimados os corpos de mais de quatrocentos
conversos. <span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Veja-se J. Friedman,
“Jewish Conversion, the Spanish Pure Blood Laws and Reformation: A Revisionist
View of Racial and Religious Anti-Semitism”, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sixteenth Century Journal</i>, 18(1):3-30, 1987.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-5360804206644259092016-06-24T13:07:00.001-03:002016-06-25T13:39:48.359-03:00Teorias Feministas e de Gênero como Teorias Críticas<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLydv2pPH7lcKoQcovPeCf-aJtGaDbxAt6s3EaN0dO8lZ3zqzcBiWrPB8dim4GaAtkcyzXJidTRNFU6ksV5kqpMnLo5Yxd2HdIANd4q5retEoV8UWqOwRGmZwsz7P8iCD0td52uvf1010/s1600/nuvem_tags.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="191" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLydv2pPH7lcKoQcovPeCf-aJtGaDbxAt6s3EaN0dO8lZ3zqzcBiWrPB8dim4GaAtkcyzXJidTRNFU6ksV5kqpMnLo5Yxd2HdIANd4q5retEoV8UWqOwRGmZwsz7P8iCD0td52uvf1010/s400/nuvem_tags.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
Por <b>Cynthia Hamlin</b><br />
<br />
<i>Em maio último, o Núcleo de Ética e Filosofia Política (Nefipe) e o Núcleo de Pesquisa e Estudos em Fenomenologia (Nupefe) - ambos ligados ao Departamento de Filosofia da UFPE - organizaram o colóquio “Feminismos e Questões de Gênero: um debate necessário". Atendendo ao convite dos meus queridíssimos colegas, abri a conversa com o texto abaixo que, mais do que uma reflexão acadêmica, consistiu num convite para refletirmos sobre a onda de conservadorismo que tem assolado o país. Já soube que o restante dos textos, mais acadêmicos, serão publicados na Revista da Pós-Graduação em Filosofia da UFPE (assim que saírem do forno, dou notícias por aqui). Por enquanto, segue meu convite-manifesto, que só agora consegui organizar minimamente. </i><br />
<br />
<br />
Um espectro ronda o Brasil: o espectro do conservadorismo. Todas as potências conservadoras da sociedade unem-se numa Santa Aliança para disseminá-lo e, não por acaso, instituições de ensino e pesquisa no país têm sido alvos preferenciais. Eis alguns exemplos: <br />
<br />
<ul>
<li>A recomendação do Ministério Público de Goiás a 39 órgãos e autarquias federais (incluindo universidades e institutos federais) para que não sejam realizados atos políticos dentro de suas dependências físicas; </li>
<li>O chamado Programa Escola Livre, projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, que institui que o professor deverá abster-se de introduzir conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou dos seus pais ou responsáveis; </li>
<li> A demissão de professores de sociologia da educação básica, denunciada pela Sociedade Brasileira de Sociologia, em função de supostas posições ideológicas ligadas à esquerda;</li>
<li>A exclusão de metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero com a retirada dos termos "gênero" e "orientação sexual" do Plano Nacional de Educação, por pressão da bancada religiosa do Congresso. </li>
<li>As recentes denúncias do Ministério da Educação acerca de “notificações extrajudiciais contra o ensino de ideologia de gênero nas escolas”, notificações cujo modelo vem sendo divulgado na página do movimento Escola sem Partido como um “serviço de utilidade pública”; </li>
<li>A recepção, antes de qualquer debate com especialistas da área de educação, do “ator” Alexandre Frota e outros representantes da chamada Escola sem Partido, pelo ministro interino da Educação, Mendonça Filho. </li>
</ul>
Os exemplos poderiam se multiplicar à exaustão, mas eles têm algo em comum que nos salva de uma enumeração <i>ad infinitum</i>: por trás de uma suposta defesa do pluralismo de valores e opiniões, uma má disfarçada censura a posições associadas aos direitos humanos, ao pluralismo religioso, à laicidade do Estado - em resumo, às tradições críticas de pensamento, genérica e acriticamente associadas pelos setores mais conservadores ao “humanismo”, ao “comunismo” e ao “marxismo”. A exclusão da referência a gênero e sexualidade no PNE, por exemplo, foi <a href="http://jornalggn.com.br/noticia/para-conservadores-ideologia-de-genero-e-marxista-e-nao-cabe-no-plano-de-educacao">defendida</a> pelo Pastor Eurico, do PSB de Pernambuco, em termos de uma associação entre gênero e marxismo: <br />
<blockquote class="tr_bq">
Não somos contrários à educação no Brasil e destacamos que não há uma ditadura religiosa nessa comissão. Mas devemos reconhecer que apesar da laicidade do Estado, a maioria da população é cristã. Não vemos por que razão um movimento [em defesa dos direitos das mulheres e do segmento LGBT, majoritariamente] quer introduzir no PNE a ideologia de gênero. A ideologia de gênero é marxista, é a mesma que se espalhou pela Europa e, no futuro, [os que a defendem] vão perceber que estão trabalhando contra si próprios.</blockquote>
De um determinado ponto de vista, o Pastor Eurico está certo, ainda que, muito provavelmente, pelas razões erradas. De fato, não foi casual minha paráfrase às linhas de abertura do <i>Manifesto Comunista</i> para falar das teorias feministas e de gênero. Num sentido importante, o feminismo é herdeiro da teoria crítica, não no sentido restrito emprestado pela Escola de Frankfurt, mas de uma tradição que remonta a Marx. Como nota Nancy Fraser (1985: 97), é de Marx a melhor definição de teoria crítica: “o autoesclarecimento das lutas e aspirações de uma época”. Trata-se, fundamentalmente, de uma questão política: todas as teorias que podemos qualificar de críticas emergiram em conexão com os muitos movimentos sociais que identificaram as diversas dimensões da dominação nas sociedades modernas. <br />
<br />
Em sua acepção mais geral, a teoria crítica deve ser entendida como um projeto de teoria social que opera, simultaneamente, uma crítica das “categorias recebidas” (frequentemente associada à noção de ideologia), uma crítica da prática teórica das ciências sociais e uma análise substantiva da vida social em termos daquilo que é possível, não apenas daquilo que é empiricamente dado (Calhoun, 1993: 63). Trocando em miúdos, uma teoria crítica provê as bases descritivas e normativas para uma investigação social que tem como alvo a emancipação humana (Bohman, 2015). É neste sentido que, apesar de toda sua diversidade, as teorias feministas são, antes de tudo, críticas – e, sob o risco de confundir mentes como a do Pastor Eurico, críticas, inclusive, daquilo que Heidi Hartmann (1987) já chamou de “o infeliz casamento entre o marxismo e o feminismo”, uma união que terminava reduzindo questões de gênero a questões de classe.<br />
<br />
A questão que se coloca para nós é que concepção de conhecimento e de educação está por trás da defesa intransigente da suposta separação entre política e conhecimento (e eu digo “suposta” porque, claramente, existe um projeto político por trás desta tentativa de separação). O que eu pretendo argumentar aqui é que, ao contrário do que defendem os setores mais conservadores da sociedade, a) não é nem possível nem desejável separar essas duas esferas; b) de um ponto de vista da produção de conhecimento, a relação entre elas deve estar subordinada a critérios internos à produção acadêmica. Pretendo argumentar isso a partir de uma área dos estudos feministas que me é particularmente cara: a epistemologia feminista. <br />
<br />
Um dos pressupostos mais fundamentais da epistemologia feminista, e que ela compartilha com uma série de outras abordagens, é o de que a atividade científica não ocorre em um vácuo social, mas traz em seu bojo os valores, as crenças e, de forma mais geral, tende a reproduzir a própria estrutura social onde é desenvolvida. Ainda que seu foco específico diga respeito às questões de gênero (que, como sabemos, está intrinsecamente relacionada a questões de classe e de raça), ela se propõe a refletir sobre a forma como esses elementos influenciam a produção, justificação e, em última análise, o que conta como conhecimento. Isso vem sendo feito de diversas formas. Uma delas é demostrando a relativa invisibilidade de mulheres e outros grupos marginalizados, seja como objeto de reflexões acadêmicas, seja como sujeitos do conhecimento. Outra consiste na análise do uso das metáforas e analogias estabelecidas entre a linguagem científica e a linguagem do senso comum, revelando como os valores e crenças socialmente difundidos estão presentes na primeira. Por fim, uma crítica à própria atividade científica com base na inclusão de diferentes vozes tanto na formulação dos problemas a serem pesquisados, quanto no questionamento de pressupostos como objetividade, universalidade, verdade e outros, caros à atividade científica. <br />
<br />
Se o que está em jogo é a necessidade de se refletir ativamente sobre a forma como a sociedade influencia a produção de conhecimento, um de seus pontos de partida deve incidir sobre as diferenças entre o saber produzido na academia e o saber produzido na sociedade mais ampla. No caso em questão, é especialmente importante refletir sobre a relação entre feminismo e academia, uma via que não é isenta de conflitos. O movimento feminista é, antes de tudo, um movimento social. Isso significa que seus critérios últimos de avaliação e de justificação são relativos às vantagens políticas que ele pode conferir às mulheres e a outros grupos subordinados (o que inclui aqueles que estão fora da relação poder/saber que a academia confere). A atividade acadêmica, por seu turno, não pode ser avaliada exclusivamente em função dessas vantagens: “posições teóricas que não tenham outro fundamento que não suas vantagens políticas percebidas estão sujeitas a serem questionadas e desafiadas mais cedo ou mais tarde” (Lawson apud Hull, 1993: 5). A questão não é nova, nem exclusiva ao pensamento feminista: como dito anteriormente, toda a tradição crítica, entendida como aquelas teorias que estabelecem a necessidade de mudar os objetos sobre os quais refletem, têm como um de seus problemas fundamentais a relação entre a teoria e a prática política. Assim, uma coisa é reconhecer, como foi afirmado anteriormente, que a Universidade reproduz valores, crenças e mesmo a divisão do trabalho que estrutura a sociedade; outra é reconhecer a necessidade de se adotar uma postura crítica a partir da qual se examine as próprias práticas acadêmicas (o que Bourdieu, ao se referir à sociologia, chamou de sociologia reflexiva). <br />
<br />
É justamente essa postura crítica que lhe é, ou deveria ser, característica o que posiciona a Universidade em um lugar privilegiado para se efetuar as rupturas com um senso comum que, em larga medida, sustenta as desigualdades sociais, inclusive as de gênero. Neste sentido, embora o diálogo com a sociedade seja fundamental, este diálogo deve ser feito a partir de um horizonte propriamente acadêmico.<br />
<br />
Dito isto, é necessário reconhecer que isso que estou chamando de perspectiva crítica ou reflexiva não é igualmente valorizada no seio da Universidade. Frequentemente, o caráter reflexivo das ciências sociais tende a ser interpretado como sinal de sua imaturidade implícita (“As ciências naturais falam de seus resultados. As ciências sociais, de seus métodos”, afirmou certa vez o matemático Henri Poincaré). Tal interpretação deriva de uma perspectiva extremamente simplista de acordo com a qual a reflexão acerca de questões supra-empíricas - relativas, por exemplo, à formação de conceitos, ao que constitui a realidade, a verdade, a objetividade, assim como às técnicas e instrumentos mais adequados para apreender o real – devem ser meramente pressupostas, mas nunca debatidas entre os cientistas naturais, exceto naquilo que Thomas Kuhn caracterizou como crises paradigmáticas. <br />
<br />
O mesmo não ocorre com as ciências sociais, para as quais a metodologia, entendida como a reflexão sobre todas as etapas envolvidas na produção do conhecimento, sempre assumiu um lugar central. Ignorar isso é ignorar sua especificidade e também sua força. Longe de caracterizarem uma mera descrição de métodos e técnicas de pesquisa, as reflexões metodológicas estão indissociavelmente ligadas a um conjunto de questões metateóricas relacionadas à ontologia, à epistemologia e à teoria, quer isso seja feito de forma explícita ou não: trata-se de uma espécie de elemento de ligação entre o empírico e o supra-empírico, entre a realidade e tudo aquilo que é construído e acionado por nós para apreendê-la e modificá-la. Neste sentido, a “contaminação” por preconceitos, interesses e visões de mundo particulares não é apenas inevitável, mas bem-vinda, desde que se reflita sobre ela de forma a poder usá-la a favor da produção do conhecimento e da emancipação humana. <br />
<br />
Talvez nenhuma outra área ilustre tão bem os efeitos benéficos dessa “contaminação” quanto os estudos feministas e de gênero nas ciências sociais. Inspirados pelos movimentos feministas/de mulheres, o discurso sociológico vem sendo permeado e reformulado por novas reflexões e entendimentos que se originaram fora de seus limites organizacionais. Isso assumiu características distintivas no Brasil, tanto do ponto de vista do movimento, quanto de suas relações com a academia. Como enfatiza Heloisa Buarque de Hollanda (1991), <br />
<br />
<blockquote class="tr_bq">
Surgido, durante a década de 70, em plena ditadura militar, o feminismo brasileiro vinculou-se, em sua maioria, aos partidos e associações de esquerda, e aliou-se, de forma delicada, a setores progressistas da Igreja Católica, um dos focos mais importantes de oposição ao regime. Se por um lado, esta aliança com a Igreja abriu às mulheres um amplo campo de militância e resistência política, trouxe, por outro, certos anacronismos. Pelos constrangimentos do momento politico em que surge e estabelece-se, o feminismo brasileiro definiu como agenda prioritária a defesa dos direitos civis, da liberdade política e da melhoria das condições sociais de vida, relegando a um segundo plano as reivindicações especificas sugeridas pelos movimentos feministas internacionais com os quais pretendia identificar-se [e abrindo mão de] questões feministas centrais como a liberdade sexual, o direito ao aborto ou o debate sobre o divórcio. </blockquote>
<br />
Suas relações com a academia não foram menos singulares. Embora sua articulação com o discurso dominante nas esquerdas tenha estabelecido, de saída, uma relação bastante complexa entre o movimento feminista e os movimentos de mulheres (para uma excelente análise desta relação, ver Silva (2016), em tese recentemente defendida no PPGS/UFPE), o feminismo brasileiro contou, desde sua origem, com um expressivo grupo de acadêmicas. Isso fez com que, diferentemente do que ocorreu em países europeus ou norte-americanos, as feministas brasileiras não tenham desenvolvido estratégias de enfrentamento radical ao <i>establishment</i> acadêmico, mas concentraram parte significativa de seus esforços na pesquisa (Heilborn e Sorj, 1999), integrando-se à comunidade científica nacional mediante a produção de trabalhos em áreas tão diversas como as ciências sociais, a crítica literária, a psicanálise e, mais recentemente, a teoria<i> queer</i>, os estudos culturais, pós-coloniais e descoloniais. <br />
<br />
Não é de causar espanto, portanto, que as críticas efetuadas às chamadas tradições críticas dentro da academia baseiem-se quase que inteiramente em “ideias fora do lugar”, nomeadamente, aquelas que norteiam o movimento neoconservador norte-americano. Termos como “marxismo cultural”, “multiculturalismo”, “ideologia de gênero”, dentre outros, foram apropriados como termos derrogatórios e indicariam uma conspiração de acadêmicos ligados à tradição crítica, no sentido aqui utilizado por mim. O termo marxismo cultural, por exemplo, inicialmente identificado ao marxismo ocidental - incluindo a Escola de Frankfurt e, mais tarde, a virada cultural de Frederic Jameson - foi usado pela primeira vez neste sentido por um certo William Lind, descrito na Wikipedia como um paleoconservador monarquista, cristão, colunista de uma publicação intitulada <i>O Conservador Americano</i>. Em uma palestra intitulada “As Origens do Politicamente Correto”, proferida em 1998 para um grupo de direita chamado “Precisão na Academia” (<i>Accuracy in Academia</i>), Lind descreveu a correção política e o marxismo cultural como “ideologias totalitárias” que estariam transformando os <i>campi</i> estadunidenses em pequenas Coreias do Norte onde o estudante ou professor que ousasse ultrapassar qualquer um dos limites estabelecidos por ativistas feministas, LGBT, hispânicos, negros etc. rapidamente conseguiriam problemas com a justiça. (Eu havia esquecido, mas já publiquei um post sobre essa criatura <a href="http://quecazzo.blogspot.com.br/2010/04/o-politicamente-correto-e-o-comunismo.html" target="_blank">aqui</a>). <br />
<br />
Não deixa de ser irônico que os grupos nacionais que se identificam com essa ideologia ultraconservadora vejam na “ideologia de gênero” um de seus perigos mais iminentes. Parte da ironia é que, considerando-se a infinidade de temas e questões extremamente radicais colocadas pelos estudos de gênero contemporâneos, a análise da ideologia de gênero é uma das abordagens mais anódinas desse campo: trata-se de um conjunto de estudos que se baseia na construção de escalas relativas aos papeis de gênero considerados apropriados a homens e mulheres, sobretudo no que diz respeito à divisão do trabalho doméstico, ao comportamento sexual e reprodutivo, à participação política etc. Mas é justamente por isso que se faz necessário reafirmar nosso compromisso com nossas raízes críticas:<br />
<br />
Que os conservadores tremam à ideia de uma revolução feminista e de gênero! As pessoas não têm nada a perder nela a não ser seus grilhões. Feministas de todo o mundo, uni-vos!<br />
<div>
<br />
<br />
<b> Referências</b><br />
<br />
BOHMAN, James, "Critical Theory", <i>The Stanford Encyclopedia of Philosophy</i> (Winter 2015 Edition), Edward N. Zalta (ed.), Disponível em: <http: archives="" critical-theory="" entries="" plato.stanford.edu="" win2015="">.<br />CALHOUN, Craig (1993). “Habitus, field and capital: the question of historical specificity”. In:, Craig Calhoun, Edward Lipuma e Moishe Postone (Orgs.). <i>Bourdieu: critical perspectives</i>. Chicago, Polity Press.</http:></div>
<div>
<div>
FRASER, Nancy (1985) “What is Critical about Critical Theory? The case of Habermas and Gender”. <i>New German Critique</i>, no. 35, pp 97-131. <br />
HARTMANN, Heidi. 1987. “El infeliz matrimonio entre marxismo y feminismo”. <i>Cuadernos del Sur </i>N 5, marzo de 1987, pp.113–158<br />
HEILBORN, Maria Luiza e SORJ, Bila (1999). “Estudos de gênero no Brasil”, in: Sérgio Miceli (org.)<i> O que ler na ciência social brasileira</i> (1970-1995), ANPOCS/CAPES. São Paulo: Editora Sumaré, p. 183-221. <br />
HOLLANDA, Heloísa Buarque (1991). “O Estranho Horizonte da Crítica Feminista no Brasil”. Colóquio “Celebración y Lecturas: La Critica Literária en Latinoamerica”, Ibero-Amerikanisches Institut Preussischer Kulturbesitz, Berlin, 20-24 de novembro de 1991. Disponível em: <a href="http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=675">http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=675</a><br />
SILVA, Carmen Silvia M. (2016) <i>Movimento de Mulheres, Movimento Feminista e Participação de Mulheres Populares</i>: processo de constituição de um feminismo antissistêmico popular. Tese de Doutorado. Recife, Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE.<br />
<br /></div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-61377024455278802622016-05-17T07:31:00.003-03:002022-09-17T10:39:42.366-03:00Sofrimento e Silêncio: uma discussão acerca da saúde mental na contemporaneidade a partir do avanço da Psicofarmacologia (versão preliminar) PARTE 2<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNBOYf83s4pzA6f5T7UB9kOIJXqXgqCCYPyvjnIEhf09BtsvFVyScfg_zVEPP0Jup7H6CiDYoLQ1vSlUGxG6l5EHc1MrSkMWSgsPIw9ZaXdcMzvLxiqN7GMqGpkUkgLeubZW49BRira_E/s1600/fatigue.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNBOYf83s4pzA6f5T7UB9kOIJXqXgqCCYPyvjnIEhf09BtsvFVyScfg_zVEPP0Jup7H6CiDYoLQ1vSlUGxG6l5EHc1MrSkMWSgsPIw9ZaXdcMzvLxiqN7GMqGpkUkgLeubZW49BRira_E/s320/fatigue.jpg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<i><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">Jonatas Ferreira<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">De acordo com Foucault, a
realidade do capitalismo é a mobilização constante da vida biológica, o
estímulo diuturno para que falemos, confessemos, ou seja, o investimento constante na
construção de interioridades que já nasçam ligadas às dinâmicas econômicas, aos
dispositivos de poder disponíveis. Para ele, concebido como tecnologia da
subjetivação, o biopoder não faz calar. Pelo contrário, solicita a confissão, o
tagarelar constante, o que possibilita a administração dos corpos e das
populações. Esse confessar constante diante de psicólogos, educadores,
assistentes sociais seria parte do próprio dispositivo mediante os quais se produz
interioridade e subjetividade. Além disso, o biopoder seria uma
tecnologia de proliferação da vida biológica e, em sua positividade, não possui
uma dinâmica marcadamente tanatológica. Giorgio Agamben, a partir do <i>Homo Saccer</i>, como sabemos, ganhou grande
atenção nas ciências sociais por contestar este último pressuposto das
formulações foucaultianas sobre dinâmicas políticas contemporâneas. Para ele,
devemos matizar a ideia de uma positividade das dinâmicas biopolíticas, ou
seja, que elas sejam marcadas pela mobilização e proliferação da vida, e perceber
também uma dimensão tanatológica que lhe é intrínseca. O campo de concentração,
segundo Agamben, é um exemplo limite, não um acidente, do quão necessário é considerarmos essa dimensão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Em linha com as ponderações
agambenianas, acredito que devemos também afirmar que a administração política
e econômica da vida biológica requer um tipo particular de <i>silenciamento</i>. Se de
fato a comunicação, a tagarelice da sociedade em rede, deve ser compreendida
como quintessência de nossos envolvimentos culturais e técnicos, parece que
essa perspectiva implica o amesquinhamento de possibilidades linguísticas,
existenciais mais amplas. Ali, como nos exemplos que viemos arrolando, não se
trata mais de um poder sobre a vida que teria implicações necessariamente
subjetivadoras, pois a própria subjetividade entendida como condição mais
econômica e eficiente de exercer controle político – mediante um controle de si
- é posta em um tipo curioso de suspensão. O recurso constante que as sociedades
liberais fazem à responsabilidade subjetiva com relação ao próprio corpo, à
própria saúde, por exemplo, parece se chocar com o sentimento de estupor, de
impotência que os indivíduos vivenciam ao se confrontarem com os poderosos
vetores econômicos e políticos globais. </span><span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Byung-Chul
Han captou bem esse clima cultural ao afirmar que a imunologia se esgotou como
campo ao qual recorremos para coletar metáforas que nos ajudem a pensar nos
males contra os quais precisamos investir em uma coerência interna - em oposição a ameaças externas, 'virais', 'bacteriológicas'.
No mundo descortinado por Foucault, a ideia de subjetividade podia ser pensada nestes termos: como
busca de manutenção de uma verdade interna contra as adversidades da
alteridade. Porém,</span><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 10pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="font-size: 12pt;">“De um ponto de vista patológico não é o princípio bacteriano nem o
viral que caracterizam a entrada no século XXI, mas, sim, o princípio neuronal.
Determinadas doenças neuronais, tais como a depressão, o transtorno por défice
de atenção e hiperatividade (TDAH) ou certas perturbações de personalidade –
transtorno de personalidade <i>borderline</i> (TPB) ou síndroma de <i>burnout</i>
(SB) – descrevem o panorama patológico do século XXI” (Han, 2014, p. 9)<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="pt" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">No campo da prática médica, a
obsolescência da subjetividade parece também marcante. A anamnese de um
paciente que recorre à Psiquiatria contemporânea, para ser catalogado como
portador de um transtorno bipolar, de uma fobia ou de uma síndrome de pânico,
passa por uma redução comunicacional do seu sofrimento a um conjunto de
sintomas que podem ser mapeados com clareza e de forma não ambígua. Essa não
ambiguidade, simplificação, a oferta de diagnósticos supostamente objetivos,
parece constituir sua força política. Numa sociedade da dissolução e da "aceleração
da aceleração", muitas vezes ser enquadrado, catalogado é um conforto, uma
âncora contra o vendaval dessa história intensa. Nesse caso, os processos de
significação do sofrimento parecem ser ofertados de fora para dentro, e não o
resultado de um investimento em si, como comumente ocorre quando analisamos
tecnologias disciplinares, e que Foucault julga ser o caso das psicologias em sua totalidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Avancemos sobre o sentido desse
processo. Ao se debruçar nos pressupostos epistemológicos da biologia moderna,
Canguilhem (1977), mais uma vez nos oferece subsídios importantes. Permitam-me o que agora parecerá um pequenos excurso. Para Canguilhem, a</span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;"> ideia da
vida como máquina que se autorregula é um divisor de águas na história da biologia. O modelo de compreensão
da vida pelos biólogos, a partir do século XIX, passa por conceber o organismo
vivo como “usina química inteiramente automática”, ou seja, entendê-lo como
mecanismo de <i>eficiência </i>virtualmente perfeita. A máquina, por seu turno, passa
a ter no organismo <i>autorregulado </i>um ideal de funcionamento. O que
determina tal eficiência e perfeição? “Ajuntemos enfim que a superioridade
dessas funções orgânicas sobre as funções tecnológicas análogas é reconhecida,
senão em sua infalibilidade, ao menos em sua confiabilidade, e na existência de
<i>mecanismos de detecção e de retificação disso que os bioquímicos nomeiam os
erros e as falhas da reprodução</i>” (Canguilhem, 1977, p. 123; os itálicos aqui são meus).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Interessa a Canguilhem m entender o sentido da existência da ideia de normalidade no corpo
teórico da biologia. Parece clara a importância da regulação produzida pela
ideia de normalidade biológica, que é transferida da biologia para a medicina
e, contemporaneamente, para a Psiquiatria e para a Psicologia de base
cognitiva. Mas a metáfora que garante a inteligibilidade do organismo vivo –
entendido como máquina confiável, capaz de identificar e retificar
bioquimicamente suas falhas – interessa-nos não menos. Trata-se de uma metáfora que antecipa em alguma medida a ideia de organismo cibernético, de um organismo
que se debate contra a tendência a desorganização da matéria, e que para tal
procura identifica os seus erros, falhas de adaptação em um ambiente dado. Essa
coincidência epistemológica tem consequências cruciais, pois permitirá pensar
a própria integração e adaptação do organismo vivo aos circuitos técnicos
informacionais, com suas exigências por celeridade, intensificação etc. Não seria </span><span style="color: #222222; font-size: 16px;">precisamente</span><span style="color: #222222; font-size: 16px;"> </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">essa a lógica que preside ao dispositivo psicofarmacológico? Afinal,
não se trata de garantir o funcionamento dos indivíduos num contexto de
aceleração constante? Que a Psiquiatria não possa identificar a base
fisiológica que determina as patologias mentais com a segurança que o podem fazer
outros campos da medicina, parece não ser tão importante quanto a ideia de que nosso psiquismo é algo como uma
usina química capaz de se autorregular e corrigir os seus próprios erros de
expressão. Quando essa autorregulação não ocorre, caberia à intervenção médica
agir de modo a reparar, compensar a falha orgânica. <i>O organicismo dessa
concepção é, portanto, extremamente revelador em seu conservadorismo, pois para
ela o meio ambiente social é algo dado, algo ao qual teremos necessariamente de
nos adaptar</i>.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Em “La formation du concept de régulation biologique aux XVIIIe et XIXe siècles”
(1977), Canguilhem nos apresenta outras ideias importantes. De acordo com ele,
o diálogo, a mútua influência entre as biociências, por um lado, e a física, a
cosmologia, por outro, tem longa data. “O termo [<i>regulação</i>] foi introduzido na psicologia por via de metáforas, em
uma época em que as funções que ela designa estavam bem distantes de ter
suscitado os estudos comparativos de ondem saíram uma teoria geral das
regulações e da homeostase orgânica, apta por seu turno a fornecer metáforas
inspiradoras de racionalização rigorosas, de onde deveria nascer um dia a
cibernética” (p. 82). Aqui valeria uma pequena nota sobre a lógica que a
cibernética, a teoria da informação, a dinâmica técnica que elas aportam
à sociedade capitalista como um todo, e a produção de um dispositivo
biotecnológico e biopolítico em seu seio. Ouçamos Simondon a esse respeito:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">Enfim,
no nível dos conjuntos técnicos do século XX, o energetismo termodinâmico é
substituído pela teoria da informação, cujo conteúdo é eminentemente regulador
e estabilizador: o desenvolvimento das técnicas aparece como uma garantia de
estabilidade. A máquina, como elemento do conjunto técnico, torna-se aquilo que
aumenta a quantidade de informação, o que faz crescer a neguentropia, o que se
se opõe à degradação da energia: a máquina, obra de organização, de informação,
é, como a vida e com a vida, o que se opõe à desordem, ao nivelamento de todas
as coisas que tendem a privar o universo do poder de mudança (Simondon, 2012,
p. 17-18).<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">A noção de regulação se introduz
nas ciências mecânicas e nas ciências da vida mediante uma discussão religiosa
acerca de como Deus mantém a ordem em sua criação. Leibniz e Newton apresentam
a esse respeito posições polares. O primeiro propõe a existência de um Deus Regulador
que atua ao longo do tempo, contornando problemas, reconduzindo o mundo criado
recorrentemente para a ordem. O princípio regulador atua, por assim dizer, de
modo histórico posto que age sobre a contingência. Newton, por seu turno,
acredita num princípio de regulação intrínseco à criação que desobrigaria Deus
de uma manutenção histórica do existente. Importante dizer que a medicina dos
séculos XVII e XVIII apropriou a mecânica newtoniana a partir deste pressuposto
mais geral do pensamento lebniziano - na <i>Teodicéia</i>,
Leibniz claramente associa essa discussão à própria possibilidade de entender o
sofrimento no mundo, ou seja, o padecimento é proposto como mal menor de um
Deus sempre previdente e no controle das coisas. Importante que essa discussão
mobilize sempre uma imagem bastante política, nomeadamente, a do monarca às voltas com a implementação infinita de sua potência. É neste sentido que se impõe a história como questão de um poder que regula antecipadamente, ou seja, que estabelece na criação estratégias intrínsecas de autocorreção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Retornemos. Assim, é
possível repetir aqui Canguilhem: “Na medicina, a experiência vivida da doença
pelos doentes e a cura parecem sugerir por si própria um poder orgânico de restituição
e reintegração” (p. 88). O princípio de regulação e cura é interno ao
organismo. Uma das consequências desse tipo de perspectiva científica é
fornecida por Joanna Bourke, em <i>Story of
pain</i>. Mesmo quando alguns primeiros anestéticos já estavam disponíveis no
século XIX, alguns médicos preferiam confiar na sabedoria da regulação natural,
preferiam não interferir quimicamente para aliviar o padecimento (Bourke, p.
275-277). Também é curioso o fato de Canguilhem reservar na história do
conceito de regulação nas ciências da vida um lugar especial a Auguste Comte,
precisamente por, num humor lamackiano, este propor que a vida e o mundo social
são regulados pelo meio externo, caso contrário, perecem. A passividade do
interno com respeito ao externo é um legado positivista digno de nota.
Sobretudo dado o tema que analisamos neste ensaio. Vale a pena citar, neste
sentido, Comte mesmo que, aqui, de segunda mão: “Existe loucura quando «o fora
não pode regular o dentro» Syst. Pol. Pos., III, 20(2)” (p. 94).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">A consequência mais profunda que a
aproximação entre ciências da vida e cibernética parece implicar está contida
não na ideia de um corpo vivo que deve ser levado à ordem, à normalidade, à
homeostase pela intervenção médica, mas na compreensão de que este corpo está
em constante risco de adoecimento e que portanto deve ser cronicamente tratado
para que tal equilíbrio seja viável. Afinal a cibernética é a ciência do
timoneiro, do controle como uma tarefa interminável. O investimento que a
indústria farmacêutica faz em remédios que devem ser cronicamente tomados,
mesmo que haja apenas o risco de o paciente desenvolver uma doença determinada,
para além do sentido financeiro, que faz essa indústria se desinteressar por
produzir medicamentos que curem de fato, como vacinas, tem esse sentido
cultural mais amplo. A esse respeito convém dar atenção às palavras de Joseph
Dumit: “Concluí que o crescimento contínuo e subjacente em drogas, doenças,
custos, e insegurança é um entendimento relativamente novo de nós mesmos como
sendo inerentemente doentes. A saúde passou a ser definida como a redução do
risco” (2012, p. 12). A doença mental, seguindo essa lógica, deve ser entendida
amplamente como o risco de não funcionar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Mas a ideia de risco, que Dumit
apropria dos trabalhos de Ulrich Beck e de Elizabeth Beck-Gernsheim, aponta
para um componente temporal que leva necessariamente à ansiedade, ao temor com
respeito ao que está por vir, como traço cultural da tecno-sociabilidade.
Trata-se de um diuturno ocupar-se com o futuro. A vida propriamente dita, para
nós, indivíduos imersos no capitalismo hiperacelerado, num mundo da
perecibilidade e da vertigem, portanto, ainda haverá de chegar. Por isso
estamos sempre envolvidos em aperfeiçoarmos nossos corpos e humores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">Aperfeiçoamento,
como suscetibilidade, é orientado para o futuro. Virtualmente qualquer
capacidade do corpo e alma humanos – força, resistência, atenção, inteligência
e a própria duração da vida – parece potencialmente aberta à melhoria e
intervenção tecnológica. Claro, humanos, em quase todos os lugares, tentaram
melhorar suas identidades corpóreas […]. O que é novo, então, não é a vontade
de melhoria, ou a melhoria em si. Em parte, eu suspeito, o sentimento de
novidade e inquietação surge de um sentido que nós estamos mudando, nas
palavras de Adele Clark e seus colegas, «da normalização para a personalização
[</span><i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt;">customization</span></i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt;">]</span><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">»</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt;">
(Rose, 2007, p. 20)”</span><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 10pt; mso-hyphenate: none; mso-layout-grid-align: none; tab-stops: 35.4pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="color: #00000a; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Funcionar, em todo caso, é um critério decisivo da
necessidade de intervenção terapêutica. Todos sabemos que algumas profissões
demandam hoje mais investimento do que a maioria dos indivíduos poderia
suportar, sem o auxílio de muletas psicofarmacológicas. A ideia de
funcionalidade, é preciso que se diga, apresenta essa significação dupla: funcionar
é tanto a necessidade de um sistema em aceleração, como a necessidade do
indivíduo capturado em uma dinâmica empobrecedora e veloz. Como critério
científico que orienta não apenas as classificações de sofrimentos psíquicos,
mas a medicalização desses mesmos sofrimentos, a ambiguidade que a palavra
funcionalidade alberga deve ficar na penumbra. O humanismo se escandaliza
diante dos cenários abertos pela naturalização deste esquecimento. Julia
Kristeva parece traduzir este sentimento quando afirma:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 10pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="color: #00000a; font-size: 12pt;">“Dois grandes
confrontos, em minha opinião, aguardam a psicanálise de amanhã quanto ao
problema de organização e de permanência do psiquismo. O primeiro é sua
competição com as neurociências: “o comprimido ou a palavra”, sendo esta desde
já a questão do ser ou do não ser. O segundo é a prova à qual a psicanálise é
submetida pelo desejo de <i>não saber</i>, que se junta à aparente facilidade
oferecida pela farmacologia, e que caracteriza o narcisismo negativo do homem
moderno” (Kristeva, 1993, p. 39-40).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">Bibliografia<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">CANGUILHEM, Georges. 2005. <i>Escritos sobre a Medicina</i>. Rio de Janeiro, Editora Forense
Universitária.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">-------------------------. 1977. <i>Idéologie et rationalité dans l’histoire des sciences de la vie</i>.
Paris, Librarie Philosophique J. Vrin.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">-------------------------. 2006. <i>O normal e o patológico</i>. Rio de Janeiro, Editora Forense
Universitária.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">Crary,
Jonathan. 2014. <i>24/17</i>. </span><span face=""arial" , sans-serif">Le capitalism à l’assault du sommeil. Paris,
Zones.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="font-size: 12pt;">Fédida, Pierre. 2002. <i>Dos Benefícios da Depressão</i>. Elogio da psicoterapia.
São Paulo, Editor Escuta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="font-size: 12pt;">---------------------.
2003. Depressão. São Paulo, Editor Escuta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="font-size: 12pt;">Han, Byng-Chul. 2014. <i>A
sociedade do cansaço.</i> Lisboa, Relógio D’Água.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="font-size: 12pt;">KEHL, Maria Rita. 2010.
<i>O tempo e o cão</i>. São Paulo, Boitempo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="font-size: 12pt;">KRISTEVA, Julia. 1993. <i>As
novas doenças da alma</i>. Rio de Janeiro, Editra Rocco LTDA.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="EN-GB" style="color: #222222; font-size: 12pt;">ROSE, Nikolas; M. Abi-Rached.
2013. <i>Neuro</i>. The new brain sciences
and the management of the mind. Princeton and Oxford, Princeton University
Press.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" lang="EN-GB" style="color: #222222; font-size: 12pt;">-------------------. 2007. <i>The Politics of Life Itself</i>.
Biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Princeton and
Oxford. Princeton University Press.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 9pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-size: 9pt;"> Fonte: </span><a href="http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/05/ciencia/1454701470_718224.html?id_externo_rsoc=fb_CM"><span style="font-size: 9pt;">http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/05/ciencia/1454701470_718224.html?id_externo_rsoc=fb_CM</span></a><span style="font-size: 9pt;">; acessado em 27/04/2016.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""arial" , sans-serif"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span face=""arial" , sans-serif" style="mso-ansi-language: EN-GB;"> <span lang="EN-GB">“I<span style="background: white; color: #333333;">n America, medication
is becoming almost as much a staple of childhood as Disney and McDonald’s. Kids
pack their pills for school or college along with their lunch money. Some are
taking drugs for depression and anxiety, others for attention deficit
hyperactivity disorder (ADHD). The right drugs at the right time can save young
people from profound distress and enable them to concentrate in class. But some
adolescents, critics say, are given medication to mask the ordinary emotional turmoil
of growing up; there is a risk that they will never learn to live without it”. </span></span></span><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white; color: #333333;">Fonte: </span><a href="http://www.theguardian.com/society/2015/nov/21/children-who-grow-up-on-prescription-drugs-us"><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white;">http://www.theguardian.com/society/2015/nov/21/children-who-grow-up-on-prescription-drugs-us</span></a><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white; color: #333333;">.
Acessado em 27/04/2016.</span><span face=""arial" , sans-serif"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""arial" , sans-serif"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span face=""arial" , sans-serif"> </span><span face=""arial" , sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">O que caracteriza esse novo
panorama? “Não estamos já perante infeções, mas, sim, enfartes, originados não
pela <i>negatividade</i> do outro imunológico, mas, sim, por um excesso de
positividade” (Ibid.). Isso não significa que a metáfora da coerência
imunológica não tenha adeptos ou apelo, mas que uma nova dinâmica cultural
parece se impor. O tipo de sofrimento de que fala Han, pois, é caracterizado
por um excesso de positividade, algo de que já nos falava Jean Baudrillard em
textos como <i>A transparência do mal</i> ou <i>Cultura e Simulacro</i>.</span><span face=""arial" , sans-serif"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a>
Aqui talvez valesse a pena observar que a ideia de cibernética que orienta a
contribuição teórica de Simondon opõe-se aos teóricos da teoria da informação
em dois aspectos: ele considera a ideia de informação de que partem aqueles
teóricos como extremamente redutora, a qual resulta na produção do autômato
como ideia técnica reguladora, e ao fato de que, para ele, a abertura do
aparato técnico cibernético, sua capacidade de emular o próprio ser vivo em sua
indeterminação deveria ser tomado como ideal da cibernética.<o:p></o:p></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-30768764948187029462016-05-16T18:37:00.008-03:002022-09-19T08:46:11.633-03:00Sofrimento e Silêncio: uma discussão acerca da saúde mental na contemporaneidade a partir do avanço da Psicofarmacologia (versão preliminar) PARTE 1<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpHJZyhJSYSM-YnwW1gbO3NjXWlLD7hPvw-y98ehCuAcgrU67u4qZvRI2Je02GM0NMC-UqjC1sG8-AY5dtPGnQoMdOWuESaIG0fHu026Rn6SVxKHC5FHpXPKtEecoqGGyIxeTSK6Fzy5c/s1600/depression_22.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpHJZyhJSYSM-YnwW1gbO3NjXWlLD7hPvw-y98ehCuAcgrU67u4qZvRI2Je02GM0NMC-UqjC1sG8-AY5dtPGnQoMdOWuESaIG0fHu026Rn6SVxKHC5FHpXPKtEecoqGGyIxeTSK6Fzy5c/s320/depression_22.jpg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<i><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt;">Jonatas Ferreira<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Gostaria de agradecer a Adrian
Scribano, a Diego Benegas, ao Instituto Gino Germani e à Fundação Barceló pelo
convite e oportunidade de estar nestas “Terceras Jornadas Internacionales de
Emergência y Catástrofe: Cuerpos Expuestos”. É um prazer revisitar Buenos Aires
e apresentar alguns resultados gerais de uma pesquisa que venho fazendo há quatro
anos sobre o tema do sofrimento na contemporaneidade e sobre algumas estratégias
técnicas para lidar com ele. É um privilégio discutir essas ideias em um ambiente acadêmico que respeito e pelo qual tenho apreço. Agradeço sempre ao CNPq pelo financiamento que tem
dado a essa pesquisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">No ensaio “Saúde: conceito vulgar
e questão filosófica”, Georges Canguilhem propõe a seguinte definição: “A saúde
é a vida no silêncio dos órgãos” (2005, p. 35). A frase, ele nos informa, é de
um “célebre cirurgião” e professor da Faculdade de Medicina de Estrasburgo.
Quem quer que esteja acometido por algum sintoma patológico - febre, dor de
cabeça, apneia, taquicardia - entende e deseja esse silêncio, esse retorno a
uma atitude natural com respeito ao funcionamento de nosso corpo, em outras
palavras, anseia por esse esquecimento de si. O sofrimento, seja ele de ordem
somática ou psicológica, grita-nos, solicita-nos, dirige nossa atenção para uma
parte de nosso corpo, e tudo o que queremos nestes momentos de padecimento é
esquecer essa voz inoportuna, é evitar esse campo gravitacional poderoso que
drena nossa energia vital e atenção. Que a saúde possa ser pensada, pois, como
"a vida no silêncio dos órgãos", a paz da não solicitação, parece bastante
razoável. Eventualmente, e isso é de suma importância, esse silêncio e
esquecimento de si são entendidos não apenas como sinais de saúde, mas como a
saúde em si. Que um conjunto de sintomas possa ser tratado como doença ou que
sua ausência seja concebido como saúde apresenta consequências que não devem
ser negligenciadas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Isso é especialmente verdadeiro no
campo da saúde mental contemporânea. Existe hoje, nesse terreno, uma concepção
do psiquismo e uma terapêutica a ela associada que partem precisamente desta
redução, ou seja, da sanidade equiparada ao silêncio do corpo ou da mente e da
administração de sintomas como fulcro da prática médica. Se, por exemplo, para
a neurociência contemporânea, a “mente é o que o cérebro faz” (Rose, 2013, p.
3) e se processos mentais, como o reconhecimento de si mesmo (a existência de um
self, para usarmos um termo consagrado), nada mais são que uma estratégia que nosso
cérebro constituiu ao longo de nossa evolução biológica, é natural supormos que, focando na realidade biológica deste cérebro, teríamos a possibilidade de tratar
o sofrimento a partir de suas manifestações sintomatológicas. Por que
haveríamos de nos deter e perder nosso precioso tempo em algo tão intangível
como a significação que realizamos de nosso sofrimento num âmbito mais
subjetivo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">De um modo geral, a medicina nunca
pensou suficientemente a saúde, mas sim a doença, lembra-nos ainda Canguilhem. </span><span face=""arial" , sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Como
se sabe, essa constatação teve uma influência significativa na obra de Michel
Foucault, em suas teses sobre a história da loucura, e em diversos autores que
se beneficiaram dessa influência dupla. Vejamos, por exemplo, o que Nikolas
Rose tem a nos dizer sobre a relação entre as ciências psicológicas e a criação
de regimes do self no ocidente: “Colocar o problema dessa maneira é ressaltar a
primazia do patológico em relação ao normal na genealogia da subjetivação – de
maneira geral, nossos vocabulários e técnicas de pessoa não emergiram dentro do
campo da reflexão sobre o indivíduo normal, mas, pelo contrário, a própria
noção de normalidade emergiu a partir da preocupação com tipos de conduta,
pensamento e expressão considerados problemáticos ou perigosos” (2011, p. 44). </span><span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Tradicionalmente, à medicina cabe empenhar-se em garantir a permanência nesse estado
de quietude, ou seu retorno a ele, </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">ou ainda diminuir os danos provenientes da inquietude. Seu
campo, portanto, seria propriamente o patológico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Desconsiderando por um momento a
dificuldade de definir o que seja saúde mental, e tendo a Psicologia de base
cognitivista e comportamental e a Psiquiatria de orientação biológica em consideração,
seria possível ainda perguntar: onde os sintomas cessam – ansiedade, tristeza
mórbida, lutos persistentes – a sanidade estaria reestabelecida? De acordo com
ambas as orientações, a superação desses sintomas estaria associada a uma
mudança de padrões sinápticos cristalizados, responsáveis pela sensação
mal-estar, de sofrimento. Sendo esses padrões biologicamente estabelecidos, porém
plásticos, é possível pensar que um investimento em sua reconfiguração química seja possível sem que investimentos psicológicos tradicionais, que focam
a realidade histórica e cultural do indivíduo, entrem propriamente em questão. Muitos
de nós, todavia, hesitaria em estabelecer uma relação tão direta entre
configuração químico-neurológica e sofrimento, entre sintomas e patologia, ou
entre ausência desses e o gozo de saúde. Talvez estejamos arraigados excessivamente
à ilusão da existência de consciências subjetivas e da necessidade de entender processos
de significação cultural mais amplos para aceitar a revisão não apenas
epistemológica que parece advir das neurociências, mas os silêncios que
decorrem de tal revisão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Quaisquer que sejam nossas
suspeitas acerca de uma prática médica que se atém à administração de sintomas,
o avanço da base científica que a torna possível tem constituído a resposta a
que tem chegado um número cada vez maior de pessoas. A medicalização do
sofrimento, a administração de seus sintomas, a reconfiguração de
comportamentos tidos como desviantes ou que impliquem em sofrimento, constituem
um fenômeno biopolítico, biossocial de importância central num contexto de
aceleração da vida e das tecnologias - ou da "aceleração da aceleração", como entende Hermínio Martins. Neste cenário, silenciar sintomas
desagradáveis é muitas vezes condição para que “funcionemos” adequadamente,
quer como consumidores vorazes de objetos perecíveis, quer como produtores descartáveis
desses mesmos objetos, ou ainda como administradores patéticos da explosão informacional. As estatísticas de agravamento daquilo que são
consideradas doenças mentais, de qualquer modo, são expressivas e indicam um
fenômeno global. E isso pode, tanto indicar a voracidade com a qual a indústria
da saúde tem avançado sobre os ruídos produzidos pela dinâmica de reprodução do
capital na contemporaneidade – tornando patológicas e medicalizáveis reações ao
próprio “empobrecimento da experiência” (categoria que Kehl, 2010 toma
emprestado de Benjamin) ao qual essa dinâmica está associada </span><span style="color: #222222; font-size: 16px;">–</span><span style="color: #222222; font-size: 16px;"> </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">, como pode constituir um sinal de
que esses ruídos significam de fato o adoecimento de parcelas significativas da
população. Vejamos, como ilustração, estatísticas estadunidenses neste campo:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="background: white; font-size: 12pt;">“em 1955, havia 355.000
pessoas em hospitais com um diagnóstico psiquiátrico nos Estados Unidos; em
1987, 1,25 milhão de pessoas no país recebia aposentadoria por invalidez por
causa de alguma doença mental; em 2007, eram 4 milhões”<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; font-size: 12pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>.</span><span face=""arial" , sans-serif" style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O que quer que ela signifique, a
saúde seria proposta como verdade do corpo desde o final do século XVIII. Adoecer
significaria sair deste campo de verdade. E isso tem implicações diretas para
pensar a saúde mental, como os leitores de Michel Foucault bem o sabem. A ideia
de um corpo são, de acordo com Canguilhem (2005), guardaria em si as duas
acepções que a etimologia da palavra latina <i>sanus</i>
parece indicar, ou seja, “intacto ou bem preservado” e “infalível e seguro”. Contraditoriamente,
sob as condições e exigências dromológicas do capitalismo contemporâneo,
podemos perceber-nos atletas do dia-a-dia, isto é, bem preservados, sem
estarmos tranquilos, “seguros”, com respeito à nossa saúde. Há aqui evidências
de uma mudança na epistemologia médica para qual Canguilhem não pôde estar
atento. Em seu livro <i>Drugs for Life</i>,
Joseph Dumit nos lembra que, integrada à dinâmica da indústria farmacêutica, a medicina
contemporânea já não pretende ter uma ação episódica de recondução do doente à
saúde, mas de tratar como doentes potenciais quem quer que tenha alguma
predisposição biológica ao adoecimento, o que significa 100% dos seres vivos. Mais ainda, segundo Dumit, à indústria farmacêutica não interessa curar, mas tratar indefinidamente doenças
reais ou virtuais. Propensões ao desenvolvimento de diabetes ou doenças
coronarianas são um filão comercial na medida em que doentes potenciais ou
efetivos possam ser tratados cronicamente com Insulina ou Estatinas. Isso
também vale, evidentemente, para pacientes psiquiátricos (neuróticos ou
psicóticos) e sua demanda crônica por medicamentos como Clonazepam, Fluoxetina,
hipnóticos e antidepressivos em geral. Afirmemos, então, com todas as letras: <i>a verdade do corpo aqui é a doença; e a
saúde, apenas um ideal normativo</i>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Ademais, é necessário perguntar: tendo
em vista não apenas os interesses da indústria da saúde, mas a própria
tendência à intensificação, aceleração e extenuação da vida sob o regime
biopolítico em que vivemos, o que significaria “uma posse máxima de meios
físicos” (Canguilhem) em um ambiente onde o máximo já não é suficiente? Diríamos
que esse processo implica inevitavelmente na penetração <i>acelerada </i>de aparatos biotécnicos
– como os psicofármacos de última geração – na administração da vida
biológica. O fim último desta intermediação técnica é exercer um controle dos
ruídos existenciais, reflexivos que impliquem num retardo qualquer com respeito
à intensificação dos ritmos de reprodução do capital. Na sociedade da tagarelice
informacional, existe a necessidade desse silenciamento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Neste ponto, talvez devêssemos
repetir a indagação que o psicanalista de orientação existencialista Pierre
Fédida propôs há algum tempo: diante de condições desumanas de existência,
da necessidade de responder imediata e satisfatoriamente, em tempo real, às
demandas de um capitalismo que opera a partir da lógica 24/7 (Crary, 2014), ou
seja, sem repouso, o deprimido mostra em sua desaceleração, em seu
questionamento radical do sentido das coisas, um sinal de saúde ou um sintoma
patológico (2002, 2003)? Da perspectiva mais ampla da sociologia, talvez
devêssemos enfatizar a pertinência dessa forma de questionar nossos
envolvimentos sociotécnicos que encontramos nos textos de Fédida. Para ele, o
deprimido, em seu minimalismo existencial, opõe-se à aceleração da vida e ao
empobrecimento da experiência que daí decorre. <i>Porém o indivíduo,
evidentemente, sofre para além da racionalização sociológica, ou psicanalítica,
e reivindica alívios imediatos</i>. O que quer que pensemos sobre soluções ou
paliativos farmoquímicos, a confluência de sentidos entre saúde e segurança,
saúde e infalibilidade, saúde e poder, coloca-nos desafios tremendos num contexto
de envolvimentos técnicos e sociais cada dia mais intensos. Diante desse cenário,
parece não espantar que em pesquisa realizada com profissionais da saúde mental
nas cidades de Lisboa, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, entre os anos de
2014 e 2015, ao perguntarmos sobre um critério para aferir a saúde mental dos
indivíduos, alguns desses profissionais teriam respondido categoricamente: “se
esses indivíduos funcionam, estão saudáveis”. A psicologia de Fedida parece, em
oposição a essa tese de orientação evolucionista, por outro lado, identificar
em certos comportamentos disfuncionais um sinal profundo de saúde que não deve
ser negligenciado. (E a evolução, bem sabemos, também se beneficia dos erros....)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Funcionar, neste sentido, deve ser
entendido como mais uma dimensão daquele silenciamento ao qual a sanidade
parece de há muito associada, ou seja, a uma dimensão social desta aparente
harmonização e deste esquecimento. Uma ilustração de uma prática da saúde
mental baseada no sintoma e no acesso direto à base neuroquímica do sofrimento é
oferecido por profissionais da saúde mental que tratam a angústia e a tensão
gerados por problemas sociais, econômicos, como objeto de intervenção
psicofarmacológica<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a>. Esse
é o caso que nos apresenta Isabela Cribari, no documentário <i>De profundis </i>(2014), acerca de como
problemas sociais e econômicos negligenciados no processo de transposição da
pequena cidade de Itacuruba </span><span style="color: #222222; font-size: 16px;">–</span><span style="color: #222222; font-size: 16px;"> </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">das margens do rio São Francisco para uma região inóspita </span><span style="color: #222222; font-size: 16px;">–</span><span style="color: #222222; font-size: 16px;"> </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">implicaram no
adoecimento de uma população. Essa intervenção pública gerou uma população de
deprimidos e consumidores de psicofármacos. A distância que se existe entre a
“velha” e a “nova” Itacuburuba, segundo os depoimentos de seus cidadãos e
cidadãs, é a que se coloca entre o território e o abismo, entre a vida
significativa e o seguir vivendo. A vida social reduzida à nudez biológica, parar
usarmos a expressão de Giorgio Agamben, necessita ser constantemente medicalizada.
Não admira o alto índice de uso de medicamentos psicofarmacológicos e de
tentativas de suicídios naquela cidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; mso-hyphenate: none; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span face=""arial" , sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O profissional que atua no campo
da saúde mental </span><span style="color: #222222; font-size: 16px;">–</span><span style="color: #222222; font-size: 16px;"> </span><span style="color: #222222; font-size: 12pt;">seja ele um psiquiatra ou um clínico geral – é muitas vezes
confrontado com a demanda para aliviar quadros de sofrimento resultantes de
problemas não necessariamente, ou em primeira instância, psicológicos. Um
paciente que requer de seu médico hipnóticos para poder dormir, diante da
impossibilidade de fazê-lo por conta de vizinhos barulhentos e antissociais,
ruídos resultantes do tráfego urbano, ou algo desta natureza, pode valer-se de
uma solução química para conviver melhor com seu problema, mas este não é
necessariamente um problema médico nem é de se esperar que ele seja resolvido
por esse meio. Funcionar, neste sentido, e a partir da racionalização que aqui
se impõe, significaria tratar sintomas diante da impotência de lidar
politicamente com problemas econômicos e culturais mais amplos. O fármaco,
neste caso, constitui uma tecnologia de esquecimento de si, de silenciamento e
de esperança de adequação, de funcionamento.</span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 9pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-size: 9pt;"> Fonte: </span><a href="http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/05/ciencia/1454701470_718224.html?id_externo_rsoc=fb_CM"><span style="font-size: 9pt;">http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/05/ciencia/1454701470_718224.html?id_externo_rsoc=fb_CM</span></a><span style="font-size: 9pt;">; acessado em 27/04/2016.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/sofrimento%20e%20sil%C3%AAncio%20Buenos%20Aires.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""arial" , sans-serif"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span face=""arial" , sans-serif" style="mso-ansi-language: EN-GB;"> <span lang="EN-GB">“I<span style="background: white; color: #333333;">n America, medication
is becoming almost as much a staple of childhood as Disney and McDonald’s. Kids
pack their pills for school or college along with their lunch money. Some are
taking drugs for depression and anxiety, others for attention deficit
hyperactivity disorder (ADHD). The right drugs at the right time can save young
people from profound distress and enable them to concentrate in class. But some
adolescents, critics say, are given medication to mask the ordinary emotional
turmoil of growing up; there is a risk that they will never learn to live
without it”. </span></span></span><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white; color: #333333;">Fonte: </span><a href="http://www.theguardian.com/society/2015/nov/21/children-who-grow-up-on-prescription-drugs-us"><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white;">http://www.theguardian.com/society/2015/nov/21/children-who-grow-up-on-prescription-drugs-us</span></a><span face=""arial" , sans-serif" style="background: white; color: #333333;">.
Acessado em 27/04/2016.</span><span face=""arial" , sans-serif"><o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-77018073843655768782016-02-17T17:23:00.000-03:002016-02-17T17:25:12.030-03:00Peter Berger: esboço de uma biografia intelectual<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkn6tr8Uliopf2OxeOiY7Jl1VHmnRYQ-N9StlChOAZ-4AF-4i-KkmZmhJKy2uExno6HiTO7zD8j0cyoEdpOhSGzp1u-W39WDyEWSdPEASfhyW_W1XaQyGL0DE5zboiNiYINGaJHKTeLWc/s1600/peter_l_berger_3_01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="262" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkn6tr8Uliopf2OxeOiY7Jl1VHmnRYQ-N9StlChOAZ-4AF-4i-KkmZmhJKy2uExno6HiTO7zD8j0cyoEdpOhSGzp1u-W39WDyEWSdPEASfhyW_W1XaQyGL0DE5zboiNiYINGaJHKTeLWc/s400/peter_l_berger_3_01.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-indent: 36.0pt;">
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<i>Dando uma olhada no blog, hoje me dei conta que faz quase dois anos que não posto nada por aqui. Com medo que Artur e Jonatas me substituam por Tâmara ou por Gabriel, que andam muito mais assíduos e produtivos, decidi dar o ar da graça e postar a introdução a um texto que escrevi recentemente para um volume sobre teoria social que deve ser publicado em breve. Como o texto é muito grande e ainda inédito, segue a parte biográfica, que talvez possa interessar algum leitor desavisado. A verdade é que eu gostei de pesquisar sobre o rapaz...</i><br />
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<i>Cynthia Hamlin</i><br />
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Peter Ludwig Berger é conhecido pelo desenvolvimento de uma abordagem fenomenológica à sociologia do conhecimento e sua aplicação a temas como religião, família, modernidade, desenvolvimento e até humor e riso. Seus livros de introdução à sociologia, como o já clássico Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística, têm ajudado a formar diversas gerações de sociólogos no mundo inteiro. No final da década de 1990, numa enquete promovida pela Associação Internacional de Sociologia para eleger as mais influentes obras sociológicas escritas no século XX, seu A Construção Social da Realidade, em coautoria com Thomas Luckmann, ficou em quinto lugar, atrás de Max Weber (que aparece com duas obras), Charles Wright Mills e Robert Merton, e à frente de Pierre Bourdieu, Norbert Elias e Jürgen Habermas (International Sociological Association, 2015). Seus trabalhos em sociologia da religião também têm atraído atenção considerável, tanto em sua defesa inicial da teoria da secularização quanto na refutação (parcial) desta ideia em favor da de dessecularização (cf. Berger, 2000; Mariz, 2000; Hervieu-Léger, 2001). <br />
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Berger nasceu em Viena, Áustria, em 17 de março de 1929, onde permaneceu até 1946. Seus anos vienenses foram marcados por uma visão de mundo conservadora, fruto de uma rígida educação luterana e de uma imaginação política inspirada por histórias da glória da Casa Real de Habsburgo, uma dinastia que durou mais de 600 anos (Dorrien, 2001). Berger descreve a Viena do início do século XX, nos anos finais do Império austro-húngaro, como “palco de uma estimulante tensão entre uma sociedade urbana que se moderniza e um ancien régime esclerosado” e de uma incrível explosão de criatividade cultural e intelectual (Berger, 2011b). Um dos símbolos dessa tensão é a praça Michaelerplatz, “onde as entradas monumentais do Palácio Imperial confrontam a Casa Loo, uma incorporação local da escola Bauhaus de arquitetura moderna” (Ibid.). Artistas e intelectuais do período incluem nomes como Gustav Klimt, Arnold Schoenberg, Richard Strauss, Robert Musil, Sigmund Freud, Ludwig Wittgenstein e Ernst Mach. <br />
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No plano político, a tensão se manifestava em inúmeros conflitos entre as diversas nacionalidades que compunham o Império, finalmente desembocando no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, em 1914, e na Primeira Guerra Mundial. Como resultado desses conflitos, Viena tornou-se o centro de uma enorme burocracia imperial, cujos esforços para restringir as pressões nacionalistas dos grupos étnicos minoritários, particularmente da região dos Balcãs, criou um clima de autoritarismo político e a existência de um parlamento em que os diversos partidos tinham pouca ou nenhuma voz ou experiência democrática. Inseridos em uma atmosfera política decrépita, muitos vienenses simplesmente se omitiram da vida política. Sigmund Freud, por exemplo, não se registrou como eleitor até a idade de 52 anos, representando não só desespero e apatia típicos, mas também uma reação à racionalização e burocratização política e econômica em curso desde meados do século XIX. Não foi por acaso o mergulho no mundo psíquico, interior, subjetivo, que caracterizou a obra de Freud, a música de Mahler e Schoenberg, a pintura de Klimt, ecoando até na fenomenologia de Alfred Schütz (Barber, 2004). <br />
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Outros vienenses, como o pai de Berger, que havia sido oficial de reserva no exército austro-húngaro, passaram o resto de suas vidas nutrindo uma grande nostalgia pela monarquia, considerada por ele “uma âncora de estabilidade na Europa” e cujo fim foi uma catástrofe que levou a diversas tiranias, inclusive a uma guerra “ainda pior do que a que tinha levado à sua dissolução” (Berger, 2011b). Embora não tenha vivido este período, a visão de Berger parece ter sido tão influenciada pelas histórias de seu pai que, recentemente, numa espécie de obituário para Otto von Habsburg - filho mais velho do último imperador da monarquia austro-húngara - afirmou que “se os Habsburgos ainda reinassem nos anos de 1940, ‘Auschwitz’ não teria ocorrido” (Ibid.). <br />
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A sensação de fragmentação e caos transmitida por sua família foi reforçada durante o período de anexação da Áustria à Alemanha pelo regime nazista (1938-1945) e da Segunda Guerra. Grandes ondas migratórias tiveram início nos anos de 1930 e foram retomadas após o fim da Guerra, quando muitos austríacos de origem judaica e opositores ao regime emigraram para os Estados Unidos. Os Berger permaneceram em Viena durante todo o período da anexação, mas se mudaram para Nova York em 1946. Então com dezessete anos, membro de uma religião minoritária em seu país de origem, muito pobre e com sua sensibilidade afetada pelos horrores da Guerra, Berger (1990: 264) sentiu que os Estados Unidos lhe proporcionaram uma “profunda experiência de normalidade”. Parte dessa experiência derivou de seu encontro com a Igreja Luterana Unificada, ligada ao protestantismo histórico, mas “inteiramente identificada com a cultura americana, sensível, tolerante e muito distante do extremismo kierkegaardiano que, até então, definia o cristianismo” para ele (Ibid.). <br />
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Ainda em 1946, Berger matriculou-se no Wagner College, obtendo o título de Bacharel em Artes três anos mais tarde. Seu intuito era tornar-se ministro da Igreja Luterana. Ciente de que sua atuação como pastor exigia um conhecimento sobre os Estados Unidos que ele, como estrangeiro, não possuía, decidiu adiar sua formação teológica e cursar um mestrado em sociologia. Optou pela New School for Social Research, conhecida à época como a “Universidade em Exílio” devido ao número de estrangeiros de origem europeia, sobretudo de língua alemã, que compunha os seus quadros. Assim como ocorreu em outras Universidades estadunidenses, o influxo de intelectuais da Europa fascista entre os anos de 1930 e 1945 ajudou na construção de uma sociologia filosoficamente sofisticada e menos provinciana em seus interesses (Steinmetz, 2007). Apesar disso, a New School nunca alcançou o prestígio que Universidades como Chicago tiveram até os anos de 1930, ou Harvard e Colúmbia, no pós-Guerra (Wallerstein, 2007; Gross, 2007). Seu status relativamente marginal na sociologia permaneceu até o final da década de 1960, com o fim da hegemonia mundial do estrutural-funcionalismo de Parsons e do positivismo instrumental de Paul Lazarsfeld e a ascensão de abordagens de cunho mais interpretativo - como foi o caso das diversas vertentes do interacionismo simbólico e da sociologia fenomenológica desenvolvida por Alfred Schütz e pelo próprio Berger (Hamlin, 2011). <br />
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Foi por razões econômicas que Berger optou pela New School: tratava-se de uma das poucas Universidades de sua região que oferecia aulas no período noturno, possibilitando que financiasse seus estudos com trabalhos que variaram de office boy nos escritórios da Igreja Metodista, a recepcionista em uma clínica de doenças venéreas e secretário em uma revista da Sociedade Bíblica Americana (Berger, 1990; 2009; 2011a). <br />
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Sua dissertação de mestrado, concluída em 1950, consistiu em um estudo empírico, baseado em observação participante, sobre uma comunidade pentecostal de portorriquenhos radicados em Nova York. Em seguida, matriculou-se no Seminário Teológico Luterano da Filadélfia para dar prosseguimento aos seus planos de se tornar ministro. Permaneceu lá por um ano e, embora a abordagem histórico-crítica ao estudo das escrituras e da teologia tenha lhe parecido interessante, chocava-se com a formação religiosa que recebeu em seu país de origem (Dorrien, 2001). Anos mais tarde, escrevendo sobre este período, Berger (1990) afirma que, ao refletir e legitimar os valores da classe média americana, a concepção de cristianismo defendida pelas igrejas do protestantismo histórico nos EUA estava profundamente em desacordo com sua crença de que a fé cristã não deveria refletir este mundo, mas um mundo transcendente, o mundo de Deus. Mais do que isso, já intuía que o ajuste cognitivo do cristianismo à visão de mundo da modernidade efetuado pelos teólogos liberais teria como consequência o desmantelamento progressivo da tradição cristã (Berger, 1997b). Assim, por mais que admirasse e concordasse com os principais valores da cultura americana, acreditava que a fé cristã não poderia ser reduzida aos valores de uma cultura particular, pois isso contradiz o próprio espírito das Escrituras. Convencido de que não poderia pregar essa ideia, abandonou seus planos de seguir uma carreira religiosa, mas não se afastou da religião, nem no plano pessoal, nem no profissional. Suas preocupações com temas como a incerteza, a fragmentação e a desordem constituem o elo entre suas reflexões sociológicas, por um lado, e teológicas, por outro (Woodhead, 2001). <br />
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Este elo, no entanto, só foi plenamente construído após seu retorno à New School, desta vez para um curso de doutorado. Sua tese, defendida em 1954, recebeu o título de “O Movimento Baha’i: uma contribuição à sociologia da religião”. Diferentemente de sua dissertação, a tese baseava-se em uma perspectiva histórica e basicamente consistiu na aplicação da noção weberiana de “rotinização do carisma” para compreender como a fé baha’i passou de um movimento messiânico no Irã do século XIX a uma comunidade religiosa nos EUA do século XX (Berger, 2011a). <br />
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Berger naturalizou-se estadunidense em 1952 e, logo após concluir seu doutorado, serviu ao exército americano por dois anos. Lecionou em diversas Universidades dos EUA, incluindo a New School for Social Research, a Rutgers University e a Universidade de Boston, de onde se aposentou em 1999. Escreveu diversos artigos e livros, dois dos quais romances. Atualmente, Berger é pesquisador sênior, aposentado, mas ainda atuante, do Instituto de Cultura, Religião e Questões Mundiais (CURA), do qual foi diretor até 2009. Além de suas contribuições acadêmicas, propriamente ditas, semanalmente escreve artigos de opinião em seu blog, o Religião & Outras Curiosidades (<a href="http://blogs.the-american-interest.com/byline/berger/">http://blogs.the-american-interest.com/byline/berger/</a>).<br />
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Para compreendermos o percurso intelectual de Berger, faz-se necessário uma pequena incursão em seus anos de formação. Seus anos de estudo na <i>New School</i> foram profundamente marcados pela influência de três de seus professores: Albert Salomon, Alfred Schütz e Carl Mayer. Com o primeiro, frequentou cursos sobre as origens iluministas da sociologia e sobre a escola francesa de sociologia, representada, sobretudo, pela figura de Durkheim. Alguns temas durkheimianos aparecem claramente na obra de Berger: a ideia de objetividade dos fenômenos sociais, a necessidade do consenso moral para a manutenção da ordem social, as relações contratuais como marcas da solidariedade orgânica que caracterizam a modernidade, a religião como representação ou simbolização da sociedade, a concepção de anomia como privação de laços sociais, dentre outros. Contudo, uma disciplina ministrada por Salomon em seu primeiro semestre na <i>New School</i>, “Balzac como sociólogo”, foi o que marcou definitivamente sua concepção de sociologia. <br />
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O objetivo da disciplina era introduzir categorias sociológicas como classe, poder, religião, controle social, mobilidade, crime, marginalidade, por meio da literatura (Berger, 2011a: 12). Não surpreendentemente, sua aventura balzaquiana rendeu mais conhecimento sobre a sociedade francesa do século XIX do que sobre os Estados Unidos do século XX, mas o mergulho no universo dos personagens de Balzac - nunca inteiramente bons ou maus, mas moralmente ambíguos e precários em sua humanidade – foi decisivo para Berger. Tanto Marx quanto Engels já haviam atentado para a capacidade de Balzac em captar as contradições e conflitos da sociedade francesa e O Capital está repleto de referências ao romancista (Sayre e Löwy, 2013; Wheen, 2007). Berger, no entanto, incorpora à própria sociologia aqueles aspectos do comportamento humano tão bem retratados por Balzac em relação ao cotidiano e ao trivial, assim como o interesse por nossas motivações, das mais torpes às mais elevadas (Berger, 2001a). Isso se deveu, em parte, à influência de Alfred Schütz que, de um ponto de vista teórico, teve um impacto muito mais duradouro no trabalho maduro de Berger.<br />
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Schütz ensinava duas disciplinas distintas na New School: sociologia do conhecimento e metodologia das ciências. As aulas de sociologia do conhecimento destinavam-se, sobretudo, à apresentação e crítica do trabalho de outros autores. Já os cursos de metodologia consistiam numa espécie de laboratório no qual Schütz desenvolveu seu arcabouço teórico - uma síntese da fenomenologia de Edmund Husserl e da sociologia interpretativa de Max Weber, temperada por certos elementos da tradição pragmatista (sobretudo William James e George Herbert Mead). Em sua autobiografia intelectual, Berger (2011a: 22) relembra que foi em uma dessas aulas que ouviu a frase que, anos depois, viria a marcar sua (e de Luckmann) própria perspectiva: “a sociologia do conhecimento ... deverá lidar com tudo o que passar por conhecimento na vida cotidiana”, isto é, tudo aquilo que confere significado ao mundo e às nossas ações. Também enfatiza que o principal conceito que aprendeu de Schütz foi o de “realidades múltiplas”, que diz respeito a tudo aquilo que conta como realidade para os seres humanos e que orientará suas análises sobre fenômenos como a religião e o humor. <br />
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De acordo com Schütz, a principal dimensão da realidade é a chamada “realidade suprema”, que se refere ao que os fenomenólogos, a partir de Husserl, chamam de “mundo da vida”. Trata-se de um “mundo intersubjetivo que existia muito antes do nosso nascimento, vivenciado e interpretado por outros, nossos predecessores, como um mundo organizado” (Schütz, 1979: 72). Essas experiências e interpretações anteriores nos são passadas por meio do processo de socialização e formam um “estoque de conhecimento à mão” que usamos como referência para interpretarmos nossas próprias experiências cotidianas. Neste sentido, o mundo da vida diz respeito a um setor daquilo que os seres humanos experienciam como realidade, aquele que abordamos a partir de uma atitude “natural” ou “ingênua” na medida em que não questionamos sua existência e propriedades, mas de forma naturalizada, como se fossem simplesmente dadas. <br />
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Para Schütz, entretanto, a realidade suprema não esgota o universo de nossas experiências do real. Existem enclaves ou ilhas dentro dela, as chamadas “províncias finitas de significado” que são experienciadas quando saímos temporariamente da realidade suprema da vida cotidiana. Essas províncias finitas de significado, ou “sub-universos”, na terminologia de William James, têm um número de características que as distinguem da realidade suprema: um estilo cognitivo específico, uma consistência nos limites de suas próprias fronteiras, um sentido exclusivo de realidade que difere não apenas da realidade suprema, mas também de outras províncias de significado das quais só se pode sair ou entrar por meio de um “salto”, isto é, da adoção de uma forma distinta de consciência ou intencionalidade, de um tipo específico de epoché ou suspensão da dúvida, de formas específicas de espontaneidade, de auto-experiência, de socialidade e de durée (ou experiência do tempo) (Berger, 1997a). Exemplos de províncias finitas de significado seriam o mundo dos sonhos, das experiências estéticas, das experiências religiosas, do discurso teórico e, no caso de Berger, também do humor. <br />
<br />
A importância das ideias de Schütz, contudo, só será sentida por Berger muitos anos mais tarde quando, juntamente com Thomas Luckmann, ele desenvolve sua própria versão da sociologia do conhecimento. Em seu período de formação na New School, Carl Meyer, que dava aulas sobre sociologia da religião e sobre a obra de Max Weber, gerou uma impressão muito mais forte no jovem Berger, tendo, inclusive orientado sua tese de doutorado. De acordo com Berger (2011a: 23-25), a abordagem de Meyer à religião era inteiramente weberiana e girava em torno de conceitos como os de “seita”, “culto” e “carisma”, além de temas como “rotinização do carisma” e a “afinidade eletiva” entre determinados fenômenos religiosos e certas forças sociais. Um de seus cursos era inteiramente dedicado a A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Weber. Dado seu interesse em religião, não é surpreendente que Berger tenha prontamente se identificado com os elementos centrais da abordagem weberiana trabalhados nos cursos de Meyer: uma concepção de sociedade como constituída por ações significativas; a sociologia como uma ciência que se preocupa com a interpretação ou compreensão desses significados; uma teoria da formação de conceitos concebidos como tipos-ideais; a relação entre significados, motivos e ações; a institucionalização do Estado, da economia e das classes; a ideia de neutralidade axiológica. <br />
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Obviamente que os anos de formação de Berger não esgotam suas influências intelectuais, nem mesmo se considerarmos apenas sua sociologia do conhecimento, desenvolvida relativamente cedo em sua carreira. No entanto, é curioso que, ao se referir a esses anos e às influências que sofreu, omita um autor central à sua abordagem: Karl Marx. Como ele e Luckmann deixam claro em A Construção Social da Realidade, “a sociologia do conhecimento tem sua raiz na proposição de Marx que declara ser a consciência do homem determinada por seu ser social” (Berger e Luckmann, 1987: 17). De fato, Berger não apenas considera uma dimensão central da epistemologia marxista, a de que o conhecimento não está dissociado de seu contexto social, mas faz uso de uma série de intuições e conceitos derivados de Marx. Embora não mencione explicitamente, a dialética entre entre “o homem na sociedade” e a “sociedade no homem” descrita em seu Perspectivas Sociológicas (i.e., anteriormente ao desenvolvimento de sua sociologia do conhecimento) é claramente de inspiração marxista (e hegeliana). Também o são os conceitos de ideologia, exteriorização, objetivação, alienação e reificação. <br />
<br />
Neste sentido, a omissão de Berger é significativa e possivelmente decorre da sua necessidade de se diferenciar da perspectiva crítica que informa o pensamento marxista. Diferentemente do que ocorre com a noção weberiana de objetividade, a noção marxiana não depende da distinção fato/valor. Resultado da aplicação do método dialético, a objetividade refere-se a um alto grau de adequação entre o conceito e a realidade objetiva ou, nos termos de Marx, entre o “concreto pensado” e o “concreto real” (cf. Hamlin, 2011: 11). A noção de crítica, por outro lado, pode ser entendida tanto no sentido kantiano, i.e., do estabelecimento das condições de possibilidade do conhecimento, quanto no sentido de uma perspectiva crítica da sociedade e das ciências que implica uma prática transformadora. Este último sentido de crítica só faz sentido na medida em que não se adere à distinção entre fato e valor: pode-se concluir, por exemplo, que a sociedade capitalista é desigual (julgamento de fato); se é desigual, é injusta (julgamento de valor); se é injusta, deve ser mudada (práxis). <br />
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A rígida separação entre fato e valor que informa a noção weberiana de objetividade é um traço fundamental da obra de Berger que, como “weberiano ortodoxo”, considera que “julgamentos morais não devem ser usados em discursos científicos sociais” (Berger, 2006: xviii). A questão que se coloca é em que medida ele consegue sustentar essa posição, seja em seu “ateísmo metodológico”, quando afirma, por exemplo, que “a teologia da libertação é empiricamente falsa” (Berger apud Dorrien, 2001: 26); em suas análises do capitalismo, quando afirma que “a modernização capitalista é empiricamente superior às suas alternativas do mundo real” (Ibid.); quando descreve seu The War over the Family (A Guerra Sobre a Família, em coautoria com Brigitte Berger) como “uma defesa da família burguesa” (Berger, 2011c); em sua “recusa polida” (Berger, 2001b) de se utilizar de uma linguagem neutra em termos de gênero, ou de incorporar uma perspectiva de gênero para questionar uma distinção entre público e privado que torna as mulheres invisíveis na análise sociológica (Heelas e Woodhead, 2001: 71). <br />
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Em relação às suas posições ideológicas, Berger se autodefine como “centro-direita”, de um ponto de vista político e, de um ponto de vista religioso, mais à esquerda (em que pese seus ataques mordazes à teologia da libertação). Durante algum tempo, identificou-se com o movimento neoconservador dos Estados Unidos, rompendo com ele em 1997 em função do “crescente extremismo de seus membros, particularmente em sua preocupação monomaníaca com a questão do aborto e da homossexualidade” (Berger, 2001b: 191). A posição de Berger sobre o aborto é particularmente instrutiva e deriva da tentativa de estabelecer uma espécie de “via média” entre os “muitos deuses da modernidade” contemporânea, caracterizada por um pluralismo exacerbado e cujos extremos variam do relativismo ao fundamentalismo, tanto em assuntos religiosos quanto em questões morais e políticas. Ao considerar inadequadas as denominações “pró-vida” e “pró-escolha” usadas por militantes nos EUA, sugere que a questão que realmente interessa é “quando, na trajetória de nove meses de uma gestação, uma pessoa humana emerge?” (Berger e Zijderveld, 2009: 299). Dado que nenhuma das duas denominações tem uma resposta convincente a esta questão, somos forçados a decidir numa situação de incerteza. Neste sentido, defende que a única alternativa moralmente sensata é seguir uma abordagem “conservadora” da ordem vigente e segundo a qual, “provavelmente”, o aborto deve ser “unicamente uma prerrogativa da mulher, pelo menos durante o primeiro trimestre, depois torna-lo progressivamente mais difícil e, por fim, ilegal, exceto sob circunstâncias extraordinárias” (Ibid: 301-302). Embora essa posição dificilmente possa ser caracterizada como “conservadora” em uma sociedade como a brasileira, o argumento de Berger deixa claro que sua sociologia não apenas não é “axiologicamente neutra”, mas que, ao revelar a fragilidade e precariedade da ordem social, tem uma importância fundamental tanto em sua manutenção quanto na redução da ansiedade que decorre de nossas incertezas. <br />
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Se o conservadorismo político de Berger tem colocado alguns limites para uma maior difusão de sua sociologia, especialmente entre aqueles que aderem a uma tradição crítica, ocasionalmente é possível usar Berger contra ele mesmo e, por meio de determinadas posturas teóricas, inferir certas posturas normativas como, por exemplo, a importância do uso de uma linguagem inclusiva em termos de gênero. Assim, em lugar de sucumbir aos seus argumentos relativos a supostos excessos do “politicamente correto” (Berger, 2011a), pode-se apelar para a sua própria sociologia e reafirmar, junto a diversas autoras feministas que se inspiraram em sua sociologia do conhecimento (cf. Smith, 1987; Collins, 1990), como o uso da linguagem afeta nossa percepção da realidade:<br />
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<blockquote class="tr_bq">
Toda sociedade tem sua forma específica de definir e perceber a realidade – seu mundo, seu universo, sua organização geral de símbolos. Isso já está dado na linguagem que forma a base simbólica da sociedade. Erigida sobre esta base, e por meio dela, encontra-se um sistema de tipificações preestabelecidas, por meio das quais as inumeráveis experiências da realidade são ordenadas (Berger e Kellner, 1964: 2-3).</blockquote>
Embora Berger enfatize que não chegou a desenvolver uma teoria geral da sociedade, sua sociologia do conhecimento representa sua grande contribuição à teoria sociológica e toda sua obra pode ser considerada uma aplicação dos principais pressupostos e conceitos desenvolvidos ali. Inspirados por Alfred Schütz, Berger e Luckmann (1987) estenderam a concepção tradicional de sociologia do conhecimento para além das discussões epistemológicas e ideológicas, desenvolvidas por autores como Max Scheler e Karl Mannheim, em direção ao conhecimento de senso comum da vida cotidiana, o tecido de significados que estrutura a vida social. Já não se trata de simplesmente estabelecer as conexões entre conhecimento (concebido como teorias ou como ideias sistematizadas) e contexto social, mas de compreender como aquilo que conta como realidade para nós (o senso comum) é socialmente construído. Mas isso será objeto de um outro texto. <br />
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<b>Referências</b><br />
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<br />
<div class="MsoNormal">
BARBER, Michael D. (2004) <i>The Participating Citizen</i>: a biography of Alfred Schütz. Albany: <span lang="EN-US">State University of New York Press.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US">COLLINS,
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HarperCollins Academic. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">BERGER, Peter L. (1985) <i>O Dossel Sagrado</i>:
elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulina.</span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman";"> </span><span style="font-family: "times new roman";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________.
(1990) </span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">Reflections of an Ecclesiastical Expatriate. <i>The Christian Century</i>, 24 de outubro,
pp. 964-969.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">________. (1997a) <i>Redeeming Laughter: </i>The Comic Dimension of Human Experience.
Berlin e Nova York: Walter de Gruyter.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">________. (1997b) <i>Rumor de Anjos</i>: a sociedade
moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.</span><span style="font-family: "times new roman";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">________. (2000) A Dessecularização do Mundo: uma
visão global. <i>Religião e Sociedade</i>, v. 21, n. 1, p. 9-23.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________. (2001a)
<i>Perspectivas Sociológicas</i>: uma visão
humanística. Tradução de Donaldson Garschagen. Petrópolis, Vozes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">________. (2001b) “Postscript”.
In: Linda Woodhead, Paul Heelas e David Martin (eds.) <i>Peter Berger and the Study of Religion</i>. Londres e Nova York:
Routledge. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________.
(2009) </span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">Lecture at CEU, June 10, 2009. Disponível em: </span><a href="https://www.youtube.com/watch?v=RUJfwaFXoAw"><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">https://www.youtube.com/watch?v=RUJfwaFXoAw</span></a><span style="font-family: "times new roman";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________.
(2011a) <i>Adventures of an Accidental
Sociologist: </i>how to explain the world without becoming a bore. Nova York:
Prometheus Books.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman";">________. (2011b)
</span><span lang="EN-US">The Fading Shadow of
the Habsburgs. </span><i><span lang="EN-US" style="font-family: "times"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Times;">The American Interest</span></i><span lang="EN-US" style="font-family: "times"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Times; mso-bidi-font-style: italic;">, 20 de julho. Disponível em: </span><a href="http://www.the-american-interest.com/2011/07/20/the-fading-shadow-of-the-habsburgs/"><span style="font-family: "times"; mso-bidi-font-family: Times; mso-bidi-font-style: italic;">http://www.the-american-interest.com/2011/07/20/the-fading-shadow-of-the-habsburgs/</span></a><span style="color: #898989; font-family: "times"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Times; mso-bidi-font-style: italic;"> <span lang="EN-US"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman";">________.
(2011c) </span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">Some Personal Reflections on
Same-Sex Marriage. </span><i><span lang="EN-US" style="font-family: "times"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Times;">The American Interest</span></i><span lang="EN-US" style="font-family: "times"; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Times; mso-bidi-font-style: italic;">, 09 de fevereiro. Disponível em:</span><i><span lang="EN-US" style="color: #898989; font-family: Lato-LightItalic; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Lato-LightItalic;"> </span></i><i><span style="font-family: Lato-LightItalic; mso-bidi-font-family: Lato-LightItalic;"><a href="http://www.the-american-interest.com/2011/02/09/some-personal-reflections-on-same-sex-marriage/">http://www.the-american-interest.com/2011/02/09/some-personal-reflections-on-same-sex-marriage/</a></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________;
KELLNER, Hans (1964). Marriage and the Construction of Reality: an exercise in
the microsociology of knowledge. <i>Diogenes</i>,
12 (46), pp. 1-24. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________;
LUCKMANN, Thomas (1987) <i>A Construção
Social da Realidade</i>: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de
Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis, Vozes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">________;
ZIJDERVELD, Anton (2009). <i>In Praise of
Doubt</i>: how to have convictions without becoming a fanatic. Nova York:
HarperCollins e-books. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">DORRIEN, Gary
(2001). “Berger: theology and sociology”. In: Linda Woodhead, Paul Heelas e
David Martin (eds) <i>Peter Berger and the
Study of Religion</i>. Londres e Nova York: Routledge. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">GROSS, Neil (2007). “Pragmatism, Phenomenology, and
Twentieth-Century American Sociology.” In: Craig Calhoun (ed.) <i>Sociology in America</i>: a history. Chicago
e Londres: The University of Chicago Press.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">HAMLIN, Cynthia (2006) "Redeeming Laughter: The
Comic Dimension of Human Experience". <i>Revista Brasileira de Sociologia
da Emoção</i>, 5 (15), pp. 286-291. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">________. (2011) Breve Metametodologia das Ciências
Sociais. <i>Revista Latinoamericana de
Metodología de la Investigación Social</i>, 1(1), pp. 8-20</span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">HEELAS, Paul; WOODHEAD, Linda (2001). “Homeless minds
today?”.</span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman";"> </span><span style="font-family: "times new roman";">In: Linda Woodhead, Paul Heelas e David
Martin (eds) <i>Peter Berger and the Study
of Religion</i>. Londres e Nova York: Routledge. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">HERVIEU-LEGER, Danièle (2001). “The twofold limit of
the notion of secularization”. </span><span style="font-family: "times new roman";">In:
Linda Woodhead, Paul Heelas e David Martin (eds) <i>Peter Berger and the Study of Religion</i>. Londres e Nova York:
Routledge. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">INTERNATIONAL SOCIOLOGICAL ASSOCIATION (2015). Books
of the Century. Disponível em: </span><a href="http://www.isa-sociology.org/books/vt/bkv_000.htm"><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">http://www.isa-sociology.org/books/vt/bkv_000.htm</span></a><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">MARIZ, Cecília Loreto. (2000) Secularização e Dessecularização:
comentários de um texto de Peter Berger. <i>Religião e Sociedade</i>, v. 21, n.
1, p. 25-39.</span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">SAYRE,
Robert; LÖWY, Michel (2013). Marx, Engels e os Escritores Românticos. <i>Via Atlântica</i>, São Paulo, n.23, pp.
11-30. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">SCHUTZ,
Alfred. (1979). <i>Fenomenologia e Relações
Sociais</i>: textos escolhidos de Alfred Schütz. Helmut Wagner (org). Rio de
Janeiro: Zahar Ed. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">SMITH,
Dorothy (1987). <i>The Everyday World as
Problematic</i>. Boston: Northeastern University Press. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">STEINMETZ, George (2007). “American Sociology before
and after World War II:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">The (Temporary) Settling of a Disciplinary Field”. In:
Craig Calhoun (ed.) <i>Sociology in America</i>:
a history. Chicago e Londres: The University of Chicago Press.</span><span style="font-family: "times new roman";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">WALLERSTEIN,
Immanuel (2007). “</span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman"; mso-ansi-language: EN-US;">The Culture of Sociology in Disarray: the impact of
1968 on U.S. sociologists”. In: Craig Calhoun (ed.) <i>Sociology in America</i>: a history. Chicago e Londres: The University
of Chicago Press.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">WHEEN,
Francis (2007) <i>“O Capital” de Marx</i>:
uma biografia. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-family: "times new roman";">WOODHEAD,
Linda (2001). “Introduction”. In: Linda Woodhead, Paul Heelas e David Martin
(eds) <i>Peter Berger and the Study of
Religion</i>. Londres e Nova York: Routledge. <o:p></o:p></span></div>
<!--EndFragment--></div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-12351640861683594452016-01-29T10:27:00.001-03:002016-01-29T10:31:49.047-03:00Informação, Conhecimento e Poder (Maria Lúcia Maciel e Sarita Albacli, org.)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0eUZfGlJOZtVXezZSQ02WDX637KEN5ahkFMqcMeFY8_2ICTVh8a8Z7wmJh9Q8oGFa0YXuW9Ul4AWm-3Bla9-_ykFfyqLruTxwv2f5oL8z6RHN4boEQ6vPceMQ5Z3whsmRlq6FUGoccWA/s1600/9788576172062.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0eUZfGlJOZtVXezZSQ02WDX637KEN5ahkFMqcMeFY8_2ICTVh8a8Z7wmJh9Q8oGFa0YXuW9Ul4AWm-3Bla9-_ykFfyqLruTxwv2f5oL8z6RHN4boEQ6vPceMQ5Z3whsmRlq6FUGoccWA/s1600/9788576172062.jpg" /></a></div>
<br />
<br />
Olha, que boa notícia! Maria Lúcia Maciel e Sarita Albagli conseguiram junto à Garamond disponibilizar o <i>Informação</i>, <i>Conhecimento e Poder: mudança tecnológica e inovação</i> <i>social, </i>em formato pdf, na Internet. O livro conta com contribuições de Sandra Braman, Yann Boutang, Giuseppe Cocco, Dan Schiller, Maria Nélida Gómez, Geert Lovink, Jonatas Ferreira, Luiz Pinto e Maria Eduarda Mota Rocha, das próprias organizadoras, entre outros autores.<br />
<br />
Para dar uma olhada e conferir, <a href="http://livroaberto.ibict.br/bitstream/123456789/1062/2/informacao_conhecimento_e_poder.pdf" target="_blank">acesse o link</a>.Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-9864593990980294022016-01-17T20:48:00.002-03:002022-09-22T19:49:39.618-03:00Sobre o amor romântico: algumas reflexões a partir de Derrida e Levinas (preliminares)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1hSFugRNghXtYOXKKfp450jbkCrGz9slcbTUI3mhKreACvr4kPlFFIjduU732bOq-OFC2lfSVmXocHxu4vaIPNtBqWrYEF0sUTCZIey378s0hYH2KNSIlaFn6aJEi0JkqdidtXpCC9uc/s1600/amor.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1hSFugRNghXtYOXKKfp450jbkCrGz9slcbTUI3mhKreACvr4kPlFFIjduU732bOq-OFC2lfSVmXocHxu4vaIPNtBqWrYEF0sUTCZIey378s0hYH2KNSIlaFn6aJEi0JkqdidtXpCC9uc/s320/amor.jpg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 13pt; line-height: 107%;"><br /></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
Jonatas Ferreira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; text-align: justify;">Devo ao livro de John Caputo, <i>Deconstruction in a Nutshell</i>,
a constatação em alguma medida indireta de que existiria um vínculo teórico
entre Derrida e Levinas que nos remeteria diretamente ao tema do amor e da
ética no amor. Nunca havia pensado sobre a relevância da obra de Derrida
para pensar esse tema e, no entanto, após ler o livro de Caputo, essa
possibilidade pareceu-me muito atraente. Mas aqui cabe algum cuidado, para que, cumprindo o dever da gratidão, não procure validar minhas conclusões com a sombra da autoridade intelectual do filósofo e teólogo. De fato, suas considerações acerca de temas
como “comunidade”, “hospitalidade” e “identidade, tal como apresentados num capítulo central do <i>Deconstruction in a Nutshel</i>, parecem levar mais diretamente a discussões acerca de ética e
sociabilidade, ética e política de um ponto de vista amplo. Pouco autorizaria a
inferir dali algo sobre amor e, menos ainda, sobre amor romântico, como
pretendo. </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt; text-align: justify;">E, no entanto, o tema do amor como elemento ontológico, como possibilidade primeira da abertura para o outro está presente em todas estas outras formulações. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">A explanação de linhas centrais do pensamento derridiano, realizada por Caputo, ao tratar de tais temas, cumpre a promessa de facilitar a leitura da obra
deste autor que Cynthia Hamlin reputa como um dos mais chatos e abstrusos que
já existiram – com tantos candidatos na sociologia, eu não sei o motivo de não
privilegiarmos nossos próprios pares. De qualquer forma,</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"> Caputo
faz um trabalho de mestre ao lançar luz sobre o gosto derridiano pelos
paradoxos, pelas aporias. E o faz a partir da discussão de temas que
interessariam, em princípio, bem mais à sociologia política do que parece
contribuir para a discussão que pretendo trazer neste </span><i style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Cazzo</i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Vejamos, pois, a partir de Caputo, o que Derrida tem a nos oferecer acerca de ideias
como <i>comunidade</i>, <i>hospitalidade</i>, <i>identidade</i>.
</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Para ele,
é preciso perceber que se vamos continuar mobilizando a ideia de comunidade em
nossas discussões políticas e éticas, é necessário atentarmos para a forma como essa ideia vem sendo elaborada no ocidente - e isso</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"> bem antes que Ernst Troeltsch a
definisse a partir da ideia de unidade sentimental, de herança comum de valores
compartilhados. Consideremos a esse respeito a oposição entre civilizados, e bárbaros, tão cara ao pensamento grego. Para Derrida, o próprio esclarecimento etimológico da palavra comunidade indica que no seio do <i>comum -</i> daquilo que nos permite falar
em <i>uníssono</i>, isto é, da «<i>fusão</i>» - <i>pulsaria a beligerância</i>, o
conflito, o <i>agonismo</i>. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Os ecos mais
arcaicos desta palavra ofereceriam evidência para essa postulação: </span></div></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">«O que ele não gosta na palavra comunidade é sua conotação de "fusão" e "identificação". No final das consta, comunhão é uma palavra para uma formação militar e uma prima próxima da palavra "munição"; estar em comunhão é estar fortificado de todos os lados, construir uma "defesa" comum (<i>munis</i>), tal como uma muralha é posta em volta de uma cidade para manter um estranho ou estrangeiro do lado de fora» (Caputo, p. 108) </span><span face=""arial" , sans-serif" style="line-height: 18pt;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref1" style="line-height: 18pt;">[1]</a></span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">. </span></div></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Já aqui nos parece que a influência da ética levinasiana
se instaura poderosamente. A alteridade não é aquilo que eu devo procurar
extinguir, negar, mas aquele, ou aquela, que instaura a possibilidade de minha
própria existência. A radicalidade do pensamento derridiano nos remeteria, para
além do humanismo de Levinas, a suas meditações sobre a alteridade do animal,
de como ele se constituiu como o absolutamente outro no pensamento ocidental, e
ao mesmo tempo aquilo que resta por pensar, o desafio filosófico por
excelência. É a radicalidade da presença da alteridade, mesmo quando a
reprimimos, que se coloca como desafio para pensarmos processos identitários,
comunitários. Neste caso específico, ou seja, nas reflexões que ele oferece
em <i>O animal que logo sou</i>, para além das reflexões
foucaultianas e agambenianas sobre a centralidade do <i>bios</i> na
política e sociabilidade modernas, ou, mais amplamente, da política e cultura
ocidentais, o animal permanece como alteridade absoluta que nos acena e para o
qual nos fechamos. A região limítrofe em que o outro conclama meus próprios
processos identitários é a zona obscura onde Derrida propõe que pensemos</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref1" style="line-height: 18pt;"><span face=""arial" , sans-serif">[2]</span></a><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Se a deconstrução pode se instalar como pensamento desafiador, como algo
que nos diz respeito, sem que seja propriamente bem-vindo, em sua abstrusão, é
por a<i>ceitar de frente a necessidade ética de ouvir o clamor deste outro</i>, sua <i>face</i>,
diria Levinas. E isso não é fácil. Tomemos um exemplo. Se uma política antifascista,
de recusa ao ódio, pode ser instalada, como nos lembra de modo algo irônico
Marcia Tiburi</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref2" style="line-height: 18pt;"><span face=""arial" , sans-serif">[3]</span></a><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">, é preciso poder
conversar com o ódio e com o fascismo, sem cancelarmos o outro como algo já
dado, já sabido, e sem nos perdermos em qualquer forma de conivência, de
leniência diante do autoritarismo, da intolerância. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">]</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">A questão é: a deconstrução
não recusa a ideia de comunidade por identificar, no seio da vontade de fusão,
uma vontade de negação do outro, no seio da hospitalidade, a hostilidade, como se
tivéssemos aqui apenas um problema de higienização lógica. Trata-se antes de
entender que (i) <i>o outro é o que há de mais bem-vindo</i> (<i>quem mais poderia sê-lo
senão o outro</i>, a outra em sua alteridade?), <i>mas é também o mais desafiador</i> e
que (ii) <i>a ideia de comunidade deveria estar aberta a essa evidência e dificuldade política</i>. No caso
controvertido que nos traz Tiburi, trata-se para mim de poder discutir o
fascismo não como algo que não me diz respeito, algo que só se coloca nas
práticas alheias, mas antes que me envolve de modo radical. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Não se trata, é preciso dizer,
de capitular por princípio diante da outra pessoa, do outro grupo ideológico.
Tampouco de negá-la <i>a priori</i>. Não se trata de escamotear de algum
modo o conflito, mas antes encará-lo de frente. O outro em seu caráter
desafiador é, antes, a possibilidade de que continuemos vivos e de seguirmos
produzindo uma relação generosa com aquilo que nos mobiliza – o que no caso de
alguém que por princípio recusa o diálogo, convenhamos, é um desafio
incontornável, caso não percebamos que o fascismo nos diz respeito de modo mais
fundamental.</span><br />
<span style="line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Assim, a reivindicão de Derrida no sentido de buscarmos uma “comunidade sem
comunidade” é, não apenas um desejo de postar seu pensamento em zonas de curto-circuito,
em paradoxos vazios, mas um compromisso ético e político. Por isso mesmo, ele
também procura sempre pensar as possibilidades abertas dentro, e não fora, da
sua tradição, ali mesmo onde a ideia de comunidade se abre como um problema. Por
isso mesmo as aporias do pensamento ocidental - as zonas limites do filosofar
em que identidade e alteridade se encontram em confronto - constituem seu <i>locus</i> privilegiado
de reflexão. Essas são zonas de “indecidibilidade”, campos em que toda decisão
carrega sempre consigo o fantasma daquilo que está sendo excluído. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">E isso nos dá uma ideia do motivo pelo qual o tema da
<i>hospitalidade</i> é também relevante neste contexto: </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«Há uma "auto-limitação" essencial construída dentro da própria ideia de hospitalidade, que preserva a distância entre o si mesmo e o estrangeiro, entre entre possuir nossa propriedade e convidar o outro para dentro de nossa casa. Assim, há sempre um pouco de hostilidade em todo ato de hospedagem e hospitalidade, constituindo uma certa hostil/pitalidade”»
(Caputo, p. 110). </span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 13.5pt;">Essa ambiguidade é um tema, como sabemos, também psicanalítico. Freud já
alertava acerca da agressividade que os gestos mais amorosos comportam, e
vice-versa: sempre que o ódio se instalar, sempre que a negação do outro se
fizer presente, é necessário que levemos em conta a possibilidade de fascínio
que esse outro exerce.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">A relação identidade-alteridade, que afinal é também o que discutimos até aqui,
é um tema fenomenológico clássico. A própria intencionalidade de nossos
processos cognitivos, como propõe Husserl, requer e só se torna possível pela aceitação das demandas
que a alteridade nos faz. Essa é, aliás, a forma como Levinas percebe a
influência da fenomenologia husserliana e Heideggeriana em seu próprio
pensamento – ou seja, neste sentido, a consciência não é o elemento fundante da
fenomenologia, mas o desafio que a alteridade lhe lança. Heidegger, no entanto, </span><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 18px; line-height: 150%;">para Levinas, </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">é um <i>pensador da casa</i>, <i>do próprio</i>, <i>da clareira</i>, da lareira, <i>da autenticidade</i>. <i>Derrida e Levinas, por outro lado, são pensadores do clamor
ético do limite, do compromisso que sempre nos mobiliza eticamente em direção à
alteridade</i>, sem que nunca possamos atender a tal
apelo de modo satisfatório. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">E, no entanto, é preciso enfatizarmos isso
devidamente: «Quando eu digo "bemvindo(a)" para o(a) outro(a), "venha, cruze o meu umbral", eu não estou capitulando minha propriedadade ou identidade. Não me ponho na posição de <i>khôra </i>que dá boas-vindas a tudo como um receptáculo aberto. Se eu digo "Bem-vindo(a)!, não estou renunciando a meu domínio”. </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Dizer bem-vindo, portanto, não seria possível se realizássemos qualquer
sonhos místico de fusão com o outro, com a outra pessoa. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">E mais adiante nós lemos: «Como tudo o mais na deconstrução, a possibilidade da hospitalidade é sustentada por sua própria impossibilidade; hospitalidade realmente só se põe a caminho quando "experimentamos" (o que significa viajar ou atravessar) essa paralisia (a incapacidade de se movimentar)» (Caputo, p. 111). </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Essa impossibilidade parece-nos a forma
como o pensamento derridiano pensa a questão da transcendência, ou seja,
entendendo-a como algo finito, sem uma resolução absoluta, essencial. A
impossibilidade nos mobiliza aqui por que nela reconhecemos o trágico de nossa
precariedade ontológica.</span><br />
<span style="line-height: 150%;"><br /></span><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Eu diria então que o verdadeiro gesto ético, o reconhecimento da
alteridade, só pode ser inaugurado quando tal impossibilidade nos coloca fora
do terreno das decisões automatizadas, quando o decidir é perturbador, quando
nossa identidade é posta em xeque nesta mesma decisão. Como tudo isso é
diferente da ideia liberal de uma comunidade fundada na tolerância mútua de
identidades auto-referentes! Etimologicamente, a palavra tolerar significa
suportar pacientemente a carga… Derrida, por outro lado, “quer distinguir uma identidade impermeável, homogênea, idêntica a si mesmo, de uma identidade que difere de si mesma» (Caputo, p. 114). </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">O
verdadeiro gesto ético só surge quando a face do outro, da outra, surge em sua
absoluta singularidade, quando as regras para julgá-lo, ou julgá-la, são
insuficientes. Orestes, por exemplo, diante da decisão de honrar os
compromissos com seu pai, ou com sua mãe, estava em uma tal situação. Ou, mais
propriamente ainda, poderíamos nos reportar aos apuros em que se mete Sancho
Pança ao ser colocado diante de uma decisão sobre a vida de alguém que, se
executado, morreria inocente; poupado, viveria na impunidade de seu delito. A
decisão sobre o indecidível na famosa passagem do <i>Dom Quixote</i>, tem
um sabor derridiano: Na dúvida, na impossibilidade de uma decisão logicamente
perfeita, Sancho pondera, deixe viver porque a vida de um ser humano, em sua
singularidade, é maior que o compromisso com qualquer compromisso com o rigor
lógico. A justiça, neste caso, não pode se abrigar na aplicação cega da lei. O
verdadeiro gesto ético, assim, abriga-se em nossa precariedade diante da outra
pessoa, de sua face. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Estranho abrigo!<o:p></o:p></span></div>
<span style="line-height: 150%;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<span lang="EN-GB"><br /></span>
<span lang="EN-GB" style="font-size: medium;">«”We” all require
“culture”, but let us <i>cultivate</i> (<i>colere</i>) a culture of
self-differentiation, of differing with itself, where “identity” is an effect
of difference, rather than cultivating “colonies” (also from colere) of the
same in a culture of identity which gathers itself to itself in common defence
against the other” (Caputo p. 115).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Assim, também as considerações derridianas sobre a dádiva, que encontramos
em livros como <i>Donner la mort</i>, e que são uma parte importante de
sua ideia de justiça, funda-se no pressuposto de que o dom requer algo para
além de qualquer possibilidade de contra-dom, algo que “não pode ser
reapropriado”. O dom é aquilo que passa pela circularidade das trocas e que a
excede, que supõe um tempo circular – em que o dado deve retornar até o seu
doador - e que instala uma interrupção no seio desta circularidade. É isto que
nos indica as seguintes linhas de <i>Donner le temps: </i></span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«La
circularité ne devrait pas être nécessairement fuie ou condamnée, comme le
serait une mauvaise repetition, un circle vicieux, un processus régressif ou
sterile. Il faut, <i>d’une </i>certaine manière<i>, </i>bien
sûr, habiter le cercle, tourner en lui, y vivre une fête de la pensée, et le
don, le don de la pensée, n’y serait pas étranger» (Derrida, p. 20). </span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Algumas
linhas abaixo, no entanto, temos: </span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«Que partout où il y a du temps, partout où le temps
domine ou conditionne l’expércience en general, partour où domine <i>le
temps comme cercle […], </i>le don est impossible. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Un don ne saurait être possible, il ne peut y avoir
don qu’à l’instant où toute circulation aura été interrompu et à la <i>condition </i>de
cet instant»</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref3" style="line-height: 18pt;"><span face=""arial" , sans-serif" lang="EN-GB">[3]</span></a><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"> (Derrida, p. 21).</span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">O que essas tensões implicam para pensarmos a ideia de justiça em Derrida
em oposição à estabilidade e automatismo da lei? </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«This “idea of justice” seems irreducible in its affirmative character, in
its demand of gift without exchange, without circulation, without recognition
of gratitude, without circularity, without circulation and without rules,
without reason and without rationality» (Caputo, p. 141). </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Para ele, uma dádiva que
é retribuída, ou que é reconhecida como tal, já anula a si mesma neste ato:
pois qual seria o dom, o sobrevalor, o excesso necessário de algo que é
reconhecido e, como tal, retribuído? </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Há no pensamento francês uma tradição de
tentar pensar o lugar do excesso nas economias humanas. Isso é o que temos na
economia erótica de que nos fala Bataille, ou nas reflexões de Foucault sobre a
loucura, e é também o que se apresenta nesta ética do dom que nos propõe
Derrida. O que se espera da dádiva é que ela seja excessiva em relação à
racionalidade das trocas. Esse seria seu sentido ético, bem próximo ao erotismo
tal como concebido por Bataille. Uma relação amorosa reduzida a um contrato de
obrigações e contra-obrigações precisas perder-se-ia numa fria relação
contratual. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«The gift “calls” upon an
expenditure without reserve, for a giving that wants no payback, for
distribution with no expectation of retribution, reciprocity, or
reappropriation». </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">A ética do dom, assim, não pode buscar a soma zero da retribuição. Por isso
mesmo, a dádiva em si é impossível. Mas é a possibilidade dessa impossibilidade
que nos mobilizaria eticamente diante da presença do outro, da outra. </span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«The gift is our passion. “Economy”, on the other
hand, denotes the domain of presences, of presents, of the commercial
transactions, the reasonable rules, the law of customary exchanges, the plans
and projects, the rites and rituals, of ordinary life and time» (Caputo, p.
145).</span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Derrida não quer negar a economia e as trocas proporcionais. Pelo
contrário, ele apenas entende que nossos próprios impulsos narcisistas, que
procuram afirmar o eu como destino de todos as nossas “despesas” (aqui no
sentido batailleano), que o retorno de nossos investimentos libidinais, só
fazem sentido diante de uma abertura fenomenológica que tem como fundamento a (im)possibilidade da dádiva, a presença do outro, da outra. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Assim: </span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«Derrida thus points to a double injunctive,
which is a bit of a double bind (that’s a surprise), <i>both </i>to
give and to commerce, to love God and mammon. He is saying at one and the same
time; (1) <i>Give</i>, but remember how to gift limits itself. Because
there never is a gift (<i>don</i>), the gift is <i>the</i> impossible
that we all desire; because it annuls itself the instant it would come to be,
if it ever does, the gift is what we most want to make present. The gift is our
passion and our longing, what we desire, what drives us mad with desire, and
what drives us on» (Caputo, p. 147).</span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Neste ponto, podemos passar a tratar mais diretamente o tema sobre o qual
prometemos discorrer no começo deste texto. Som na caixa!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/-dDkFqdzuSw/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/-dDkFqdzuSw?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">É em direção à ambivalência que há entre narcisismo e dádiva que
chamaríamos atenção, ou seja, à inexistência de uma «distinção clara entre
dádiva e economia», entre «narcisismo e não narcisismo, mas apenas certos
graus, gradações, ou economias do narcisismo”. É neste terreno precário,
<i>indecidível</i>, que a ideia de uma quase-identidade se torna possível como âmbito
de uma ética amorosa. Para Derrida, então, é necessário ver essas gradações que
tornam o amor-próprio «mais ou menos egoísta» (Caputo, p. 148). </span></div><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">«We are all more or less narcissistic, for that is
what the agente/subject is. […] The agent, Aristotle and the medieval said,
acts for its own good. If the agent expends all its energies on the other
without return, that is after all what the agent <i>wants</i>, and that
how the agent gets her kicks». </span></div></blockquote><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Desde Freud, sabemos que o narcisismo é um
investimento, uma estrutura, fundamental da <i>psique</i> humana: sem
ela, sem a descontinuidade que ela instaura (como diria Bataille) não seria
absolutamente possível qualquer amor, erotismo, qualquer impulso em direção ao
outro, à outra, qualquer excesso. Porém o que diz Derrida é mais radical, mais
lacaniano (mais levinasiano, certamente): sem o outro, a outra, mesmo o
narcisismo e o investimento numa economia da troca e da recuperação do
investimento seria impossível. Se é possível imputar à ideia de erotismo em
Bataille um desejo místico da continuidade, indiferenciação, entre os seres, um
desejo orgiástico, uma certa pulsão de morte, para Derrida é a partir da
constatação da existência paradoxal entre impulsos de continuidade e
descontinuidade – ou seja, entre um impulso generoso com respeito à alteridade,
por um lado, e nossa própria certificação na descontinuidade, na subjetividade
autodelimitada, nosso próprio «narcisismo ininterrupto», «pusilânime», por
outro - que devemos pensar nossa relação com a outra pessoa, ser. Essa relação
ficaria mais evidente se a definirmos como uma relação amorosa, isto é, como
investimento em direção à outra pessoa, a algo não dado, excessivo e, ao mesmo
tempo, em direção a algo que nos é o mais próximo.</span><br />
<span style="line-height: 150%;"><br /></span><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Isso não significa, evidentemente, que consigamos nos manter dentro daquilo
que é nosso chamado apelo ético, embora mesmo ao negá-lo não consigamos deixar
de parar a sua pulsação. As frustrações amorosas promovidas por uma cultura
narcisista são uma evidência nessa direção. Não costumo citar Bauman, e não
gosto muito do <i>Amor líquido</i>, e pelo que saiba Bauman não está nem
um pouco preocupado com isso. Há ali, no entanto, uma observação que nos diz
respeito diretamente. A partir de Benedict Anderson e Richard Sennett, Bauman
fala da transformação de categorias políticas em psicológicas, da transmutação
da ideia de uma comunidade política para uma “comunidade imaginada” a partir
das emoções. Dada a estrutura deste texto, é preciso prevenirmos o leitor ou
leitora de que não pretendemos corroborar de modo inocente com esse tipo
de transmutação, ou seja, procurar um fundamento sentimental comunitário como
solução à dificuldade de discussão política do âmbito social. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Ocorre-nos,
entretanto, que uma hipertrofia da subjetividade, e de estruturas narcisistas
de reprodução da vida comunitária, parecem ocorrer precisamente quando a
subjetividade, quando o indivíduo narcisisticamente investido se apresenta como
uma impossibilidade. Ora, quem em sã consciência, poderia falar hoje da
viabilidade política, cultural, de um autocentramento subjetivo, tal como o
concebeu o pensamento liberal? É essa impossibilidade aliás que marca certa
angústia, nostalgia, que percebemos em obras como <i>Corrosão do Caráter</i>,
de Sennett, ou em toda a obra de Paul Virilio. E no entanto é o narcisismo radical de
um sujeito autocentrado que procura a todo custo maximizar o seu prazer, o
controle de seus investimentos eróticos como um todo, com que a sociedade do
consumo nos acena diuturnamente. Extenuamo-nos para realizar um gozo que não é
nosso, mas que afinal aparece como se fosse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">O outro lado deste impulso é algo paradoxal com respeito a este desejo de
retorno seguro de investimentos libidinais. O amor romântico parece também se
investir como desejo de encontrar unidade, consenso, coesão, precisamente
quando expectativas de construção política da comunidade se esvaem. O ponto
aqui que merece reflexão, naturalmente, é tanto a ideia de amor romântico que
temos em mente quanto a noção de comunidade em questão. Deve estar bastante
clara com respeito a esta última que a suposição de um consenso identitario
está longe daquilo que temos em mente. A nostalgia baumaniana, sennettiana e
viriliana, portanto, não nos dizem diretamente respeito. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Com respeito ao amor
romântico, prosseguiremos o nosso texto através do auxílio de Levinas, que
acreditamos, como Caputo, constituir uma referência fundamental para entender a
ética derridiana. Para tal, nos valeremos das entrevistas que ele concede
no </span><i style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Ética e Infinito</i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">. Ali ele realiza um apanhado abrangente de sua
obra. Interessante perceber nessas entrevistas o caminho que Levinas faz ao
lado da fenomenologia de base ontológica de Martin Heidegger, e, a partir de
certo ponto, para fora da solidão da existência, do “há”, e em direção a uma
ética fundamentada no absoluto da alteridade – num certo gesto religioso que
comporta essa profissão de fé. Assim: «A solidão era um tema “existencialista”.
A existência descrevia-se na época como o despertar da solidão, ou como o
isolamento na angústia» (Levinas, p. 49). Os termos em que a diferenciação
levinasiana com respeito à fenomenologia de base “existencial” se anuncia, já
em </span><i style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">De l’existance a l’existant</i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">, não deixa dúvidas sobre o seu
sentido, sua direção: trata-se aqui de uma ética do amor, não importa quão
desgastada essa palavra soe, com toda à sua carga de moderno subjetivismo.
«Desconfio da palavra “amor”, que está estragada, mas a responsabilidade por
outrem, o ser-para-o-outro, pareceu-me desde esta época parar o rumor anónimo e
insiginificativo do ser. É sob a forma de uma tal relação que me surgiu a
libertação do “há”» (Ibid.). Isto é, libertação </span><i style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">com respeito</i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"> ao
“há”, ao seu confinamento em algum modo narcisista.</span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Este outro que é o meu destino ético é alguém que eu conheço, mas que não
pode ser cingido em meu conhecer, antes o desafia. É preciso por certo conhecer
o outro, a outra, a quem se ama. No entanto, uma ética amorosa pararia cedo
demais, abortada, nestes limites. Toda tentativa de conhecer, mapear, de
desnudar o outro, a outra, é, para Levinas, uma tentativa também de dominá-lo,
de dominá-la: é necessário pois aceitar a irredutibilidade da outra pessoa aos
meus processos cognitivos. Nunca verdadeiramente saberemos onde o outro em sua
alteridade esteve, está, pretende estar… Segundo esta ética amorosa, a outra
pessoa é inesgotável; nada aqui pode anunciar, portanto, o conforto de uma
harmonia entre almas tal qual anunciado no <i>Banquete</i>, ou um retorno
a nossa essência. E se a alteridade marca assim os nossos processos
de identificação, amorosos, estaremos para sempre à deriva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Levinas, assim, força seu caminho para os lados da fenomenologia e, nesse
gesto, influencia toda a aporética do pensamento derridiano – no que pese o
fato de Derrida postar o seu gesto ético no terreno indecidível entre o <i>conhecer</i> e
o <i>abrir-se</i> irredutivelmente, entre Deus e Mamon, entre a
dádiva absoluta e a troca econômica, como dissemos acima. Para Levinas (p. 53):
«O conhecimento mais audacioso e distante não nos põe em comunhão com o
verdadeiramente outro; não substitui a socialidade: é ainda uma solidão». O
gesto ético, dessa perspectiva, é também a aceitação de um tempo aberto em que
a outra pessoa pode “surpreender” sempre. Dissemos “surpreender, e, todavia,
essa palavra ainda não é adequada, na medida em que ela se define como um certo
luto/júbilo da cognição: «O livro [<i>Le temps et l’autre</i>] mostra, em
primeiro lugar, na relação com o outro, estruturas que não se reduzem à
intencionalidade. Põem em dúvida a ideia husserliana de que a intencionalidade
representa a própria espiritualidade do espírito. E o livro procura compreender
o papel do tempo nesta relação: o tempo não é uma simples experiência da
duração, mas um dinamismo que nos leva para outro lado diferente das coisas que
possuímos» (ibid.). O desejo de posse, neste sentido, é um desejo de parar esse
tempo em que o outro pode não comparecer, pode não me atender, mas tal abertura
temporal é a única possibilidade de que a alteridade da outra pessoa continue
viva e inesgotável. Curioso como essa visão aparentemente idealizada do amor
pode afinal se apresentar como não idealista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
«Totalmente em
oposição ao conhecimento que é supressão da alteridade e que, no “saber
absoluto” de Hegel, celebra a “identidade do idêntico com o não-idêntico”, a
alteridade e a dualidade não desaparecem na relação amorosa. A ideia de um amor
que seria uma confusão entre dois seres é uma falsa ideia romântica. O patético
da relação erótica reside no facto de serem dois, e de o outro ser aí
absolutamente outro» (Levinas, p. 58).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Para quem pensa que o irracionalismo é a consequência necessária dessa
ética amorosa, Levinas esclarece: «O não-conhecer não deve aqui compreender-se
como uma <i>privação</i> do conhecimento. A imprevisibilidade só é a
forma da alteridade relativamente ao conhecimento. Para este, o outro é
essencialmente o que é imprevisível. Mas a alteridade, no <i>eros</i>, não
é sinónimo de imprevisibilidade. Não é como um malogro do saber que o amor é
amor» (Ibid.). É para além desse malogro que o gesto amoroso parece se colocar,
segundo essa perspectiva, ou seja, para além de uma fenomenologia que tenha
como base a consciência ou o ser. Por isso mesmo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">
«O patético do
amor consiste […] numa dualidade insuperável entre os seres; é uma relação com
aquilo que se esquiva para sempre. A relação não neutraliza, <i>ipso facto</i>, a alteridade, mas
conserva-a» (Levinas, p. 59).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">A relação ética e amorosa com a alteridade, seu aceno não narcisista, fica
patente ao adentramos o terreno sensual da carícia. A carícia pode obviamente
ser entendida como uma técnica de excitação da outra pessoa, certamente. Neste
sentido, ela é racionalizável, controlável, procura efeitos específicos,
sequências bem-sucedidas. Para Levinas, entretanto, o acariciar tem algo de
intrinsecamente nômade. A carícia desta perspectiva é algo essencialmente não
objetivável ou racionalizável: «Quem é acariciado não é, propriamente falando,
tocado. Não é o aveludado ou a tepidez desta mão dada no contacto, que a
carícia procura. É a procura da carícia que constitui a sua essência, pelo
facto de a carícia não saber o que procura. Este «não saber», este
desordenamento fundamental é-lhe essencial. É como um jogo com algo que se
esconde e um jogo absolutamente sem projecto nem plano, não como aquilo que
pode tornar-se nosso e nós, mas como qualquer coisa de outro, sempre outro,
sempre inacessível, sempre por chegar. E a carícia é a espera desse puro fruto,
sem conteúdo» (Levinas, p. 61).</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span><div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">Poderíamos pensar que na carícia me encontro postado diante da imanência do
outro, de sua presença irretorquível. Mas essa presença é em si uma abertura,
algo que só se oferece como esperança nas promessas vagas e sensuais do futuro.
A alteridade não está dada, e esse não estar dado é o que me impulsiona, o que
me comanda a ir também mais adiante, a estabelecer uma relação generosa, não
objetal comigo próprio, com a outra pessoa e com o tempo. <i>Pelo fato de que a alteridade se oferece como abertura amorosa, sensual,
existencial, mantenho-me eu próprio aberto.</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;"><i><br /></i></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Este texto inicia discorrendo acerca de algumas dificuldades éticas em
torno do político e se desdobra em algumas considerações básicas sobre o amor.
Em si esse percurso é politicamente problemático. Toda comunidade afetiva como
base do político constitui um problema, uma ameaça a convicções verdadeiramente
democráticas. No entanto, essa conclusão não poderia estar mais distante da
perspectiva derrideana acerca do político, do ético ou do amor. Derrida, como
adverte Caputo, foi injustamente criticado como um teórico das reivindicações
nacionalistas na Europa. A ideia de comunidade afetiva como base emocional das
reivindicações nacionalistas não lhe poderia ser atribuída. Uma resposta a esse
tipo de acusação é dada pela própria ideia de “comunidade sem comunidade”, pelo
agonismo que lhe é essencial, tal como a esboçamos aqui. A tensão e a
contradição, a hostilidade e a hospitalidade, são elementos fundantes de uma
comunidade que em princípio estaria paradoxalmente aberta para o seu outro. São
também, obviamente, elementos vitais do amor.</span><br />
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Neste ponto, percebemos o quanto o problema de pensar a política a partir
da ideia de uma comunidade afetiva, ou, mais precisamente, pensar o papel do
afeto no estabelecimento de laços políticos, não parece ser exatamente um
problema, como parece supor Zygmunt Bauman. O problema é a noção de afeto e
comunidade que temos em mente. Pensemos num exemplo concreto, pensemos na base
afetiva de lutas políticas como as diversas “ocupações” que prosperam hoje no
Brasil. Parece-nos claro a reivindicação democrática, por exemplo, do </span><i style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">Ocupe
Estelita</i><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;">, de sua defesa de uma comunidade afetiva (cultural e
historicamente determinada), para além da defesa de um patrimônio
arquitetónico, da transitabilidade etc. O afeto não parece ali uma defesa
retrógrada de um passado idealizado, de uma comunidade fechada à alteridade do
futuro. Pelo contrário, em primeira instância, esse movimento requer uma
redefinição da estrutura política e social de ocupação do espaço urbano que
está em questão. Isso passa por questões como educação, enfrentamenteo da
violência, democratização das decisões, entre muitas outras. A política,
nesse contexto, pode ser afetiva sem ser retrógrada, conservadora. E
vice-versa: o conservadorismo, autoritarismo, prosperam exatamente onde o afeto
não é possível, onde o discurso de sabor tecnocrático esconde o interesse
tacanha, a objetificação, redução da alteridade.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt; line-height: 18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 13.5pt;">As ponderações ética sobre o político, tal qual as expusemos acima, apenas
abriram espaço para reflexões mais específicas sobre ética no amor. Ocorrem-me
as dificuldades em que Feuerbach se mete ao tentar fazer algo numa mesma
direção ao pensar os seus <i>Princípios para uma Filosofia do Futuro</i>.
Afinal, esse amor pelo absoluto da alteridade seria apenas uma transmutação de
um sentimento religioso e, como tal, acena com as promessas da negatividade, do
curto-circuito que presença do outro proporciona – este certo “sentimento
oceânico” no qual gozamos negativamente, diria Freud. Ainda aqui estaríamos de
certo modo no terreno do narcisismo. Essa ética que se funda nas demandas da
alteridade poderia ser recriminada pelo uso de certos conceitos de sabor
religioso - conceitos judaicos, mais claramente. Isto ocorre, por exemplo,
quando constatamos que a alteridade se abre para nós, de acordo com tal
perspectiva, como uma <i>promessa</i> - uma promessa aberta,
sem <i>telos</i>, mas uma promessa. O mergulho no absoluto da alteridade
nos coloca diante de um tipo de messianismo sem Messias. O futuro nos chama - e
no entanto esse futuro é como um significante vazio, nada está propriamente lá,
nada está propriamente dado ou dito, mas sempre em processo de ser enunciado.
Rigorosamente, tanto Derrida quanto Levinas aceitam esse tipo de ponderação e
acreditam que o pensamento ocidental não pode negar a tradição religiosa dentro
da qual negocia sua existência (ver Caputo, caps. 5 e 6). Ajuda a entender o
que aqui está em jogo quando percebemos que essa promessa, esse “messianismo
sem Messias”, busca nos oferecer uma dimensão do político e do ético
radicalmente desessencializados e que, por isso mesmo, não pode recusar a sua
historicidade, o chão sobre o qual pode ou não se abrir. A fuga do
essencialismo é a forma como o ético e o político podem adquirir um apelo
francamente, radicalmente democrático. Mas é também a maneira como as promessas
do amor podem continuar vivas em nós.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<br />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/amor%20do%20cazzo.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="line-height: 107%;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 24px; text-align: justify;">[1] Parecem sensíveis as reverberações de influência schmittiana aqui: a soberania de uma comunidade se estabelece diante de um inimigo comum, de um grupo que de algum modo questiona a possibilidade de existência, de sobrevida, do que é comum. Quem esteja interessado na ideia de “democracia radical”, tal como postulado por Laclau e Mouffe, poderia considerar uma parada no teórico da deconstrução – e obviamente em Carl Schmitt. </span></span></span></span></a><br />
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/amor%20do%20cazzo.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%;"><br /></span></span></span></a>
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/amor%20do%20cazzo.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a> A esse
respeito, ler, por exemplo, <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0103-20702011000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt">http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0103-20702011000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt</a>;
acessado em 05/01/2016.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/amor%20do%20cazzo.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver <a href="http://revistacult.uol.com.br/home/2015/05/como-conversar-com-um-fascista/">http://revistacult.uol.com.br/home/2015/05/como-conversar-com-um-fascista/</a>,
acessado em 03/01/2016.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Desktop/amor%20do%20cazzo.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""calibri" , sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a> Parece
evidente a maneira como Derrida se coloca diante de uma tradição de pensar a
dádiva que encontra em Mauss seu ponto mais alto.”Bien que toutes les
anthropologies, voire métaphysiques du don, aient, <i>à juste titre et avec raison</i>, traite <i>ensemble</i>, comme un système, le do net la dette, le do net le cycle
de restitution, le do net l’emprunt, le do net le crédit, le do net le
contre-don, nous nous <i>départissons</i>
ici, de façon vive et tranchante, de cette tradition».<o:p></o:p></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-78934225984365296182015-12-31T14:47:00.001-03:002016-01-11T21:17:50.701-03:00Tramas de Babel: subjetividade e tradução em tempos de rede<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhz4Tz32wHiwhE6_C4wWP5xMnmvctEPbvk1U1H4kOL574fjSrHnkj1EdN64BF5_jg1D4K5NPyyQVWlNMbXSWwu9d84xPolXzgUHozbPHmIZj_AQNNu7U4OB9mEPhuXhJEKGyo80-D0-sG0/s1600/virtual-love-concept-boy-girl-laptop-34751513.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="278" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhz4Tz32wHiwhE6_C4wWP5xMnmvctEPbvk1U1H4kOL574fjSrHnkj1EdN64BF5_jg1D4K5NPyyQVWlNMbXSWwu9d84xPolXzgUHozbPHmIZj_AQNNu7U4OB9mEPhuXhJEKGyo80-D0-sG0/s320/virtual-love-concept-boy-girl-laptop-34751513.jpg" width="320" /></a></div>
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<div style="text-align: center;">
Cristina Petersen Cypriano</div>
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Nas páginas que encerram o texto “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, Jacques Lacan propõe aos psicanalistas uma espécie de compromisso com a prática clínica. Ele sugere “que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. Pois, como poderia fazer de seu ser o eixo da tantas vidas quem nada soubesse da dialética que o compromete com essas vidas num movimento simbólico. Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra continua de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas” (Lacan, 1998, p. 322).<br />Dessa colocação de Lacan nascem os três feixes temáticos que norteiam as questões exploradas nesse breve ensaio: um que diz respeito à subjetividade de nossa época, outro que se volta para a espiral que hoje nos arrasta na obra contínua de Babel e um terceiro que nos coloca a refletir sobre a função de intérprete na corrente discórdia das línguas.<br />A marcação da contemporaneidade no tratamento dessas questões é aqui feita pela crescente presença em nossas vidas das redes tecnológicas de informação e comunicação, de modo que toda a discussão se dá em torno do intenso uso da internet, principalmente por parte das gerações que nascem e crescem assimilando essas tecnologias aos seus modos de ser e de se ligar uns aos outros. Trata-se de crianças e adolescentes que dificilmente se separam de seus celulares, smartphones, tablets ou computadores e que vivem conectados às redes sociais online.<br /><br />Aprés l’Orgie<br /><br />No início de um trabalho sobre os fenômenos extremos, Jean Baudrillard (1990) formula em caixa alta a seguinte questão: “QUE FAIRE APRÉS L’ORGIE?”, ou seja, o que fazer depois da orgia? Ele propõe essa questão como uma formulação coletiva diante de uma atualidade que sucede a um momento explosivo: “o da liberação em todos os domínios. Liberação política, liberação sexual, liberação das forças produtivas, liberação das forças destrutivas, liberação da mulher, da criança, das pulsões inconscientes, liberação da arte”. (Baudrillard, 1990, p.11).<br />Essa questão que foi colocada por Baudrillard nos anos 1990 pode ser atualizada pouco mais de uma década depois da ampla liberação das tecnologias de conexão às redes informáticas para uso de adolescentes e crianças. O que fazer com os casos extremos nos modos de relação com essas tecnologias?<br />Em 2012, o grupo de dependência de Internet, do ambulatório de transtornos do impulso vinculado ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo oferecia orientação aos pais de adolescentes e jovens que faziam uso excessivo de Internet e/ou Jogos on-line. Em 2014, a mesma instituição convidava os próprios adolescentes para se inscrever no tratamento: “o Hospital das Clínicas de São Paulo abre inscrições para tratamento de adolescentes paulistanos viciados em Internet. A instituição convida pessoas de ambos os sexos, entre 12 e 17 anos e 11 meses, que se considerem dependentes do acesso à Web”.<br />A China foi o primeiro país a considerar, desde 2008, o vício à internet como um distúrbio mental e não tardou a construir centros de reabilitação para adolescentes e jovens adictos Em 2009 já haviam sido construídos 300 centros e em 2014 chegaram em torno de 400. As dúvidas sobre como lidar com esses jovens e adolescentes mobiliza não apenas médicos, psiquiatras, psicólogos e psicanalistas. Persiste entre pais, professores e adultos em geral uma dificuldade em conviver cotidianamente com esses jovens que, por todos os lugares, fixam os olhos nas reluzentes telas de suas máquinas e por elas deslizam seus polegares, ora entretidos, ora sorrindo, ora apáticos.<br />Recentemente exibido no Brasil, o filme “Homens, mulheres e filhos” reúne uma gama de situações que dão testemunho das dúvidas e das dificuldades que os adultos têm para lidar com essa espécie de onipresença da Internet na vida cotidiana deles próprios e de seus filhos. Os personagens do filme não sabem como proceder quando as tecnologias de conexão em rede começa a fazer parte das relações amorosas, sexuais, afetivas, de maneira ilimitada. O que fazer?<br /> Ocorre que também os próprios jovens se mostram perdidos, sem saber como lidar com os atrativos das novas tecnologias e com as facilidades expressivas que são oferecidas pelos serviços online. Em sua coluna semanal no jornal Folha de São Paulo, Rosely Sayão relata: “um jovem de 17 anos escreveu contando que abriu uma conta no Twitter, mas que estava prestes a fechar porque percebera que muita gente, inclusive ele, escreve coisas impulsivamente e depois se arrepende, mas aí é tarde demais porque o texto já se espalhou”.<br />Foi também uma jovem que publicou em sua página pessoal no Twiiter uma crítica bem humorada à expressividade ilimitada que vem sendo praticada nos sites de redes sociais. Ela escreve: “ai vc vai mandar um ‘oi’ e sem querer erra a tecla e manda ‘eu te amo vc é tudo na minha vida, vamos casar’”<br />Esse breve texto dá mostras de como a expressividade amorosa que vigora nas redes sociais online – principalmente no Twitter – caracteriza-se pela fugacidade que acompanha uma espécie de injunção ao ato de comunicar, a quem queira saber, uma experiência afetiva. É como se as palavras deslizassem das esferas de intimidade na direção de um público heterogêneo e, não raro, desconhecido<br /><br />Palavras de Amor<br /><br />Mesmo antes da ampla assimilação da Internet como “espaço relacional onde os indivíduos, em vez de se encontrarem fisicamente, conversam e trocam dados através de terminais e redes interpostos” (Nora, 1995, p. 11), já se observava nas interações online a forte presença de temas ligados ao amor e à sedução. Em uma investigação feita há mais de uma década sobre as emoções na Internet, Ben-ze’ev (2004) perguntava-se por que ali eram tão intensos os afetos, uma vez que sempre havia a mediação de uma máquina, o que poderia redundar em distanciamento e frieza. O anonimato e a imaginação eram, então, elementos fundamentais das relações afetivas e/ou eróticas engendradas no milieu digital. Isso porque as interações que aconteciam nas salas de bate-papo e nos fóruns de discussão acolhiam participantes “sem nome” e “sem rosto” que se apresentavam por apelidos ou codinomes, favorecendo a impessoalidade e a fantasia.<br />De lá para cá, entretanto, com a crescente exposição dos indivíduos em sites de rede social, o anonimato e a imaginação perderam a força como principais propulsores de emoções na Internet. As declarações de amor que hoje são proferidas nas redes sociais aparecem nas páginas pessoais de quem não somente se dá a conhecer por meio de fotos e textos, como frequentemente o faz com riqueza de detalhes. Os sentimentos se manifestam com a publicação de depoimentos e testemunhos que acompanham a partilha de experiências cotidianas, sejam elas prosaicas ou significativas, superficiais ou profundas. De modo que a intensidade afetiva das relações em ambiente digital tem crescido juntamente com a mudança de perfil nos modos de apropriação social da Internet: se no início do século XXI a utilização das redes tecnológicas era prioritariamente instrumental, hoje os usos dessas redes privilegiam as relações sociais, compondo uma “web relacional” (GENSOLLEN, 2010) infiltrada por emoções.<br />Hoje, a publicação online de palavras de amor se insere com muita naturalidade em meio a outras modalidades de expressão afetiva. A maneira como os jovens e adolescentes proferem seus sentimentos nas redes sociais faz surgir um “discurso amoroso” (Barthes, 1981) inteiramente alheio ao encadeamento linear das narrativas românticas, pelas quais o ser amado é inserido em uma trajetória pessoal duradoura. Não raro o amor declarado nessas redes é expresso por abreviadas unidades de sentido (Lash, 2001). São também muito comuns no ambiente digital os enunciados que exprimem tão somente o desejo ou a vontade de amar, “esse impulso surdo e sem objeto, em particular na juventude, em direção a qualquer coisa a ser amada”, como definiu Simmel (2001, p. 127). Não há nesses enunciados, como naqueles com destinatário definido, fortes indícios de que se trata de algum tipo de atualização da busca do romance que encontra na expectativa do amor compartilhado um processo ativo de engajamento com o futuro (Giddens, 1993, p. 62). <br />As peculiaridades nos modos de expressão afetiva dos jovens integrantes das redes sociais online ficam mais evidentes quando tomamos como referência o amor romântico, cujo significado é vinculado a atributos tais como as nítidas partições que distinguem entre o racional e o sentimental, o público e o privado, o objetivo e o subjetivo, o gênero masculino e o feminino, e assim por diante. É também o amor romântico que em grande medida dá sentido à nuclear família moderna e às atribuições sociais da maternidade e da paternidade. <br />O amor que vem sendo declarado nas redes online não se parece com nenhum tipo de aprimoramento ou de decadência qualitativa em relação às trocas afetivas pautadas pelo romance. Tem muito a dizer, entretanto, de uma geração que cresce habituada a estabelecer relações tecnologicamente mediadas. Os sites de redes sociais operam mediações que agregam padrões tecnológicos às relações de seus frequentadores. Variam as lógicas pelas quais são modelados os padrões que regem os distintos tipos de mediação que eles exercem, contudo, existe em todos eles um incentivo à formação de laços emocionalmente investidos. Talvez o mais emblemático fomentador de laços afetivos seja o polegar em riste do Facebook que dispensa qualquer outro recurso de linguagem: você curte minha foto, eu curto seu post, você curte meu comentário, eu curto seu compartilhamento, e assim, eu sinto que você me curte e vice-versa. Ficam dadas as condições para o recíproco prazer do sentimento correspondido e nada mais. <br />É nesse tipo de site que tanto facilita as interações puramente emocionais que vêm sendo publicadas as palavras de amor. E são esses mesmos sites que favorecem os desvios, “os contágios, as epidemias, os ventos” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 57) que interferem ali, onde o eu se dirige ao tu do amor. Nesse momento, a pergunta se impõe: afinal, como esse eu do enunciado amoroso se liga ao tu do amor pela mediação das redes tecnológicas?<br />Não se trata, entretanto, de atitudes isoladas. Entre os jovens e os adolescentes, o proferimento amoroso em rede vem se tornando parte edificante de uma espécie de acervo de práticas significativas, princípios de conduta e valores que são por eles mesmos legitimados. Trata-se de processos de legitimação pelos quais as experiências compartilhadas nos sites de redes sociais passam por um processo de “sedimentação intersubjetiva”, ou seja, se inserem em um processo de objetivação que “abstrai a experiência de suas ocorrências individuais biográficas” e as torna “uma possibilidade objetiva para todos” (Berger & Luckmann, 1985, p. 97). <br />Um olhar para o âmbito da cultura de nossa época nos permite perceber que a emergência desse tipo de acervo está relacionada a decisivas redefinições em alguns dos códigos fundamentais que regem nossas linguagens, valores, hierarquias de práticas, trocas e mesmo os nossos esquemas perceptivos – tomando como referência a perspectiva de Michel Foucault (1981). Redefinições de códigos que constituem um produto cultural de nosso tempo, com o qual temos que lidar e no qual havemos de nos encontrar, ainda que não estejam muito claros quais sejam os novos parâmetros – ou, para usar os termos de Lacan, qual seja a espiral que nos arrasta na obra contínua de Babel (Lacan, op. cit.).<br />É importante considerar que a vigência de um novo produto cultural não corresponde necessariamente ao abandono ou ao esquecimento dos códigos fundamentais que o antecedem e que já estão profundamente enraizados em nossos modos de ser e de estar no mundo. Não se trata de uma superação ou substituição do velho pelo novo. Há, antes, um estado de coexistência entre o novo e o que existia antes que proporciona sobreposições e tensões cada vez mais frequentes e profundas. Tais tensões estão incorporadas no habitual conflito geracional que conta hoje com um particular ingrediente: um estranhamento que é, por vezes, inconciliável, pois parecem por demais abruptas algumas das diferenças entre os modos de ser e de viver que distinguem a nossa geração da geração que nos sucede. Tais diferenças suscitam as questões que compõem o feixe temático que se volta para a subjetividade de nossa época.<br /><br />Estrangeiros e habitantes<br /><br />A indagação de Michel Serres (2012, p. 6) diante de seus alunos assimila a inquietação de muitos professores, pais e adultos em geral: “quem se apresenta, hoje, na escola, no colégio, no liceu, na universidade?”. Essa pergunta tão genérica quanto profunda é formulada a partir da constatação de que “pelo celular, eles acessam todas as pessoas; pelo GPS, todos os lugares; pela web todo o saber: eles assombram um espaço topológico de vizinhanças, ao passo que habitamos um espaço métrico, referenciado por distâncias” (Serres, 2012, p. 13). Nesse espaço de vizinhanças, “resta inventar novos laços. Testemunho disso é o recrutamento do Facebook”, sendo que de maneira completamente diversa, “nós, adultos, não inventamos nenhum laço social novo. A dominação da crítica e da suspeita faz mais é destruí-los” (Serres, 2012, p. 16).<br />A demarcação de diferenças observada por Serres implica em compreendermos que, de alguma maneira, o mundo que esses jovens habitam nos provoca todo tipo de estranhamento, embora seja também o lugar onde vivemos. Com muita frequência, nós, adultos, utilizamos o Google para fazer pesquisas, o GPS para chamar um táxi ou encontrar um endereço, assim como nutrimos perfis em redes sociais, principalmente no Facebook e no Whatsapp. Mantemos, no entanto, uma certa desconfiança quanto à natureza dos laços que são cultivados nessas redes sociais online. A pergunta padrão é: são todos realmente amigos? Existe também uma ênfase mais quantitativa para a mesma questão, que indaga se existe alguém que realmente tenha centenas de amigos. Questão que nos é própria e que dificilmente é colocada pelos integrantes das novas gerações. <br />Os jovens de hoje nascem e crescem em um mundo onde aquilo que “nós designamos convencionalmente pelo nome de ‘amizade’ é um tipo de ligação inteiramente específica dos ambientes sociais da Web”, como observou Antonio Casilli (2010, p. 270) em um trabalho sobre as ligações numéricas. Isso significa aceitar que, embora possua a mesma designação de um vínculo social offline, trata-se de um tipo de laço que não existe senão nas dinâmicas típicas do mundo online. Na língua inglesa “essa amizade assistida por computador toma o nome de friending. O neologismo designa o ato de ‘amigar’ ou de ‘tornar-se amigo de’ alguém” (Casilli, 2010: 271). Não é de se admirar que essa forma de ligação assuma o estatuto de uma ação, uma vez que abarca o movimento voluntário e persistente de constituir redes sociais, cujas interações atravessam transversalmente as relações face a face.<br />Cabe lembrar que os sistemas tecnológicos são exímios fomentadores desse tipo de ação. No incentivo à conectividade que engendra ligações sociais, tais serviços recorrem à aplicação de hipóteses formuladas no âmbito dos estudos de rede, tal como ocorre com a operacionalização da propalada ideia de “mundo pequeno”, segundo a qual, é “provável que o mundo esteja globalmente conectado”, uma vez que “praticamente qualquer par de indivíduos pode se conectar através de uma cadeia curta de intermediários” (Watts, 2009: 52). É bom lembrar que, na Internet, esse encadeamento é sustentado por tecnologias que tornam de fato exíguas as distâncias geográficas. Mais uma vez fica posta a questão: que espécie de laço social está sendo cultivado com a participação desses sistemas tecnológicos baseados em rede? <br />A persistência da dúvida muito se justifica pelo fato de que nosso regime de subjetividade está vinculado a outro mundo, onde as distâncias são métricas, como notou Serres. Nós nascemos e crescemos em outro tempo-espaço, em que as relações se traçam olhos nos olhos e as amizades acontecem numa cumplicidade da experiência que é compartilhada na duração. Nascemos e nos tornamos sujeitos em um mundo no qual as palavras evocam o som da voz, um mundo em que os emoticons ou emojis não fazem parte dos códigos essenciais da cultura.<br />Atualmente, a presença desses ícones entre as palavras que são digitadas nos teclados dos tablets, smartphnes e celulares já foi considerada “uma transformação sem precedentes em 1400 anos de língua inglesa”, como avalia Paul Payack, presidente do instituto Global Language Monitor. Ele nota que, “com esses ícones, o alfabeto ganha caracteres a uma velocidade impressionante”. A forte presença desses ícones na língua inglesa chega ao ponto de o desenho do “coração” ter sido identificado como a “palavra” do ano em 2014. É evidente que esse tipo de transformação não se restringe à língua inglesa e que, como vários outros processos vinculados às redes informáticas, a assimilação dos emojis nos códigos linguísticos constitui um fenômeno de alcance mundial. <br />Não há como negligenciar a questão de que essas mudanças na língua podem intervir nos modos de subjetivação de crianças que, cada vez em mais tenra idade, manipulam os ícones nas telas dos celulares e tablets de seus pais. Considerando, com Lacan, que existe um momento no qual “a criança começa a se comprometer com o sistema do discurso concreto do ambiente, reproduzindo mais ou menos aproximativamente, em seu Fort! e em seu Da!, os vocábulos que dele recebe” (Lacan, 1998, p. 320), podemos, no limite, indagar se estamos diante de jogos Ford-Da que se dão com as pontas dos dedos manipulando os coloridos ícones que se movimentam sob as telas lisas e cintilantes de uma máquina. Silenciosamente.<br />Embora essa questão, assim como outras aqui formuladas, dificilmente nos conduza a uma resposta conclusiva, ao menos nos faz notar o quanto estamos nos tornando estrangeiros em mundo onde os habitantes são nossos filhos, sobrinhos, alunos e jovens clientes, cuja subjetividade se forma em um ambiente no qual os recursos tecnológicos já fazem parte do “sistema do discurso concreto”. Vivemos a dualidade da experiência de estarmos ocasionalmente muito próximos desses habitantes sem que para isso deixemos de estar algo distante deles.<br /> Isso não significa dizer que somos turistas no contemporâneo, que estamos aqui a passeio, ao contrário, nos provoca a impressão de sermos alguém que “chega hoje e amanhã fica”, como definiu Georg Simmel (1983, p. 182) a respeito do estrangeiro. Muito de nossa ambiguidade nesse tempo-espaço decorre do fato de sermos integrantes dessas sociedades que assimilam as redes tecnológicas como modo de mediação com o mundo, sem, entretanto, deixarmos de ser estranhos a elas. Trazemos nossas bagagens de alhures, o que inclui nossa língua pátria e nossa oralidade.<br />Grande parte da dualidade que vivemos em relação às novas circunstâncias de vida sociocultural reside no fato de que não pertencemos a elas desde sempre, o que, por sua vez, nos dá chances de nelas introduzir elementos provenientes do contexto de onde viemos. Mas, para isso, temos que desvelar, ao menos um pouco da dialética que nos compromete com essas vidas num movimento simbólico, como propôs Lacan na assertiva que provoca esse ensaio. Qual será, afinal, a dialética que nos compromete com esses sujeitos que, há mais ou menos uma década, se apresentam atrelados a seus aparelhos tecnológicos? A nostalgia não tem se mostrado a melhor companheira para nos aproximarmos dessa questão. Se há como trazermos nossas bagagens para a contemporaneidade, precisamos saber onde alojá-las, superando mesmo os mais inquietantes estranhamentos.<br />Para tanto, é fundamental considerar que, “a maneira como tu és e como eu sou, a maneira como nós homens somos sobre a terra é o buan, a habitação”, como propôs Martin Heidegger (1958, p.173). Nessa concepção, habitar equivale a construir, cultivar, edificar não somente esse ser no mundo, mas também o mundo onde se é. Trata-se de uma abordagem que vê o habitante como aquele que constrói o mundo onde se torna sujeito. Ele é o que é à medida que habita. Ele se faz onde habita, mas também faz seu habitat. Cultiva e é cultivado enquanto permanece, cuida, constrói. <br />Por essa perspectiva, o habitante das novas formas socioculturais é conectado às múltiplas redes que se encadeiam através da interface de um celular ou de qualquer aparelho da mesma linhagem. De modo que, para dar prosseguimento à indagação sobre a subjetividade de nossa época, fica colocada uma nova pergunta: que habitat é esse que vem sendo cultivado por esses sujeitos? Essa questão conduz para outro feixe temático, o que se volta para a espiral que atualmente nos arrasta na obra contínua de Babel.<br /><br />Interface<br /><br />Vivemos hoje muitas condições do que Scott Lash (2001) denomina “formas tecnológicas de vida”. Isso significa entender que frequentemente “atribuímos sentido ao mundo através de sistemas tecnológicos” (Lash, 2001: 107), o que implica em comunicar aos outros, através dessas tecnologias, o sentido cotidiano do viver, assim como em uma abreviação das formas de transmitir esse sentido do mundo vivido. Como alternativa às narrativas que são fruto de longa reflexão, vem sendo disseminado o uso do texting, ou seja, o recurso aos brevíssimos textos que são digitados nos aparelhos tecnológicos e instantaneamente enviados às redes sociais. Nota-se aí uma abreviação das unidades de sentido refletida em costumeiras contrações de palavras – como, por exemplo, a fração “vc” onde se escreveria “você”, ou a abreviatura “abc” em substituição à saudação “um abraço”. <br />Marcado pela brevidade e pelo efêmero, o sentido que é comunicado às redes de relações sociais está aberto à intervenção daqueles com quem é compartilhado. E essas comunicações se dão em fluxo contínuo e de longo alcance. O fugaz sentido da vida cotidiana que é partilhado por indivíduos tecnologicamente conectados está apto a atravessar longas distâncias e a fluir permanentemente pelas configurações reticulares dessas novas formas sociais.<br />Nas formas tecnológicas de vida também os vínculos que estabelecemos uns com os outros são tecidos pela interface com as máquinas. De maneira que as ligações que compõem a intrigante topologia reticular dessas formas tecnológicas de vida “são conectadas não por laços sociais per se, mas sim por vínculos sócio-técnicos. Elas são unidas por conexões tão técnicas quanto sociais” (Lash, 2001: 112). Daí decorre a desconcertante impressão de que “já não se sabe ao certo se existem relações específicas o bastante para serem chamadas de ‘sociais’”, ao mesmo tempo em que “o social parece diluído por toda parte e por nenhuma em particular”, como observa Latour (2012: 19) a propósito da redefinição daquilo que entendemos hoje por social. <br />Boa parte dos modos de ser que dizem respeito a essas novas formas sociais não é senão a “realização objetiva”, para usar os termos de Simmel (2005, p. 52), das subjetividades que há uma década cultivam essas ligações em rede. Jovens, adolescentes e mesmo crianças que convivem com a interface como se ela não existisse.<br />Nós, adultos, encontramos na interface uma espécie de fronteira porosa que oferece passagens e que, entretanto, traça os limites que distinguem entre o mundo online e o offline. Lidamos com ela como lidamos com os outros limites que orientam nossos modos de vida, reconhecendo-a e transpondo-a. As fronteiras da interface aparecem cada vez que é desligado um computador ou qualquer outro tipo de aparelho de conexão. <br />Os integrantes das novas gerações, por sua vez, parecem não se ater a esse tipo de delimitação. Para eles não há muita relevância nessa espécie de fronteira que demarca uma exterioridade do outro lado da interface. Eles não dão muita importância à ideia de uma distinção entre o lado de cá e o lado de lá. Não se posicionam aquém ou além da interface. Nasceram e vivem em um mundo onde são corriqueiras as translações entre os acontecimentos locais e os fluxos de alcance global, onde as trocas podem ser indefinidamente prolongadas através dos encadeamentos sociotécnicos, sem que para isso ocorram rupturas. É esse o mundo que eles habitam, o mundo onde eles são.<br />Podemos nos perguntar, então, de que maneira a onipresença da interface com os sistemas tecnológicos participa da espiral que nos arrasta na obra contínua de Babel? Essa questão nos conduz para o terceiro eixo temático desse ensaio, o que procura refletir sobre a função de intérprete na corrente discórdia das línguas.<br /><br />A tarefa do tradutor<br /><br />Sobre a tarefa do tradutor vale remeter à exposição de Walter Benjamin (2000) e à posterior discussão de Derrida (2006) a esse respeito. Benjamin faz uma elaboração em torno das relações entre o original e sua tradução que foi minuciosamente examinada por Derrida e que nos permite uma aproximação muito singular do que pode significar o ato de interpretação. <br />Benjamin encontra entre a tradução e o original muito mais que uma transmissão de significado, antes, uma “correlação de vida”. Ele argumenta que “do mesmo modo como as manifestações da vida, sem nenhum significado para o vivo, estão com ele na mais íntima correlação, assim a tradução procede do original. Certamente menos de sua vida que de sua ‘sobrevida’” (Benjamin, 2000, p. 246). <br />A noção de sobrevida é central nesse contexto de pensamento. É interessante notar que Benjamin evoca a concepção de vida a partir de uma perspectiva histórica e não orgânica. Ele considera a sobrevida como uma possibilidade de existência do original para além do tempo e do lugar onde ele tem vida. Sobrevida como vida para além da vida. Na tradução, diz Benjamin, “a vida do original, em sua constante renovação, conhece seu desenvolvimento o mais tardio e o mais expandido” (Benjamin, 2000, p. 247).<br />Derrida (2006) retoma essa concepção de Benjamin e explora a ideia de sobrevida que dá consistência ao ato de tradução. Ele observa que “se o tradutor não restitui nem copia um original, é que este sobrevive e se transforma. A tradução será na verdade um momento de seu próprio crescimento, ele aí completar-se-á engrandecendo-se” (Derrida, 2006, p. 46). Derrida procura eximir o tradutor do eterno dever de restituir ao original seu sentido, pois essa exigência o coloca na condição de endividado, de alguém que se encontra em situação de devolver ao original algo que foi retirado. Remetendo a Benjamin, Derrida define a posição do tradutor como “agente de sobrevida”, frisando que “tal sobrevida dá um pouco mais de vida, mais que uma sobrevivência” (Derrida, 2006, p. 33). Por esse ponto de vista, a tradução está muito distante da noção de cópia infiel, ela assume o status de uma transposição poética que transgride os limites do que é traduzido e o transforma ampliando-o, estendendo-o.<br />Essa concepção da tradução nos possibilita pensar nossa função de intérpretes no mundo de hoje como facilitadores de transposições poéticas que abrem brechas para a vida além das formas tecnológicas de vida. Isso nos exige, entretanto, saber de algum modo desfazer as tramas das ligações sóciotécnicas.<br /><br />Referências bibliográficas<br /><br />BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981.<br />BAUDRILLARD, Jean. La transparence du mal: essai sur lês phénomènes extremes. Paris: Galilée, 1990.<br />BENJAMIN, Walter. “La tache du traducteur”. In: Benjamin, W. Œuvres I. Paris: Gallimard, 2000.<br />BEN-ZE’EV, Aaron. Love online: emotions on the Internet. Cambridge University Press, 2004.<br />BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.<br />CASILLI, Antonio A. Les liasons numériques: vers une nouvelle sociabilité? Paris: Éditions Du Seuil, 2010.<br />DELEUZE, Gilles & PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Ed. Escuta, 1998.<br />DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2006.<br />FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1981.<br />GENSOLLEN, Michel. “Le web relationnel: vers une économie plus social?”, in: MILLERAND, F., PROULX, S. & RUEFF, J. (orgs.) Web social. Mutation de la communication. Québec, Presses de l’Université du Québec, 2010, pp. 93-110.]<br />GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo, Editora UNESP, 1993.<br />HEIDEGGER, Martin. “Batir, habiter, penser”. In HEIDEGGER, M. Essais et conferences. Paris: Gallimard, 1958.<br />LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.<br />LASH, Scott. “Technological forms of life”. Theory, Culture and Society. Vol. 18 (1), 2001, pp. 105-120.<br />LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, Bauru: EDUSC, 2012.<br />NORA, Dominique. Os conquistadores do ciberespaço. Lisboa: Terramar, 1995.<br />SERRES, Michel. Petite poucette: le monde a telement changé que lês jeunes doivent tout réiventer une maniére de vivre ensemble, des instituitions, une maniére d`être et de connaître. Paris: Éditions Le Pommier, 2012.<br />SIMMEL, Georg. “O estrangeiro”, in: MORAES FILHO, Evaristo. (Org.). Georg Simmel: sociologia. São Paulo, Ed. Ática, 1983.<br />SIMMEL, Georg. “O conceito e a tragédia da cultura”. In: SOUZA, J. & OËLZE, B. (Orgs.) Simmel e a modernidade. Brasília: UnB, 2005. 2ª ed.<br />WATTS, Duncan J. Seis graus de separação. São Paulo: Leopardo Editora, 2009.<br />Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-25987158963923704202015-12-25T18:23:00.000-03:002015-12-25T18:23:33.273-03:00Violência à escola e violência da escola: um olhar da imaginação sociológica[1]<div align="center" class="MsoBodyText" style="text-align: center;">
<span style="text-align: justify;"> </span><span style="text-align: justify;">Tâmara
de Oliveira</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn2" name="_ftnref2" style="text-align: justify;" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[2]</span></span></span></a></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<b><span lang="PT-BR">Introdução</span></b><span lang="PT-BR"> </span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> </span>Este texto tem como origem um
convite do semanário aracajuano Cinform para que eu escrevesse sobre a
violência escolar, devido a dois casos de agressão física a professores na
grande Aracaju em meados de 2015 – o da diretora que foi esmurrada e perfurada
com caneta por um aluno de 16 anos, quando este soube que seria expulso da
escola; o da diretora que sofreu ameaças e teve seus cabelos puxados por uma
mãe de aluna, porque a diretora impediu que a filha da agressora entrasse na
escola sem farda. Esta introdução retoma e amplia o artigo publicado naquele
jornal, enquanto o primeiro tópico apresentará os temas saídos do artigo que
serão tratados e a abordagem retida. Quanto aos outros tópicos, será preciso
esperar a publicação do livro da Renaesp do qual o texto integral será um dos
capítulos.</div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> O convite do Cinform remeteu-me à
distância que sempre existe entre <i>percepção da violência </i>(o que as
pessoas pensam ser o grau de violência na sociedade) e <i>realidade da
violência</i> (os índices reais de violência na sociedade, medidos
estatisticamente). Tal distância pode ser verificada a respeito de quaisquer
fenômenos sociais significativos, sobretudo quando se trata de assunto que
provoca medo numa sociedade dada e que é muito explorado pelas mídias. Sabe-se,
por exemplo, que nas sociedades europeias boa parte das populações teme o
aumento da imigração, por considerar, erroneamente, que o desemprego e os
baixos salários são causados pelos imigrantes. Pois bem: pesquisas em vários
países detectam que as pessoas acreditam existir uma percentagem bem superior
de imigrantes do que na verdade existe. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Como vivemos num contexto societal
de fluxo ininterrupto de informação, muitas vezes sem controle de sua
veracidade, a distância entre o que as pessoas percebem e o que realmente
acontece pode ser ainda mais importante. No caso da violência escolar na grande
Aracaju, tenho a hipótese de que um caso de violência sobre um professor em
2014, por ter sido particularmente chocante, despertou o interesse das mídias
para a violência escolar no estado, fazendo com que notícias sobre agressões a
professores tenham se tornado regulares. Em tal situação, os sergipanos tendem
a perceber que a violência escolar tem crescido assustadoramente, embora quase
nunca tenham meios de verificar o grau real desse crescimento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Lembrar da distância entre percepção
e realidade da violência não significa diminuir a gravidade do ato de agredir
profissionais em seu local de trabalho. Especialmente quando se exerce contra
professores que, na modernidade, seriam um dos principais agentes sociais de
transmissão de valores, normas e competências cidadãs às novas gerações, tendo,
idealmente, um papel de autoridade comparável àquele exercido por nossos pais.
Valores, normas e competências cidadãs implicam na capacidade adquirida pelos
alunos para a reflexão e o diálogo respeitoso diante de situações de conflitos
entre interesses, necessidades, atos, desejos, crenças ou valores, ao invés de
usarem qualquer meio de coerção física ou verbal contra qualquer um que
contrarie um interesse, necessidade, ato, desejo, crença ou valor seus. Mas
antes de se poder concluir apressadamente que a violência escolar cresce
assustadoramente, seria importante acompanhar os índices reais dessa violência,
para poder medir a distância entre o que as pessoas acreditam e o que de fato
acontece, principalmente porque a violência escolar é temática comumente
associada ao da violência juvenil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Ora, quando se fala em violência
juvenil no Brasil, basta fazer um rápido levantamento de estatísticas
relacionando jovens e homicídios para se saber quão discrepante é a distância
entre as <i>representações sociais</i> (Moscovici, 2004) que a maior parte de
nossa sociedade partilha sobre a violência juvenil e a <i>realidade social</i>
dessa violência. Assim, enquanto se defende a redução da maioridade penal sob a
justificativa do aumento da participação de jovens em crimes violentos, os
números esclarecem que nossos jovens são muitíssimo mais suas vítimas do que
seus algozes. É verdade que a autoria juvenil de homicídios tem crescido
(embora sem haver números oficiais das instâncias governamentais sobre isso) e
a respeitada UNICEF<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a>,
fundamentando-se em relatórios governamentais sobre a violência e em estudos
entre 2000 e 2012, estima que 2,8% dos assassinatos no Brasil teriam sido
cometidos por jovens nesse período – sendo que 1% teriam sido cometidos por
jovens entre 16/17 anos (alvo da redução da maioridade). Entretanto, os índices
de jovens assassinados no Brasil, num só ano, tornam esses 2,8% ou 1%
irrisórios: em 2013, o homicídio continua sendo a primeira causa externa de
morte de jovens brasileiros, correspondendo à causa de quase metade dos óbitos
de jovens entre 16/17 anos de idade (Waiselfisz, 2013). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Além disso, comparações
internacionais de dados entre 2010 e 2013 dão conta de que somos o 3º país,
entre 85 pesquisados, na taxa de homicídios por 100.000 jovens de 15 a 19 anos
(Waiselfisz, 2015). Para vislumbrar o grau epidêmico da violência fatal sofrida
cotidianamente por nossos jovens, basta saber que a taxa de assassinados por
100.000 adolescentes é, no Brasil, 183 vezes maior do que a de países como o
Egito, a Alemanha ou a Coreia, e, 275 vezes maior do que a de países como
Áustria, Japão, Reino Unido ou Bélgica (Waiselfisz, 2015)! E nunca é demais
lembrar que esse grau de violência contra os jovens brasileiros não é
“democratizado”, posto que a maioria dos jovens assassinados seja pobre, negra
e parda, exprimindo nossas profundas e complexas desigualdades. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<b><span lang="PT-BR">1. Abordando a violência escolar sob modo
qualitativo, articulado e propositivo</span></b><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Essa discrepância entre
representação social e realidade social, acima analisada no que diz respeito às
quantidades da violência juvenil, também se manifesta em explicações sobre as
causas possíveis da violência – inclusive a escolar. É comum ouvir-se fórmulas
explicando que “os jovens estão fora de controle” ou “os pais terceirizaram sua
responsabilidade educacional”. Neste caso, aplicando-se a noção de <i>imaginação
sociológica</i> (W. Mills, 2006), segundo a qual as ciências sociais são um
conhecimento que articula problemas pessoais a estruturas sociais<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a>,
pode-se facilmente invalidá-las, porque são explicações que isolam os atores
sociais de suas condições sociais objetivas e simbólicas de vida, como se suas
práticas e valores fossem definidos unicamente por eles mesmos. Ora, não há
“jovens”, “pais” ou quaisquer outros tipos de indivíduos humanos cujas orientações
de vida, de valores, de desejos e de comportamento possam ser entendidos sem
consideração do quadro de possibilidades e limitações que o contexto
socioeconômico, cultural e institucional onde eles vivem imprimem às suas
práticas e representações (Moscovici, 2004). Melhor dizendo, em termos do
construtivismo sociológico de P. Berger e Thomas Luckmann (1996), a
subjetividade das pessoas não se constrói sem articulação com a <i>realidade
social objetiva</i> que as cerca. Sendo assim, por que e como esperar que as
novas gerações adquiram aqueles valores, normas e competências do ideal moderno
de cidadania, ideal este potencialmente capaz de sublimar a agressividade<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></a>,
se elas são socializadas numa sociedade violenta? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> A continuidade deste texto
sustentará o argumento de que tal esperança ilusória pode ser compreendida pela
análise articulada de arranjos institucionais e simbólicos (para Mills,
estruturas sociais) que, tornando-se predominantes a partir das transformações
societais aceleradas desde os anos 1980, fragilizaram valores indissociáveis do
ideal moderno de cidadania, como a de bens comuns e de cooperação
redistributiva como meio de regulação social, em favor de valores como o da
competição ilimitada, do sucesso como prova meritocrática e justificativa de segregação
social, além do prazer sensorial consumista como horizonte de vida - valores
estes que incidem no aumento de práticas, representações e interações sociais
violentas<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn6" name="_ftnref6" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></a>.
Além disso, como tais arranjos institucionais e simbólicos mantêm <i>afinidades
eletivas</i> (Weber, 2004) com os dois conteúdos ao mesmo tempo nucleares
(Abric, 2001) e opositivos das representações modernas sobre a juventude, a
percepção do aumento da violência escolar possibilita a vã esperança de que a
repressão do suposto descontrole dos jovens e da suposta irresponsabilidade dos
pais sejam meios eficientes para resolver
o problema. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Para sustentar o argumento proposto,
continuarei com uma rápida descrição da construção social da juventude pela
modernidade, consolidando o misto de fascínio e medo com os quais se percebe
cotidianamente os jovens, articulando esse processo ao da elevação da
instituição escolar enquanto meio fundamental de controle da suposta natureza
desviante da juventude, para sua integração “normal” à sociedade. Em seguida,
será feita uma articulação entre a problemática convergência histórica da
democratização de sistemas de ensino com aquelas transformações societais que,
aceleradas a partir dos anos 1980, costumam ser discutidas pelos termos de <i>globalização</i>
(referente às dimensões objetivas e institucionais dessas transformações) e de <i>pós-modernidade</i>
(referente às suas dimensões subjetivas e simbólicas)<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftn7" name="_ftnref7" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></a>.
A análise se concentrará sobre a impregnação de políticas públicas educacionais
pela lógica competitiva cega, segregativa e perversamente meritocrática
subjacente àquelas transformações, articulando-a ao crescimento de relações
negativas de boa parte dos alunos à escola, entre as quais a relação violenta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Neste sentido, utililizarei a
distinção entre três tipos de violência escolar colocada num pequeno texto de
Bernard Charlot (2002): <i>a violência à escola</i>, referente a atos violentos
tendo como objeto o estabelecimento ou seus atores, como professores,
diretores, alunos, pessoal administrativo, etc.; <i>a violência na escola</i>,
referente a práticas violentas que ocorrem na escola mas que não a têm, nem a
seus atores, como objeto – como acertos de conta entre alunos ou grupos de
alunos, etc.; e, <i>violência da escola</i>, referente a práticas, normas ou
orientações institucionais que atingem os
alunos e provêm da própria escola ou de seus responsáveis. Defenderei a
hipótese segundo a qual a coincidência problemática entre democratização dos
sistemas de ensino e transformações societais que puseram em cheque
compromissos sociais como o do Estado do bem-estar social ou o do
desenvolvimentismo, provocou um aumento estrutural da <i>violência da escola</i>
que, como um bumerangue, volta-se contra ela como relações negativas de parte
de seus alunos ou familiares, entre as quais a de relação <i>violenta</i> <i>à
escola</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"> Nas considerações finais serão
colocados preliminarmente passos de uma caminho artesanal do ensino da
sociologia no ensino médio, como potencial contribuição das ciências sociais no
sentido de que as relações entre “estruturas sociais” e “problemas pessoais” na
escola contemporânea não impliquem inevitavelmente na mera reprodução da lógica
mercadológica e violenta onde parte dela e das subjetividades que a sustentam
se encontram. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
<b><span lang="PT-BR">Referências</span></b><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%;">
<span lang="PT-BR">ABRAMO, H. W. Condição juvenil
no Brasil contemporâneo. In: ABRAMO, H. W./BRANCO, P. M. (orgs.) <i>Retratos da
juventude brasileira: </i>Análises de uma pesquisa nacional.<i> </i>São
Paulo/Porto Alegre: Editora Fundação Perseu Abramo/Instituto da Cidadania,
2011. p. 37-72.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%;">
<span lang="PT-BR">ABRIC, J.-C. <i>Pratiques
sociales et représentations. </i>Paris: PUF, 2001.</span><span lang="FR"> 252 p. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-autospace: ideograph-numeric;">
<span lang="FR">BEAUD, S. <i>80% au bac…et
après ? </i>Les enfants de la démocratisation scolaire. </span><span lang="PT-BR">Paris : La Découverte, 2002/2003. 338 p.</span><span lang="DE"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="DE">BERGER, P./LUCKMANN, T. </span><i><span lang="FR">La construction sociale de la réalité</span></i><span lang="FR">. Paris : Masson/Armand Colin, </span><span lang="DE">1996.</span><span lang="FR"> 285 p.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-autospace: ideograph-numeric;">
<span lang="FR">BOUDON, R. <i>L’inégalité des chances</i>. </span><span lang="DE">Paris : Hachette Littérature, </span><span lang="FR">1984. 334 p. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR">BOURDIEU, P./PASSERON, J.-C. </span><i><span lang="FR">La reproduction : </span></i><span lang="FR">éléments
pour une théorie du système d’enseignement.<i> </i>Paris : Les Editions de
Minuit, 1970. 279 p. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR">CHARLOT, B. A violência na escola : como os
sociólogos franceses abordam essa questão. <i>Sociologias. </i>Porto Alegre,
ano 4, nº 8, p. 432-443, jul/dez 2002. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR">COSTA, J. Freire Perspectivas de juventude na
sociedade de mercado. In : NOVAES, R./VANNUCHI, P. (orgs.). <i>Juventude e
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Cidadania, 2011.<i> </i>p. 75-88.</span><span lang="DE"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="DE">COSTA, M. da/BARTHOLO, T. L. Padrões de segregação
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="FR">DUBET, F. Déscolariser la société. Rencontre avec
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
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<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span lang="DE">LAHIRE, B. <i>L'Esprit Sociologique. </i>Paris: La
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-autospace: ideograph-numeric;">
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<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
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23 de set. 2015.</span><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
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Acesso em: 23 de set. 2015.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-autospace: ideograph-numeric;">
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Acesso em: 23 de set. 2015. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
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Acesso em 23 de set. 2015. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
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Paulo: Companhia das Letras, 2004. 335 p.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span class="WW-Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"> Este texto é parte de um capítulo
de livro no prelo, organizado pela RENAESP/UFS (Rede Nacional de Altos Estudos
em Segurança Pública/Universidade Federal de Sergipe)</span></span><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span class="WW-Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"> Professora associada da
Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Pibid/UFS-Ciências Sociais. </span></span><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="PT-BR"> Fonte:<a href="http://oglobo.globo.com/brasil/unicef-estima-em-1-os-homicidios-cometidos-por-menores-no-brasil-15761228">http://oglobo.globo.com/brasil/unicef-estima-em-1-os-homicidios-cometidos-por-menores-no-brasil-15761228</a>
<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="PT-BR"> Charles Wright
Mills utilizava o conceito de estrutura social num sentido fraco, ou seja, ele
não se inseria exatamente em teorias sociológicas ditas estruturalistas ou
sistêmicas, para as quais a subjetividade nada mais seria do que a
interiorização das normas, valores e instituições sociais pelos indivíduos, mas
também não se inseria em teorias sociológicas individualistas nem francamente
interacionistas. Desenvolvendo um modelo teórico-metodológico singular mas
afinado com uma tradição de sociologia crítica, podemos dizer que Mills
concebia a relação indivíduo/sociedade sob um modo de interdependência em
aberto, onde estruturas não se concebiam fora da dinâmica entre subjetividades
e objetividade do social. Neste sentido, uso seu binômio e<i>struturas
sociais/problemas pessoais</i> por entendê-lo epistemologicamente compatível o
binômio conceitual <i>realidade social objetiva </i>e <i>realidade social
subjetiva</i> de Berger e Luckmann (1996).
<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="PT-BR"> Consideramos a
sublimação da agressividade, segundo a argumentação de Bernard Charlot (2002),
assim desenvolvida: “A agressividade é uma disposição biopsíquica reacional: a
frustração (inevitável quando não podemos viver sob o princípio único do
prazer) leva à angústia e à agressividade. A agressão é um ato que implica uma
brutalidade física ou verbal(...). A violência remete a uma característica
desse ato, enfatiza o uso da força, do poder, da dominação.(...)É uma ilusão
crer que se possa fazer desaparecer a
agressividade e, como consequência, a agressão e o conflito. Aliás, isso seria
desejável levando-se em conta que a agressividade sublimada é a fonte de
condutas socialmente valorizadas (no esporte, na arte, nas diversas formas da
concorrência) e se o conflito é também um motor da História, como pensava
Hegel? A questão é saber quais são as formas de expressão legítimas ou
aceitáveis da agressividade e do conflito. É a violência enquanto vontade de
destruir, de aviltar, de atormentar que causa problema – e que causa mais
problema ainda em uma instituição que, como a escola, inscreve-se na ordem da
linguagem e da troca simbólica e não da força física. Concretamente, isso
significa que o problema não é fazer desaparecer da escola a agressividade e o
conflito, mas regulá-los pela palavra e não pela violência – ficando bem
entendido que a violência será bem mais provável, na medida em que a palavra se
tornar impossível” Pp.435/436.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="PT-BR"> A argumentação
sobre o Brasil e a França não significa que eles sejam os únicos países
afetados pelos processos aqui anunciados, mas que são os países sobre os quais
a autora tem dados e reflexões acumulados. Por outro lado, comparações
internacionais demonstram que outros países têm conseguido conviver com as
transformações da chamada globalização sem mergulharem tão dramaticamente nos
paradoxos do laço liberdade-competitividade enquanto princípio educacional.
Como a Finlândia, por exemplo que, talvez por causa disso, embora continue
considerada um dos líderes mundiais de competência acadêmica, caiu para a 12ª
posição mundial no PISA de 2012. Ora, o PISA é um exame vinculado à OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) – o que já indica
que sua lógica é impregnada por razões econômicas mais do que político-sociais.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin-left: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/viol%C3%AAncia-escolar-cazzo.doc#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="Caracteresdenotaderodap"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Liberation Serif",serif; font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: FreeSans; mso-bidi-language: HI; mso-fareast-font-family: "Droid Sans Fallback"; mso-fareast-language: ZH-CN; mso-font-kerning: .5pt;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span lang="PT-BR"> Não será
analisada aqui a diversidade, a complexidade e a polêmica em torno dos termos
de <i>globalização</i> e <i>pós-modernidade</i>. Isso levaria a caminhos de
discussão epistemológica e metodológica que desviaria o texto de seu assunto
principal, qual seja o da articulação entre jovens e violência escolar.
Manterei o termo <i>transformações societais aceleradas</i>, considerando que,
referindo-se a processos de mudanças sociais perceptíveis, não levaria este
texto a uma polêmica fora de seus propósitos e de seus temas. <o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-856065182453959572015-09-25T19:29:00.002-03:002022-09-27T18:16:00.609-03:00Consumo de Psicofármacos na Contemporaneidade: a medicalização do sofrimento e as encruzilhadas da subjetividade (versão não editada)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtjNCnjC4wf38pg_NfkHQhe-J81iCmWe-PcpBV30w1hGevht3-hKbXDSnlLMXbScNL_Y_hjsZIC8KKAcD_1gMRYjDdozaQybVhFhyphenhyphenikOsiiCtSkxkBoyqzfS0eMl9McCWHTu8F5AISOR4/s1600/images.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtjNCnjC4wf38pg_NfkHQhe-J81iCmWe-PcpBV30w1hGevht3-hKbXDSnlLMXbScNL_Y_hjsZIC8KKAcD_1gMRYjDdozaQybVhFhyphenhyphenikOsiiCtSkxkBoyqzfS0eMl9McCWHTu8F5AISOR4/s1600/images.jpg" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-style: italic;"><br /></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-style: italic;"><br /></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-style: italic;">Corpo, Consumo e Saúde: reflexões
contemporâneas<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-style: italic;">Cuiabá - 18 de setembro de 2015</span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222;">Jonatas
Ferreira<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Começo esta comunicação propondo a existência de um <i>dispositivo psicofarmacológico</i> e
afirmando sua importância para entendermos as necessidades dinâmicas do
capitalismo contemporâneo. Proveniente da genealogia foucaultiana, o termo
<i>dispositivo </i>diz respeito a uma “urgência”, a uma “função estratégica
dominante”, de pretensões quase sistêmicas, em dada formação governamental. </span><span face=""Arial",sans-serif" lang="EN-GB" style="background: white; color: #222222; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-weight: bold;">Em seu ensaio “O que é um
dispositivo?”, Giorgio Agamben recorre a alguns poucos excertos em que Foucault
procura esclarecer este termo: “O que estou tentando destacar com esse termo é, primeiro e acima de tudo, um conjunto de discursos largamente heterogêneo, instituições, formas arquitetônicas, decisões de caráter regulador, leis, medidas administrativas, declarações científicas, proposições morais e filantrópicas - em suma, o dito tanto quanto o não dito. Esses são os elementos do aparato. O aparato é, ele mesmo, a rede que pode estabelecer esses elementos</span><span face=""Arial",sans-serif" lang="EN-GB" style="background: white; color: #222222; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-weight: bold;">…” </span><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">(Agamben, <i>What is an Apparatus</i>, p.
2). Interessa-me nesse conjunto de elementos discursivos articulados sua precariedade, a forma tensa e por vezes ambígua como ele se
torna operante, o seu não dito. Por motivos que ficarão claros na
continuidade desta exposição, uma análise da medicalização do sofrimento
psíquico na contemporaneidade pode se beneficiar de tal aporte teórico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Digamos inicialmente acerca dessa
possibilidade discursiva e de seu significado: se a aceleração e a “aceleração
da aceleração” desempenham um papel crucial na própria lógica a partir da qual
o capitalismo responde ao horizonte sempre iminente das crises globais – e,
deste modo, inovar e consumir são necessidades sistêmicas desta economia -, uma
das condições da sustentabilidade de sua dinâmica é a existência desse
dispositivo biopolítico. É preciso que os corpos respondam positivamente às
condições dromológicas de reprodução do capital, à perecibilidade de objetos,
ao caráter descartável dos envolvimentos afetivos, em suma, a estes fenômenos
inerentes ao “turbocapitalismo”. Isso demanda, não apenas próteses químicas,
medicamentos, tais como antidepressivos, ansiolíticos, psicoestimulantes, mas
uma “cultura” e uma biopolítica em que os corpos devem sempre estar em estado
de prontidão, em que formas específicas de regulação e ampliação da atuação
médica, em que mudanças institucionais etc., contribuam para a possibilidade de
operação mais ampla deste sistema.<o:p></o:p></span><br />
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">O dispositivo psicofarmacológico compreende, pois,
não apenas a popularização do consumo de substâncias psicoativas, tais como
neurolépticos, antidepressivos, ansiolíticos, mas um conjunto de saberes -
encapsulados nos manuais de diagnóstico, por exemplo -, a institucionalização
de terapêuticas específicas, a ação de grandes empresas farmacêuticas, a regulação
governamental da prática médica, da atuação da indústria farmacêutica, do
controle do consumo de medicamentos, entre diversos outros fenômenos sociais.
Este conjunto articulado de práticas, saberes, poderes, oferece uma forma de
entender o sofrimento a partir da bioquímica, deficits de serotonina, circuitos
sinápticos, mas fundamentalmente propõe uma forma de lidar com o mal-estar
contemporâneo e de aprender a “funcionar” num contexto de fragmentação e
dissolução difíceis de ser suportadas. Trata-se, pois, de um dispositivo
biopolítico em que o silenciamento dos processos de significação corre em
paralelo ao privilegiamento da administração da “vida nua”<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; color: #222222; font-size: 11pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>,
à zoologização dos humores. <o:p></o:p></span><br />
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">A atenção que se tem dado ao tema, no entanto, em
geral, tende a tomar como foco esse produto recente da neurobiologia, isto é, o
medicamento. Neste sentido, a medicalização dos sofrimentos mais comezinhos, a
intolerância à dor e ao sofrimento, se destacam do conjunto biopolítico onde
eles fazem algum sentido. A explosão no consumo de psicofármacos é um aspecto
importante do dispositivo psicofarmacológico, não há dúvida. Comecemos então
por mencioná-lo aqui. Tomemos o caso do Brasil e de Portugal, como ilustração.
De acordo com</span><span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="color: #00000a; mso-ansi-language: #0016;"> dados da ANVISA, em 2010 foram
dispensadas 25.677.892 unidades de algum tipo de benzodiazepínico - isto é, de
hipnóticos com propriedade ansiolítica - no Brasil, um número que corresponde a
aproximadamente 135 unidades para cada mil habitantes. Se compararmos esse
consumo com dados de 2008, ou seja, em um intervalo de apenas 2 anos, observaremos
um crescimento de 325,4%. Na Europa, merece destaque o caso português: “Entre
os anos de 2000 e 2012, o consumo de antidepressivos calculado em doses diárias
por mil habitantes mais que triplicou e o de ansiolíticos cresceu 170%. </span><span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">A venda
de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos (vulgarmente designados
tranquilizantes) aumentou 6%, mas este continua a ser o subgrupo com maior
utilização em Portugal (96 doses diárias por mil).<span style="color: #00000a;">”
<o:p></o:p></span></span><br />
<span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;"><span style="color: #00000a;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Há entre o aumento do consumo de psicofármacos no
mundo e a constatação do aumento dos diagnósticos de transtornos mentais uma
relação largamente difundida, mas que não é tão evidente assim. O Brasil, não
há dúvida, refletiria uma tendência mundial de aumento de transtornos psíquicos como
a depressão. No ano de 2013, 7,6% dos diagnósticos de doenças crônicas no SUS
diziam respeito precisamente à depressão (11% mulheres e 4% homens). Esse valor
alcança 13% dos casos totais de doenças crônicas em Santa Catarina e Rio Grande
do Sul (nos dois casos as mulheres têm mais que o dobro dos diagnósticos dos
homens). Em sua edição de 18/08/2014, o jornal <i>O Estado de São Paulo</i>, com base em dados do SUS, afirmava que o
número de mortes decorrente de estados depressivos aumentara 705% em 16 ano</span><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; mso-bidi-font-weight: bold;">s. “</span><span face=""Arial",sans-serif" style="mso-bidi-font-family: Calibri;">O número total de suicídios também teve aumento significativo no
Brasil. Passou de 6.743 para 10.321 no mesmo período, uma média de 28 mortes
por dia”<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="ncoradanotaderodap"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="ncoradanotaderodap"><span style="font-size: 11pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a>.<o:p></o:p></span><br />
<span face=""Arial",sans-serif" style="mso-bidi-font-family: Calibri;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Diante desses números, é forçoso perguntar: estamos
diante de um aumento real de casos de depressão, da notificação de casos que
antes não </span><span style="line-height: 150%;">eram</span><span style="line-height: 150%;"> </span><span style="line-height: 150%;">notificados - inclusive pela ausência de mecanismos padronizados
de diagnóstico -, ou do peso de uma psiquiatria voltada para o sintoma, cuja
força não pode ser negligenciada, e que tenderia a tornar “patológico”, e
portanto passível de medicalização, todo sofrimento que puder ser tratado
mediante a intervenção de medicamentos? É possível que ambas as alternativas estejam corretas. Sob a influência da psiquiatria estadunidense e das versões 3, 4 e 5 do
Manuais Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM), ocorre uma </span><i style="line-height: 150%;">padronização</i><span style="line-height: 150%;"> dos diagnósticos de
transtornos mentais e esta uniformização de critérios resultou no aumento
expressivo das estatísticas de sofrimentos, a exemplo da depressão. Esta
padronização dos critérios de diagnóstico, por outro lado, foi um elemento
importante na popularização de uma terapêutica bioquímica, bem como na
legitimação de uma epistemologia médica de base neurológica. Diríamos que a
eficiência dos novos psicofármacos no tratamento de uma síndrome qualquer age
como critério reverso de validação da nosologia que orienta este tipo de
psiquiatria: se um conjunto de sintomas pode ser tratado com um medicamento
dado é porque estamos diante de um transtorno específico. Todos devemos ter em
mente aqui a dificuldade que a psiquiatria sempre teve de ser tratada como uma
prática médica entre outras precisamente por não contar com pressupostos etiológicos
convincentes: ela compensa isso com uma predisposição classificatória, presente
desde os primeiros esforços de seus fundadores. Essa dificuldade é compreensível:
parece bem mais fácil estabelecer uma relação causal entre o entupimento de uma
artéria e a ocorrência de um infarto que encontrar as “causas” biológicas da
esquizofrenia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" lang="EN-GB" style="background: white; color: #222222; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-weight: bold;">“Yet no mental disorder is
associated with a consistente biological marker either from neurochemistry or
from imaging data. This suggests that psychopathology is too complex to be
readily classified, either in distinct categories, or in broad spectra. For
example, the fact that psychopharmacological agents can change brain chemistry
does not prove the fact that mental disorders are caused by ‘chemical
imbalance’. Similarly, the fact that mental disorders are associated with
change in brain function that can be measured by imaging does not prove that
alterations in the activity of neuro-circuitry are the cause of these illness” (Paris, p.40). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">O sintoma, no contexto da psiquiatria de orientação
biológica, funciona como um critério para estabelecimento de uma etiologia.
Isto ocorre na medida em que uma síndrome possa ser objeto de intervenção
medicamentosa que a atenue: a classificação psiquiátrica de um sofrimento, isto
é, um conjunto de sintomas, e sua medicalização, assim, andam de mãos dadas. Neste
sentido, o fato de a psiquiatria hegemônica na contemporaneidade dispor de
quadros nosológicos amplos que constatam o aumento vertiginoso dos diagnósticos
de depressão parece, ao mesmo tempo, apontar para a necessidade de intervenções
químicas. Porém, o fato de dispormos de enormes gavetas para, mediante uma
conferência rápida de um quadro sintomático, arquivar situações de mal-estar em
dada categoria pode significar que este mal-estar tenha uma dimensão
ontológica, biológica e social mais complexa que o desejo de alguns por métodos
pragmáticos de lidar com o sofrimento pode admitir. Escutemos a esse respeito,
mais uma vez, o psiquiatra estadunidense Joel Paris:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">“Infelizmente, reducionismo biológico não consegue
reconhecer sistemas complexos têm propriedades emergentes que não podem ser
inteiramente explicados com base em seus componentes. Embora a mente não exista
sem o cérebro, ela não pode ser reduzida a circuitos neurológicos ou mecanismos
celulares” (Paris, p. 40) <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 35.4pt; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="color: #00000a; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Creio que devemos nos perguntar que mudança
discursiva, epistemológica, encontra na nosologia do <i>Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais</i> – sobretudo em suas três últimas versões - sua
racionalização típica. A meu ver, estamos diante de uma transformação profunda
de sentido metadiscursivo, ou seja, uma mudança que diz respeito ao próprio
sentido da linguagem nos processos de comunicação que se estabelecem no
dispositivo psicofarmacológico e de um modo bem particular na relação entre
médico e paciente. Diríamos inicialmente que a pretensão destes guias de
diagnóstico da saúde mental é constituir um processo científico de entrada,
processamento e saída de informações não ambíguas de modo a orientar um tipo de
terapêutica tão racional e simples que seria plenamente compreensível não
apenas pelo psiquiatra, pelo especialista, mas por clínicos gerais, demais
especialistas e leigos. Porém e, sobretudo, a lógica de operação desses manuais
é tornar possível a própria automatização dos mecanismos diagnósticos. Uma medida
considerável de automatização das trocas comunicacionais entre médico e
paciente – e, assim, a degradação do sentido como parte inerente do processo
terapêutico - está na raiz da racionalidade do dispositivo como um todo. Por
essa razão não parece fortuito que Robert Spitzer, que teve uma posição chave
na força tarefa que elaborou a versão 3 do DSM, fale da pretensão de
transformar diagnósticos em algoritmos, em tudo semelhantes àqueles que
encontramos na programação computacional. Apenas esse processo permitiria
construir mecanismos estatísticos capazes de estimar a real situação da saúde
mental dos E.U.A. Os algoritmos de que fala Spitzer, neste sentido, são, não apenas
relevantes, mas um elemento central da lógica mais ampla que articula o próprio
dispositivo: mapear, identificar e controlar o sofrimento.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" lang="EN-GB" style="color: #00000a; mso-ansi-language: EN-GB; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">“The
Patient Health Questionnaire (PHQ) is a 3-page questionnaire that can be
entirely self-administered by the patient. The clinician scans the completed
questionnaire, verifies positive responses, and applies diagnostic algorithms
that are abbreviated at the bottom of each page. The PHQ assesses 8 diagnoses,
divided into threshold disorders […], and subthreshold disorders”<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-GB" style="color: #00000a; font-size: 11pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 35.4pt; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="color: #00000a; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">O desdobrar deste tipo de raciocínio pode ser
comprovado nas versões do DSM que se seguiram à sua terceira versão. O sentido
geral do empreendimento era criar categorias analíticas claras que pudessem
estabelecer um padrão internacional de diagnóstico de transtornos mentais, à
semelhança da <i>International
Classification of Diseases</i>. Tratava-se pois fornecer “critérios somáticos
explícitos”, e universalizáveis, capazes de servir sem ambiguidades ao
diagnóstico dos transtornos mentais. A padronização que promove o DSM-III foi
de fundamental importância para “explosão de pesquisas na área de saúde mental”
(Spitzer in Horwitz e Wakefeld, 2007, p. 7-8). Quando falamos aqui, seguindo
Horwitz e Wakefeld, de “explosão de pesquisas”, temos em mente pesquisas
quantitativas em grande escala, capazes de perceber como um mesmo caso de
depressão o sofrimento de pacientes em princípio bastante diversos. Quando hoje
falamos de uma explosão de casos de depressão no mundo, devemos ter em mente o
caráter organizador desses manuais diagnósticos e de sua capacidade de reduzir
a complexidade do real.</span><span face=""Arial",sans-serif" style="color: #00000a; mso-fareast-font-family: Calibri;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif">É claro que não se trata aqui nem de
demonizar o DSM nem o psicofármaco, mas de entendê-los no contexto de uma
discursividade mais ampla e que diz respeito às formas como a reprodução da
vida, da saúde mental e da subjetividade são empreendidas no contexto do
turbocapitalismo. Essa discursividade e a compreensão do que seja linguagem e
comunicação podem ainda ser ilustrados pela mesma busca de algoritmos que
racionalizem a linguagem cotidiana e busquem já não a compreensão esquematizada,
a significação mesmo que simplificada do sofrimento, mas sua domesticação nos
fluxos comunicacionais mais amplo da técnica. Em 04 de setembro de 2015, a <i>Folha de São Paulo</i>, em reportagem de
Giuliana Miranda, anunciava sem qualquer consideração crítica em seu caderno
“equilíbrio e saúde” o desenvolvimento de um “novo algoritmo ajuda cientistas a
prever casos de psicose”. Como Heidegger já propôs em seus ensaios sobre
linguagem e cibernética, a linguagem reduzida à comunicação, aos fluxos
comunicacionais, é esvaziada de toda ambiguidade, de toda pluralidade semântica
que se oponha à aceleração e à antecipação tecnológica. Parece que é isso de
que se trata aqui. Não é de estranhar que a psiquiatria que se desenvolve no
contexto do que chamamos aqui dispositivo psicofarmacológico trate a expressão
linguística do psicótico como um mero conjunto de sinais, como elemento
matematizável que pode oferecer dados mais amplos de previsibilidade da psique.
Desenvolvido por um time internacional de pesquisadores, o algoritmo de que
fala a reportagem “consegue analisar a fala de pacientes psiquiátricos e prever
aqueles que irão desenvolver uma psicose”. Mais abaixo somos informados: “Pacientes
com esquizofrenia, uma das psicoses mais conhecidas, têm vários sintomas
perceptíveis na fala, inclusive um certo grau de confusão e repetição. O que os
algoritmos dos cientistas fazem é automatizar o processo de identificação, que
hoje é feito pelos ouvidos atentos dos psiquiatras nos consultórios”. Se
ouvidos atentos dos psiquiatras já podem ser concebidos como supérfluos, tenha
ou não viabilidade prática e econômica o algoritmo de que fala a reportagem, é
porque a questão do sentido da comunicação, da linguagem, já foi reduzida a uma
sintomática, a um conjunto de sinais que não apenas podem ser manipulados
automaticamente, mas são, eles próprios, percebidos como signos matemáticos. A
vida desnudada de sentido, a palavra esvaziada de sua dimensão semântica, já
não é objeto de exegese, de interpretação, mas pode ser antecipada. Desde Marx,
como já enfatizamos acima em nossa primeira nota de rodapé, a abstração do
trabalho do ser humano, a perda de qualquer caráter subjetivo no laborar,
significava tanto sua bestialização com a própria possibilidade de
automatização. A redução da linguagem a um ato de performatividade
comunicacional, a um conjunto de signos, de sintomas antecipáveis,
matematizáveis, parece agora constituir um elemento fundamental no
empobrecimento da experiência sem o qual uma dinâmica dromológico, de consumo
vertiginoso não parece concebível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Tudo isso nos impele a refletir acerca dos motivos
pelos quais as condições sociais de produção do sofrimento, hoje tratado por
uma psiquiatria de base bioquímica, são deixadas de lado. É claro, por exemplo,
que o ritmo da vida contemporânea tem levado a quadros que são avaliados como
depressivos – toda uma literatura e estatísticas sobre a ocorrência de síndrome
de <i>burnout</i> nas grandes cidades apoiam
esse tipo de constatação. A verdade porém é que para além desse vetor
macrossociológico a própria dinâmica daquilo que Sadler (26) denomina Complexo
Médico-Industrial da saúde mental (MHMIC) deve ser considerado como fator
importante para entendermos o aumento expressivo dessas estatísticas. O
argumento de Sadler é simples: como qualquer negócio, o MHMIC procura expandir
constantemente seu mercado e, assim, maximizar o lucro de seus investidores.
Neste sentido, por exemplo,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="mso-bidi-font-family: Calibri;">“um compromisso
constante da psiquiatria Americana para aumentar o número de categorias de
transtornos mentais [<i>mental disorders</i>] é uma valiosa, talvez essencial,
contribuição para essa agenda expansionista. Até o momento, cada revisão do DSM
adicionou novas categorias e/ou subcategorias de transtornos. Mais, a indústria
farmacêutica provavelmente se beneficia da abordagem descritiva e “ateórica” do
diagnóstico, posto que o ateorismo contribui para potenciais prescrições
cruzadas (prescrições cruzadas são o uso do mesmo composto para diferentes
categorias de diagnóstico, tais como usar SSRIs<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a> tanto
para a depressão quanto para a ansiedade”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Sadler propõe ainda que observemos algumas dimensões
Complexo Médico-Industrial da saúde mental. A primeira delas é, sendo o negócio
seu motor, ele sobrevive da busca incessante por “maximizar lucros” e “minimizar
custos”. Terapias baseadas em medicamentos, no tratamento de sintomas claros e
rapidamente identificáveis, são uma alternativa bem mais barata que “terapias
psicossociais”. Comparemos uma consulta de um psiquiatra de orientação
neurobiológica, isto é, para quem o conjunto de sintomas leva ao diagnóstico e
ao medicamento, com um psiquiatra de orientação psicanalítica, em cuja prática
o sintoma é apenas o início de uma longa “investigação”. A guinada da
Associação Psiquiátrica Americana para fora da influência psicanalítica, neste
sentido, pode ser entendida como uma decisão econômica. AA pressão por eficiência
e por critérios racionais de gestão dos serviços de saúde acomodam-se e impelem,
deste modo, perfeitamente à virada que se produz na psiquiatria estadunidense a
partir do lançamento do DSM-3, e que Paris acertadamente denomina “reducionismo
biológico”. As mudanças de orientação biomédica que existem entre o DSM-II e o
DSM-III, como é sabido, devem-se em larga medida à síntese de medicamentos mais
eficazes no “tratamento de transtornos mentais”. “O efeito dramático da
clorpromazina, dos diazepínicos e dos antidepressivos tricíclicos abalou
completamente a ideia de separação entre processos orgânicos e psicológicos,
ajudou a desmontar a centralidade do tratamento hospitalar, e ampliou o
contingente de condições tratáveis pelos médicos” (Bezerra Jr., p. 24). Numa
série de entrevista que realizei com psiquiatras e psicólogos em Lisboa no ano
de 2014, a pressão gerencialista do sistema de saúde português, sobretudo no
que ele diz respeito às metas de atendimento de pacientes com algum tipo de
sofrimento psíquico, foi apontada como tendo impacto direto no tempo que os
profissionais da saúde mental pode dedicar a consultas, bem como na existência
de intervalos demasiadamente longos entre aquelas. Isso reforça, segundo entendo,
a tendência a adotar métodos de diagnóstico e tratamento compatíveis com, ou
mais ajustáveis a, essa pressão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Fatores como uma cultura de saúde baseada na
responsabilidade individual, ressaltada por autores como Nikolas Rose e Alain
Ehrenberg, além de formas diversas de propaganda e de divulgação do produtos e
serviços do Complexo Médico-Industrial de Saúde Mental, as relações econômicas estreitas
entre a indústria farmacêutica e a pesquisa científica, entre investigação e
negócio, além de <i>lobby</i> político das
grandes empresas deste Complexo junto ao Congresso são fatores que Sadler
acertadamente considera como relevantes para entender o que aqui chamamos de dispositivo
psicofarmacológico. Hegemônico nos EUA, este dispositivo parece particularmente
relevante por explicar mudanças culturais em nosso próprio sistema de saúde e
de saúde mental.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Todavia, quando parte dos profissionais da saúde
mental parecem se escandalizar ao constatar que, com base nas espectativas hegemônicas
na Associação Psiquiátrica Americana, na popularização de psicofármacos, na
pressão do mercado da saúde mental, tenha-se passado a tratar sofrimentos
perfeitamente “normais” com medicamentos, uma expectativa algo parece escapar a
este sentimento e à crítica mais ampla que a ela subjaz. Isso diz respeito à
própria ideia de normalidade como elemento regulador da prática médica. Espera-se
que a medicina continue a regular suas ações através da oposição entre <i>normalidade e patologia</i>, como percebeu
Canguilhem na década de 1940 acerca da medicina dos séculos XIX e XX. Neste
contexto, apenas o que pode ser considerado patológico deveria ser objeto de
qualquer medicalização, ou seja, de intervenção médica e medicamentosa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Para ser exato, a medicina hegemônica na
contemporaneidade e as terapias que dela advém ainda se orientam, em um número
considerável de situações, através dessa oposição. A saúde mental não
desconhece essa situação. Ainda vamos ao médico e somos tratados por sermos
afetados por algum tipo de doença ou para prevenir uma predisposição patogênica
– embora essas duas situações sejam bem distintas. Porém, é evidente que a
atuação da medicina e da indústria farmoquímica não se atêm a esse tipo de circunscrição,
isto é, de reconduzir, na medida do possível, o corpo em padecimento à saúde. O
apoio que o Complexo Médico-Industrial dá ao desporto de alta performance
atesta que a fronteira entre normalidade e patologia não organiza a totalidade
biossocial e biopolítica desta atuação. O uso de Ritalina com o objetivo de
melhorar concentração e performance intelectual em pessoas não diagnosticadas
com transtorno de hiperatividade e atenção também parece ilustrar o que
afirmamos. Uma lógica psiquiátrica que tem como parâmetro básico de atuação
médica a funcionalidade dos indivíduos em um contexto social em que a saúde
mental, ou simplesmente de bom senso, poderia significar a rejeição desta mesma
funcionalidade parece também indicar que as fronteiras entre normalidade e
patologia estão sendo ressignificadas. Deste modo, quando transtornos psíquicos
passam a ser identificados como “perda de funcionamento biológico ótimo”, dado
um contexto evolucionário específico, ou uma “disfunção” que se traduz em
desvantagem (Kinghor, p. 49 e 50) física, perceptiva, sexual etc. para um
determinado indivíduo, implícito parece-nos aqui um contexto de concorrência
que funciona como marcador do que deve ser objeto da intervenção médica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Não parece fortuito que a palavra transtorno (<i>disorder</i>, em inglês) substituia um jargão
psiquiátrico mais diretamente relacionado ao mundo das patologias mentais, como
seria o caso da palavras neurose ou psicose. O Transtorno, a “desordem”, e não
necessariamente a patologia, passam a organizar uma parte considerável das
intervenções nesses campos. A própria ideia de transtorno mental passa a
depender de uma apreciação subjetiva da intensidade do mal-estar por parte do próprio
paciente. Foi essa, aliás, a estratégia adotada pela APA para responder aos
grupos de defesa dos direitos homoafetivos que se contrapunham à patologização
de suas opções sexuais, tal como podemos ainda ler no DSM-III. Claro que devemos
comemorar o avanço político que, neste ponto, percebemos em versões ulteriores
do DSM com relação àquela postura mais conservadora: a homoafetividade não é um
transtorno psíquico até que o indivíduo a perceba como tal. Interessa, no
entanto, perceber que a patologia neste, como em outros casos, depende de uma
avaliação do quanto o indivíduo pode suportar pressão social. Assim, não parece
fortuito que parte substantiva deste campo esteja pautado por uma atenção
grande ao sintoma, à síndrome, e não à constatação das bases etiológicas de uma
enfermidade qualquer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Christian Dunker, advogando a necessidade de ter em
mente as condições históricas em que narrativas sobre a saúde mental - tanto na
psicanálise quanto na psiquiatria - estruturam-se no sentido de uma medicina
classificatória que tem a histeria com ponto de partida, afirma a necessidade
de perceber um deslocamento neste campo biopolítico. Para ele, seria necessário
perceber que a “hipótese repressiva”, de que nos fala Foucault até o primeiro
volume da <i>História da Sexualidade</i>,
teria sido substituída por uma “hipótese depressiva”. No primeiro caso, a
contenção e disciplinamento da energia libidinal a serviço de aparelhos
produtivos racionais, previsíveis, seria a base da atuação das narrativas
científicas no campo da saúde mental e de seu foco na histeria. Atualmente, todavia,
uma narrativa em torno da “potência-impotência” passaria a organizar este
campo. Esses polos caracterizam o que Dunker denomina “hipótese depressiva”. Não
seria a interdição do desejo o que fundaria os dispositivos biopolíticos
contemporâneos - interdição diagnosticada, como sabemos, por Freud de modo
claro ao teorizar sobre a mulher histérica -, mas o imperativo e, ao mesmo
tempo, impossibilidade do gozo que nos propõe a sociedade de consumo. A lógica
do consumo não é fundamentalmente repressiva, mas tem na oposição
potência-impotência sua verdade. A cultura do consumo se funda nesta aparente
aporia, ou seja, no imperativo do desejo, pois quem não está apto para o desejo
está deprimido, e em sua impossibilidade. A lógica que funda essa economia
tensa, ambígua, é niilista. A irresolução desse paradoxo nos garante
diuturnamente a posição de desejantes insaciáveis e, assim, de consumidores
vorazes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">O filósofo Peter
Sloterdijk fala-nos dos aspectos niilistas de uma mobilização infinita dos
seres que é promovida pelas tecnologias da velocidade – que constituem,
argumentamos, o fundamento do dispositivo biopsicofarmacológico. “Eis aí o que
nos proporciona a fórmula dos processos de modernização: o progresso é
movimento em direção ao movimento, movimento em direção a mais movimento,
movimento em direção a uma maior aptidão para o movimento” (<i>La mobilisation
infini</i>, p. 35). Nesta mobilização sem sentido de todas as coisas pelo
imperativo da velocidade, nós somos capturados. Hartmut Rosa, de uma
perspectiva mais sociológica, oferece uma análise interessante das tensões e
intensidades entre diferentes âmbitos da aceleração, nomeadamente, no campo
tecnológico, social e individual. “Experimentar a vida em todos os seus altos e
baixos e em sua inteira complexidade se torna a aspiração central do homem
moderno. As opções oferecidas sempre ultrapassam. Mas, ao fim e ao cabo, o
mundo sempre parece ter mais a oferecer do que pode ser experienciado em uma
vida individual”. Zapear é a realidade íntima do “homem moderno”, portanto. Algumas
linhas adiante, Rosa arremata: “A aceleração serve como estratégia para apagar
a diferença entre o tempo do mundo e o tempo de nossa vida. A promessa
eudemonista da aceleração moderna então parece ser um equivalente funcional das
ideias religiosas da eternidade ou vida eterna, e a aceleração do ritmo da vida
representa a resposta moderna ao problema da finitude e da morte” (Rosa, 2009<i>,
</i>p. 91). Buscamos a intensidade do presente, sua aceleração e múltiplas
possibilidades, como há alguns séculos se buscava um futuro, uma vida além da
morte, que nos redimisse de nossa perecibilidade. Essa é no limite a promessa
do psicofármaco.</span><span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Quanto à leitura de Christian Dunker, ou seja,
quanto a afirmação de termos sido capturados pela potência-impotência que
subjaz à “hipótese depressiva”, ela é compatível com uma outra que nos oferece,
num humor baudrillardiano, </span><span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">Byung-Chul Han:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 35.45pt 10pt; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">“De um
ponto de vista patológico não é o princípio bacteriano em o viral que
caracterizam a entrada no século XXI, mas, sim, o princípio neuronal.
Determinadas doenças neuronais, tais como a depressão, o transtorno por défice
de atenção e hiperatividade (TDAH) ou certas perturbações de personalidade –
transtorno de personalidade <i>borderline</i> (TPB) ou síndroma de <i>burnout</i>
(SB) – descrevem o panorama patológico do século XXI” (Han, 2014, p. 9).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;">O que
caracteriza esse novo panorama? “Não estamos já perante infeções, mas, sim,
enfartes, originados não pela <i>negatividade</i> do outro imunológico, mas,
sim, por um excesso de positividade” (Ibid.). Isso não significa que a metáfora
da coerência imunológica não tenha adeptos ou apelo, mas que uma nova dinâmica
discursiva parece se impor. O tipo de sofrimento de que fala Han, pois, é
caracterizado por um excesso de positividade, algo de que já nos falava Jean
Baudrillard em textos como <i>A transparência do mal</i> ou <i>Cultura e
Simulacro</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif" style="background: white; color: #222222; mso-bidi-font-weight: bold;">Em consonância com o que mais acima denominamos, a
partir de Dunker, “hipótese depressiva”, é possível dizer que o sofrimento
contemporâneo, pensado a partir da oposição potência-impotência, pode ser
traduzido no que se tem convencionado chamar crise da subjetividade. Neste
sentido, poderíamos dizer que o dispositivo psicofarmacológico atua
precisamente no terreno desta ambiguidade, reproduzindo, ampliando-a. A prótese
química, mas não apenas ela, como propomos ao longo desta comunicação, atua no
sentido de garantir um certo bem-estar ao indivíduo tensionado entre o
compromisso de garantir autodeterminação em suas ações, responsabilidade sobre
sua saúde, estar apto a responder às demandas do capitalismo contemporâneo
etc., por um lado, e impossibilidade de realizar essas condições elementares,
capturado que está este indivíduo em fluxos sociais amplos, globais. A
substituição do Estado de Bem-Estar Social por políticas neoliberais teve como
efeito uma responsabilização do indivíduo por sua saúde. Isso significa o
recurso a seguros privados neste campo, com certeza, mas todo um discurso em
que o indivíduo – através de programas televisivos, de dicas de bem-estar, do
que comer e o que não comer, de terapias alternativas de como ter boa saúde
mental etc. que grassam nas mídias sociais, por exemplo – é educado no sentido
da autodeterminação. Por tudo o que dissemos acima, no campo da saúde mental,
todavia, essa autodeterminação é irrealizável se tivermos em conta a forma como
o Complexo Médico-Industrial da Saúde Mental estrutura as opções consideradas
racionais, viáveis de se obter bem-estar. Num sentido político mais amplo, é
possível dizer que o indivíduo é convocado para a democracia – convocado por um
apelo à sua responsabilidade cívica, à sua subjetividade – ao mesmo tempo em
que a racionalidade das decisões políticas nos ensina o pragmatismo de entender
que essas decisões transcendem a escala local, ao que podemos fazer como
indivíduos ou comunidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span face=""Arial",sans-serif">Uma conclusão parece apontar para uma
crise na própria ideia de subjetividade mediante a qual a modernidade formulou
diversas e importantes estratégias biopolíticas. Foucault, por exemplo, nos
falava que o <i>Panótico</i> de Bentham era
o paradigma de constituição desta subjetividade. Creio que é preciso entender,
entretanto, que o discurso da subjetividade sempre foi um discurso de crise –
talvez com a exceção do pensamento utilitarista que verdadeiramente acreditava
num sujeito autocentrado. É mediante a crise, e a aporia da
potência-impotência, precisamente, que a subjetividade, empobrecida e
diuturnamente convocada pelo consumo e pela aceleração, resiste como ideia-chave
do atual dispositivo psicofarmacológico.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""Calibri",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>
Talvez seja útil lembrar que a proposição segundo a qual o capitalismo leva à
animalização pode ser encontrada já nas teses que Marx oferece acerca do processo
de automatização promovido pela industrialização. Apenas uma vida animalizada, reduzida ao mero
funcionar biológico, isto é, a vida do proletário, pode ser automatizada convertida em procedimentos
mecânicos, exteriorizada e interiorizada sob a forma de um automatismo. <i>Os Manuscritos Econômicos-filosóficos </i>estão
repletos de considerações que reforçam essa interpretação.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="Notaderodap">
<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[2]</span><!--[endif]--></span></a><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> Fonte: </span><a href="http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2014/08/18/no-brasil-mortes-por-depressao-crescem-705-em-16-anos.htm"><span class="LinkdaInternet"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2014/08/18/no-brasil-mortes-por-depressao-crescem-705-em-16-anos.htm</span></span></a><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">; acessado em 11/09/2015.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman",serif;"> Kroenke et al. Fonte: </span><a href="http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1495268/"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1495268/</span></a><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">; acessado em 26/02/2014.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/comunica%C3%A7%C3%A3o%20Mato%20Grosso%20quarta.docx#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span face=""Calibri",sans-serif" style="font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a>
<span face=""Arial",sans-serif" style="mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-theme-font: minor-bidi;">Inibidores de serotornina.</span><o:p></o:p></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-4475961884407229832015-05-05T14:19:00.002-03:002015-05-05T14:19:57.427-03:00AGORA ELETRÔNICA: algumas reflexões teórico-metodológicas<div class="p3" style="text-align: center;">
<i>Jonatas Ferreira e Breno Fontes</i></div>
<div class="p3">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2rxehDD9zZTOx9h8PvhEtSt7jtKULQWoZB-yoIyf6RUwu_Hdan4NDvj6XNkKbDU7st_mSxeS2DQDIhCkn15HTN6T-7m29e1T9yipRuDanVqVjfGmSvjILs8ael_1LhxT-9COC5dLWZE8/s1600/%C3%8Dndice.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2rxehDD9zZTOx9h8PvhEtSt7jtKULQWoZB-yoIyf6RUwu_Hdan4NDvj6XNkKbDU7st_mSxeS2DQDIhCkn15HTN6T-7m29e1T9yipRuDanVqVjfGmSvjILs8ael_1LhxT-9COC5dLWZE8/s1600/%C3%8Dndice.jpeg" /></a></div>
<div class="p3">
<br /></div>
<div class="p3">
<br /></div>
<div class="p3" style="text-align: justify;">
No dia 20 de junho, estávamos lá, no centro do Rio de
Janeiro, Esplanada dos Ministérios, na Conde da Boa Vista, Avenida
Paulista, e num grande número de artérias vitais dos grandes centros
urbanos do Brasil, confrontando o que surgia nas ruas com o que
noticiavam as grandes emissoras de TV. Para quem não estava de alguma
forma conectado ou conectada às mídias sociais que povoam a Internet, as
manifestações pareceram como um raio em céu azul. Em alguma medida,
todos compartilhamos certa perplexidade, todavia. Os governos federal,
estadual e municipal, 60% dos domicílios que não têm acesso à Internet,
ou os 45% dos indivíduos que nunca acessaram a Internet em suas vidas
(ver http://www.cetic.br/usuarios/tic/2012/), e mesmo aqueles que foram
às ruas, sensíveis portanto a esse tipo de mídia, não tinham uma ideia
muito exata do impacto que a mobilização, até então predominantemente
virtual, poderia ter na vida social e política de diversas cidades do
país nas semanas que se seguiram. André Singer compara esses
acontecimento a um abalo sísmico. “Porque em certo momento os protestos
adquiriram tal dimensão e energia que ficou claro estar ocorrendo algo
nas entranhas da sociedade, <i>algo </i>que podia sair do controle. Mas nunca restou nítido <i>o que </i>estava
acontecendo” (Singer, 2013, p. 24). Atônitos também estavam e estão as
grandes emissoras de TV brasileiras: um famoso âncora de telejornalismo
chegou a condenar o que se convencionou chamar de 'vandalismo', mais
especificamente, a depredação e queima de um carro da <i>TV Record</i>:
era preciso que os manifestantes soubessem que as emissoras de TV têm um
papel fundamental na divulgação desses protestos, ponderou o
jornalista. Havia naquele comentário muita verdade e uma discussão
premente a ser levada adiante. De um modo bastante contundente, era
mesmo o lugar político que os meios de comunicação de massa ocupam nas
sociedades contemporâneas que estava em questão naqueles protestos – e
que ali, em meio a uma pluralidade de demandas, se traduzia na
reivindicação de formas alternativas de encontrar e produzir informação,
de tornar visíveis pautas políticas, de mobilizar.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p2">
(para continuar, clique no link abaixo)</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<a href="http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/article/view/405/331">http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/article/view/405/331</a>Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-43506126968682973132015-03-17T14:20:00.001-03:002015-03-17T14:21:49.965-03:00<a href="http://sudene.procondel.org/Livro.aspx" target="_blank"> O NORDESTE BRASILEIRO EM QUESTÃO: UMA AGENDA PARA REFLEXÃO (Versão Digital)</a><br />
<br />
"O livro "O Nordeste Brasileiro em Questão: Uma Agenda para Reflexão",
editado pela Sudene e organizado por Angela Nascimento e pelo professor
Marcos Costa Lima (Ciência Política/UFPE), tem como objetivo aprofundar a
reflexão sobre temas importantes ligados ao desenvolvimento do
Nordeste, a partir de uma abordagem multidisciplinar. O livro traz
artigos de economistas, cientistas políticos, sociólogos, arquitetos e
jornalistas convidados, bem como um texto inédito de Celso Furtado,
gentilmente cedido por sua viúva Rosa Freire d'Aguiar, que também está
presente no livro. A publicação é um produto do Procondel, projeto de
preservação e disponibilização do acervo produzido pelo Conselho
Deliberativo da Sudene (Condel), concebido em 2012 e iniciado em 2013
por iniciativa da Diretoria Colegiada da instituição".
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-49464707227153726592014-11-22T12:07:00.001-03:002014-11-23T09:05:27.425-03:00Roy Bhaskar (15 de maio de 1944 - 19 de novembro de 2014)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLT4MK3G0WGDfgz4SmY2vVSpcuQhtBrf5Eqlka2hPWyiNid2C7QSGr7Y1BPi7zGnaLYB_mGFovlKZVA3ZJdZSH6v93o7WhvLbZcbpvdr5qWqMAsMOqGGoArmoLj01FiFUal8f8P2IjPxU/s1600/maxresdefault.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLT4MK3G0WGDfgz4SmY2vVSpcuQhtBrf5Eqlka2hPWyiNid2C7QSGr7Y1BPi7zGnaLYB_mGFovlKZVA3ZJdZSH6v93o7WhvLbZcbpvdr5qWqMAsMOqGGoArmoLj01FiFUal8f8P2IjPxU/s1600/maxresdefault.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
Por <b>William Outhwaite</b> (Professor na Universidade de Newcastle, Reino Unido). Traduzido por Cynthia Hamlin.<br />
<br />
Roy Bhaskar, que faleceu aos 70 anos de causas associadas à insuficiência cardíaca, foi um dos filósofos mais criativos e versáteis dos últimos quarenta anos. Nascido em 1944, filho de pai indiano e de mãe inglesa, cresceu em Londres e estudou Filosofia, Política e Economia em Oxford, onde ensinou no Pembroke College e iniciou uma tese de doutorado em economia do desenvolvimento. Esse projeto transformou-se em uma crítica das ciências sociais, orientado pelo filósofo e psicólogo social Rom Harré. Socialista ativo, como sua parceira Hilary Wainwright, Bhaskar participou dos movimentos de 1968, incluindo o dos Estudantes Revolucionários Socialistas de Oxford (<i>Oxford Revolutionary Socialist Students</i>- ORSS). Depois de trabalhar em Edimburgo e em Sussex, trabalhou sobretudo de forma independente, ainda que com ligações acadêmicas em Tromso, Orebro e Londres. Ele também devotou muitos esforços ao estabelecimento e manutenção de um grande número de organizações ligadas ao realismo crítico.<br />
<br />
Em 1975 lançou seu programa realista com <i>A Realist Theory of Science</i>, seguido, quatro anos mais tarde, de <i>The Possibility of Naturalism</i>. Embora o realismo filosófico tenha uma história muito mais antiga, foi nos anos de 1970 que ele começou a ter um impacto significativo nas ciências sociais, seguindo outros movimentos anti-positivistas na filosofia da ciência. Um dos princípios centrais do empirismo lógico era o “princípio da verificação”, a ideia de que o significado de uma proposição empírica depende de como ele pode ser testado. Karl Popper (1934) demonstrou a impossibilidade da verificação conclusiva na ciência e virou a questão de cabeça para baixo, argumentando que a testabilidade era melhor entendida em termos de <i>falsificação</i>. A proposição de que todos os cisnes são brancos nunca pode ser conclusivamente verificada, ao passo que pode ser falseada por meio de uma única observação de um cisne negro. As teorias científicas são expostas a testes, como Einstein tinha feito ao efetuar uma predição acerca da posição de Mercúrio que se mostrou correta em 1910. Na análise de Popper, isso não comprovou a teoria, apenas tornou-a mais verossímel, dado que havia passado um teste crucial. Como um carro que foi aprovado em uma inspeção anual, ela poderia ser considerada condicionalmente confiável até o próximo teste.<br />
<br />
Esta abordagem influente foi colocada em questão pelo historiador da ciência Thomas Kuhn, que mostrou em 1962 que, na maior parte do tempo, os cientistas trabalham no seio de quadros de referência não questionados, ou em paradigmas, trocando de um para outro apenas em períodos de revolução científica, num processo semelhante à conversão religiosa. Ao mesmo tempo, na filosofia da ciência, Mary Hesse enfatizava a importância dos modelos em uma abordagem realista que também chamava atenção para o mapeamento meramente parcial entre as teorias e a realidade. Rom Harré desenvolveu esse foco nos modelos em uma importante análise da causação, concebida em termos de estruturas subjacentes e mecanismos, e não da conjunção constante entre eventos. A força centrífuga da rotação terrestre é equilibrada por sua gravidade, com a consequência conveniente de que nós podemos andar confortavelmente sobre a terra, assim como pular no ar cerca de um metro, se quisermos.<br />
<br />
Ao chamar sua versão dessas ideias de realismo transcendental, Bhaskar pretendia não apenas diferenciá-la do realismo empírico, mas também enfatizar que estava se baseando em um argumento transcendental acerca da existência da ciência. A ciência não requer apenas experiências (Hume) e categorias estruturantes (Kant), mas também depende de que o próprio mundo consista de estruturas e mecanismos independentes que os cientistas procuram, de forma aberta e falível, apreender em pensamento.
Tanto Harré quanto Bhaskar foram substancialmente motivados pelo desejo de solapar teorias e abordagens positivistas nas ciências sociais. Entretanto, eles também estavam interessados em fornecer uma concepção mais adequada da ciência como um todo, em um mundo composto de mecanismos e estruturas relativamente duráveis. Alguns desses mecanismos podiam ser isolados na experimentação científica, mas sua operação é, na maioria dos casos, independente do fato acidental de que os seres humanos surgiram na terra e, eventualmente, passaram a fazer ciência.<br />
<br />
Essa e outras características do realismo significaram que toda a questão do naturalismo, a ideia de que não há uma separação radical entre as ciências naturais e sociais, deveria ser repensada. Os seres humanos, como outras entidades, apresentam poderes causais e propriedades que podem ou não ser ativadas. O “modelo transformacional da atividade social” de Bhaskar é próximo à teoria da estruturação desenvolvida por Anthony Giddens mais ou menos à mesma época. Na versão de Bhaskar, ele levou a um modelo de crítica social segundo o qual a crítica de teorias inadequadas leva à crítica das condições sociais que as faz parecer plausíveis. O realismo encontrou um lar mais confortável na sociologia e nas relações internacionais do que na filosofia da ciência acadêmica, tornando-se uma vertente importante na teoria social contemporânea. Bhaskar e outros realistas paulatinamente voltaram sua atenção crítica do positivismo em direção ao pós-modernismo e à abordagem mais relativista do filósofo estadunidense Richard Rorty.<br />
<br />
O trabalho de Bhaskar continuou ao longo dos anos de 1990 com um livro importante sobre dialética e, neste século, com uma “virada espiritual” em direção a uma teoria mais especulativa da metarrealidade. Seus estudos mais recentes, desenvolvidos na posição de “World Scholar” do Instituto de Educação em Londres, focaram questões ecológicas e a crise climática global. Numa época em que boa parte da filosofia vem se tornando cada vez mais técnica e introvertida, Bhaskar destacou-se por sua curiosidade infindável e por sua abertura a novas ideias. Ele combinava seu brilhantismo com um espírito afetuoso e um grande senso de humor.Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-39510013090531145062014-10-27T10:16:00.000-03:002014-10-29T17:02:41.005-03:00Aceleração tecnológica, consumismo e sofrimento<div abp="4171" style="text-align: center;">
</div>
<div abp="4507" class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a abp="4508" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4uyV15dQiQUrzWM509eCjCjU9zD0bIGuhENdWUPp7jOPlZiizlduCHcLGpFzpNdF9YJS_ZegNf7uq4ittylV08Eacuq81hBZp-D2l5e1YV8JuW-dlU5qxt7E7E8u3H5_BG4DoSsI6SmA/s1600/imagesM41NDTBM.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img abp="4509" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4uyV15dQiQUrzWM509eCjCjU9zD0bIGuhENdWUPp7jOPlZiizlduCHcLGpFzpNdF9YJS_ZegNf7uq4ittylV08Eacuq81hBZp-D2l5e1YV8JuW-dlU5qxt7E7E8u3H5_BG4DoSsI6SmA/s1600/imagesM41NDTBM.jpg" /></a></div>
<div abp="4174">
</div>
<div abp="4175" align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: center;">
<div abp="6">
<o:p abp="4176"><span abp="4177" style="font-family: Calibri;"></span></o:p><br /></div>
<div abp="9">
<o:p abp="4176"> </o:p><i abp="4180" style="mso-bidi-font-style: normal;"><span abp="4181" style="font-family: Calibri;">Jonatas Ferreira<o:p abp="4182"></o:p></span></i></div>
</div>
<div abp="4183">
</div>
<div abp="4184" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="16">
<o:p abp="4185"><span abp="4186" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p><span abp="4189" style="font-family: Calibri;">Há alguns anos
não pesquisava, nem discutia temas relacionados aos desenvolvimentos da
nanotecnologia no Brasil e no mundo. O convite simpático de Wilson Engelmann, a
partir de uma sugestão de Paulo Martins, creio, para participar deste <i abp="4190" style="mso-bidi-font-style: normal;">XI Seminário Internacional Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente</i> foi uma oportunidade de revisitar um tema que me
é caro, como o é a nanotecnologia na contemporaneidade, relacionando-o à
aceleração tecnológica e ao sofrimento que dela decorre. Participar deste <i abp="4191" style="mso-bidi-font-style: normal;">Seminário</i>, portanto, é
uma forma de me reapropriar um pouco deste tema importante que mobiliza a
todos aqui, aprendendo com as contribuições daqueles que a ele lhe devotaram
uma atenção mais fiel que a minha. É também uma oportunidade de rever amigos. Agradeço,
por tudo isso, a Wilson Engelmann e aos organizadores deste evento.<o:p abp="4192"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4193">
</div>
<div abp="4194" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="25">
<span abp="4195" style="font-family: Calibri;">Deixem-me
começar falando brevemente sobre o tema da aceleração. Diversos autores, com
interesses variados que vão da sociologia, à antropologia, filosofia e teoria
da técnica têm elegido a aceleração como um dos fenômenos modernos mais
significativos na contemporaneidade. Hermínio Martins, por exemplo, tem falado
recorrentemente de uma “aceleração da aceleração” - impulsionada pelas
tecnologias da informação e pelas nanotecnologias - e dos tristes e inóspitos cenários
em que uma adaptação pós-humana se tornaria cada vez mais inevitável. Paul
Virilio nos remete a um contexto <i abp="4196" style="mso-bidi-font-style: normal;">dromológico</i>
no qual já não podemos contar com sujeitos reflexivos capazes de se orientar
racionalmente no mundo, um contexto no qual o projeto iluminista de controle
sobre a vida humana e a realidade natural de modo amplo se torna impensável. Os
aparatos tecnológicos nos fragmentam e recompõem sem que possamos imprimir um
mínimo de identidade naquilo que fazemos. Jonathan Crary nos relata as
implicações de um assalto ao sono, de um capitalismo que se programa para
operar 24 horas por dia, 7 dias por semana. “Um ambiente 24/7 apresenta a
aparência de um mundo social quando na verdade ele se reduz a um modelo
associal de performance maquínica – uma suspensão da vida que mascara o custo
humano de sua eficácia. Não se trata mais disso que Lukács e outros autores
identificaram, no começo do século XX, como o tempo vazio e homogêneo da
modernidade, tempo métrico ou calendário das nações, das finanças ou da
indústria, de onde estavam excluídos tanto as esperanças quantos os projetos
individuais. O que há de novo é o abandono a relento da própria ideia de que o
tempo possa ser associado a um engajamento qualquer em projetos de longo prazo,
incluindo aí fantasmas de ‘progresso’ ou de ‘desenvolvimento’ (Crary, p. 19). O
instantâneo cada vez mais parece ser o nosso horizonte temporal, segundo
podemos depreender das análise de Crary. O filósofo Peter Sloterdijk, por seu
turno, fala-nos acerca dos aspectos niilistas de uma mobilização infinita dos
seres que é promovida pelas tecnologias da velocidade. “Eis aí o que nos
proporciona a fórmula dos processos de modernização: o progresso é movimento em
direção ao movimento, movimento em direção a mais movimento, movimento em
direção a uma maior aptidão para o movimento” (<i abp="4197" style="mso-bidi-font-style: normal;">La mobilisation infini</i>, p. 35). Nesta mobilização sem sentido de
todas as coisas pelo imperativo da velocidade, nós somos capturados. Hartmut
Rosa, de uma perspectiva mais sociológica, oferece uma análise interessante das
tensões e intensidades entre diferentes âmbitos da aceleração, nomeadamente, no
campo tecnológico, social e individual. “Experimentar a vida em todos os seus
altos e baixos e em sua inteira complexidade se torna a aspiração central do
homem moderno. As opções oferecidas sempre ultrapassam. Mas, ao fim e ao cabo,
o mundo sempre parece ter mais a oferecer do que pode ser experienciado em uma
vida individual”. E algumas linhas adiante, ele arremata: “A aceleração serve
como estratégia para apagar a diferença entre o tempo do mundo e o tempo de
nossa vida. A promessa eudemonista da aceleração moderna então parece ser um
equivalente funcional das ideias religiosas da eternidade ou vida eterna, e a
aceleração do ritmo da vida representa a resposta moderna ao problema da
finitude e da morte” (Rosa, 2009<i abp="4198" style="mso-bidi-font-style: normal;">, </i>p.
91). Buscamos a intensidade do presente, sua aceleração e múltiplas
possibilidades, como há alguns séculos se buscava um futuro, uma vida além da
morte, que nos redimisse de nossa perecibilidade. <o:p abp="4199"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4200">
</div>
<div abp="4201" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="33">
<span abp="4202" style="font-family: Calibri;">Esses autores e
suas ideias me ajudarão ao longo dessa exposição. Mas gostaria de principiar
minha fala me reportando ao livro de Bernard Stiegler, <i abp="4203" style="mso-bidi-font-style: normal;">Para uma nova crítica da Economia Política</i>, um livro não
diretamente relacionado ao tema aqui em foco, mas que certamente pode
contribuir para lançar algumas luzes sobre este contexto amplo que nos
interessa, ou seja, a aceleração da produção científica e tecnológica no plano nanométrico.
O objetivo filosófico inicial de Stiegler nesta pequena é reclamar para a
filosofia o campo da economia política para dali, não atualizar uma crítica marxista
ao capitalismo contemporâneo, mas proceder a <i abp="4204" style="mso-bidi-font-style: normal;">deconstrução</i> - aqui no sentido que Derrida outorga a esse termo -
de algumas das ideias fundamentais do velho pensador alemão. Mediante esse
recurso, ele pretende analisar o papel fundamental que o consumo tem para
entendermos a dinâmica acelerada do capitalismo contemporâneo. <o:p abp="4205"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4206">
</div>
<div abp="4207" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="40">
<span abp="4208" style="font-family: Calibri;">A sociedade do
consumo, ou mais propriamente, o consumismo contemporâneo é uma forma de lidar
com as crises crescentes do capitalismo que resultam de uma tendência a
diminuição da taxa de lucratividade, já observada por Marx no século XIX. Esta saída
- que depende obviamente de uma aceleração no tempo de consumo das mercadorias,
na perecibilidade de tudo o que nos cerca - no entanto, constitui uma falsa
solução para o problema. Como já observava David Harvey, em <i abp="4209" style="mso-bidi-font-style: normal;">A Condição Pós-Moderna</i>, a aceleração proporcionada
pelas tecnologias da informação, pela crescente financeirização das relações
econômicas, pelo surgimento de modos flexíveis de gestão, constituiriam o
conjunto de remédios encontrados pelo capitalismo para gerir crises que este
produz inevitavelmente. A inovação sem tréguas e a obsolescência perpétua e
programada de bens e serviços - às quais o impulso inovador está associado – apresentam
uma afinidade eletiva clara com a propensão crescente ao consumo que conhecemos
tão bem e a ação conjunta dessas forças salvaria o capitalismo de sua tendência
à crescente diminuição das margens de lucro a que a própria concorrência
levaria. Nestes cenários desoladores empregos, lucratividade, crescimento
econômico não podem ser sustentados a longo prazo e para o conjunto da economia
global. Ao produzir a perecibilidade, e portanto a aceleração do giro dos
capitais, a inovação e aceleração da vida constituem uma resposta técnica para
o problema político e social mais amplo que diz respeito à sustentabilidade, em
sentido amplo, do capitalismo e do mundo em que vivemos. <o:p abp="4210"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4211">
</div>
<div abp="4212" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="46">
<span abp="4213" style="font-family: Calibri;">Para Stiegler, as
catástrofes ambientais que se anunciam e se realizam seriam, por exemplo,
evidência da insustentabilidade de tal modelo. O desenvolvimentismo sem
preocupações ambientais e sociais que conhecemos é uma evidência disto –
pensemos na alternativa privada encontrada para o problema da mobilidade
urbana que adotamos, para ficarmos num exemplo menos controvertido. Poderíamos falar também das soluções energéticas encontradas para promover nosso crescimento econômico, mas fiquemos por aqui. O
consumismo, pois, é a lógica da devastação, do extenuação dos recursos e do
próprio ser humano, mas sem ele o capitalismo parece incapaz de mitigar sua
crise contemporânea. “´A política de investimento’, que não tem outro objetivo
além da reconstituição do modelo consumista, é a tradução de uma ideologia
moribunda, tentando desesperadamente prolongar a vida do modelo que se tornou
autodestrutivo, negando e ocultando por tanto tempo quanto possível o fato de
que o modelo consumista é agora massivamente tóxico" (Stiegler, p.5). O consumismo
é necessariamente baseado no curto prazo, no descartável, na especulação, na
aceleração da aceleração, tanto da produção como do uso dos bens e serviços, e
esta última é intrinsecamente “tóxica”, para voltarmos ao termo usado por
Stiegler, tanto para o ser humano quanto para o seu ambiente. Os desastres
ambientais, o aumento de doenças relacionadas ao <i abp="4214" style="mso-bidi-font-style: normal;">stress</i> da vida contemporânea não são efeitos colaterais da
aceleração tecnológica - desajustes que poderiam ser contornados mediante a
racionalização dos cálculos de risco -, mas sua própria essência. O consumismo
é uma expressão consumada do niilismo ocidental.<o:p abp="4215"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4216">
</div>
<div abp="4217" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="52">
<span abp="4218" style="font-family: Calibri;">Para Stiegler,
um elemento fundamental de todo modo tecnológico é constituir uma forma de “gramatização”,
isto é, <i abp="4219" style="mso-bidi-font-style: normal;">grosso modo</i>, de
automatização, formatação e reprodutibilidade da vida social. Sem ela não há
propriamente formas sociais previsíveis a partir das quais nós possamos nos
relacionar, evidentemente, mas sempre podemos, e é este o caso agora, perguntar
a que tipo de gramática submetemo-nos quando aceitamos sem mais este modelo da
aceleração e do consumo desenfreado, quais são seus pressupostos. Toda “gramática
social” diz-nos sempre o que é importante que retenhamos na memória - que
gestos, movimentos e atitudes devemos tomar, em quais circunstâncias - e
segundo que tipo de prioridade e acessibilidade devemos preservar um evento do
esquecimento. O poder sempre se estabelece como gramática, como memória
acessível de algum tipo de comportamento esperado e esquecimento daquilo que
compromete sua lógica de reprodução. Um dos pressupostos das tecnologias de
aceleração contemporâneas (isto é, da aceleração da aceleração) é, todavia, o fato
de promover o esquecimento, isto é, elas promovem o esquecimento do que já
sabemos das coisas (o nosso saber-fazer, nosso <i abp="4220" style="mso-bidi-font-style: normal;">know-how</i>) e da forma como aprendemos a viver (nosso <i abp="4221" style="mso-bidi-font-style: normal;">savoir-vivre</i>). Para conseguir esses
objetivos, as tecnologias de aceleração que lastreiam a sociedade do consumo se
baseiam em um tipo específico de gramatização, nomeadamente, a de nossos
desejos. <o:p abp="4222"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4223">
</div>
<div abp="4224" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="60">
<span abp="4225" style="font-family: Calibri;">O velho Marcuse
já nos dizia algo parecido em vários de seus livros, em <i abp="4226" style="mso-bidi-font-style: normal;">O Homem Unidimensional</i>, por exemplo. No contexto em que vivemos, é
preciso não apenas formatar os nossos desejos em direção ao consumo de produtos
disponíveis, mas estimular o próprio impulso de desejar. É preciso que
desejemos desejar, pois essa é a regra segundo a qual nos tornamos funcionais
num mundo acelerado, da instantaneidade. <i abp="4227" style="mso-bidi-font-style: normal;">Nossa
energia libidinal, portanto, deve ser domada ou</i>, para usarmos o novo
sentido que Stiegler dá a esse termo, <i abp="4228" style="mso-bidi-font-style: normal;">proletarizada
pelos aparatos de produção e consumo capitalistas</i>. A aceleração tecnológica
só é concebível nestes termos. Ouçamos Stiegler: “Marx não pôde, entretanto,
antecipar o papel da exploração e funcionalização de uma <i abp="4229" style="mso-bidi-font-style: normal;">nova energia</i>, que não é a energia do proletário produtor (o labor
como pura energia laboral), nem a energia motriz de um novo aparato (tal como
óleo ou eletricidade, que são colocados a serviço da indústria do aço e das
indústrias da cultura), mas antes a energia do <i abp="4230" style="mso-bidi-font-style: normal;">consumidor proletarizado </i>– quer dizer, a energia libidinal do
consumidor” (p. 25). Nosso modo de vida é, portanto, <i abp="4231" style="mso-bidi-font-style: normal;">vertiginosamente desejante</i> e, por isso mesmo, <i abp="4232" style="mso-bidi-font-style: normal;">ansioso, incapaz de gozar a partir das competências cognitivas,
estéticas, práticas que conquistamos ao longo do tempo, fundamentalmente
destruidor de todo saber viver que eventualmente essas competências ajudam a
constituir</i>. Poderíamos neste ponto recordar do livro de Richard Sennett
acerca do que ele denomina “corrosão do caráter”, ou seja, como as relações
profissionais, humanas são minadas diuturnamente num contexto de aceleração tecnológica
e da flexibilização ampla (das relações laborais e entre os seres humanos) que
lhe é imprescindível.<o:p abp="4233"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4234">
</div>
<div abp="4235" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="72">
<span abp="4236" style="font-family: Calibri;">Se aceitamos a
argumentação de Bernard Stiegler, parece evidente que as nanociências e
nanotecnologias desempenham hoje um papel importante na constituição desta
gramática da destruição programada, da mobilização e aceleração constantes dos
‘fatores produtivos’, da energia libidinal que predispõem ao consumismo e seus
efeitos tóxicos. Esta aceleração pode ser traduzida em números que não podem
deixar de ser considerados pelos gestores de ciência, tecnologia e inovação. Entre
as poucas informações que oferece sobre nanociências e nanotecnologias, o site
do <i abp="4237" style="mso-bidi-font-style: normal;">Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação</i> traz as seguintes: “</span><span abp="4238" lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><span abp="4239" style="font-family: Calibri;">“Dados recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e empresas de consultoria indicam que o mercado de produtos
nanotecnológicos movimenta cerca de US$ 350 bilhões e, em 2020, estima-se que
esse valor será superior a US$ 3 trilhões”</span><a abp="4240" href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span abp="4241" class="MsoFootnoteReference"><span abp="4242" style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span abp="4243" class="MsoFootnoteReference"><span abp="4244" lang="PT-BR" style="font-family: "Calibri",sans-serif; font-size: 11pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span abp="4245" style="color: #0563c1;">[1]</span></span></span><!--[endif]--></span></span></a><span abp="4246" style="font-family: Calibri;">.
Em termos mais concretos e atuais, a nanotecnologia já aparece em um número
considerável de produtos comercializados em todo o mundo, que vão de protetores
solares, a componentes de computadores ou implementos agrícolas.<o:p abp="4247"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4248">
</div>
<div abp="4249" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
<div abp="87">
<span abp="4250" style="font-family: Calibri;">“Ao menos
1.600 produtos para o consumo entraram o mercado apenas nos últimos, e isso é
apenas uma fragmento dos produtos e processo já em uso e em desenvolvimento –
todos medidos em unidades 90.000 vezes menores que a largura de um cabelo
humano. Por volta de 2020, seis milhões de pessoas ao redor do mundo podem trabalhar
com nanomateriais, revolucionando o tratamento da saúde, tecnologia da
informação, sistemas de energia e outros campos. As corporações agora
contribuem com metade dos fundos para pesquisa em fronteiras nano, alcançando
os governos, liderados pelos Estados Unidos (com U$ 21 bilhões investidos desde
2001) e 60 outros países, mais proeminentemente a Alemanha, França, Japão,
Coreia e China) (<i abp="4251" style="mso-bidi-font-style: normal;">Nanotechnology and the
S&P 500: Small Sizes, Big Questions</i>, By Susan L. Williams)<o:p abp="4252"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4253">
</div>
<div abp="4254" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="93">
<span abp="4255" style="font-family: Calibri;">Que não existam
marcos de regulação da produção e comercialização destes produtos a partir de
pesquisas robustas de impacto ambiental e de saúde significa apenas isto: o
investimento maciço em inovação realizado pelas companhias precisa ser
traduzida em lucros que realimentem as condições de competitividade e
reinvestimento . O tempo aqui, por tudo o que dissemos, é uma
questão vital. Em outras palavras, assim como a indústria de armas não pode
subsistir sem produzir guerras e uso cotidiano de armas de fogo, os US$ 21 bilhões
investidos pelo governo estadunidense, somados aos outros tantos bilhões que
foram investidos por empresas daquele país, de 2001 a 2013, precisam se
traduzir em produtos que gerem receitas capazes ao menos de recuperar aqueles
aportes. Para as companhias, a diferença entre o curtíssimo e o curto
prazo pode significar prejuízos consideráveis, donde a pressão pela aceleração.
Por isso mesmo: “Uma crítica recente feita pelo National Research Council (NRC)
concluiu que ‘esforços de investigação ambiental, de saúde e segurança não etão
conseguindo acompanhar as aplicações de nanotecnologia, em seu crescimento e
desenvolvimento, e os potenciais efeitos destes materiais sobre os humanos e
ecossistemas não são ainda completamente entendidos” (Ibid, p. 26). Não
repisarei o óbvio para vocês: as propriedades da matéria em nanoescala e sua
interação com o mundo que conhecemos estão longe de serem compreendidas
satisfatoriamente. Acrescentarei apenas que a desmaterialização a realidade, o
fato de que nossas intervenções tecnológicas ganhem o nível molecular em áreas
como a física, química e biologia guarda uma afinidade clara com a aceleração
sobre as quais falamos. A lógica parece ser: se a matéria resiste, podemos
desmaterializá-la e reconfigurá-la de acordo com as
necessidades cinéticas de nosso modo de vida.<o:p abp="4256"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4257">
</div>
<div abp="4258" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="98">
<span abp="4259" style="font-family: Calibri;">Aqui,
evidentemente, não se trata de fazer uma análise das nanociências e
nanotecnolgias <i abp="4260" style="mso-bidi-font-style: normal;">in abstracto</i>, mas no
contexto dos compromissos político e econômicos que a pesquisa científica nessa
área não pode deixar de estabelecer com essas forças mais amplas. Qualquer
cientista que se dedique a uma pesquisa pela produção de novos materiais, a
partir de sua manipulação em escala manométrica, terá necessariamente que se
confrontar com essa realidade. Há alguns anos, quando entrevistei
investigadores brasileiros da Rede Nacional de Nanobiotecnologia, o depoimento
de uma cientista mineira me chamou a atenção precisamente por evidenciar as
pressões dromológicas com as quais a pesquisa em nanotecnologia convive. Ora,
existe em toda pesquisa que objetiva desenvolver novos fármacos uma restrição
com a qual os laboratórios têm de conviver, se essa pesquisa se destina a
promover a saúde humana. Todos sabemos que neste campo a inovação é
particularmente demorada. Mesmo quando um fármaco teoricamente mostrou sua
eficácia, ainda é necessário um período considerável com testes com seres
humanos para dimensionar seus possíveis efeitos colaterais. Parte do grupo que
se dedica a nanobiotecnologia em Minas Gerais havia decidido dedicar suas
atividades de pesquisa à promoção da saúde animal precisamente porque ali o
processo poderia ser acelerado sem as restrições éticas que encontramos quando
tratamos de testes de medicamentos em seres humanos. Segundo a mesma cientista,
a decisão de pesquisar cosméticos também teria esse como um fator importante:
controles biológicos de segurança mais brandos no campo dos cosméticos, se o
comparamos aos medicamentos, naquele momento, hoje já não saberia dizer,
distintamente da produção de medicamentos para seres humanos, significavam uma
aceleração do processo inovador. <o:p abp="4261"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4262">
</div>
<div abp="4263" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="104">
<span abp="4264" style="font-family: Calibri;">Nos dois casos,
obviamente outros fatores estavam em jogo: dedicar-se a um nicho de mercado
onde teríamos condições de competição privilegiadas, por exemplo. Nos dois
casos, havia na época em que realizei as entrevistas uma discussão acalorada
sobre o controle do percurso de nanopartículas na natureza e organismo humano,
quer esse percurso principie no organismo de um animal, ou na pele de alguém
que comprou um protetor solar com componentes nanoestruturados. O fato é que os
desafios para a ciência realizada em países em desenvolvimento, como o Brasil,
no que concerne à velocidade são ainda mais radicais e contraditórios. A lógica
é a seguinte: se não quisermos pagar por uma tecnologia que vai ser mesmo
hegemônica, precisamos acelerar mais que os países desenvolvidos e, no
processo, abandonando alguns cuidados que retardam o desenvolvimento. As
discussões sobre a produção e energia no Brasil aqui se colocam numa lugar
político e econômico particularmente tenso. O fato é que, se pensarmos no que
havia de conhecimento acumulado no campo das nanociências no Brasil há vinte
anos e hoje, é impossível não perceber a velocidade com que a pesquisa nessa
área se tem desenvolvido no Brasil, em especial nas áreas de química, farmácia
e medicina e física.<o:p abp="4265"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4266">
</div>
<div abp="4267" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 35.45pt 8pt; text-align: justify;">
<div abp="109">
<span abp="4268" style="font-family: Calibri;"><span abp="4269" lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">“O último levantamento da PINTEC,
feito em 2008, reporta que existiam 608 empresas envolvidas com nanotecnologia.
No entanto, não diferenciou aquelas que apenas incorporaram a tecnologia
daquelas que fizeram P,D&I. Levantamento conduzido pela CGNT mostra que
aproximadamente 130 empresas desenvolvem P&D em nanotecnologia. Foram
contabilizadas as empresas contempladas nas Chamadas Públicas à Subvenção
Econômica de 2006 a 2010, RHAE – Pesquisador na Empresa de 2007 a 2009 e
ICT–Empresas de 2006 e 2009”. (http://nano.mct.gov.br/a-nanotecnologia-no-brasil/)</span><o:p abp="4270"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4271">
</div>
<div abp="4272" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="115">
<span abp="4273" style="font-family: Calibri;">Se considerarmos
as empresas que receberam ou recebem algum tipo de benefício econômico em
nanotecnologia, ainda parece expressivo o impulso que setores como fármacos,
saúde e odontologia recebeu: 27% dos investimentos nas 130 empresas que
desenvolvem pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia tiveram esses destinos.
No âmbito do turbocapitalismo, a aceleração tecnológica, em cujo âmbito as
nanociências e nanotecnologias desempenham um papel destacado, entretanto, age
na contramão dos interesses pela saúde humana ou animal. As estatísticas de
aumento de doenças psíquicas, como depressão, síndrome de <i abp="4274" style="mso-bidi-font-style: normal;">burnout</i>, diversas formas de ansiedade, dão bem uma ideia das
demandas a que somos submetidos pelos intensificação dos ritmos sob a égide do
consumo. Para esse novo quadro, evidentemente, o capitalismo tem também a sua
solução, e ele significa medicalização. Pais sem tempo para dedicar aos seus
filhos tendem a medicá-los, como comprovam as estatísticas de consumo de <i abp="4275" style="mso-bidi-font-style: normal;">Ritalina</i> nos Estados Unidos da América e
na Alemanha. Entre cientistas, músicos, entre os nossos estudantes, também
parece haver uma tendência crescente ao uso de antidepressivos e ansiolíticos
como forma de lidar com as pressões crescentes a que somos submetidos. Os
números de consumo desses produtos no Brasil, quando são divulgados, são
preocupantes. Esses produtos permitem que continuemos em nosso ritmo
vertiginoso sem nos perguntarmos acerca do sentido de acelerar tanto, sem nos
indagarmos acerca dos pressupostos da gramática mais geral a que somos
submetidos.<o:p abp="4276"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4277">
</div>
<div abp="4278" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="122">
<span abp="4279" style="font-family: Calibri;">Ao cientista,
todavia, não deve ser dada a concessão da ingenuidade do não exercício da
crítica. Falar sobre inovação tecnológica, e especificamente sobre
nanotecnologias, cujas perspectivas são tão revolucionárias, hoje significa nos
indagarmos sobre os compromissos mais amplos dentro dos quais exercemos nossa
atividade.<o:p abp="4280"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4281">
</div>
<div abp="4282" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="127">
<o:p abp="4283"><span abp="4284" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></div>
</div>
<div abp="4285">
</div>
<div abp="4286" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="132">
<b abp="4287" style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span abp="4288" style="font-family: Calibri;">Bibliografia<o:p abp="4289"></o:p></span></b></div>
</div>
<div abp="4290">
</div>
<div abp="4291" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="138">
<o:p abp="4292"><span abp="4293" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></div>
</div>
<div abp="4294">
</div>
<div abp="4295" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="143">
<span abp="4296" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;"><span abp="4297" style="font-family: Calibri;">Crary, Jonathan. 2014. <i abp="4298" style="mso-bidi-font-style: normal;">24/17</i>. Le capitalism à l’assault du sommeil. Paris, Zones.<o:p abp="4299"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4300">
</div>
<div abp="4301" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="150">
<span abp="4302" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;"><o:p abp="4303"><span abp="4304" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4305">
</div>
<div abp="4306" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="156">
<span abp="4307" style="font-family: Calibri;">Gasman, Lawrence. 2006. <i abp="4308" style="mso-bidi-font-style: normal;"><span abp="4309" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">Nanotechnology applications and markets</span></i><span abp="4310" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">. London, Artech House.<o:p abp="4311"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4312">
</div>
<div abp="4313" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="164">
<span abp="4314" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;"><o:p abp="4315"><span abp="4316" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4317">
</div>
<div abp="4318" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="170">
<span abp="4319" style="font-family: Calibri;">Martins, Hermínio. 2003.
“Aceleração, progresso e <i abp="4320" style="mso-bidi-font-style: normal;">experimentum
humanum</i>”. In Hermínio Matins e José Luís Garcia (coord.), <i abp="4321" style="mso-bidi-font-style: normal;">Dilemas da Civilização Tecnológica</i>. <span abp="4322" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">Lisboa, Imprensa de Ciências
Sociais.<o:p abp="4323"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4324">
</div>
<div abp="4325" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="178">
<span abp="4326" lang="EN-GB" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><o:p abp="4327"><span abp="4328" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4329">
</div>
<div abp="4330" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="184">
<span abp="4331" lang="EN-GB" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><span abp="4332" style="font-family: Calibri;">Rosa, Hartmut. 2009. “Social acceleration: ethical and political
consequences of a desynchronized high-speed society”. <i abp="4333" style="mso-bidi-font-style: normal;">In </i>Harmut Rosa e William E. Scheuerman (org.) <i abp="4334" style="mso-bidi-font-style: normal;">High-Speed Society</i>: social acceleration, power, and modernity<i abp="4335" style="mso-bidi-font-style: normal;">. </i>Pennsylvania, Pennsylvania University
Press.<o:p abp="4336"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4337">
</div>
<div abp="4338" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="193">
<span abp="4339" style="font-family: Calibri;"><span abp="4340" lang="EN-GB" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-ansi-language: EN-GB; mso-bidi-font-family: Tahoma;">---------------------. 2005. </span><i abp="4341" style="mso-bidi-font-style: normal;"><span abp="4342" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Accélération</span></i><span abp="4343" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;">. Une
critique social du temps. Paris, Éditions La Découverte.<o:p abp="4344"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4345">
</div>
<div abp="4346" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="202">
<span abp="4347" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><o:p abp="4348"><span abp="4349" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4350">
</div>
<div abp="4351" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="208">
<span abp="4352" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><o:p abp="4353"><span abp="4354" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4355">
</div>
<div abp="4356" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="214">
<span abp="4357" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><span abp="4358" style="font-family: Calibri;">Sloterdijk, Peter. 1999. <i abp="4359" style="mso-bidi-font-style: normal;">Ensaio sobre a Intoxicação Voluntária</i>:
conversa com Carlos Oliveira. Lisboa, Fenda.<o:p abp="4360"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4361">
</div>
<div abp="4362" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="221">
<span abp="4363" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><span abp="4364" style="font-family: Calibri;">---------------------. 2000. <i abp="4365" style="mso-bidi-font-style: normal;">La mobilisations infini</i>. Vers une
critique de la cinétique politique. France, Christian Bourgois Éditor.<o:p abp="4366"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4367">
</div>
<div abp="4368" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="228">
<span abp="4369" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><span abp="4370" style="font-family: Calibri;">---------------------. <i abp="4371" style="mso-bidi-font-style: normal;">Cólera e Tempo</i>. Ensaio
político-psicológico. Lisboa, Relógio D’Água.<o:p abp="4372"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4373">
</div>
<div abp="4374" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="235">
<span abp="4375" style="background: rgb(248, 247, 247); color: black; mso-bidi-font-family: Tahoma;"><o:p abp="4376"><span abp="4377" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4378">
</div>
<div abp="4379" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="241">
<span abp="4380" style="font-family: Calibri;">STIEGLER, B. 1994. <i abp="4381" style="mso-bidi-font-style: normal;">La techique et le temps.</i> T. 1, La faute
d’Epimethée, Paris, Galilée.<o:p abp="4382"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4383">
</div>
<div abp="4384" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="247">
<span abp="4385" style="font-family: Calibri;">---------------. 2010. <i abp="4386" style="mso-bidi-font-style: normal;"><span abp="4387" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">For a new critique of political economy</span></i><span abp="4388" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;">. Cambridge, Polity Press.<o:p abp="4389"></o:p></span></span></div>
</div>
<div abp="4390">
</div>
<div abp="4391" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="255">
<span abp="4392" lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;"><o:p abp="4393"><span abp="4394" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4395">
</div>
<div abp="4396" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="261">
<span abp="4397" style="font-family: Calibri;">Virilio, Paul. 2001. <i abp="4398" style="mso-bidi-font-style: normal;">Velocidade e Política</i>. São Paulo,
Estação Liberdade.<o:p abp="4399"></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4400">
</div>
<div abp="4401" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; mso-line-height-alt: 5.0pt; tab-stops: 144.0pt; text-align: justify;">
<div abp="267">
<span abp="4402" style="color: red;"><o:p abp="4403"><span abp="4404" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></span></div>
</div>
<div abp="4405">
</div>
<div abp="4406" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<div abp="273">
<o:p abp="4407"><span abp="4408" style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></div>
</div>
<div abp="4409">
</div>
<div abp="4410" style="mso-element: footnote-list;">
<div abp="278">
<!--[if !supportFootnotes]--><br /></div>
<hr abp="4412" align="left" size="1" width="33%" />
<div abp="280">
<!--[endif]-->
</div>
<div abp="4413" id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div abp="4414" class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<div abp="283">
<a abp="4415" href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span abp="4416" class="MsoFootnoteReference"><span abp="4417" style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span abp="4418" class="MsoFootnoteReference"><span abp="4419" style="font-family: "Calibri",sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span abp="4420" style="color: #0563c1;">[1]</span></span></span><!--[endif]--></span></span></a><span abp="4421" style="font-family: Calibri; font-size: x-small;"> Fonte: </span><a abp="4422" href="http://nano.mct.gov.br/nanotecnologia-e-desenvolvimento-economico/"><span abp="4423" lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><span abp="4424" style="color: #0563c1; font-family: Calibri; font-size: x-small;">http://nano.mct.gov.br/nanotecnologia-e-desenvolvimento-economico/</span></span></a><span abp="4425" style="font-size: x-small;"><span abp="4426" style="font-family: Calibri;"><span abp="4427" lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">; acessado em 14/10/2014.</span><o:p abp="4428"></o:p></span></span></div>
</div>
</div>
</div>
<div abp="4429">
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-81610036000920265822014-10-02T09:35:00.000-03:002014-10-02T09:35:59.335-03:00A concepção de individualidade em Georg Simmel<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhax-YQKW9Gw_Kqt-UKYA7YSZjYayAHxSIu_uvPVsbCznGhpSfnCR157SXFCbDXX_pFFFUHp1P60svKyOCT0_phQI44_JMPW65ciueQ71EVrA6JTl4lYH0LtrhRLczh3CMEFFjUBg9a_VQ/s1600/twilight-1922-Grosz.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhax-YQKW9Gw_Kqt-UKYA7YSZjYayAHxSIu_uvPVsbCznGhpSfnCR157SXFCbDXX_pFFFUHp1P60svKyOCT0_phQI44_JMPW65ciueQ71EVrA6JTl4lYH0LtrhRLczh3CMEFFjUBg9a_VQ/s1600/twilight-1922-Grosz.jpg" height="400" width="308" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Crepúsculo", obra de George Grosz, 1922</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: left; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
Por <b>Ana Rodrigues</b> - Doutoranda no PPGS/UFPE<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">É
possível afirmar que o surgimento da sociologia é concomitante ao nascimento do
indivíduo da modernidade, que se caracteriza por uma transformação fundamental
na relação entre indivíduo e sociedade e por um maior espaço conferido àquele
nas relações sociais. Assim, muito embora a consolidação da sociologia como
disciplina autônoma tenha sido marcada por um esforço em desvendar as determinações
sociais na explicação da vida social, sempre houve um interesse, por parte de
seus melhores teóricos, pela análise das dimensões individuais (Martucelli,
2007b).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">A
análise do indivíduo nunca esteve completamente ausente da sociologia clássica.
Mesmo Durkheim, que é considerado um autor holista, reconheceu que as
sociedades modernas outorgam um espaço mais amplo ao indivíduo, chegando a
afirmar que este havia se convertido na religião da modernidade. Em 1898,
Durkheim publicou um texto – “O individualismo e os intelectuais” – em que em
que apresenta duas concepções de individualismo: uma negativa, que rende
homenagem ao indivíduo particular (egoísmo), e uma positiva, que considera cada
indivíduo como representante da humanidade e da razão e rende homenagem à
pessoa humana. O autor defende essa segunda concepção, denominada como
“individualismo abstrato” por Martucelli e Singly (2012, p. 16).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Mas
é sobretudo Simmel que destaca a crescente liberação do indivíduo das antigas
dependências históricas nas sociedades modernas, buscando desenvolver uma
teoria sociológica do individualismo de maneira menos maniqueísta que seu
contemporâneo, Durkheim. Em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O indivíduo e
a liberdade</i>, Simmel identifica dois tipos de individualismo desenvolvidos
na cultura europeia a partir do século XVIII, fundamentados em duas concepções
distintas de liberdade. De acordo com Martucelli e Singly (2012, p. 20), o
interesse da obra de Simmel é que, diferentemente de Durkheim, ele não
estabelece nenhuma hierarquia entre esses dois individualismos e desloca os
termos do problema, tentando compreender de que maneira essas duas concepções
opostas se articulam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">A
primeira noção de individualismo desenvolve-se a partir do século XVIII e tem
na liberdade a sua motivação mais íntima. Segundo Simmel (2005, p. 108), a
liberdade se torna a bandeira universal por meio da qual o indivíduo protege
seus mais variados desconfortos e tenta se autoafirmar perante a sociedade. O
ideal da liberdade individual defende a liberação do indivíduo das instituições
religiosas, políticas e econômicas que constrangem os potenciais da
personalidade de maneira não-natural. É necessário, portanto, libertá-lo de
todas essas influências e das desigualdades artificialmente produzidas para que
o indivíduo possa desenvolver todos os valores internos e externos de sua
personalidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Essa
concepção de individualismo tinha como fundamento a igualdade universal, seja
esta fundada na natureza, seja na razão ou na humanidade. O centro do interesse
dessa época é o homem abstrato, que constitui a essência de qualquer pessoa
particular, ao contrário do homem historicamente situado, singularizado e
diferenciado pelos seus pertencimentos sociais. Com isso, Simmel (2005, p. 109)
aponta um contexto de pertencimento prévio e mútuo entre direito, liberdade e
igualdade, uma vez que o homem genérico, que representa o núcleo essencial do
homem individualizado, aparece em cada indivíduo particular sempre que este
seja libertado das forças sociais e desvios históricos que violentam sua essência
mais profunda. Para Martucelli e Singly (2012, p. 19), a concepção de
individualismo como independência individual, apresentada por Simmel,
corresponde ao “individualismo abstrato” de Durkheim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Simmel
(2005, p. 111) também destaca que “esse conceito de individualidade implica, em
sentido prático, o laissez faire, laissez aller”, uma vez que se em todos os
homens é possível encontrar o homem abstrato como sua essência e se pressupõe o
seu desenvolvimento perfeito, então as relações humanas não necessitariam de
intervenções reguladoras especiais. No entanto, o autor afirma que não se
conseguiu eliminar totalmente as sombras da liberdade nos indivíduos, uma vez
que a igualdade manifestava-se de maneira muito imperfeita na realidade.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ademais, a própria suposição de que após a
conquista da liberdade, seguiriam-se novas iniquidades e opressões impulsionou
o acréscimo da exigência da fraternidade ao de liberdade e de igualdade, pois
“apenas a renúncia eticamente voluntária que esse conceito expressa pode evitar
que a liberdade fosse acompanhada do oposto da igualdade” (Simmel, 2005, p.
111).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">De
acordo com Simmel (2005, p.111), se a consciência geral daquela época sobre a
essência da individualidade escondeu essa contradição entre igualdade e
liberdade, ela aparece novamente no século XIX. Nesse momento, surge uma
segunda concepção de individualismo que se contrapõe à síntese do século XVIII
e sua fundamentação da igualdade pela liberdade e vice-versa. Nessa concepção,
há uma ênfase na desigualdade e a liberdade permanece como o denominador comum
também com o correlato oposto. Contudo, é importante destacar que se, por um
lado, o autor aponta a contraposição entre as duas concepções de
individualismo, por outro, ele busca apreender sua articulação, mostrando que o
individualismo do século XIX pressupõe a concepção do século XVIII,
fundamentada na igualdade. Nas suas palavras, “tão logo o eu, no sentimento da
igualdade e universalidade, sentiu-se forte o bastante, passou a procurar a
desigualdade, mas apenas aquela que surgia como uma lei interna” (Simmel, 2005,
p. 112).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Simmel
(2005, p. 112) afirma ainda que após a libertação dos indivíduos de suas
antigas dependências históricas, o movimento segue adiante e estes indivíduos
tornados autônomos buscam agora distinguir-se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">entre si</i>. Nesta segunda concepção, o importante não é o indivíduo
como tal, mas sim o que este tem de único e distinto. Desse modo,
intensifica-se a procura moderna pela diferenciação, a busca do indivíduo por
si mesmo, por um ponto de solidez e ausência de dúvidas, que se torna tanto
mais necessária quanto maior a complexidade da vida. E essa busca não pode ser
encontrada em instâncias externas à própria alma. Para o autor, as relações com
os outros são apenas estações no caminho em busca de si mesmo. Tais relações
são importantes seja porque o indivíduo se sente igual aos outros e sozinho com
suas próprias forças, precisando do apoio desse tipo de consciência, seja
porque os outros são importantes na comparação e visão da própria singularidade
e individualidade do próprio mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Essa
concepção de individualismo encontrou seu filósofo em Schleiermacher, para quem
não apenas a igualdade, mas a diferenciação é uma obrigação ética. Simmel
(2005, p. 113) denomina esse individualismo de qualitativo em oposição ao
individualismo numérico do século XVIII e afirma que o romantismo alemão foi o
primeiro canal por meio do qual essa concepção permeou a consciência do século
XIX.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Segundo
Simmel (2005, p. 114), a primeira concepção de individualismo é o produto do
liberalismo racional da Inglaterra e da França, enquanto a segunda é uma
criação do espírito germânico. Embora em constante tensão, o autor afirma que
essas duas grandes forças da cultura moderna procuram um equilíbrio nas mais
diversas esferas. No entanto, até o século XIX, os dois tipos de individualismo
só foram unidos na constituição de princípios econômicos. Nesta esfera, a
concepção da liberdade e da igualdade fundamenta a livre concorrência, enquanto
a personalidade diferenciada é o fundamento da divisão do trabalho. Simmel
(2005, p. 115) adverte que as consequências “da concorrência sem peias e da
especialização da divisão do trabalho para a cultura interna não se deixam
apresentar exatamente como o maior benefício dessa cultura”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">A
análise de Simmel do individualismo não se restringe ao esboço da emergência de
diferentes ideias filosóficas e suas respectivas raízes culturais, dado que ele
também busca apreender as mudanças sociais que possibilitaram seu surgimento. Na
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Filosofia do Dinheiro</i>, Simmel mostra
de que maneira o desenvolvimento de uma economia monetária possibilitou uma
margem crescente de liberdade individual e, consequentemente, um maior domínio
da consciência pelo indivíduo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">De
acordo com Simmel (1977, p. 348), o desenvolvimento de uma economia monetária
conduziu a uma maior objetividade das relações sociais. Na medida em que o
dinheiro se torna o mecanismo universal de troca, ele permite determinar a
igualdade exata dos valores de troca, devido às suas propriedades de
divisibilidade e aproveitabilidade ilimitada. Como ele pode ser somado e
dividido de maneira ilimitada, ele permite a adoção de um critério quantitativo
na apreensão dos produtos, reduzindo toda qualidade e individualidade à
questão: “quanto?”. Portanto, nos mais diversos fenômenos, dentro da economia
monetária, os objetos tornam-se cada vez mais indiferentes em sua singularidade
e individualidade, carentes de essência e intercambiáveis (Simmel, 1977, p.
361).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">O
princípio da objetividade adotado pela economia monetária também conduziu a uma
transformação da forma real que tomam as relações de dependência,
possibilitando o desenvolvimento da liberdade individual. Simmel (1977, p. 338)
explica que, enquanto nas formações sociais anteriores, a vinculação e o
direito do senhor abrangiam não apenas o produto do trabalho como também a
personalidade do trabalhador, a economia do dinheiro conduz a uma separação
completa da personalidade como tal frente às relações de dever. A adoção do
princípio da objetividade frente ao da personalidade conduz a uma transição em
que o limite do tempo de trabalho começa a ser determinado e, em seguida, não
se exige mais um tempo e uma força de trabalho determinados, mas um produto
determinado do trabalho. Desse modo, não há uma subordinação a outra personalidade
subjetiva. O dinheiro despersonaliza as relações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Do
mesmo modo, no sistema de trabalho assalariado, o trabalhador adquire certa
independência frente ao empresário isolado, devido à frequência com que a
economia monetária muda o empresário e pela possibilidade múltipla de eleger ou
substituir a este que a forma do salário garante ao trabalhador, concedendo-lhe
uma liberdade completamente nova, dentro de suas ataduras. Contudo, Simmel
(1977, p. 359) destaca que a liberdade do trabalhador é também a liberdade do
empresário, que não existia nas formas de trabalho mais vinculadas. Em sentido
social, a liberdade, como a ausência de liberdade, constitui uma relação entre
seres humanos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Simmel
(1977, p. 352) adverte que a economia monetária não possibilitou apenas uma
liberação do indivíduo, mas também uma configuração especial das relações de
dependência mútua que, ao mesmo tempo, deixa margem para um máximo de
liberdade. Isso porque essa economia estabelece uma série de vinculações,
inexistentes nas formações econômicas anteriores. A dependência de outras
pessoas alcançou esferas completamente novas, devido à crescente divisão
moderna do trabalho e a especialização das faculdades humanas que a acompanha,
além do aparecimento de técnicas mais complexas e de um número maior de
intervenções para atender mesmo às necessidades mais elementares. Mas o outro
lado do processo de divisão do trabalho é justamente que, à medida que o
sujeito se torna dependente de um número crescente de prestação de serviços,
ele se torna independente das personalidades que se encontram por trás destes,
porque só permite a ação de uma parte das mesmas, “excluindo por completo as
outras cuja conjunção é precisamente o que dá lugar à personalidade” (Simmel,
1977, p. 354). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Desse
modo, a economia monetária facilita a separação do elemento pessoal das
relações entre os seres humanos através de sua essência objetiva. Se o homem se
torna, por um lado, mais dependente de uma grande quantidade de provedores, ele
é muito mais independente da pessoa isolada e concreta que lhe presta um
serviço e que pode ser substituída com facilidade e frequência. Em consequência
disso, o indivíduo recebe como recompensa “a indiferença em relação com as
pessoas e a liberdade de intercâmbio com elas” (Simmel, 1977, p. 356).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Para Simmel (1977, p. 357), esta é a
situação mais favorável para produzir a independência interior e o ser-para-si
individual. É só a partir do exercício desta liberdade, que é possível
desenvolver a individualidade, de ampliar o núcleo do eu por meio da vontade e
sentimento individuais. O autor destaca que tal individualidade não pode ser
percebida como uma ausência de relações, mas, precisamente, como uma relação
muito determinada com os demais. Uma relação que pressupõe, como toda relação,
elementos de aproximação e elementos de distanciamento. Segundo ele, a
configuração mais favorável de ambos os elementos para explicar a independência
tanto em sua qualidade de fato objetivo como de consciência subjetiva parece se
manifestar quando se dão relações extensas com outros homens, dos quais foram
distanciados todos os elementos que são de natureza individual. Nas suas
palavras, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">“a causa e o efeito destas dependências
objetivas, nas quais o sujeito como tal é livre, residem na trocabilidade das
pessoas; na troca voluntária dos sujeitos ocasionada através da estrutura da
relação se revela aquela indiferença do elemento subjetivo, que leva o sentimento
da liberdade” (Simmel, 1977, p. 358).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">A
personalidade surge, assim, como a contraposição subjetiva das circunstâncias
de dependências objetivas e de indiferença impostas pela economia do dinheiro
que conduz a um largo processo de diferenciação social, do qual resulta a
acentuação da importância do eu, por um lado, e da coisa, por outro. Simmel
(1977, p. 361) afirma que o surgimento da personalidade é ao mesmo tempo o
processo de surgimento da liberdade, uma vez que tudo o que chamamos de
personalidade – a unidade de elementos psíquicos, sua concentração em um só
ponto, a insubstituibilidade de sua essência – implica também a independência e
exclusão de todo o exterior e o desenvolvimento de acordo com as leis da
própria essência – a que se chama liberdade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Segundo
Simmel (1977, p. 362), em ambos os conceitos se manifesta um ponto último e
profundo da essência do indivíduo que enfrenta a todo objetivo, exterior e
sensorial, que se origina tanto fora como dentro da sua própria natureza. Tanto
o conceito de liberdade quanto o de personalidade constituem uma “expressão do
fato de que aqui surgiu a contrapartida do ser natural, contínuo e
objetivamente determinado, contrapartida cuja originalidade não somente reside
na aspiração a uma posição especial frente a ele, senão também na busca de uma
conciliação com ele mesmo”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Além
da economia do dinheiro, o crescimento dos círculos sociais, que acompanha o
seu desenvolvimento, é percebido por Simmel como uma importante transformação
para o aumento da liberdade e da individualidade. O autor tenta compreender de
que maneira a personalidade se acomoda nos ajustamentos às transformações
sociais advindas com a vida na metrópole, lugar em que essa economia se
desenvolve. Simmel (1973, p. 12) busca apreender as condições psicológicas
criadas pela vida na metrópole, tendo em vista que a mente humana procede a
partir de discriminações entre a impressão de um dado momento e o que o
precedeu, e a metrópole extrai uma quantidade de consciência maior que a vida
rural. O autor afirma que a base psicológica do tipo metropolitano de
individualidade consiste na intensificação de estímulos nervosos, resultantes
da alteração brusca e ininterrupta de estímulos interiores e exteriores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Diante
do ritmo de vida e da rápida convergência de imagens em mudança na metrópole, o
indivíduo metropolitano desenvolve uma consciência elevada e uma predominância
da inteligência. Segundo Simmel (1973, p. 13), a reação aos fenômenos
metropolitanos é transferida a um órgão menos sensível e bastante afastado da
zona mais profunda da personalidade, enquanto a intelectualidade assume a
preservação da vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Ademais,
as relações emocionais íntimas entre pessoas fundadas em sua individualidade,
comuns nos pequenos círculos, dão lugar a relações racionais e anônimas, em que
se trabalha com o homem como um número, um ser que é em si mesmo indiferente. Simmel
(1973, p. 14) afirma que essa atitude “prosaicista” está tão inter-relacionada
com a economia do dinheiro que não se sabe se foi a mentalidade
intelectualística que primeiro criou essa economia, ou se esta última
determinou a primeira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">O
autor também destaca que o caráter objetivo da economia do dinheiro – com suas
características de exatidão, calculabilidade, etc. – são introduzidos à força
pela complexidade e extensão da existência metropolitana, de modo que ele não
está apenas intimamente ligado a essa economia, mas também conduz a uma
objetivação crescente de conteúdos existenciais. Desse modo, esse caráter
permeia o conteúdo da vida e favorece a exclusão daqueles impulsos irracionais
e instintivos, que tentam determinar o modo de vida de dentro, ao invés de
receber a forma de vida geral de fora. Na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Filosofia
do Dinheiro</i>, Simmel (1977, p. 347) destaca que é justamente essa capacidade
de observação objetiva, de prescindir do eu, que separa os homens, no puramente
psicológico, das ordens animais inferiores. E é isso o que impulsiona o
processo histórico ao seu resultado possivelmente mais nobre e à formação de
valores em que os interesses de uma parte não exclui o outro, senão abre
caminho a ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Simmel
(1973, p. 15) afirma que não há fenômeno psíquico que tenha sido tão
incondicionalmente reservado à metrópole quanto a atitude <i style="mso-bidi-font-style: normal;">blasé</i>, que expressa a relação entre uma estrutura da mais alta
impessoalidade e, em contraposição, uma subjetividade altamente pessoal. Em
princípio, essa atitude resulta dos estímulos contrastantes que são
continuamente impostos aos nervos. Mas o autor acrescenta que essa fonte
fisiológica da atitude <i style="mso-bidi-font-style: normal;">blasé</i> é
acrescida de outra que flui da economia do dinheiro e corresponde ao
embotamento do poder de discriminar toda qualidade dos objetos, de modo que
nenhum objeto merece preferência sobre outro. Para o autor, “esse estado de
ânimo é o fiel reflexo subjetivo da economia do dinheiro completamente
interiorizada” (Simmel, 1973, p. 16).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Simmel
(1973, p. 17) explica que na atitude <i style="mso-bidi-font-style: normal;">blasé</i>,
os nervos encontram na recusa a reagir aos incessantes estímulos a última
possibilidade de acomodar-se ao conteúdo e à forma de vida metropolitana.
Assim, a autopreservação da personalidade é alcançada ao preço da
desvalorização de todo mundo objetivo; uma desvalorização que no final arrasta
a personalidade da própria pessoa para uma sensação de igual inutilidade. Além
disso, sua autopreservação em face da cidade exige dele um comportamento de
natureza social negativa, como a reserva. Essa reserva assume a forma de um
fenômeno mais geral da metrópole, conferindo ao indivíduo uma quantidade e
qualidade de liberdade pessoal que não tem analogia sob outras condições.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Esse
aumento da liberdade está relacionado ao crescimento dos círculos sociais.
Segundo Simmel (1973, p. 19), os pequenos círculos permitem apenas relações
restritas com os outros grupos e não podem permitir a liberdade individual e o
desenvolvimento interior e exterior próprios, uma vez que guardam as
realizações, a conduta de vida e a perspectiva do indivíduo. Mas à medida que o
grupo cresce, a unidade interna do grupo se afrouxa, bem como a demarcação
original contra os outros grupos, possibilitando relações e conexões mútuas.
Assim, o indivíduo ganha liberdade de movimento, ao mesmo tempo em que adquire
uma individualidade específica, decorrente da divisão do trabalho tornada
necessária com o crescimento do grupo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">O
caráter extensivo da metrópole para além de suas fronteiras físicas e a
independência individual contribuem para que o aspecto quantitativo da vida
seja transformado em traços qualitativos de caráter. Simmel (1973, p. 21)
afirma que “o homem não termina com os limites do seu corpo ou a área que
compreende sua atividade imediata. O âmbito da pessoa é antes constituído pela
soma de efeitos que emana dela temporal e espacialmente”. Deste modo, a
liberdade que acompanha este processo não deve ser entendida apenas no sentido
negativo, como liberdade de mobilidade. O ponto essencial é que a
particularidade e incomparabilidade que todo ser humano possui sejam expressas
de alguma forma na elaboração de um modo de vida. A liberdade no sentido de o
indivíduo estar seguindo as leis de sua própria natureza só se torna óbvio para
ele e para os outros se as expressões dessa natureza diferirem das expressões
de outras.<u> </u>A pessoa se volta para diferenças qualitativas, buscando
atrair de alguma forma a atenção do círculo social, explorando sua
sensibilidade e diferenças. Do mesmo modo, a crescente divisão do trabalho na
cidade moderna compele o indivíduo a se especializar em uma função na qual não
possa ser prontamente substituído por outros. Esse processo conduz a uma
diferenciação crescente (Simmel, 1973, p. 22).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Portanto,
a individualidade para Simmel decorre de condições externas, como o
pertencimento a diversos círculos sociais separados entre si e, ao mesmo tempo,
do trabalho interior, íntimo. Apesar da grande contribuição teórica de Simmel
para pensar o crescente processo de individualização na modernidade, ele foi
praticamente esquecido depois da Primeira Guerra Mundial e maioria dos
sociólogos abandonou a ênfase dos clássicos na importância das formações
psíquicas particulares dos indivíduos na explicação da vida social. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Contudo,
Martucelli e Singly (2012, p. 23) destacam que a concepção de individualidade desenvolvida
por Simmel se torna central quase um século depois para uma corrente sociológica
denominada de “Sociologia do Indivíduo”, que defende a necessidade de uma nova
abordagem teórica à escala individual, haja vista a intensificação do processo
de individualização na sociedade moderna, a partir da segunda metade do século
XX – o que muitos teóricos chamam de segunda modernidade. Esses teóricos
afirmam que, diante desse processo, o indivíduo não pode ser mais definido
apenas pelos vínculos herdados e pelas determinações sociais. Faz-se necessário
prestar mais atenção no trabalho que o indivíduo realiza sobre si mesmo. Simmel
torna-se um dos principais precursores dessa corrente pela sua ênfase, por um
lado, na crescente divisão interna dos indivíduos e a independência entre as
diversas partes de seu ser e, por outro lado, na existência de um conflito
interior entre essas partes (Martucelli e Singly, 2012, p. 34). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Referências bibliográficas<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">MARTUCELLI, Danilo (2007a). <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cambio de rumbo</i>: la sociedade a escala
del Individuo. Santiago: LOM Ediciones.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">____________.
(2007b) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lecciones de Sociología del
Individuo</i>. Santiago.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">MARTUCELLI, Danilo & SINGLY,
François de (2012). <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">Las Sociologías del Individuo</span></i>.
Santiago: LOM Ediciones. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">SIMMEL, Georg. (1977). <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Filosofia Del Dinero</i>. Madrid: Instituto
de Estudios Politicos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">_____________(2005). “O
Indivíduo e a Liberdade”. In: J. Souza e B. Oelze (Orgs.) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Simmel e a Modernidade</i>. Brasilia: Ed. UnB.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">____________ (1973). “A
metrópole e a vida mental”. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O fenômeno Urbano</i>. Rio de Janeiro: Zahar
Editores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">___________ (1950). “The Stranger”. In: WOLF, Kurt H.
The sociology of Georg Simmel. New York, Knickerbocker Printing Corp.<o:p></o:p></span></div>
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-17012033755771492014-09-03T21:14:00.002-03:002014-09-11T06:13:09.189-03:00Emoção e sociabilidade em rede: uma pequena introdução sobre a sedução dos sentimentos no Facebook (trabalho em progresso)<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlmR-QKS7_jcgJ1Dq-_BLcRFW39ffnflEr8RK98PsngCloQInJxFJGS34kf1UfsdkGjnMBUoJPWoeDvjuhz_zYuxfVQXfxzAXzNJICAJ4m_w-Obx07FXE649Qlp31u7Y-Dc17u9VSDeZk/s1600/emoc1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlmR-QKS7_jcgJ1Dq-_BLcRFW39ffnflEr8RK98PsngCloQInJxFJGS34kf1UfsdkGjnMBUoJPWoeDvjuhz_zYuxfVQXfxzAXzNJICAJ4m_w-Obx07FXE649Qlp31u7Y-Dc17u9VSDeZk/s1600/emoc1.jpg" height="240" width="320" /></a></b></div>
<br />
<div align="right" class="MsoNoSpacing" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Jonatas Ferreira</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn1" name="_ednref1" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div align="right" class="MsoNoSpacing" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Cristina
Petersen Cypriano</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn2" name="_ednref2" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
capacidade de mobilização e de articulação social e política das redes de sociabilidade
baseadas na Internet - tais como aquelas abrigadas pelo Facebook ou Twitter -
tem despertado o interesse de diversos atores, analistas e cientistas sociais.
Um exemplo disto é a atenção que este tipo de <i>media</i> vem despertando entre os políticos profissionais. Em 16 de
outubro de 2013, o ex-presidente Lula conclamava os seus seguidores no Facebook
a atuar neste novo espaço técnico da seguinte forma: “<span style="background: white;">Vamos utilizar essa ferramenta fantástica que é a internet para falar do
nosso projeto, mostrar o que já fizemos e, claro, ouvir críticas, sugestões e
questionamentos”</span></span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn3" name="_ednref3" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="background: white;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">. </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Comentando o livro de Manuel Castells <i>Redes de Indignação e Esperança</i>, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisava a importância da tecnologia na
viabilização de protestos na Islândia, Espanha e Egito: “Por trás desses
protestos está o cidadão comum informado e conectado pelas redes sociais e por
toda sorte de modernas tecnologias de informação”.</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn4" name="_ednref4" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="background: #F8F8EF;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">
Dada a relevância evidente deste meio sociotécnico, não admira que políticos
profissionais passem a buscar o apoio de especialistas em comunicação e em
redes sociais para compreender e intervir nesse novo espaço de sociabilidade.
Recentemente, por exemplo, Dilma Rousseff convidou ao Palácio do Planalto
Jeferson Monteiro, o criador da personagem paródica <i>Dilma Bolada</i>, de enorme popularidade nas redes sociais baseadas na
Internet. Com 1,4 milhão de seguidores no Facebook e 26 mil no Twitter, a
personagem de Monteiro pode se dar ao luxo de obter espaço na agenda da
Presidente da República, precisamente no momento em que seu autor havia
decidido descontinuar as postagens envolvendo sua criação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
forte prestígio da personagem Dilma Bolada não pode, entretanto, ser avaliado
apenas segundo os critérios da elevada audiência que ela obteve. Em um
contexto, como é o das redes sociais <i>on-line</i>,
onde todos os integrantes administram suas próprias páginas – pessoais ou
institucionais – e se colocam como produtores de conteúdos, tanto quanto como
consumidores e divulgadores, “</span><span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR;">o
valor é cada vez mais calculado através da abrangência atingida por
replicações, <i>replies</i>, menções, comentários, curtições e
compartilhamentos de conteúdos”. Diferentemente do poder que se manifesta pela
somatória dos seguidores, a “abrangência traduz o valor como a potência que
consegue alcançar e o quanto pode mobilizar uma comunicação no interior das <i>timelines</i>”
(Malini & Antoun, 2013, p.216). Nas comunicações em rede, os formadores de
opinião se distinguem não pela contabilidade do número total de receptores, mas
sim pelo cultivo da participação ativa daqueles que recebem os conteúdos
postados. Sob vários aspectos, esse potencial dialógico é entendido como parte
constitutiva da própria dinâmica estabelecida neste tipo de rede social.
Recentemente, a propósito, os administradores do Facebook decidiram tomar
medidas contra o que identificam como chamadas fraudulentas, posts de aparência
sedutora, iscas (<i>clickbaits</i>), que,
uma vez abertos, mostram conteúdo sem qualquer relação com as promessas
iniciais:</span><span class="MsoEndnoteReference"><span lang="PT-BR"> <a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn5" name="_ednref5" title=""><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[5]</span></span><!--[endif]--></a></span></span><span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR;"> sob uma chamada em que figura o vídeo de um terno
animal de estimação, por exemplo, encontrar-se-ia uma propaganda qualquer. <i>A identificação da fraude é possível - e
este é o ponto - pela contabilização do tempo médio gasto por internauta ao
abrir a chamada e pela proporção do número de comentários e compartilhamentos
que esses ensejam, dada a quantidade total de acesso. A participação é sempre a
atitude esperada</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Retomemos o ponto com o qual abrimos este texto.
Dada sua incontestável força política e social, as mobilizações em rede também
vêm ganhando uma atenção especial de um segmento das ciências sociais (ver, por
exemplo, Lecomte, 2013; Dobwor, 2013; Singer, 2013). No que pese a importância
desses estudos, em geral, eles compartilham de uma visão distanciada destes
fenômenos, quer este afastamento seja garantido por alguma perspectiva
econômica, na qual o político, o social e o cultural sempre parecem se
subsumir, ou numa análise técnica que invariavelmente toma a rede como um fato
dado e mesmo comparável a outros tipos de redes, como aquelas que podem ser
percebidas entre insetos (a esse respeito, ver Ferreira e Fontes, 2014). Neste
texto, por outro lado, procuramos recuperar um pouco dos conteúdos emocionais que
forjam os “laços” e os “nós” dessas redes sociais e técnicas. Parece evidente
que, a esse respeito, devemos partir de uma constatação bastante difundida
entre os estudiosos da tecnologia: </span><span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT-BR;">os engajamentos pelos quais se encadeiam as ações nas redes sociais <i>on-line</i> são </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">tecidos
pela interface entre seres humanos e máquinas. Os “pontos” que compõem a
intrigante topologia reticular dos movimentos coletivos via Internet “são
conectadas não por laços sociais <i>per se</i>,
mas sim por vínculos sócio-<i>técnicos</i>.
Elas são unidas por conexões tão técnicas quanto sociais” (Lash, 2001, p. 112).
Daí decorre a desconcertante impressão de que “já não se sabe ao certo se
existem relações específicas o bastante para serem chamadas de ‘sociais’”, ao
mesmo tempo em que “o social parece diluído por toda parte e por nenhuma em
particular”, como observa Latour (2012, p.19). Isso que parece um truísmo,
infelizmente, não se traduz em análises que deem conta dos dois polos que
compõem o fenômeno em questão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Entendendo as redes sociais baseadas na Internet
como fenômeno socio-técnico, nossa abordagem não está à procura de pontos de
origem em algum dos componentes da interface homem-máquina. Considera, antes,
que trata-se de uma especial forma de relação que atualmente muitos de nós
estabelecemos com as tecnologias de informação e comunicação, uma relação na
qual somos autorizados e autorizamos, somos habilitados e habilitamos, somos
capacitados e capacitamos a agir de forma imprevista (Latour, 2012). A partir
dessa perspectiva, nossa intenção neste pequeno texto é perceber como a emoção
é um componente fundamental das próprias dinâmicas sócio-técnicas – e, ao mesmo
tempo, que a emoção encontra na interface entre humanos e dispositivos os
ingredientes fundamentais que possibilitam e estimulam sua expressão. Tomaremos
aqui o caso do Facebook como objeto de nossa análise e argumentaremos que a
emoção é ali uma pressuposição do próprio dispositivo oferecido e, acreditamos,
um dos motivos de seu enorme sucesso, de seu incontestável apelo. Lançado em
2004, por Mark Zuckerberg, o Facebook conta hoje com <span style="background: white;">mais de 1 bilhão de usuários ativos – que utilizam a rede social ao
menos uma vez ao mês –, dos </span>quais mais de 60 milhões estão no Brasil.</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn6" name="_ednref6" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">No
que diz respeito à mediação tecnológica do Facebook, é notável o fomento à
composição de coletivos de sociabilidade, considerando que esta é uma forma
específica de relação social que pode ser definida, com Simmel (1983), pela
mutualidade no cultivo do laço social <i>per
se</i>, pela troca de conteúdos de cunho pessoal, pelo aspecto lúdico das
interações, pelo prazer </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 16px; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">recíproco</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 16px; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">da
sociação - embora finalidades instrumentais possam interferir neste processo, elas não são condições de partida para os usuários do Facebook. Assim, o </span><i style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">site</i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> oferece um
serviço que investe na sociabilidade entre seus frequentadores, na medida em
que incentiva algum tipo de reciprocidade na disponibilização de conteúdos
provenientes de suas vidas pessoais e promove interações em torno desses
conteúdos. O fato de a emoção ser um ingrediente e uma moeda de troca
importante em redes sociais como o Facebook – que nos faz pensar em uma espécie
de economia da dádiva em que laços são reforçados entre aqueles capazes de
mostrar uma sensibilidade afim - talvez possa ser apreciado em primeiro lugar
pelo fato de os laços que a compõem serem caracterizados como laços de
“amizade”. Ainda assim, não é incomum que essa reciprocidade seja rompida
unilateralmente de forma a preservar de alguma forma o laço. Isso ocorre, por
exemplo, quando deixamos de seguir um determinado amigo, ou deixamos de ser
seguidos por ele, por atitudes julgadas inconvenientes: postar exageradamente,
por vezes sobre um único assunto, mostrar opiniões ou valores considerados inadequados,
etc. À importância da continuidade deste “laço fraco”, o Facebook está atento:
é possível poupar um “amigo” ou “amiga” da triste verdade de que ele ou ela se tornou
um chato.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Para
alguns, aquilo que no Facebook “nós designamos convencionalmente pelo nome de
‘amizade’ é um tipo de ligação inteiramente específica dos ambientes sociais da
Web” (Casilli, 2010: 270). Isso <i>significaria</i>
aceitar que, embora possua a mesma nomeclatura de um vínculo social <i>off</i>-<i>line</i>,
trata-se de um tipo de laço que não existe senão nas dinâmicas típicas do mundo
<i>on-line. Ao tratar de fenômenos técnicos
desta natureza, todavia, é sempre importante analisar a ambiguidade dos meios
que estes dão lugar, o processo de contaminação mútua que existe por exemplo
entre dinâmicas off e on-line.</i> Por isso mesmo, é importante analisar o que
comumente entendemos por <i>amizade </i>e
ver como esse valor é negociado nas redes sociais.</span><span style="font-family: "Calibri Light","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Na
língua inglesa “essa amizade assistida por computador toma o nome de <i>friending</i>. O neologismo designa o ato de
‘amigar’ ou de ‘tornar-se <i>amigo</i> de’
alguém” (Casilli, 2010: 271). Não é de se admirar que essa forma de ligação
assuma o estatuto de uma <i>ação</i>, uma
vez que abarca o movimento voluntário e persistente de tecer e manter laços <i>on-line</i>, sejam quais forem as motivações
dos indivíduos. O convite explícito para celebrar um laço de amizade no mundo
virtual – que só tem paralelo no universo infantil – dá bem uma ideia de quão
significativa é a ideia de ação neste âmbito. Esse exercício de tornar-se
amigo, invariavelmente, está condicionado às possibilidades e às restrições dos
sistemas informáticos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">A importância do uso do termo
amizade para o sucesso do Facebook está associado, de maneira intuitiva, à
ideia de que se trata de um ambiente onde se <i>fica à vontade</i> na medida em que seus frequentadores são convidados
a se assegurar</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> da qualidade dos laços que são ali formados. A
sugestão é a de que estão todos entre amigos, senão, entre amigos de amigos</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn7" name="_ednref7" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">.
A escolha do nome amizade - em torno do qual parecem se constituir as dinâmicas
desta rede social - é sintomática da possibilidade que certos laços sociais têm
de ser mais fortes que outros.</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn8" name="_ednref8" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Quando indagado sobre
as vantagens de fazer parte desta rede, não é incomum escutar de seus usuários
que a possibilidade de manter contato com pessoas distantes espacialmente ou
com amigos antigos dos quais se perdeu o contato estaria entre as mais
atraentes. Assim, recursos disponíveis nesta plataforma, tais como “cutucar”
parecem reforçar a pretensão de intimidade e emotividade sobre os quais os
laços seriam fortalecidos. Entretanto, além da postagem de conteúdos,
acreditamos que as ações de “curtir”, ou seja, de manifestar apreço, admiração,
ou identidade com respeito a um conteúdo, e de compartilhar esses mesmos
conteúdos estejam entre as ações que mais fortalecem os laços dentro da rede.</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn9" name="_ednref9" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[9]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">É
necessário aqui afirmar que o processo de reconhecimento e obtenção de
prestígio na rede são fundamentais para que as próprias redes aumentem o número
de seus nós. O Facebook estimula essa atitude propondo recorrentemente novas
amizades, indicando amigos de amigos que talvez o internauta gostasse de incorporar
à sua rede de contatos, ou melhor, de amigos. O motivo aqui é simples: a
frequência das visitas, a intensidade das interações e seu alcance são os
ingredientes a partir dos quais o Facebook obtém retorno financeiro e se dispõe
a manter sua plataforma gratuita. Não é segredo que, nesse site, as ligações
entre os usuários são os valiosos produtos da sociabilidade. O que o indivíduo
curte e compartilha serve de base para que os algoritmos que orientam o
Facebook possam oferecer produtos, serviços, sob a forma de propaganda</span><a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_edn10" name="_ednref10" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[10]</span></span><!--[endif]--></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">.
O que você gosta, aquilo com o que você se identifica, que gostaria de
compartilhar, são bases mediante as quais os anunciantes do Facebook podem propor
negócios, serviços. Ademais, uma base de dados com informações tão valiosas acerca
de gostos, preferências, susceptibilidades afetivas, convicções políticas e
morais tem valor financeiro incalculável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Não
é de admirar que um tom afetivo, por vezes mesmo acalorado, circule e se
propague, em certas ocasiões de modo furioso, nesta rede social. As opiniões,
certezas associadas a esses afetos passam a ser um elemento fundamental na
consolidação de laços ou em seu rompimento. Opiniões políticas intoleráveis
podem ser objetos de avisos do tipo: “lamento informar, mas todas as pessoas que
comungam com o valor x, a opinião y, que considero absurdas, serão excluídas,
bloqueadas de minhas redes de <i>contatos</i>”.
Esse tipo de anúncio, algo impessoal, reestabelece a diferença básica que
existe entre amigo e contato. Além do ato de curtir ou compartilhar, as
mensagens que são trocadas quando alguém se sente particularmente tocado por um
conteúdo também são importantes no estabelecimento desta dinâmica. Os selfies,
ou fotos de situações da vida cotidiana, postados recebem mensagens de
incentivo ou expressão de afeto que variam de uma sonora risada em internetês
(“hahahaha!” ou “kakakakaka|, carinhas sorridentes ou que distribuem beijos ou
piscadelas, coraçõezinhos rubros) são um recurso bastante difundido, mas também
comentários como “Linda!!!”, “Own!!”, “Adorei!”, “Que gato!” etc. etc. A própria
plataforma oferece um recurso inestimável na manifestação de afetos: o lembrete
do dia do aniversário de pessoas de sua rede de contatos, amigos. Há sempre
ocasião para mensagens inspiradas, poéticas e respostas comovidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
intensidade dos afetos em rede é demonstrada sobretudo por ocasião da morte de
celebridades, o que sempre envolve demonstrações emocionadas de admiradores,
gente que se mostra “arrasada” diante do que consideram uma perda irreparável.
“Choro desde ontem pela morte desse gênio que foi Rob Williams”, “tanta gente
ruim continua vivo, por que Ariano Suassuna tinha de morrer?” A compartilha
desses sentimentos é algo fundamental à manutenção, intensificação,
estreitamento dos laços da rede. E, evidentemente, são passíveis de se tornar
uma peça de negociação política e social. A prematura morte de Eduardo Campos
constituiu-se em evento de delicada negociação de afetos no Facebook. Laços
reforçaram-se, romperam-se ou se esgarçaram a partir da sensibilidade
demonstrada por cada um em relação ao trágico evento: aqueles que se mostraram
insensíveis à morte do candidato à presidência da República suscitaram a
revolta daqueles para quem a oposição política não deveria ir tão longe. Estes, por seu turno, foram acusados pelos primeiros de postura política inconsistente, quando era o caso de serem seus adversários políticos, ou de acomodação. Rupturas de laços
ocorreram, independente de afinidades políticas recentes, com base em uma
impossibilidade de compartilha de um mesmo <i>pathos</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Esse
tipo de comoção que se encadeia como um rastilho pelas redes sociais do
Facebook traz para o <i>site</i> importantes
subsídios para conhecer seus usuários e a maneira como eles se ligam uns aos
outros através das trocas emotivas. O contágio de emoções entre os usuários do
serviço foi o tema de uma polêmica pesquisa recentemente publicada. A polêmica
se deu a partir da falta de esclarecimento aos participantes da pesquisa quanto
à participação deles no experimento, que consistiu basicamente na manipulação,
durante uma semana, dos algorítimos que definem os conteúdos que aparecem no “feed”
de notícias de cada um dos 700 mil usuários que integraram a pesquisa sem, no
entanto, terem sido comunicados de que participariam. A manipulação do
algoritmo se deu com base no teor positivo ou negativo das emoções associadas
aos conteúdos publicados nos “feeds”, de modo que, durante a semana do
experimento, metade deles recebeu apenas publicações que envolvem emoções “negativas”
e a outra metade teve acesso exclusivamente ao que aparece vinculado a emoções “positivas”.
Ao fim do experimento, constatou-se, entre os usuários pesquisados uma
tendência à publicação e ao compartilhamento de conteúdos que vinculam emoções
condizentes com aquelas às quais eles tiveram acesso. Segundo os autores, os
resultados do experimento demonstram que “<span style="background: white; letter-spacing: -.2pt;">as emoções expressas pelos outros no Facebook influenciam
nossas próprias emoções”. Eles consideram ter encontrado evidências de que
essas influências emocionais processam por “contágio em larga escala via redes
sociais." (Kramer <i>et alii</i>, 2014,
p. 8789).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; letter-spacing: -.2pt; line-height: 150%;">Considerando o forte potencial de mobilização
social que se dá através dos contágios emocionais nessas redes sócio-técnicas,
esperamos que esse texto se mostre contagiante e seja amplamente comentado,
compartilhado e curtido. </span><span style="background: white; font-family: Wingdings; font-size: 12.0pt; letter-spacing: -.2pt; line-height: 150%; mso-ascii-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-char-type: symbol; mso-hansi-font-family: "Times New Roman"; mso-symbol-font-family: Wingdings;">J</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Nota:
Todas as citações de frases encontradas nos sites de redes sociais não são
literais, mas sim aproximações do que tem sido publicado nesses sites.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Referências
bibliográficas<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR;">CASILLI, Antonio A. <i>Les liasons numériques: vers une nouvelle sociabilité?</i> </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Paris: Éditions
Du Seuil, 2010.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">CASTELLS,
Manuel. <i>Redes de Indignação e esperança:
movimentos sociais na era da internet</i>. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">DOBWOR, Monika; José SZWAKO.“Respeitável
público... Performance e organização dos movimentos antes dos protestos de
2013”. <i>Novos Cadernos CEBRAP, </i>2013<i> no. 97, </i>novembro: 43-55. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">FERREIRA,
Jonatas e Breno FONTES. </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">“Ágora
Eletrônica: algumas reflexões teórico-metodológicas”. </span><i><span lang="EN-GB" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-GB;">Estudos de
Sociologia</span></i><span lang="EN-GB" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-GB;">, Vol. 14, no. 2. 2014. No prelo.<span style="background: white;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">GRANOVETTER, Mark S. “The</span><span lang="EN-GB" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-GB;"> strengh</span><span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-US;"> of weak ties”. <i>American Journal of Sociology</i>, 78 (6),
1973, pp. 1360-1380.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">KRAMER, Adam T. I., GILLORY, Jamie E., HANCOCK,
Jeffrey T. “Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through
social networks”. <i>PNAS</i>, Vol. 111
(29), 2014, pp. 8788-8790.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">LASH, Scott. “Technological forms of life”. <i>Theory, Culture and Society</i>. </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: EN-GB;">Vol. 18 (1), 2001.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">LATOUR, Bruno. <i>Reagregando o social: uma introdução à
teoria do ator-rede</i>. Salvador: EDUFBA, Bauru: EDUSC, 2012.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: FR;">LECOMTE, Romain.
2013. “Expression politique et activisme en ligne en contexte autoritaire”. </span><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Réseaux</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">,
5, no. 181: 51-86.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">MALINI,
Fábio & ANTOUN, Henrique. <i>A internet
e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais</i>. Porto Alegre:
Sulina, 2013.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">SIMMEL, Georg.
“Sociabilidade, um exemplo de sociologia pura ou formal”, in: MORAES FILHO,
Evaristo. (Org.). <i>Georg Simmel: sociologia</i>. São Paulo, Ed. Ática, 1983.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">SINGER, André. 2013. “Brasil, junho de
2013. Classes e ideologias cruzadas”. <i>Novos Estudos CEBRAP</i>, novembro:
23-40.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportEndnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="edn1">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<div class="MsoEndnoteText">
<span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Professor associado da UFPE.<o:p></o:p></span></div>
<span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 11pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;"> Doutora em Sociologia
pela UFMG, professora do IEC-Puc Minas.</span></div>
</div>
<div id="edn3">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref3" name="_edn3" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Fonte: </span><a href="http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/lula-convoca-petistas-a-usar-redes-sociais-ferramenta-fantastica,bf2fcd86093c1410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/lula-convoca-petistas-a-usar-redes-sociais-ferramenta-fantastica,bf2fcd86093c1410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">. Acessado em 25/08/2014.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn4">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref4" name="_edn4" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Fonte: </span><a href="http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/05/05/o-poder-em-tempo-de-facebook-por-fernando-henrique-cardoso-495544.asp"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/05/05/o-poder-em-tempo-de-facebook-por-fernando-henrique-cardoso-495544.asp</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">. Acessado em 25/08/2014.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn5">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref5" name="_edn5" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Fonte: </span><a href="http://olhardigital.uol.com.br/noticia/facebook-cortara-alcance-de-posts-com-chamadas-enganosas/43734"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">http://olhardigital.uol.com.br/noticia/facebook-cortara-alcance-de-posts-com-chamadas-enganosas/43734</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">; acessado em 28/08/2014.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn6">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref6" name="_edn6" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Estas informnações estão
disponíveis em </span><a href="http://tecnologia.uol.com.br/noticias/afp/2014/02/03/facebook-em-numeros.htm"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">http://tecnologia.uol.com.br/noticias/afp/2014/02/03/facebook-em-numeros.htm</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">. Acesso em 27/08/2014.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn7">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref7" name="_edn7" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Sugestão falaciosa, como o podem
comprovar alguns escândalos de proporções nacionais e que teriam como base
conteúdos destinados a amigos da rede, ou seja, o caráter público da rede é
algo que é cotidianamente negligenciado.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn8">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref8" name="_edn8" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Sobre as noções de força e de
fraqueza dos laços em redes socias, ver o já clássico texto de Granovetter
(1973).<span style="color: red;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div id="edn9">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref9" name="_edn9" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[9]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Aqui é necessário que se diga
que não pretendemos reduzir a dinâmica social no âmbito do Facebook ao que a
sua arquitetura estimula – não se trata de um argumento behaviorista. Trata-se
de entender quais são os pressupostos técnicos dessa arquitetura, considerando
que algo como um “comportamento” neste espaço não nos interessa pelo simples
motivo que não podemos abstrair as qualidades reflexivas, humanas que, evidentemente,
impedem que “estimulo” corresponda a “comportamento”. Por isso mesmo, o que
aqui está envolvido são ações de reconhecimento do outro e de si mesmo naquilo
que é expresso ao outro, ações de atribuição e de busca de prestígio pelo que
se julga serem boas ideias, emoções virtuosas. Este mútuo reconhecimento,
fundado na emoção, como tivemos oportunidade de propor acima, pode ser
entendido como uma moeda de troca.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="edn10">
<div class="MsoEndnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/SamsungPC/Downloads/Emocao%20em%20rede%20versao%20editada%20%5b1%5d%20(1).docx#_ednref10" name="_edn10" title=""><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoEndnoteReference"><span style="font-size: 10pt; line-height: 107%;">[10]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> http://youpix.virgula.uol.com.br/redes-sociais-2/nao-curtir-coisas-facebook-pode-ser-melhor-coisa-que-voce-vai-fazer-na-vida/<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-66879115913691600862014-08-04T11:52:00.000-03:002014-08-04T11:54:18.622-03:00Religião e política: conservadores católicos e eleições presidenciais no Brasil<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTmK5KCePZjvEu1KP8WA0IjfJ5OBk37sbx2P1TVk-KPt5Igyo8ZopaMmwbbik23tSObFGvkFiw8HbB4xP0yn_ofd36Rhxohu41ldBKMA_nfxTmFWgBcg_mjxodbf2r58s_V_aCWdjuqPY/s1600/religion-and-politics.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTmK5KCePZjvEu1KP8WA0IjfJ5OBk37sbx2P1TVk-KPt5Igyo8ZopaMmwbbik23tSObFGvkFiw8HbB4xP0yn_ofd36Rhxohu41ldBKMA_nfxTmFWgBcg_mjxodbf2r58s_V_aCWdjuqPY/s1600/religion-and-politics.jpeg" height="256" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
Por <b>Péricles Andrade</b><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn1">[1]</a><br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: right;">
<br /></div>
<br />
As campanhas eleitorais em 2010 foram pautadas fortemente pela expressão pública do religioso. As lideranças religiosas pressionaram os candidatos a se comprometerem a não promoção da descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia, com ênfase na defesa de valores cristãos. Quanto a esses compromissos, o final do primeiro turno foi marcado por uma séria de boatos e denúncias contra os candidatos à presidência, sobretudo no tocante às questões relativas ao aborto, à união civil homoafetiva e a implementação do III Plano Nacional de Direitos Humanos. No início do segundo turno estas tensões chegaram ao ápice. Os citados temas se destacaram nos meios de comunicação e nos programas de rádio e TV dos presidenciáveis, além dos inúmeros boatos espalhados nas mídias sociais. Mais do que nunca os discursos foram instrumentalizados pela religião, especialmente pela moral cristã, e novas aparições em cultos religiosos foram registradas e exploradas entre os presidenciáveis (MARIANO e ORO, 2010: 11-38).<br />
<br />
Boatos e denunciais estiveram presentes no pleito, sobretudo na internet e nos templos, orquestradas por lideranças católicas e evangélicas, com mais ênfase à candidata Dilma Rousseff (PT). Essa sofreu fortes críticas durante toda a campanha por sua “biografia política pregressa”, por ter apoiado anteriormente a legalização do aborto e pelo fato de seu partido e seu governo defenderem o controverso III Plano Nacional de Direitos Humanos. Por motivos eleitorais, Dilma Rousseff assumiu a fé católica ainda no 1° turno, emitiu carta ao “Povo de Deus”, na qual pleiteou a oportunidade de continuar o projeto de Lula, para defender valores da cidadania, a "semente do Evangelho" e a família, prometendo manter a legislação atual sobre o aborto e censurar parte do PL 122/2006, que criminaliza a homofobia, quando atentar contra as liberdades de expressão e religiosa (MARIANO, 2011).<br />
<br />
Obviamente pela vitória no primeiro turno e manutenção da sua liderança nas pesquisas de intenção de votos, durante o segundo pleito em 2010 bispos e padre católicos, sobretudo do Regional Sul I da CNBB<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftn2">[2]</a>, fizeram oposição sistemática contra a candidatura de Dilma Rousseff. A própria Regional divulgou nota da sua Comissão Episcopal Representativa do Conselho Episcopal em 26 de agosto de 2010 na qual, a partir das sinalizações pró-legalização do aborto, adotadas pelo PT, orientava os fiéis católicos a votarem em candidatos contrários a “descriminalização do aborto”. Por outro lado, católicos famosos como Frei Betto e Gabriel Chalita se empenharam em favor da candidata do PT. Essa passou a ser classificada pelos opositores católicos como “ateia”, “a favor do aborto”, “responsável pela concessão de privilégios a grupos homossexuais” e por “representar risco de implantar uma legislação liberal sobre Direitos Humanos no Brasil”. <br />
<br />
As práticas elencadas podem ser observadas a partir do blog Acorda, Canção Nova! De que trata o citado blog? O conteúdo é direcionado aos membros da Canção Nova (CN), incluindo religiosos e leigos, e aos católicos brasileiros. A partir dos enunciados das postagens é possível identificar seus propósitos. Em tom alarmante e de denúncia, o conteúdo questiona o apoio da Igreja Católica à candidatura de Dilma Rousseff na eleição presidencial em 2010. Pode-se dizer que o blog busca demonstrar aquilo que seria, na sua perspectiva, a “incompatibilidade entre ser católico e o apoio da CN a esta candidatura”, denominada como “grave erro” e “traição a Jesus Cristo e Sua Igreja” (acordacancaonova.wordpress.com). <br />
<br />
O sentido combativo contido no blog é constituído por três estratégias. Em primeiro lugar, o foco recai num combate personalizado à Dilma Rousseff. Há um significativo esforço por parte deste coletivo religioso tradicionalista na construção de seu capital simbólico. A candidata é caracterizada como “ex-terrorista”, a favor da “descriminalização do aborto” e do “casamento gay”, “sem uma filiação religiosa definida”, “com dúvidas quanto à existência de Deus”, “não temente a Deus” e “ante-religiosa”. Algumas imagens foram modificadas, com tons irônicos e de deboche. <br />
<br />
A estratégia utilizada para construção do seu capital político adota a reprodução de supostas entrevistas concedidas por Dilma Rousseff nas quais algumas frases lhe são atribuídas, tais como: “nem Jesus Cristo pode impedir minha eleição”, “nesta eleição nem mesmo Cristo, querendo, me tira essa vitória; as pesquisas comprovam o que eu estou dizendo, vou ganhar no primeiro turno”. Também estão postados links de vídeos, imagens e textos nos quais a candidata “supostamente” assegura seus posicionamentos. O blog também permite ao visitante o acesso a sua suposta “ficha policial” da citada candidata (acordacancaonova.wordpress.com). <br />
<br />
Em segundo lugar, há um sistemático questionamento das relações estabelecidas entre a Igreja Católica e o Partido dos Trabalhadores (PT). O apoio ao católico é questionado quanto ao seu posicionamento a “favor do aborto” e do “casamento gay”, além de algumas proibições que estariam para serem implementadas: 1) manifestações públicas de católicos e evangélicos; 2) redução da presença cristã na mídia televisiva; 3) obrigatoriedade de formação em jornalismo para os religiosos que atuam na mídia eletrônica; 4) prisão para religiosos que cobrarem o dízimo; 5) cobrança de impostos para dízimos, ofertas e contribuições; 5) criminalização das pregações sobre “espiritismo, feitiçaria, pornografia, ateísmo e idolatria”; 6) punições para quem veicular na mídia sobre “práticas contrárias a Palavra de Deus”; 7) perseguição às lideranças cristãs que pregarem sobre “práticas condenadas pela Bíblia Sagrada (“homoafetivismo, idolatria e espiritismo”), não terão direito de se defender por meio de ação judicial”. Além dessas ações, o blog ressalta o estabelecimento do dia do “orgulho gay e que seja oficializado em todas as cidades brasileiras e comemorado nas Instituições de Ensino Fundamental, publico e particular. Todos os opositores deverão ser punidos com as penas da lei, multa e prisão”. Ressalta-se “que as Igrejas que se negarem a realização de solenidades dos casamentos de homem com homem e de mulher com mulher, estarão fazendo ‘discriminação’, sejam multadas, fechadas e seus responsáveis sejam processados criminalmente por descriminação e desobediência civil. Com pena de multa e prisão” (acordacancaonova.wordpress.com).<br />
<br />
O capital cultural contido em Acorda, Canção Nova! está além da adesão de setores católicos à candidatura de Dilma Rousseff. O blog apresenta-se como uma matriz geradora de traços distintivos católicos a partir da sua perspectiva conservadora. Nesse sentido, dois indícios são basilares á compreensão da tentativa de definição de um estilo católico cruzadístico em relação às ideologias de esquerda. Questiona-se a adesão dóxica ao pensamento e aos seus partidos, em particular ao PT, por lideranças cristãs sacerdotais e leigas. Quanto a isso, apresenta-se uma “lista de Bispos, Padres, Freiras e Protestantes e Leigos que são terroristas comunistas infiltrados na Igreja Católica”. A denominada “sinagoga do satanás” está constituída por bispos, padres, monges, frades, cientista políticos, professores, cantores, assessores, freiras, dentre outros (acordacancaonova.wordpress.com).<br />
<br />
O blog ainda contém, particularmente, mensagens e críticas à postura de lideranças e fiéis que compõe a Comunidade Canção Nova. A ênfase recai sobre as denúncias feitas por religiosos católicos em relação a “situação em que o Brasil está vivendo nas eleições de 2010”. Ressaltam-se as denúncias realizadas pelos padres José Augusto e Paulo Ricardo, além dos bispos Dom Beni, Dom Aldo Pagoto. Por outro lado, algumas lideranças da Canção Nova são acusadas de negligência, covardia e “traição”. O principal alvo das críticas é o então deputado estadual Gabriel Chalita, “engajado na Comunidade Canção Nova”. Novamente questões de ordem moral e sexual são pautadas, quando se questiona a defesa do citado deputado a candidatura petista, sobretudo no tocante a suas posturas em relação à legalização do aborto em casos de estupro e má-formação dos fetos. <br />
<br />
<b>A reaserção conservadora católica</b><br />
<br />
Acorda, Canção Nova! pode ser classificado como um caso representativo do aguerrido ativismo político de representantes da ala conservadora, incluindo membros do episcopado, de lideranças regionais da CNBB, de sacerdotes e leigos do movimento de Renovação Carismática Católica (RCC). Desde o final da tutela militar (1964-1985) o protagonismo político católico brasileiro foi exercido pela ala dita progressista, que de forma mais ou menos pública apoiou Lula e o PT em seus respectivos pleitos eleitorais (ORO e MARIANO, 2010). O discurso explicitamente social e engajado dos católicos progressistas foi sendo confrontado com o discurso da emoção e da reafirmação dos valores e práticas religiosas tradicionais por parte da Cúria Vaticana e dos coletivos religiosos conservadores. Nos últimos anos com a clara emulação provocada pelo avanço pentecostal, o catolicismo deslocou-se ainda mais longe de identidade hegemonizada pelo discurso da libertação (BURITY, 2006). <br />
<br />
Como pode ser observado no blog aqui analisado, a reasserção conservadora católica não rompe necessariamente com a política. Como destaca Júlia Miranda, com uma identidade confessionalmente definida, a Renovação Carismática Católica juntamente com outros setores conservadores e evangélicos, se posiciona no Congresso Nacional em relação a temáticas morais, atuando, por exemplo, contra projetos de lei que visam incorporar como direitos civis questões como casamento homoafetivo e legalização do aborto (MIRANDA, 1999). Enquanto o tradicionalismo religioso é marcado pela alienação política, a reasserção conservadora contida em Acorda, Canção Nova! apresenta claros traços de reacionarismo político (BURITY, 2006). Nesse aspecto, o capital cultural divulgado pautou religiosamente a campanha presidencial quanto ao debate secular em relação às áreas de saúde pública, de medicina e dos direitos reprodutivos, assegurando a moralidade cristã tradicionalista e estrita para o conjunto da sociedade, além de se opor à secularização do debate sobre a descriminalização do aborto, a criminalização da homofobia e ao tratamento racional e humanitário às mulheres que abortam (ORO e MARIANO, 2010). <br />
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O blog aqui analisado não é uma exceção nas eleições presidenciais em 2010. Em primeiro lugar, o mesmo é reflexo das tensões inerentes ao campo católico brasileiro. A primeira impressão que se tem a partir do seu capital cultural, da sua linguagem e imagens é de que o mesmo se constitui em algo despretensioso e sem importância. Ao contrário, sua constituição e veiculação se constituem num exemplo basilar da emergência de coletivos conservadores católicos na política nacional a partir da redemocratização. <br />
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Isso se evidencia, sobretudo, nas últimas duas décadas no Brasil com a constituição de uma política de aproximação do Estado brasileiro com os movimentos sociais ligados aos coletivos feministas e Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Trangêneros (LGBTT). Como ilustrativo dessa afirmativa se constata a ocupação de postos no aparelho estatal, influência nas políticas públicas na área da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos pelos citados coletivos. Cada vez mais, temas polêmicos passam a compor a agenda política, tais como: descriminalização do aborto, união civil homoafetiva, criminalização da homofobia, inclusão de cirurgias de readequação sexual entre os serviços do SUS. Esta nova configuração no campo político institui novas tensões entre os coletivos religiosos tradicionalistas e o Estado (MACHADO, 2012).<br />
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Cada vez mais se configuram tensões entre os coletivos religiosos tradicionalistas e o Governo Federal quanto à reposição de temas de cunho moral e privado na agenda política da maioria dos grupos religiosos, a emergência de novos coletivos religiosos mais liberais (as chamadas “igrejas inclusivas”) e reposicionamento das estruturas eclesiásticas tradicionais (ativismo conservador), a tendência a judicialização dos conflitos sociais e a inclusão das campanhas eleitorais do combate ao aborto e as bandeiras dos movimentos LGBTT nas plataformas políticas de alguns candidatos, com amplo apoio das lideranças religiosas (MACHADO, 2012). <br />
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Obviamente sem estabelecer nenhum profetismo sociológico, é possível afirmar que as eleições presidenciais de 2014 também sejam marcadas pela inclusão do combate ao aborto e das bandeiras dos movimentos LGBTT nas plataformas políticas de alguns candidatos, com amplo apoio de religiosos conservadores. As tensões se constituirão em torno dos capitais simbólicos dos candidatos e das suas respectivas propostas políticas. Apesar da opção por uma separação flexível (PORTIER, , 2011) entre Estado e religião adotada no Brasil, as leituras de cunho religiosas relativas a questões de cunho moral e privada poderão estar no centro do debate. Pode-se afirmar que no pleito de 2014 os candidatos à presidência continuarão as disputas em torno do apoio de lideranças religiosas, marcando presença em templos, proliferando discursos marcados pela religião, incluindo temas religiosos nas agendas e sofrendo pressão da parte dos religiosos para que assumam publicamente certos compromissos morais e políticos. <br />
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<b>Referências</b><br />
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ANDRADE, Péricles. Engajamento social versus emoção e tradição: a reasserção conservadora católica no Brasil. _____; BURITY, Joanildo (orgs.). Religião e Cidadania. São Cristóvão: Editora UFS; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2011, p. 67-93.<br />
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AS ELEIÇÕES E A CRUZADA MORAL DE CATÓLICOS E EVANGÉLICOS. Entrevista especial com Ricardo Mariano. Disponível em: <a href="http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=16240&cod_canal=41">http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia</a>. Acesso em 12 de dezembro de 2013.<br />
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.<br />
BURITY, Joanildo. Identidade e Política no campo religioso. Recife: Ed. da UFPE, 1997. <br />
_____. Identidade e Política no campo religioso. Recife: Ed. da UFPE, 1997.<br />
_____. Redes, parcerias e participação religiosa nas políticas sociais no Brasil. Recife: FUNDAJ/Massangana, 2006.<br />
MACHADO, Maria das Dores Campos. Religião, cultura e política. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 32(2), 2012, p. 29-56.<br />
MARIANO, Ricardo; ORO, Ari Pedro. Eleições 2010: religião e política no Rio Grande do Sul e no Brasil. Debates do NER, Porto Alegre, n. 18 (II), 2010, p. 11-38.<br />
MIRANDA, Júlia. Carisma, sociedade e política: novas linguagens do religioso e do político. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 1999.<br />
_____. A presença católica na esfera pública brasileira: para pensar o laicismo e o laicato. In: ANDRADE, Péricles; BURITY, Joanildo (orgs.). Religião e Cidadania. São Cristóvão: Editora UFS; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2011, p. 35-66.<br />
PORTIER, Philippe. A regulação estatal da crença dos países da Europa Ocidental. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, 31(2), 2011, p. 11-28. <br />
ORO, Ari Pedro; MARIANO, Ricardo. Eleições 2020: religião e política no Rio Grande do Sul e no Brasil. Debates do NER, Porto Alegre, ano 10, n. 16, jul./dez. 2009, p. 9-34. <br />
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<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref1">[1]</a> Doutor em Sociologia (UFPE, 2006). Professor Adjunto IV na UFS, lotado no Departamento de Ciências Sociais, no Núcleo de Graduação em Ciências da Religião, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia. E-mail: <a href="mailto:periclesmorais@hotmail.com">periclesmorais@hotmail.com</a> <br />
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7117674084027033081#_ftnref2">[2]</a> O Regional Sul 1 é composto por 41 (arqui) dioceses e 6 Regiões Episcopais, divididas por 8 sub-regiões Pastorais: Aparecida, Botucatu, Campinas, Ribeirão Preto I e II, São Paulo I e II e Sorocaba (http://www.cnbbsul1.org.br/nossa-historia)<br />
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Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-36186990491808739742014-07-11T11:22:00.001-03:002014-07-12T19:20:01.674-03:00O dispositivo psicofarmacológico e o significado do sofrimento nas sociedades contemporâneas (parte da introdução de um ensaio longo)<div style="text-align: center;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXmMHb97ldr7QyNo9M_vQscuwJo4dkHxo4lewYslRkPudXA5ZNnXSKUfF6b9IaX0oG5IUnJ549EzhNXC8zCF-Dd006V0r-1M6goGDn8DKT1ZI9guY_3axXl8y8u5DaeJU66VnntylWGwY/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXmMHb97ldr7QyNo9M_vQscuwJo4dkHxo4lewYslRkPudXA5ZNnXSKUfF6b9IaX0oG5IUnJ549EzhNXC8zCF-Dd006V0r-1M6goGDn8DKT1ZI9guY_3axXl8y8u5DaeJU66VnntylWGwY/s1600/download.jpg" /></a></div>
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Jonatas Ferreira</div>
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<blockquote class="tr_bq">
“if he said, ‘May God protect him’, an evil spirit would hurriedly insinuate a ‘not’. On one such occasion the idea occurred to him of cursing instead, for in that case, he thought, the contrary words would be sure to creep in. His original intention, which had been repressed by his praying, was forcing its way through in this last idea of his. In the end he found his way out of his embarrassment by giving up the prayers and replacing them by a short formula concocted out of the initial letters or syllables of various prayers. He then recited this formula so quickly that nothing could slip into it” (Freud, Notes upon a Case of Obssessional Neurosis)</blockquote>
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<b>O Sofrimento e sua medicalização</b><br />
<b><br /></b>
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Sob a designação “medicalização da vida” - ideia que, grosso modo, diz respeito à conversão de nossa condição biológica em centro de investimentos políticos, econômicos, morais e existenciais -, um fenômeno mais específico tem suscitado posicionamentos bastante diversos. Refiro-me à popularização do consumo de substâncias psicoativas de última geração, ao tratamento bioquímico de diversos tipos de mal-estar na contemporaneidade e aos saberes que lhes estão associados. Como afirmava Max Weber de forma enfática em seus ensaios sobre religião, e sempre que a questão da teodiceia é ali evocada, a forma como lidamos com o sofrimento e lhe atribuímos significado não é um processo cultural qualquer. Sob a influência de Weber, Peter Berger propõe que a toda racionalização do sofrimento individual em uma teodiceia mais ou menos coerente subjaz uma dimensão necessariamente política: “Formulando de modo diferente, cada nomos acarreta uma transcendência da individualidade e assim, ipso facto, implica uma teodiceia. Cada nomos confronta o indivíduo como uma realidade significativa que o compreende e todas as suas experiências. Ela confere sentido à sua vida, e também a seus aspectos discrepantes e dolorosos” (Berger, 1967, p. 62). Que a possibilidade do nomos esteja aqui associada à capacidade de atribuir significado ao sofrimento – uma tese que nos remeteria também à própria ideia de legitimidade da dominação tal como a formula Weber - traz o nosso tema para um espaço tenso, nomeadamente, entre política e cultura, um espaço em que a busca de um sentido para a vida e suas atribulações parece fundamental. Tudo isso não é novo, evidentemente. Bem antes destes autores, Platão (1988), num gesto trágico, pouco típico de seu pensamento, afirmara que a filosofia consistia em aprender a lidar com o sofrimento maior de nos sabermos mortais. Mais amplamente, e mantendo o tom weberiano dessas linhas iniciais, poderíamos dizer que o judaísmo e a filosofia trágica devem ser compreendidos a partir dessa questão fundamental.</div>
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Aquilo que poderíamos chamar de medicalização do sofrimento, pois, e que se distingue de sua patologização, como veremos adiante, deve ser considerado algo de relevância apreciável. Por isso mesmo, tal processo vem suscitando posicionamentos bastante diversos no campo da saúde mental. De um lado, encontramos críticas à transformação do sofrimento humano em objeto de negociações biopolíticas, ou seja, em sua transformação em uma dor que pode ser tratada sem que a questão de sua significação existencial e política ganhe devido destaque. Sobretudo a partir do final da década de 1980, com a popularização da fluoxetina, a chamada “pílula da felicidade”, essa dor passou a ser associada cada vez mais a uma deficiência química, à dificuldade orgânica que o cérebro de alguns de nós teria em produzir sinapses devido a uma falha em fabricar ou preservar serotonina em nosso cérebro. Se entendemos que a condição humana é necessariamente suplementada pela técnica, parece-nos importante entender os horizontes políticos e existenciais que se abrem neste espaço reclamado pela medicina, nomeadamente, o tratamento do sofrimento humano. </div>
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Em que contexto a popularização de soluções químicas para o sofrimento é culturalmente concebível? Primeiro algumas evidências: segundo dados da ANVISA, em 2010 foram dispensadas 25.677.892 unidades de algum tipo de benzodiazepínico no Brasil, um número que corresponde a 135 unidades para cada 1000 habitantes. Se compararmos esse consumo com dados de 2008, observaremos um crescimento de 325,4%. Na Europa, merece destaque o caso português, embora ele esteja longe de alcançar as marcas brasileiras: “Entre os anos de 2000 e 2012, o consumo de antidepressivos calculado em doses diárias por mil habitantes mais que triplicou e o de ansiolíticos cresceu 170%. A venda de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos (vulgarmente designados tranquilizantes) aumentou 6%, mas este continua a ser o subgrupo com maior utilização em Portugal (96 doses diárias por mil).” O aumento mundial no consumo de ansiolíticos e antidepressivos nos últimos vinte anos, junto com uma mudança nas formas de diagnóstico de sofrimento psíquico, cristalizados nas últimas edições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), o fortalecimento de uma psiquiatria voltada para o sintoma, entre outros fatores, tem se refletido numa transformação cultural importante e que, em última instância, diz respeito à possibilidade de considerar o sofrimento como resultante de processos orgânicos, quimicamente determinados e, em princípio, quimicamente controláveis. Como interpretar este esvaziamento do sentido, este achatamento do significado que parece estar na própria raiz de uma interpretação biológica do sofrimento? O receio que mobilizou uma vertente interpretativa da sociologia desde sua formação, nomeadamente, a redução da existência e sociabilidade humanas a uma dimensão meramente funcional, parecem agora se converter em programa biopolítico. Em todo caso, parece evidente que, ao esvaziamento do processo de significação do sofrimento humano, subjaz uma interpretação, uma atribuição de sentido cuja exegese é parte substancial de nosso esforço.</div>
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Acerca deste esvaziamento de sentido, seria possível afirmar, como o faz a psicanalista Maria Rita Kehl (2010), a existência de um empobrecimento da experiência subjetiva na sociedade da aceleração e da contribuição decisiva que o consumo indiscriminado de substâncias psicoativas oferece para a radicalização desse processo? A ideia de uma pauperização da experiência é velha conhecida dos leitores de Walter Benjamin. A gravidade do diagnóstico cultural proposto pela autora de O tempo e o cão pode ser avaliada se atentarmos para o fato de Benjamin ter escrito “Experiência e Pobreza” sob o impacto de eventos que jamais poderiam se converter em Erfahrung, ou seja, em algo significativo tanto individual quanto socialmente, algo que pudesse ser transmitido. Numa passagem bastante citada daquele texto, Benjamin observa: “Não, ao menos isso é claro: a experiência está em queda e isso numa geração que, entre 1914 e 1918, teve uma das mais tremendas experiências da história mundial. Talvez isso não seja tão notável quanto parece. Não se podia, então, constatar que as pessoas chegavam emudecidas do campo de batalha? Não mais ricos, porém mais pobres em experiência compartilhável”. Esse tipo de avaliação pode ser encontrada em inúmeros outros intelectuais que se dedicaram a realizar uma análise crítica da modernidade. Mencionemos alguns. No Homo Sacer, Giorgio Agamben fala de um emudecimento similar, do silêncio dos Muselmänner, daqueles que foram radicalmente reduzidos à sua condição biológica nos campos de concentração. Também aqui, a guerra é um paradigma para compreendermos dimensões mais profundas da modernização. A nudez biológica do ser humano convertida em centro de investimentos políticos, por seu turno, é um tema que conecta Agamben a Foucault, como é sabido. A crítica nietzschiana à modernidade, a uma desvalorização de todos os valores, parece-me, subjaz também à ideia de “pauperização” da vida espiritual (Geistesleben), sobre a qual Georg Simmel discorreu nos seguintes termos:</div>
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<blockquote class="tr_bq">
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"O fundamento psicológico sobre o qual se eleva o tipo das individualidades das grandes cidades é a intensificação da vida nervosa, que brota da mudança acelerada e ininterrupta das impressões interiores e exteriores. O homem é um ser da diferença, isto é, a sua consciência é espicaçada por meio da distinção da impressão momentânea em face da precedente; as impressões persistentes, a insignificância das suas diferenças, a regularidade habitual do seu decurso e dos seus contrastes desgastam, por assim dizer, menos a consciência do que a apressada aglomeração de imagens mutáveis, a distância brusca no interior daquilo que se abarca com um olhar, o imprevisto das impressões que se impõem".</div>
</blockquote>
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Devemos situar, portanto, o tipo de apreciação proposto por Maria Rita Kehl em uma tradição de crítica social na qual o empobrecimento da vida subjetiva era considerado um efeito do processo de industrialização, da modernização das sociedades ocidentais. As referências poderiam se multiplicar. Citemos de passagem a observação marcuseana acerca da perda de uma dimensão negativa e crítica nas sociedades industrializadas, a constituição de um homem unidimensional (Marcuse, 2002), achatado por uma exacerbação e ao mesmo tempo por uma domesticação do princípio do prazer, este indicador da vida libidinal que vem à luz para ser colocado a serviço do consumo de mercadorias que o capitalismo não para de multiplicar; citemos ainda a ideia de colonização do mundo da vida pelos sistemas tecnológicos, de que fala Habermas (s/d). No campo das artes, toda uma geração de artistas expressionistas e surrealistas denunciaram em suas obras esse mesmo processo de forma contundente.<br />
<br />
Por outro lado, encontramos aqueles para quem parece suspeita toda essa recusa em considerar a base bioquímica do sofrimento. Ora, lendo-o com certa liberdade, em Hominescências, Serres nos alerta para o fato de, ao longo dos séculos, a busca de um sentido para a dor - e as diversas reflexões sobre a teodiceia são aqui um exemplo - dever-se em larga medida a não dispormos, durante séculos de história humana, de recursos técnicos capazes de mitigar ou controlar as causas de padecimentos físicos que hoje, em grande medida, são controláveis. Extrapolando esta linha de argumentação, é bem conhecido o trabalho de Robert Spitzer, sua busca por algoritmos que possam atestar de modo categórico a ocorrência ou não de transtornos psíquicos nos indivíduos, e as afinidades que há entre este trabalho e uma inflexão da psiquiatria estadunidense no sentido de encontrar as causas biológicas do sofrimento. O fato de que a palavra usada para falar do sofrimento humano seja transtorno, ou, numa tradução mais literal, desordem (disorder), evidentemente é algo importante. A qualidade funcionalista e branda do termo - e que já se encontra nas primeiras versões do DSM, se o compararmos ao termo doença - é capaz de sinalizar para um processo difíceis acomodações de perspectivas dentro da Associação Psiquiátrica Americana (Cooper, 2005, p. 8 e seq.). O peso desse estigma pode ser percebido na discussão que a psiquiatria estadunidense travou acerca do caráter patológico ou não do homossexualismo. Nas versões I e II do DSM, a visão oficial da Associação Psiquiátrica Americana era de que o homossexualismo constituía uma doença mental, sendo pois classificado como "Personality Disorder and certain non-psychotic mental disorders", junto com fetichismo, pedofilia, travestismo, exibicionismo, voyerismo, sadismo e masoquismo.<br />
<blockquote class="tr_bq">
“This category is for individuals whose sexual interests are directed primarily toward objects other than people of the opposite sex, toward sexual acts not usually associated with coitus, or toward coitus performed under bizarre circumstances as in necrophilia, pedophilia, sexual sadism, and fetishism” (APA, 1968, p.44)</blockquote>
Sob pressão do movimento gay nos EUA (Cooper, 2005), o comitê que elaborou o DSM III resolveu, a partir de sugestão de Spitzer, reconsiderar tal percepção do homossexualismo, e sintomaticamente, tratá-lo como transtorno, apenas quando o indivíduo se sentisse infeliz com esse tipo de orientação sexual. Ora, isso parece bastante sensato, embora quando levado à risca tal critério acarrete novas dificuldades: a pedofilia deveria ser tratada da mesma maneira? A resposta da comissão que elaborou o DSM III é clara, neste ponto: a pedofilia só pode ser considerada um transtorno mental e, portanto, sujeito a uma intervenção psiquiátrica, quando essa prática trouxer sofrimento ao pedófilo. Para os formuladores do DSM III, obviamente, isso não significa que esse tipo de conduta sexual deixe de ser moralmente condenável e passível de punição legal. Pelo contrário.<br />
<br />
De qualquer modo, o critério para se decidir acerca da necessidade de tratamento psiquiátrico e medicamentoso passa a ser a autopercepção do sofrimento, o que é uma forma de deslocar a intervenção médica para um contínuo em que a existência de fronteiras entre normalidade e patologia é difícil de ser estabelecida. A psiquiatria passa, neste sentido, a ser mais facilmente associada ao tratamento da neurose. A ideia de transtorno, neste sentido, é bastante similar à de disfunção, como na expressão “disfunção erétil”, conceito que substitui a ideia de impotência sexual. Qualquer insatisfação com relação à performance é, em princípio, medicalizável, pois no fundo nossa tolerância com respeito ao sofrimento é o fator que define a necessidade de intervenção médico-medicamentosa. No que pesem as tentativas um tanto arbitrárias que as versões do DSM realizam de estabelecer critérios mediante os quais uma tristeza passageira possa ser cientificamente diferenciada do transtorno - um período de tempo razoável, níveis de acometimento etc. -, as fronteiras entre normalidade e patologia num sentido muito claro são esgarçadas. Este fenômeno, por um lado, certamente atua no sentido de atenuar o estigma que cerca a “doença psíquica”, por certo, mas também torna o sofrimento algo passível de medicalização – o que tem um impacto direto no aumento do consumo de psicofármacos no mundo. Um psicólogo lisboeta indagado sobre como definir os limites entre normalidade e patologia num contexto como este, respondeu-me: "vou usar uma medida para saber se a pessoa está a funcionar ou não". A esse respeito, lembremos de Pierre Fedida (2003). Ele sustenta, a partir dos pressupostos fenomenológicos de sua reflexão psicanalítica, que “não funcionar”, deprimir, por exemplo, pode ser um sinal de saúde, sobretudo, sugerimos nós, quando as necessidades de funcionamento do próprio capitalismo levam ao adoecimento. A depressão, seu mergulho numa temporalidade psíquica muito particular, ou seja, em um tempo que não passa, seria uma tentativa básica de encontrar uma zona de proteção mínima com relação a contexto técnico em que a aceleração da aceleração se tornou uma realidade.<br />
<blockquote class="tr_bq">
“Aqui, vamos levantar uma hipótese: a da diferença que deve ser estabelecida entre a depressividade inerente à vida psíquica (a vida psíquica é depressiva no sentido em que garante proteção, equilíbrio e regulação à vida) e o estado deprimido, que representa uma espécie de identificação com a morte ou com o morto” (Fedida, 2002, p. 14).</blockquote>
Neste ponto, postulamos a seguinte linha de argumentação: o psicofármaco é um dispositivo, tal como o entendia Foucault. Para circunscrever o que ele entende por essa noção que se encontra ao longo de sua obra, recorramos a Giorgio Agamben (2009, p. 33-34) : “Os dispositivos são precisamente o que na estratégia foucaultiana toma o lugar dos universais: não simplesmente esta ou aquela medida de segurança, esta ou aquela tecnologia do poder, e nem mesmo uma maioria obtida por abstração: antes, como dizia na entrevista de 1977, “a rede (le réseau) que se estabelece entre estes elementos”.” Assim, do mesmo modo que o cultivo da soja transgênica Roundup Ready implicou, no Brasil, entre outras coisas, uma articulação entre o uso de herbicidas e adubos específicos, a decretação de uma Medida Provisória pelo Governo Federal que regulamentou o cultivo deste grão transgênico, a pressão de grandes agricultores, o uso dos meios de comunicação de massa pelas partes interessadas etc., o psicofármaco é um dispositivo que mobiliza, além de pesquisas científicas, propaganda, a mudança de uma forma de regulamentação do diagnóstico psiquiátrico, além da produção e circulação do medicamento. Mas não apenas, nem sobretudo, este último. Os algoritmos de que fala Spitzer, neste sentido, são, não apenas relevantes, mas um elemento central da lógica mais ampla que articula o próprio dispositivo: mapear, identificar e controlar o sofrimento.<br />
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<blockquote class="tr_bq">
“The Patient Health Questionnaire (PHQ) is a 3-page questionnaire that can be entirely self-administered by the patient. The clinician scans the completed questionnaire, verifies positive responses, and applies diagnostic algorithms that are abbreviated at the bottom of each page. The PHQ assesses 8 diagnoses, divided into threshold disorders […], and subthreshold disorders”.</blockquote>
<br />
O desdobrar deste tipo de raciocínio pode ser comprovado nas versões do DSM que se seguiram à sua terceira versão – projeto no qual Spitzer desempenhou um papel importante, nomeadamente, o de presidente do comitê que o elaborou. O sentido geral do empreendimento era criar categorias analíticas claras que pudessem estabelecer um padrão internacional de diagnóstico de transtornos mentais, à semelhança da International Classification of Diseases. Trata-se pois fornecer “critérios somáticos explícitos”, e universalizáveis, capazes de servir sem ambiguidades ao diagnóstico dos transtornos mentais.<br />
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Le Cazzohttp://www.blogger.com/profile/01710799843215648311noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7117674084027033081.post-36049888047898066862014-06-03T19:34:00.001-03:002014-06-03T19:34:52.753-03:00O que é isso que vejo? Reflexões a partir de uma poesia moderna<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF0-04xSq9ImjnI8DDRtCq1PIuFBvXJSwqcJFowQM5UE1LDnh_IQARIpC8D4QbuFqZhbX1SASrk9BDgCzCyYEFRxFnIH-FhadLZ6pVWZtRRKa42udYhZ77ph_3Tc8trpLo2jgY-GnosTY/s1600/tumblr_mh6ukh6Aom1rp2wx5o1_1280.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF0-04xSq9ImjnI8DDRtCq1PIuFBvXJSwqcJFowQM5UE1LDnh_IQARIpC8D4QbuFqZhbX1SASrk9BDgCzCyYEFRxFnIH-FhadLZ6pVWZtRRKa42udYhZ77ph_3Tc8trpLo2jgY-GnosTY/s1600/tumblr_mh6ukh6Aom1rp2wx5o1_1280.jpg" height="311" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Fiero Monstruo". Francisco de Goya<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></b></td></tr>
</tbody></table>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: center; text-autospace: none;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: left;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt;">Por <b>Rodrigo Vieira de Assis</b> </span><span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12pt; text-align: right;">(IESP-UERJ) *</span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq">
O BICHO </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
Vi ontem um bicho<br />Na imundície do pátio<br />Catando comida entre os detritos.<br />Quando achava alguma coisa,<br />Não examinava nem cheirava:<br />Engolia com voracidade.<br />O bicho não era um cão,<br />Não era um gato,<br />Não era um rato.<br />O bicho, meu Deus, era um homem.<br />(Manuel Bandeira)</blockquote>
O poema do poeta pernambucano Manuel Bandeira, escrito na cidade do Rio de Janeiro às vésperas do natal do ano de 1947, nos sensibiliza em relação à condição humana em sociedade, para a qual, em nossa época especialmente, noções como desigualdade e diferença parecem intrínsecas à própria condição de existência no cerne da convivência em uma coletividade. O forte sentido político contido nas palavras que compõem o escrito do autor recifense, a nosso ver, ganha relevância, sobretudo, pela configuração situacional da cena apresentada poeticamente, em que dois indivíduos socialmente distintos se deparam com suas próprias diferenças, potencializadas, para a percepção, pelo fato do evento ocorrer no período natalino, culturalmente definido como um momento em que sentimentos de solidariedade, esperança, fé, fartura e de expectativa de melhores condições material e espiritual de vida se apresentam de modo significativo no cenário da vida social.<br /><br />A relevância sociológica de “O bicho” se apresenta ao nos pôr diante da diferença entre dois seres humanos por meio da percepção e da apreciação da desigualdade socialmente produzida com a qual frequentemente nos defrontamos na vida cotidiana. Ao mesmo tempo, ao situar essa relação de diferença, nos permite perceber também um ponto de igualdade entre eles, mesmo situados em distintas posições sociais. Este nível de igualdade nos leva a refletir acerca das aparências que a nossos olhos se mostram como essências definidoras da qualidade do “objeto” percebido. Vejamos isso melhor.<br /><br />Por um lado, percebemos que a cena é significada pela ação discursiva de um ator situado em uma posição específica no cerne e em relação à própria situação evidenciada, na qual outro indivíduo é observado em um ambiente vulnerável e marcadamente miserável. Por outro lado, a pessoa que “engolia com voracidade”, sem verificar a qualidade de seu alimento devido à fome que sente, não se dá conta de que se tornou, para os olhos de outrem, um ser passível de observação e descrição para além da sua própria existência individual.<br /><br />O olhar sobre este último toca sensivelmente o observador, uma vez que aquele a quem se observa representa, posto em relação com a vida social, a materialização das diferenças e da hierarquização entre os próprios seres humanos: desigualdades estruturais que se (re)produzem de modo perverso via naturalização da injusta distribuição dos recursos materiais e simbólicos. Nesse sentido, concordamos com Walzer (2003, p. 01), quando, de modo geral – mesmo que pouco preciso –, diz que “a sociedade humana é uma comunidade distributiva. (...) Pode-se dizer que o que tenho é certo ou errado, justo ou injusto; mas, face à extensão das distribuições e ao número de participantes, esses juízos nunca são fáceis”. Acrescentamos a essa citação que a dificuldade que torna ininteligível à percepção imediata e ao senso prático perceber os fenômenos que subjazem às experiências das quais emergem as distintas formas de diferenças entre os homens implica na naturalização das próprias diferenças, vistas, muitas vezes, como princípios de uma razão que atribui às capacidades individuais o mérito ou o descrédito da sua condição social total, isso quer dizer, tornando um problema de ordem social (a desigualdade, por exemplo) como um problema de responsabilidade própria do indivíduo que nela se encontra situado.<br /><br />No terceiro manuscrito econômico-filosófico de 1844, Marx (2003, p. 135), tratando da questão da natureza humana, nos diz que “a antítese entre a falta de mercadoria e a propriedade é ainda uma antítese diferente, que não se imagina na sua referência ativa com sua relação interna, que ainda não se compreende como incoerência, enquanto não se entender como a antítese entre o trabalho e o capital”. Antítese que, uma vez ofuscada, paulatinamente aliena o próprio ser humano e seu trabalho, isso quer dizer, aliena o indivíduo em seu aspecto ativo e em seu valor como ser humano sensível. Em última instância, consequentemente, o dinheiro, como sabemos, passa a ser a “verdadeira necessidade criada pelo moderno sistema econômico” e é, dessa forma, “a única necessidade que ele produz” (MARX, 2003, p. 149).<br /><br />Na poesia que nos anima, o ator individual na situação de miserabilidade age em prol da sua própria sobrevivência, sem levar em conta e sem se ater às regras e aos costumes que regem a alimentação à mesa, pois sua necessidade não se produz por estilo, mas pela própria necessidade de se alcançar o necessário para não perecer. A condição em que se encontra é tal que sua vida social pode ser confundida ou percebida como próxima da vida de uma espécie animal não-humana, tal como um cão de rua. O objetivo do “bicho-homem”, que não possui nada além do seu próprio corpo, é tão somente um: matar a fome antes que ela o devore. O observador, por sua vez, consciente da miséria do observado, não se sente, por não ser “miserável”, superior àquele homem, mas o nota, o percebe, o enxerga como um ser humano igual a si mesmo, mas vítima das condições sociais que os circundam, que permite a alguns uma vida humana digna e a outros a supressão da própria dignidade humana potencializada pela constante busca pelo necessário. Assim, “para o homem que morre sob a fome, não existe a forma humana do alimento, mas só o seu caráter abstrato como alimento; poderia igualmente existir na sua forma mais crua e é impossível dizer em que medida esta atividade alimentar se diferenciaria da atividade alimentar animal” (MARX, 2003, p. 144). Com Marx (1977, p. 209) ainda vamos mais além e percebemos que “a fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua, servindo-se das mãos, das unhas, dos dentes”.<br /><br />Há entre os dois indivíduos presentes na cena diferenças socialmente produzidas que se repercutem nas ordens objetiva e subjetiva das suas existências, que atuam nos modos pelos quais cada um percebe a si mesmo e aos outros. Eles veem a sociedade a partir de um ponto de vista, constituído sob os condicionamentos que os produziram, e por meio das situações e experiências vivenciadas em sua história biográfica, isso quer dizer, a maneira pela qual percebem o mundo social se produz na relação constante entre as ordens sincrônica e diacrônica da sua vivência particular em sociedade. Contudo, para objetivar a dimensão humana dos seres que são assim qualificados é preciso perceber as especificidades dos sentidos, ou melhor, “humanizar os sentidos e criar a sensibilidade humana correspondente a toda riqueza do ser humano e natural” (MARX, 2003, p. 144). <br /><br />No caso poético com o qual refletimos, há nitidamente um ponto em comum entre os dois atores presentes na cena, que independe das suas especificidades socialmente produzidas, que é posto em evidência pelo modo que o observador vê e interpreta o outro sem julgá-lo por si mesmo, mas realizando uma crítica política sobre a desigualdade e as injustiças sociais: com efeito, ambos são seres humanos, vivem numa mesma sociedade e fazem parte de uma mesma espécie animal, qualificada, sobremaneira, por suas capacidades facultativas de pensar, sentir, perceber e reconhecer (de modo prático e apreciativo) o mundo que os circundam, que os produziram enquanto indivíduos.<br /><br />Contudo, como pensar a percepção do outro para além da imediaticidade do olhar, compreendendo o social como fundamento do humano e como ordem produtora das aparências que distinguem os indivíduos entre si? Essa é uma indagação complexa e todas as respostas possíveis podem ser questionadas e acusadas como arguições insuficientes para o nível da questão. Todavia, tal reflexão se apresenta a nós, independente de nossas identificações teóricas, como uma questão de ordem filosófica, mas, a nosso ver, não se limita à filosofia, mesmo que nela se situem as principais fontes necessárias para precisar a questão sobre o humano. Como nos disse MacIntyre (2004, p. 343), “qualquer tentativa contemporânea de considerar cada vida humana como um todo, como uma unidade, cujo caráter proporciona às virtudes um telos adequado, se depara com duas espécies de obstáculo, um social e um filosófico”. Pensar a dimensão humana implica, a priori, em considerações fundadas na filosofia, mas também em reflexões sociológicas acerca dos modos pelos quais o mundo social é apreendido e vivido pelos indivíduos que são produzidos pela ordem social que herdam e produzem.<br /><br />Aristóteles, na sua Política, já afirmara que o homem – não em gênero, mas em sentido de ser humano – é, por natureza, um animal social, axioma clássico apropriado por Marx na famosa introdução à crítica da economia política, retrabalhando-a, porém, via pressupostos do materialismo histórico, concebendo o homem igualmente como um animal político (zoon politikon), que tem na dialética intrínseca às relações sociais os fundamentos da sua própria consolidação e determinação à vida societária. A humanidade de um indivíduo, assim, pode ser pensada como fruto do cultivo entre o si mesmo e a sociedade (RICOUER, 1992), no processo interativo entre os próprios atores individuais permeados pelas heranças moral, sociopolítica e cultural produzidas em momentos precedentes – que são atualizadas constantemente pela própria vivência em sociedade. Como bem nos disse Hannah Arendt (2012), o indivíduo não está no mundo, ele é do mundo, uma vez que ele e o mundo partilham afinidades e traços característicos que se identificam mutuamente em sua própria pluralidade.<br /><br />De maneira sintética, consideramos, a partir da reflexão sobre a poesia de Manuel Bandeira e da literatura sociofilosófica, que uma propriedade fundamental do ser humano se expressa na determinação do seu modo de vida, que se constitui com e entre outros homens dotados da capacidade de reconhecimento e identificação mútua por aspectos subjetivos e objetivos, isso quer dizer, por partilharem uma ordem moral e social comum que os condiciona para uma vida de relacionamento e interação (seja associativo ou conflitivo). “O homem produz o homem e se produz a si mesmo e aos outros homens; como o objeto, que constitui a atividade direta da sua personalidade, é ao mesmo tempo a sua existência para os outros homens e a sua existência para si” (MARX, 2003, p. 139). Em outras palavras, defendemos que a condição da vida em sociedade é o crivo pelo qual a dimensão humana do indivíduo se fundamenta, na medida em que é com e entre os outros que se apreende a si mesmo como semelhante e dotado de qualidades que não se reduzem unicamente às aparências, mas que compartilha de uma determinada maneira de existir: nessa lógica a dimensão humana é também um produto coletivo, mesmo que se expresse individualmente em cada ser, pois requer, para se fundamentar, das dimensões compartilhadas e herdadas de uma sociedade de indivíduos humanos.<br /><br />Desse modo, o social produz o ser humano que produz o social, pois é nessa ordem de mão dupla que podemos perceber os fenômenos segundo os quais os próprios atores adquirem as capacidades de reconhecer, sentir, pensar que os diferenciam das outras espécies animais no modo pelo qual essas capacidades se expressam. Além disso, o sentir, o identificar e o reconhecer pressupõem uma vinculação com algo que escapa às vontades individuais, por serem socialmente condicionadas, que pode ser posta em concretude pelas noções de moral e cultura (em sentido antropológico) que operam conjuntamente na produção do significado da própria vida em sociedade, influindo nos sentidos da percepção e do pensamento que permite ao homem a sua própria compreensão.<br /><br />Na Metafísica (livro I), Aristóteles (1973, p. 211) nos diz que “todos os homens tem, por natureza, desejo de conhecer” e que “uma prova viva disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas”. E continua: “por natureza, seguramente, os animais são dotados de sensação, mas, nuns, da sensação não se gera memória, e noutros, gera-se. Por isso, estes são mais inteligentes e mais aptos para aprender do que os que são incapazes de recordar”.<br /><br />A memória pressupõe a vivência de situações e experiências que sejam, em algum momento, recordadas, na medida em que nelas os indivíduos apreendem elementos que a eles surgem e se apresentam enquanto relevantes a serem percebidos. A memória social expressa dessa forma uma abstração sobre momentos significativos vivenciados pelo ser dotado da faculdade de abstração que o permite reviver simbolicamente as sensações passadas. Nesse sentido, em vista da qualidade e do tipo de conhecimento que os seres humanos estão aptos a adquirir e explorar pressupomos que os indivíduos, independentemente do nível dos seus capitais, possuem a faculdade de pensar e apreciar o mundo que habitam (GADAMER, 1999). Nesse sentido, o indivíduo é percebido como unidade reflexiva por usa própria condição. Do pensar é possível derivar uma série de elementos próprios à qualidade humana do homem (ARENDT, 2012), uma vez que o pensamento está diretamente relacionado à produção do significado que, como tal, produz sentido e permite o compartilhamento das propriedades mesmas que definem a vida em sociedade e as atitudes em relação ao mundo.<br /><br />A descoberta de Kant (2002) no que tange o “escândalo da razão”, isso quer dizer, de que o espírito não possui os meios para um conhecimento verossímil em relação às questões sobre a quais o próprio espírito não se impede de pensar, parece poder ser encaminhada para uma mínima saída quando deixamos o terreno transcendental no qual a noção de razão, nessa tradição, esta situada. Sabemos que, como bem nos ensinou a hermenêutica e a fenomenologia, a interpretação da vida humana é uma propriedade, como dissemos, que todos os homens possuem independentemente da sua própria vontade, que os faz, desde logo, ser um ser-no-mundo que percebe o seu próprio mundo como ser pensável. É desse modo que o observador na poesia que abriu nossa proposição reflete sobre as condições de existência do ator observado. Ele pensa e argumenta sobre o que vê, pois sente, em seu interior, o estranhamento ao confundir a vida de um indivíduo humano com as práticas instintivas das espécies animais não-humanas. O autor interpreta e nos põe diante da cena pelo seu trabalho criativo de composição, emitindo a nós, leitores, o sentimento de identificação e angústia ao pensar na condição do outro ser que vive naquela condição.<br /><br />Podemos, desse modo, ainda nos perguntar: a vida social é aquilo que vemos? Para a percepção imediata tudo se passa como se o que captamos pelo olhar em nosso cotidiano fosse, em si mesmo, o mundo social em sua essência e totalidade. Mas o mundo se constitui por uma variedade significativa de elementos que, em seu conjunto, antes mesmo de todas as suas variações, possuem uma única propriedade em comum: são próprios para serem percebidos, pois aparecem para nós, isso quer dizer, podem ser visualizados, tocados, ouvidos, cheirados e sentidos (ARENDT, 2012). Não há nada mais familiar a nós mesmos – e nós, sociólogos, temos a certeza disso quando, em nosso ofício, trabalhos para perceber os elementos aos quais nos debruçamos para além das concepções socialmente construídas e compartilhadas pelo senso comum – do que a vida entre as coisas que vemos e sentimos, pelas quais transitamos e que nos transitam, uma vez que somos parte do mundo social desde que nascemos até a finitude de nossa existência individual.<br /><br />Maurice Merleau-Ponty (2009, p. 17) nos invoca a pensar melhor questões dessa natureza, quando nos diz que: “pois se é certo que vejo minha mesa, que minha visão termina nela, que ela fixa e detém meu olhar com sua densidade insuperável, como também é certo que eu, sentado diante de minha mesa, ao pensar na ponte da Concórdia, não mais estou em meus pensamentos, mas na ponte da Concórdia; e que, finalmente, no horizonte de todas essas visões ou quase-visões está o próprio mundo que habito, o mundo natural e o mundo histórico, com todos os vestígios humanos de que é feito – é certo também que esta certeza é combatida, desde que atento para ela, porquanto se trata de uma visão minha”.<br /><br />Essa minha visão particular, se entendida tão somente como uma propriedade individualizada tende a ofuscar a produção social dessa visão, pois ela é, para além da qualidade da abstração imaginativa, uma experiência constituída e condicionada socialmente pelas experiências vividas no social. Percebemos o mundo tal qual ele se apresenta aos nossos olhos, mas, como nos disse Pierre Bourdieu (2008), o olho também é um produto da história.<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 35.45pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12pt; line-height: normal; text-align: left; text-indent: 0px;"><br /></span></div>
<br />* Este texto é uma versão reduzida de um artigo que será publicado no próximo número dos Cadernos do Sociofilo, especificamente no número Sociologia e Filosofia II. No processo de adaptação para o “Cazzo” subtraímos algumas passagens, em especial sobre as questões filosóficas do humano. Contudo, a versão aqui publicada conserva a essência e o norte da reflexão desenvolvida na versão mais extensa. A publicação completa poderá ser acessada em breve por meio do seguinte link: http://sociofilo.iesp.uerj.br/<br /><br /><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Referências<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
ARENDT, Hannah. <i>A vida do espírito</i>: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.<div>
ARISTÓTELES. <i>Metafísica</i>. São Paulo: Abril Cultural, 1973a, p. 205-235. (Coleção Os pensadores).<div>
BOURDIEU, Pierre. <i>A distinção</i>: critica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008.<br />GADAMER, Hans-Georg. <i>Verdade e método</i> I - Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.<br />KANT, Immanuel. <i>Fundamentação da metafísica dos costumes</i>. Lisboa: Edição 70, 2002.<br />MACINTYRE, Alasdair. <i>Depois da virtude</i>. Bauru: Edusc, 2004.<br />MARX, Karl. <i>Contribuição a critica da economia política</i>. São Paulo: Martins Fontes, 1977.<br />__________. <i>Manuscritos econômico-filosóficos</i>. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.<br />MERLEAU-PONTY, Maurice. <i>O visível e o invisível</i>. São Paulo: Perspectiva, 2009.<br />RICOEUR, Paul. <i>Oneself as another</i>. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.<br />WALZER, Michael. <i>Esferas da justiça</i>: uma defesa do pluralismo e da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.</div>
</div>
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