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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Fraude científica como corrosão do caráter : um olhar sociológico sobre a cultura do “novo capitalismo”



Tâmara de Oliveira (DCS/UFS)
 
Caros amigos, em minha passagem diária obrigatória pelo Le Monde, aos 10.12.2012, deparei-me com o seguinte título do blog de jornalismo científico editado por Pierre Barthélémy : “O escândalo Stapel, ou como um só homem enganou o sistema científico”. Evidentemente, como aqui no Cazzo andamos discutindo a validade do conhecimento científico nas ciências sociais, cliquei pra ver o que era – antes mesmo de consultar meu horóscopo! Olhando a foto do elemento, gargalhei: com essa cara e sorriso de líder de equipe de produção flexível e a curto prazo, só mesmo esse tal de sistema científico (que imaginei como um vetusto senhor honesto e positivista, formado na era do Estado do Bem-Estar Social) para não sacar com quem estava lidando... 

Mas será mesmo que não se sabia com quem se estava lidando, ou o infeliz Diederik Stapel (professor holandês ora afastado da Universidade de Tilburgo, fundador do TIBER – Tilburg Institute for Behavioral Economics Research – e laureado com o prêmio, ora cancelado, de Trajetória Acadêmica pela Society of Experimental Social Psychology em 2009), é justamente um idealtipo (SCHNAPPER, 1999) de profissional da cultura do novo capitalismo, com boa verificação empírica também entre cientistas – universitários ou não (SENNET, 2006) ? No mesmo blog, li sobre outro escândalo, eclodido, como o primeiro, em 2011 – este protagonizado por uma química de um laboratório de Boston ligado à policia científica de Massachusetts, chamada Annie Dookhan, cujo trabalho era o de identificar drogas e pesquisar traços nas peças de convicção fornecidas por investigadores policiais.

Narremos os “causos”, antes de tentarmos colocar um molhino sociológico nesta receita. Stapel, 46 anos, ascendeu meteoricamente ao status de pequena vedete em sua área de pesquisas e, embora dois professores já tivessem manifestado supresa com seus resultados, ninguém os levou em consideração, até que três jovens pesquisadores ousaram apontar irregularidades à Universidade de Tilburg. Uma enquete foi iniciada (incluindo duas outras universidades onde ele lecionara anteriormente) e seus resultados, publicados em 28 de novembro de 2012, são exemplares: quase metade de seus artigos contêm dados inventados ou traficados (55/137), há ainda suspeitas graves sobre 10 outros, 31 de seus trabalhos já são objeto de retratação nas revistas onde foram publicados e descobriu-se que o ex-laureado universitário forneceu dados falsos a inúmeros de seus orientandos.
 

sábado, 16 de abril de 2011

Infoproletários



Ricardo Antunes fala de Infoproletários: degradação real do trabalho virtual, coletânea organizada por ele e por Ruy Braga, editada pela Boitempo, em 2009.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

David Harvey e Slavoy Zizek

Enquanto Jonatas não dá seguimento aos seus quitutes hegelianos, dois vídeos legais que achei no site do Programa de Acción Colectiva.

Cynthia



segunda-feira, 12 de julho de 2010

BBB (Bruno Brasil Barbárie)


Fernando da Mota Lima

Quem conhece algo da tradição dramática e literária relativa ao crime sabe o que é o mito do crime perfeito. Ele consiste na fantasia do planejamento e execução do crime indesvendável, o crime que nenhum Sherlock Holmes teria a inteligência e o poder de decifrar e portanto punir. Uma das coisas que me horrorizam nos grandes crimes correntemente praticados no Brasil é a presença do ingrediente de brutalidade sem cálculo. Mata-se não apenas com requintes de barbárie, com impiedade inconcebível na nossa noção de normalidade humana, mas também com imperfeição grosseira. Noutras palavras, são crimes praticados sem nenhum vestígio de inteligência e cálculo. Chocam ainda por serem também isentos de paixão. O crime passional, não importando seu horror, é humanamente compreensível. O que talvez mais me horroriza no crime bárbaro é minha incapacidade de compreendê-lo, de enquadrá-lo em alguma noção de humanidade votada à destruição. Portanto, este artigo, escrito por alguém que nada entende de crimes nem deles felizmente participa, não pretende explicar ou compreender o que me parece em último caso inexplicável e incompreensível.

Por que estão se banalizando no Brasil crimes como este que o goleiro Bruno e seus associados são acusados de cometer? Serão fruto de algum mal obscuro e ininteligível existente em alguns indivíduos? Serão um mero produto do meio, como sugere a pergunta feita por Sandra Annenberg, apresentadora do Jornal Hoje, a um psiquiatra forense? Melhor dizendo, ela perguntou se a causa do crime não estaria no fato de Bruno ter vivido uma infância sem pai e mãe, marcada assim por formas traumáticas de privação infantil. Isso é coisa de psicologia de folhetim, ou sociologia de almanaque. Milhões de pessoas no mundo, sem exagero, sofreram formas de privação semelhante sem todavia incorrerem em qualquer tipo de crime, muito menos um do tipo que é imputado ao goleiro.

Estou com isso isentando as condições do meio de qualquer responsabilidade? Muito pelo contrário. O meio importa, sim. Importa de forma poderosa, mas não desse modo grosseiro sugerido pela pergunta da jornalista. A pergunta dela é sintoma, antes de tudo, da cultura da vitimização corriqueira no presente. Quero dizer, estamos sendo condicionados a isentar-nos de qualquer responsabilidade moral com respeito a nossas vidas e ações. Somos, noutros termos, vítimas da vida e das circunstâncias. Ora, penso precisamente o contrário. Penso que todo ser humano é moralmente responsável pelas ações que pratica. Isso não anula, friso, o peso variável das circunstâncias, apenas afirma a necessidade do reconhecimento de uma instância moral regendo nossas ações. Se não aceitamos isso como um fato, então precisamos coerentemente inocentar qualquer tipo de ação humana, além de suprimir a noção de liberdade ou livre arbítrio do horizonte humano.

Vejamos agora como o meio importa. O capitalismo brasileiro já foi mais frequentemente qualificado como selvagem. Era moda assim dizê-lo durante a ditadura militar, quando foi imposto ao país um processo de modernização capitalista autoritário. Ele consistia, melhor dizendo, na mobilização de processos de crescimento econômico que modernizavam o país sem todavia eliminar as condições de atraso e opressão típicas das sociedades pré-modernas. Esta é precisamente uma das singularidades do nosso capitalismo, a que moderniza reproduzindo as condições de atraso. Trocando isso em miúdos, o Brasil entrou para o clube privilegiado das dez grandes economias do mundo sem no entanto suprimir suas características retrógadas ou iníquas correntemente supostas na expressão herança maldita. É uma expressão, sabem os leitores, muitas vezes usada pelo próprio Presidente da República. Ela supõe, entre outras coisas, a persistência das duas grandes pragas que marcaram nossa formação como nacionalidade e povo: o colonialismo e a escravidão.

Peço desculpas aos leitores pelo parágrafo acima, pretensamente sociológico, mas ele importa para compreendermos algo do nosso capitalismo. Mais importante ainda, ele nos ajuda a compreender alguns grãos da nossa barbárie. Deixando a sociologia de lado, essa herança maldita se manifesta a todo momento em fatos sociais como estes: a miséria visível nas nossas ruas, a hiperexploração da mão de obra, o trabalho infantil, a corrupção endêmica, a política do deus dará, a democracia seletiva, com perdão do paradoxo, a prostituição disseminada na sociedade etc. Sintetizaria tudo isso dizendo simplesmente que no capitalismo à brasileira nos tornamos mercadorias baratas, mercadorias expostas, tão sem máscara ou verniz de humanidade quanto os crimes que são objeto deste artigo.

Exemplos? O Jornal Hoje, novamente ele, apresentou ontem, em meio às repercussões sensacionalistas do crime imputado a Bruno, uma reportagem sobre a fortuna que ele perderá se for condenado. Vemos então um economista expondo, do alto de sua ciência sem alma, do seu saber inconsciente, quanto Bruno perderia se continuasse jogando no Brasil, quanto se se transferisse para a Europa, sonho de todo atleta brasileiro. Isso diz tudo sobre a banalidade do mal no noticiário da mídia, que aliás mais uma vez espremerá o crime até a última gota de sangue. O público, por sua vez, ávido de sangue, acompanha fascinado esse circo de horrores produzido pela mídia a cada crime sangrado na nossa realidade. Outros virão.

Exemplos? O acusado do crime a mando de Bruno, cujo cognome é Bola ou Paulista, foi expulso da polícia civil em 1992. Depois disso foi acusado de muitos crimes sem todavia sofrer qualquer punição. A própria polícia admite agora que é um homem frio e perigoso. A julgar pelo pouco que vi e ouvi, o dossiê do tipo é bem fornido de crimes. No entanto, viveu todos esses anos sob completa impunidade. Aliás, a julgar pelo que circula agora sobre a ficha corrida dos envolvidos, quem nessa história é inocente? Aliás, quem acaso teve a curiosidade de contabilizar o número de crimes que envolvem policiais ou ex-policiais?

Voltando ao contexto geral, nosso capitalismo continua sendo, reafirmo, capitalismo selvagem. Como acima frisei, longe de mim a presunção de propor qualquer explicação para o crime que aqui discuto. Mas como não perceber a sombra nefasta desse capitalismo pairando sobre nossos horrores? Como não perceber que no cerne da nossa anomia social, no cerne de uma sociedade privada de regulação civilizada, as instituições socializadoras fundamentais não funcionam? Melhor esclarecendo, a família, a escola, a religião, a mídia, nada disso funciona de acordo com ideais e valores inerentes a uma sociedade verdadeiramente civilizada. Por isso repito, sem pessimismo ou bola de cristal, que outros crimes virão, iguais ou piores, enquanto a roda viva do nosso capitalismo brutal continuará girando e faturando, vertendo sangue e consumindo vidas que valem zero. Não sou eu quem o diz, são os fatos apreensíveis na mídia, na indústria publicitária, na máquina produtiva, no circo de horrores que é o capitalismo à brasileira.