terça-feira, 24 de julho de 2012

"Pouca saúde e muita saúva, os males [da universidade] são"...



Por Tâmara de Oliveira

(Este texto é a introdução de uma participação em mesa redonda sobre o Slow Science e o produtivismo, organizada pelo Comitê Local de Greve da Universidade Federal de Sergipe)


Durante aquela hora, eu vira e descobrira o eterno segredo de qualquer grande arte e, mesmo, para dizer a verdade, de qualquer produção humana: a concentração, a reunião de todas as forças, de todos os sentidos, a faculdade de se abstrair do mundo, que é própria a todos os artistas. Eu aprendera alguma coisa para a vida. (Stefan Zweig, sobre uma hora passada com Auguste Rodin, em seu atelier. In: O Mundo de Ontem).

Começo com nosso herói sem caráter, Macunaíma, que, em meio às suas batalhas contra o gigante Piamã, gostava de sentenciar ironicamente o Brasil com a frase que (quase) parafraseei acima. A saúva de Macunaíma remete-me à Formiga de La Fontaine, aquela que ordenava sua vida calculadamente, trabalhando sem parar no presente com a ilusão de não morrer no futuro. E que, desprezando sarcasticamente o gênero de vida de uma Cigarra dedicada o tempo inteiro à arte de cantar, recusou-lhe ajuda em tempos difíceis. Sou dos que sempre simpatizam com a Cigarra; não por compaixão porque ela sofre de frio e morrerá fatalmente no inverno, mas porque não viveu trabalhando sem parar, carregando um peso maior do que ela sobre as costas – ao contrário da Formiga, esta trabalhadora que, de tão voraz e calculista, acabou desenvolvendo amargura contra o canto e a dança, contra o prazer de viver e apreciar a beleza do mundo e da vida.

A Cigarra e a Formiga é uma fábula do século XVII, ou seja, ela é filha dileta de seu tempo, aqueles primeiros do longo processo de modernização, os mesmos que, para o sociólogo Max Weber (2004), estão na origem de uma ética do trabalho produtor de riquezas materiais como valor em si e, do predomínio de uma racionalidade fundada no cálculo racional de meios úteis para a obtenção de fins perseguidos. Valores estes que tendem a opor radicalmente trabalho (domínio da economia, da produção/circulação de bens materiais) e arte (domínio da criatividade, da produção/circulação de bens
anímicos); valores estes articulados a um modo de conhecer e agir sobre o mundo através de uma linguagem científica quantitativa ou quantitativada. A ciência, tal qual a conhecemos, a partir da qual as universidades de hoje consolidaram-se, também é filha desse longo processo:
A ciência apresenta-se como um instrumento básico para a ruptura com o passado, como meio fundamental para fazer do presente a eterna construção do futuro; em suma, ela teria como pressuposto o de ser útil ao progresso da humanidade. Assim, entre a ciência e as necessidades modernas estabelece-se um vínculo íntimo e ideal de meio e fim, que tem sua fonte histórica no antropocentrismo da Europa renascentista (século XVI). Este vínculo significa que a ciência é parte constituinte da oposição tradição/modernidade, que ela se define como parte ativa desse presente aberto ao futuro que caracterizaria a sociedade moderna. (OLIVEIRA, 2006, p. 92).
De lá pra cá, muitas foram e são as tensões entre trabalho e arte, quantidade e qualidade – no próprio mundo do trabalho material (Marx, 2004), no mundo da arte e no mundo científico (Coutrot, 2009). A arte e suas cigarras perderam a ambivalente proteção aristocrática, mas ganharam autonomia de campo (Bourdieu, 1989) adquiriram direito de cidade, embora muitas vezes denunciado por sua transformação em indústria cultural (Adorno/Horkheimer, 1985), ou sua colonização pelo subsistema mercado (Habermas, 1997) – em outros termos, pelo mundo das mercadorias. No que diz respeito à ciência, instalada desde sua origem como meio racional para o fim de eterno progresso da modernidade, estamos vivendo um momento crítico dessas tensões. Um universitário de Bruxelas que tem se destacado como ativista (Gosselain, 2011), afirma que há mais ou menos vinte anos o termo SLOW SCIENCE é evocado aqui e acolá para por em questão um modelo de ensino e de pesquisa que, fincando raízes antes de tudo no domínio das ciências da vida e da natureza em países anglofônicos (Gosselain, 2010) disseminou-se mundo afora entre os anos 1990 e 2000 – globalizou-se.

Lendo inúmeras manifestações reivindicando-se direta ou indiretamente de SLOW SCIENCE, fiquei pensando que a Formiga de La Fontaine tem uma descendente contemporânea que, tendo podido aproveitar a democratização do ensino superior (crescente, sobretudo, a partir dos anos 1960, 1970, 1980), ascendeu muito socialmente: virou professora-pesquisadora-publicante. O seu trabalho, dito “calculado racionalmente”, consiste em: competir ferozmente por editais de pesquisa e até de extensão; preencher formulários de projetos online inspirados em videogames; orientar um monte de estudantes na graduação e na pós; correr entre mega-congressos ou entre seminários discretos de grupos de pesquisa; fazer malabarismos entre reuniões, relatórios, pareceres, prestações de contas e até pesquisa de preços para material de pesquisa; e, acima de tudo, cumprir quotas de artigos a serem publicados em periódicos bem classificados – sem esquecer de verificar regularmente a dança misteriosa das classificações oficiais, pois, entre o prelo e a publicação do artigo, o periódico pode ter perdido conceito ou ter simplesmente sumido do qualis...

Ah, sim!, há também as aulas....ufa! O que fazer com a formação de estudantes em universidades cada vez maiores? Ora, o jeito é inseri-los desde cedo nessa máquina compressora: selecionar para nossos grupos ou laboratórios de pesquisa aqueles que, desde as primeiras aulas na graduação, revelem-se motivados e possuidores de “capabilidades” cognitivas e competitivas razoáveis para entrarem na corrida de obstáculos; glups!, quero dizer, na carreira acadêmica. O resto..., bem, aqueles que não manifestam potencial para a competição e a performance acadêmicas, estão de qualquer forma condenados ao abandono dos estudos ou a diplomas baratos – talvez úteis para batalhar um empreguinho no mundo profano de bens e serviços extra acadêmicos. Para que nos preocuparmos com eles?

E, se o professor-pesquisador-publicante trabalhar numa universidade cuja expansão deu-se a toque de caixa, através de um projeto com verbas e data pré-definidas para terminar, como é o caso de nosso REUNI, a gente não tem mais dúvidas de que se trata de um descendente da Formiga de La Fontaine, daquela saúva que, segundo nosso Macunaíma (preguiçoso, mas bom entendedor das coisas) é um dos males do Brasil – e do mundo, eu acrescentaria. Com efeito, vemo-lo cotidianamente carregando pesos quase mais pesados do que ele dentro de mochilas e pastas (data-show, netbook, tablets, DVDs.), todos esses objetos das novas tecnologias de comunicação e informação, porque as instalações universitárias são tão precárias que essa Formiga contemporânea não deve esperar que o Datashow e o notebook do auditório estejam funcionando. Sem falar nos panes de sistema ou até da prosaica eletricidade...Ah! É sempre bom também levar papel higiênico para o trabalho.

O termo SLOW SCIENCE quer dizer em bom português ciência lenta. Provavelmente é por isso que Macunaíma passou por minha cabeça, quando percebi que, em vários dos trabalhos que estudei para preparar minha fala aqui (Coutrot, 2009; Barnier, 2009; Candau, 2011; Gousselain, 2011), há um referência ao “pesquisador preguiçoso”: aquele que publica pouco ou nada (em periódicos com conceito relevante); aquele sem uma agenda que não se sabe como comporta tanta atividade! Lembram-se da primeira frase do bebé Macunaíma? “Ái, que preguiiiiça....”

Pois é, de meu ponto de vista, o que há de comum nas diversas manifestações do SLOW SCIENCE (há outras designações, como por exemplo LA DÉSEXCELLENCE da Universidade Livre de Bruxelas) é uma reivindicação historicamente recorrente na modernidade, qual seja, a do direito à preguiça – como a do genro de Marx, outrora. Porque a preguiça gosta de tempo lento e tempo lento é necessário ao exercício da criatividade, da descoberta, da transmissão, da necessidade e do prazer de fazer bem feito. Ora, e nisto são uníssonos todos os da nebulosa SLOW SCIENCE, a ciência, a pesquisa, a formação (o ensino), a articulação entre elas e a sociedade que a financia (a extensão), precisam da criatividade, do prazer de fazer bem feito e da cooperação – todas estas qualidades que a Formiga de La Fontaine não costuma cultivar. O crescimento da reivindicação por slow science significaria que suas descendentes estão enfim se rebelando contra a sina sarcástica, amarga e destrutiva de sua mãe ancestral?

Referências Bibliográficas

ADORNO, T. / HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
BARNIER, F. A pesquisa universitária avaliada...para o desprezo da ciência. In: http://quecazzo.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html, dez. 2009
BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989. CANDAU, J. Apel pour um mouvement slow Science. In: http://slowscience.fr/
COUTROT, L. Avaliação em ciências sociais: você disse quantificar? In: http://quecazzo.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html , dez, 2009
GOUSSELAIN, O. P. Slow Science – La Désexcellence. In: http://www.pauljorion.com/blog/ , agosto 2011.
HABERMAS, J. Dorit et démocratie. Paris: Gallimard, 1992.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Sâo Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
OLIVEIRA, T. Porque ensinar os clássicos ou: tradição, modernidade e ciência, substantivos da sociologia. IN: Cadernos UFS – ciências sociais. Vol VIII, fasc. 5. São Cirstóvão: Editora da UFS, 2006.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 2004.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Censo 2010: antigas questões e novos desafios interpretativos à Sociologia da Religião [1]




Péricles Andrade[2]
Jonatas Meneses[3]

Ao final do mês de junho de 2012 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou os dados do Censo 2010 relativos à população residente, por situação do domicílio e sexo, segundo os grupos de religião no Brasil. Após um longo período de espera, finalmente os cientistas sociais brasileiros poderão substituir os dados relativos ao Censo 2000 em suas pesquisas, exaustivamente analisados durante cerca de uma década. Uma breve observação em parte das pesquisas em sociologia da religião nas últimas décadas apontam que no Brasil está cada vez mais evidente a constituição de um campo cristão plural. Esta seara sociológica no Brasil tem se constituído como uma sociologia do declínio católico e do avanço evangélico em termos quantitativos.

O Censo 2010 corrobora tais tendências e acrescenta números que serão merecedores da análise cuidadosa dos estudiosos da religião. Os novos dados do Censo 2010 apontam que a proporção de católicos segue a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores: de 73,8% em 2000 para 64,6% em 2010. Embora o perfil religioso da população brasileira mantenha, em 2010, a histórica maioria católica, esta religião vem perdendo adeptos desde o primeiro Censo, realizado em 1872, como apontado anteriormente. Não é demais acrescentar que essa redução ocorre no meio da população católica tratada como fiel nominal, isto é, dos que declaram vinculação em virtude da tradição – ter nascido no interior de família católica. Em segundo lugar, o segmento evangélico é o que mais cresceu no Brasil no período intercensitário. Em 2000, eles representavam 15,4% da população. Em 2010, chegam a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Vale destacar que entre o segundo segmento evidencia-se que 60% da população é constituída por pentecostais, 18,5% de missão e 21,8% não determinados. A terceira constatação é o aumento de adeptos do espiritismo (de 1,3% em 2000 para 2,0% em 2010) e dos sem religião. Em 2000 haviam 12,5 milhões (7,3%) do segundo segmento. Em 2010 os declarantes chegam a 15 milhões (8%). O aumento entre os espíritas mais expressivo foi observado no Sudeste, cuja proporção passou de 2,0% para 3,1% entre 2000 e 2010, um aumento de mais de 1 milhão de pessoas (de 1,4 milhão em 2000 para 2,5 milhões em 2010). O estado com maior proporção de espíritas era o Rio de Janeiro (4,0%), seguido de São Paulo (3,3%), Minas Gerais (2,1%) e Espírito Santo (1,0%) (http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias).

Podemos tecer outras considerações sobre os dados aqui apresentados. Primeiramente, quando se fala de aumento da diversidade religiosa no Brasil, é preciso não desconsiderar que o segmento cristão possui ampla maioria, com 86,9% de adeptos na população brasileira. Isto implica que as tensões e disputas mais evidentes no campo religioso acontecem entre os católicos e evangélicos, sobretudo na mídia, na política, no mercado e na ocupação dos espaços urbanos.

Em segundo lugar, os cientistas sociais não podem esquecer que as pesquisas censitárias não são capazes de compreender qualitativamente as questões relativas à diversidade religiosa. Isto pode ser constatado, inclusive, nas dificuldades quanto às taxonomias adotadas pelo IBGE. Como elaborar classificações capazes de atender a diversidade cada vez mais evidente, principalmente? Embora isto seja em parte resolvido com a pluralidade evangélica, com diversas denominações adotadas para o Censo, entre os católicos a “suposta unidade” dificulta algumas percepções mais sutis ao campo católico.

De fato, os evangélicos ampliaram seu rebanho e sua presença no espaço público, com destaque para a inserção nos meios de comunicação e na suas bancadas políticas. Entretanto, esta tendência não se verifica em todo o segmento de forma homogênea. Podemos, inclusive, afirmar que o crescimento evangélico no Brasil é pentecostal, particularmente neopentecostal. Em algumas denominações de missão (Batista, Luterana, Presbiteriana) o índice de evasão tem sido próximo ou maior que a própria “sangria católica”. As igrejas evangélicas históricas também têm perdido adeptos para as neopentecostais. Algumas, inclusive, estão aos poucos se pentecostalizando, adotado a expressão “renovada” como um diferenciador da sua matriz.

Pode-se questionar ou analisar outro dado, que é estatístico mas que não contribui para uma análise qualitativa do campo religioso evangélico: quem são os evangélicos incluídos no grupo daqueles que não declaram pertencimento a um grupo denominacional, que pulou de pouco mais de dois milhões em 2000 para mais de nove milhões em 2010? Seriam fiéis omitindo o seu pertencimento por estarem vinculados a grupos estigmatizados (Universal do Reino de Deus ou Mundial do Poder de Deus) à semelhança do que ocorria nas décadas passadas com os religiosos da Umbanda e do Candomblé? Ou seriam fiéis vinculados aos grupos dissidentes menores e que se espalham por todos os recantos do Brasil? Qualquer que seja a opção restará aos estudiosos sempre a dificuldade, por ser esse grupo quase 25% do universo religioso evangélico do Brasil. Para que essas respostas possam ser contempladas, as análises precisam ser efetuadas com base nesses dados e nos respectivos questionários utilizados pelo IBGE, mas, principalmente, a partir de novas pesquisas de campo a serem implementadas.

No Brasil, a partir da década de 1990, constatam-se intensas disputas entre católicos e neopentecostais. Nas últimas duas décadas estas continuam, mas também se intensificam entre os próprios neopentecostais, sobretudo entre as denominações que passaram por movimentos de cisma ou rompimento de algum líder espiritual. Até o Censo 2000 a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) alcançava os maiores índices de crescimento. Na década posterior, a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago, ex-Bispo da IURD, atraiu aos seus cultos parte significativa do rebanho iurdiano e de outros grupos do protestantismo histórico, dos pentecostais e dos neopentecostais.[4] A pluralidade religiosa tem gerado um pertencimento difuso no campo religioso brasileiro e, em particular, entre os neopentecostais. E, ao contrário do que se pensa, a contribuição regular do dízimo entre os adeptos é algo desafiador aos pastores, principalmente considerando que estas denominações atuam em camadas de baixa ou baixíssima renda – é bom ressaltar que os grupos pentecostal, neopentecostal e históricos renovados têm alcançado, cada vez em maior número, fiéis vinculados às camadas médias da sociedade -. Mas é provável que as tensões e disputas por fiéis se intensifiquem entre as denominações com estratégias e bens simbólicos de salvação muito semelhantes.

Nesse universo pentecostal, neopentecostal ou simplesmente de campo religioso pentecostalizado, destaca-se a consolidação de crescimento da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Somos tentados a pensar que essa denominação ficou imune, e por isso continuou crescendo, aos exageros dos rituais de cura divina presentes e intensificados na Igreja Mundial do Poder de Deus e do uso da Teologia da Prosperidade ainda em evidência na Igreja Universal do Reino de Deus. Personagens como o Pastor Silas Malafaia da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo é um bom exemplo do trânsito entre os paradigmas presentes nos principais grupos denominacionais do campo religioso evangélico brasileiro.

O aumento dos sem-religião não significa necessariamente o aumento da descrença religiosa. Não resta dúvida que a parcela de ateus no Brasil esteja aumentando. Mas parte dos sem-religião acredita no sobrenatural ou não o negam por completo, como no caso dos agnósticos. Alguns indivíduos participam ou participavam de religiões institucionais sem poder de regulação, frequentadas por indivíduos/grupos que a partir delas “fazem parte da tradição”. Cada vez mais algumas religiões perdem sua capacidade de regular a vida dos seus adeptos, que optam por escolhas individuais de consumo de bens simbólicos, fazendo bricolage de diversas religiões, sem pertencimento a qualquer religião institucionalizada. Não é difícil encontrarmos altares familiares com imagens de santos católicos, buda, duendes, orixás, figas, entre outros bens simbólicos.

Por fim, há de se questionar, do ponto de vista sociológico, por que algumas denominações estão ampliando sua participação no espaço público e outras estão se retraindo? Aqui vale uma das máximas de Pierre Bourdieu: toda teodiécia é sociodicéia. Nenhuma sociedade aceita um sistema religioso estruturalmente divergente dela (BOURDIEU, 1998). Nesse sentido, no cenário atual, as religiões que fazem sucesso são aquelas que se adaptam às necessidades e desejos de um público alvo. A religiosidade institucionalizada tradicionalmente (catolicismo e evangélicos de missão) sofre hoje um profundo esvaziamento.

Em sua visita ao Brasil em maio de 2007 o papa Bento XVI declarou que não estava preocupado com a evasão de fiéis. A prioridade era pela qualidade de adeptos e não pela quantidade. Será que o Vaticano não está se importando com a pentecostalização do pais mais católico do mundo? Acreditamos que não. Para além dos casos de pedofilia no clero, das críticas as pesquisas com embriões, da luta contra a legalização do aborto e do casamento homossexual, o Brasil apresenta uma razão mais estrutural para continuar tirando o sono de Sua Santidade.

Referências

BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. 5. ed., São Paulo: Perspectiva, 1998.
CAMURÇA, Marcelo Ayres. A realidade das religiões no Brasil no Censo do IBGE-2000. TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 35-48.
FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONAZZI, Alberto ET AL (org.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994, p.
MALLIMACI, Fortunato. De la homogeneidad a la diversidad: las actuales transformaciones del campo religioso en la sociedade argentina. Revista Sociedade e Estado, v. XIV, n. 1, jan./jun. 1999. p. 127-144.
MAFRA, Clara. Censo de religião: um instrumento descartável ou reciclável. Religião & Sociedade. Vol. 1. Rio de Janeiro: ISER, 1977, p.152-167.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Cadê nossa diversidade religiosa? Comentários ao texto de Marcelo Camurça. TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 49-51.
SOUZA, Beatriz Muniz de; MARTINO, Luís Mauro Sá (orgs.). Sociologia da religião e mudança social: católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. São Paulo: Paulus, 2004.
TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006.


[1] Agradecemos as correções e sugestões das professoras Dra. Tâmara de Oliveira e Rejane Donato Pinto.
[2] Doutor em Sociologia pela UFPE; Professor do DCS/NGCR/NPPCS-UFS.
[3] Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP; Professor do DCS/NGCR/NPPA-UFS
[4] Não foi por acaso que a Rede Record em 2011 elegeu a religião do citado apóstolo como um inimigo a ser combatido, com diversas reportagens sobre charlatanismo e enriquecimento ilícito do “apóstolo vaqueiro”, como também de processo de demonização em prédicas ao longo das programações da IURD transmitidas pela Rede Record de Televisão e pela Rede Aleluia de Rádio. Isso implica noutro fenômeno importante: o trânsito religioso.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Antonio Damásio: a busca para entender a consciência



 No que me parece uma versão atualizada e mais sofisticada da concepção sensualista de emoções desenvolvida por William James (salvo engano, até mesmo a questão que ele coloca no início de sua conferência é retirado de um trecho dos Princípios da Psicologia), Antonio Damásio fala sobre a importância da dimensão sócio-cultural para a compreensão do nosso sentido de self (erradamente traduzido nas legendas como "ego" ou "eu").

Ainda estou terminando de ler um de seus livros principais, O Erro de Descartes, por sugestão e suave insistência de um tio-avô. Embora interessante, um comentarista do TED resume minhas impressões até o momento: "Eu suponho que o título da apresentação de Damásio, 'a busca para entender a consciência' não é propriamente enganador, mas seria melhor intitulado 'a busca para entender a neurobiologia da consciência'. Entender a atividade neural e bioquímica que subjaz à consciência não é o equivalente a entender a consciência".

Minha hipótese provisória é que lhe falta uma questão fundamental para compreender emoções complexas como o amor, o ciúme, a inveja, dentre outras, que orientam nossa relação com o mundo sócio-cultural e que ajudam a definir quem somos: aquela propriedade mental que os filósofos, desde Husserl, enfatizam, que é a intencionalidade. Artur parece ter outra hipótese e, se compreendi direito em nossa conversa relâmpago após uma defesa de projeto, é a de que Damásio reatualiza o dualismo cartesiano ao substituir a velha alma cartesiana pelo cérebro. Vamos ver.

  Cynthia