"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate": Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
Informação, Conhecimento e Poder (Maria Lúcia Maciel e Sarita Albacli, org.)
Olha, que boa notícia! Maria Lúcia Maciel e Sarita Albagli conseguiram junto à Garamond disponibilizar o Informação, Conhecimento e Poder: mudança tecnológica e inovação social, em formato pdf, na Internet. O livro conta com contribuições de Sandra Braman, Yann Boutang, Giuseppe Cocco, Dan Schiller, Maria Nélida Gómez, Geert Lovink, Jonatas Ferreira, Luiz Pinto e Maria Eduarda Mota Rocha, das próprias organizadoras, entre outros autores.
Para dar uma olhada e conferir, acesse o link.
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sábado, 8 de outubro de 2011
Um Pardal voando sobre um Ninho de Cucos
Toc, toc, toc, ô de casa, tem alguém aí?!
Eita que desapareci, hein?! Bem, as justificações cansam a verdade. Reapareci, eis a questão. Talvez, um mistério filosófico seja o fato de as pessoas aparecerem e desaparecerem. São até irritantes nesse movimento.
Publico uma resenha do filme "Um Estranho no Ninho". Achei-a no meu baú de textos perdidos. Seria publicada, prometeram-me. Prometer é um ato falho. Não publicaram, e me esqueci do dito-cujo. Dei uma recauchutada e publico aqui e agora.
Um Pardal voando sobre um Ninho de Cucos[1]
Não farei, aqui, uma análise desse clássico do cinema, “Um Estranho no Ninho”, e sim aproximações entre as temáticas do filme e a psiquiatria ou, melhor dizendo, entre o filme e minha experiência como psiquiatra e sociólogo. Será, digamos assim, uma exposição que apresentará algum cunho pessoal. Claro, esforçar-me-ei para que a narrativa não fique idiossincrática, tentando contextualizá-la e, com isso, conectando-a a uma totalidade mais ampla. O jogo entre filme e experiência pessoal, nesse sentido, permitirá um exame mais geral do poder institucional da psiquiatria.
O filme é uma adaptação do livro de mesmo nome do escritor estadunidense Ken Kesey. Foi escrito em 1962, num contexto histórico bem significativo, marcado pela contracultura. O autor, pode-se dizer, condensa bem a época: um polemista e crítico ferino da sociedade americana, tendo sido um ícone da juventude beatnik e hippie. Foi um dos gurus do LSD. Sua crítica à instituição psiquiátrica tem como pano de fundo a condenação do “american way of life”. E a conclusão é ambiciosa: a psiquiatria prefigura o modelo das instituições modernas. Ela é totalitária e, ao mesmo tempo, norma das outras instituições. O controle comportamental imposto pela psiquiatria, nas suas instituições, é a base das relações de dominação existentes na sociedade. Em suma, vive-se, na América, uma espécie de totalitarismo “doce”, sem um específico centro de poder, embora sistêmico, baseado num enquadramento normativo do comportamento que transforma os indivíduos em meros vetores do sistema.
O filme foi realizado em 1975. Vivia-se, ainda, a rebordosa dos anos 60. Os temas da década passada continuavam vivos, embora com menos otimismo e psicodelismo. A antipsiquiatria continuava sendo a crítica hegemônica, diante do sempiterno domínio do asilo psiquiátrico. Contudo, não creio que o filme tenha o alcance da crítica de Ken Kesey, conquanto permaneça a contundência contra a instituição psiquiátrica. Pode-se, é claro, interpretar a relação conflituosa entre Randle McMurphy (Jack Nicholson) e Mildred Ratched (Louise Fletcher) como metáfora dos conflitos existentes na sociedade americana, mas não iria por esse caminho. De todo modo, é justamente essa relação, interpretada de forma genial pelos dois atores, que é o fulcro do filme. E creio que ela seja muito útil para pensar o alcance da crítica à psiquiatria.
Inclusive, depois do “Estranho...”, surgiram outros filmes com temáticas direta ou indiretamente relacionadas à psiquiatria. Com o tempo, a crítica antipsiquiátrica arrefeceu, e os filmes passaram a não contestar, propriamente, a validade da psiquiatria, e sim alguns modelos de assistência, principalmente aquele baseado no asilo. Geralmente, na nova safra de filmes, o psiquiatra tem salvação, sim, contanto que esteja fora do padrão asilar, e assuma uma prática profissional que seja relacional, dialógica e de profundo respeito pelo paciente, agora transformado em usuário da assistência psiquiátrica. Lembrando-me rapidamente de alguns filmes, tais como “As loucuras do Rei George”, “Gênio Indomável” e “Garota, Interrompida”, nota-se que o psiquiatra deixou de ser a besta-fera, podendo ter ideias modernas, uma postura informal e, quem diria, demonstrar até mesmo... emoção.
Mas, vamos ao filme.
Randle McMurphy é um detento que é enviado a uma clínica psiquiátrica. Por quê? Há dúvidas sobre sua sanidade. Ele é doido ou não? Sua estadia na clínica é, justamente, para a comprovação diagnóstica de sua suposta loucura. Ora, o espectador descobre, rapidamente, que McMurphy finge ser louco – inclusive, o diretor da clínica desconfia bastante de seu comportamento. Por meio desse artifício, cria-se uma conexão imediata entre o espectador e o personagem. Diria que, praticamente, é inevitável, a partir dessa situação singular, ter uma empatia por McMurphy.
A primeira questão, assim, que coloco em discussão, seria a seguinte: é possível simular a loucura? Não é uma questão simples e tem consequências clínicas e, até mesmo, filosóficas. Embora a questão não seja simples, a resposta é rápida: sim, é possível simular um surto psicótico, um sofrimento psíquico, uma doença mental. O problema aparece quando se examina as possíveis consequências dessa resposta. Uma delas seria a seguinte: o fato de existir a possibilidade de simulação implica que a loucura não seja uma doença mental? Não é uma pergunta banal, pois a psiquiatria não tem, para a maioria de suas doenças, exames complementares, isto é, objetivos, digamos assim, que mostrem, de uma vez por todas, a “realidade” da loucura. Não há raio-x, ultrassonografia, exame laboratorial que comprovem que a pessoa está “louca”. Uma doença orgânica é uma unidade discreta que pode ser examinada de forma objetiva. Sem a demonstração objetiva, a loucura seria completamente subjetiva, logo, passível de ser simulada? Sendo subjetiva ou uma forma de subjetividade, seria doença? Afinal, no que se baseia o psiquiatra para firmar seu diagnóstico? Ora, basicamente, no comportamento. Mas, caso seja isso mesmo, como apreender objetivamente sintomas psicopatológicos por meio da observação do comportamento de uma pessoa? Ora, o exame do comportamento implica fazer atribuições psicológicas a uma pessoa. Como projetar atributos psicológicos a uma doença? A “doença”, como tal, não sente, não sofre, não significa, exceto metaforicamente. Tais atribuições não podem ser discretas, como uma doença orgânica, por isso a atribuição sempre remete, invariavelmente, a uma totalidade, no caso, à pessoa doente.
Na medicina, a etiologia revela o invisível, mostrando que o visível é apenas epifenômeno. O comportamento patológico é a manifestação de causas ocultas, reveladas pela ciência médica. Mas a psiquiatria, justamente por não ter um consenso etiológico (afinal, qual é a causa da loucura?), é uma medicina de sintomas. Jamais escapou do comportamento. Nunca se libertou de uma compulsão classificatória -- vide seus manuais de “Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais” (DSM) e suas classificações nosológicas. Como deduzir, dessa forma, patologias do comportamento? Como evitar confusões no campo do significado, isto é, entre o normal e o anormal, entre o anormal e o patológico? Como evitar a transformação da psiquiatria numa máquina de etiquetagem, num empreendimento moral?
O filme é uma adaptação do livro de mesmo nome do escritor estadunidense Ken Kesey. Foi escrito em 1962, num contexto histórico bem significativo, marcado pela contracultura. O autor, pode-se dizer, condensa bem a época: um polemista e crítico ferino da sociedade americana, tendo sido um ícone da juventude beatnik e hippie. Foi um dos gurus do LSD. Sua crítica à instituição psiquiátrica tem como pano de fundo a condenação do “american way of life”. E a conclusão é ambiciosa: a psiquiatria prefigura o modelo das instituições modernas. Ela é totalitária e, ao mesmo tempo, norma das outras instituições. O controle comportamental imposto pela psiquiatria, nas suas instituições, é a base das relações de dominação existentes na sociedade. Em suma, vive-se, na América, uma espécie de totalitarismo “doce”, sem um específico centro de poder, embora sistêmico, baseado num enquadramento normativo do comportamento que transforma os indivíduos em meros vetores do sistema.
O filme foi realizado em 1975. Vivia-se, ainda, a rebordosa dos anos 60. Os temas da década passada continuavam vivos, embora com menos otimismo e psicodelismo. A antipsiquiatria continuava sendo a crítica hegemônica, diante do sempiterno domínio do asilo psiquiátrico. Contudo, não creio que o filme tenha o alcance da crítica de Ken Kesey, conquanto permaneça a contundência contra a instituição psiquiátrica. Pode-se, é claro, interpretar a relação conflituosa entre Randle McMurphy (Jack Nicholson) e Mildred Ratched (Louise Fletcher) como metáfora dos conflitos existentes na sociedade americana, mas não iria por esse caminho. De todo modo, é justamente essa relação, interpretada de forma genial pelos dois atores, que é o fulcro do filme. E creio que ela seja muito útil para pensar o alcance da crítica à psiquiatria.
Inclusive, depois do “Estranho...”, surgiram outros filmes com temáticas direta ou indiretamente relacionadas à psiquiatria. Com o tempo, a crítica antipsiquiátrica arrefeceu, e os filmes passaram a não contestar, propriamente, a validade da psiquiatria, e sim alguns modelos de assistência, principalmente aquele baseado no asilo. Geralmente, na nova safra de filmes, o psiquiatra tem salvação, sim, contanto que esteja fora do padrão asilar, e assuma uma prática profissional que seja relacional, dialógica e de profundo respeito pelo paciente, agora transformado em usuário da assistência psiquiátrica. Lembrando-me rapidamente de alguns filmes, tais como “As loucuras do Rei George”, “Gênio Indomável” e “Garota, Interrompida”, nota-se que o psiquiatra deixou de ser a besta-fera, podendo ter ideias modernas, uma postura informal e, quem diria, demonstrar até mesmo... emoção.
Mas, vamos ao filme.
Randle McMurphy é um detento que é enviado a uma clínica psiquiátrica. Por quê? Há dúvidas sobre sua sanidade. Ele é doido ou não? Sua estadia na clínica é, justamente, para a comprovação diagnóstica de sua suposta loucura. Ora, o espectador descobre, rapidamente, que McMurphy finge ser louco – inclusive, o diretor da clínica desconfia bastante de seu comportamento. Por meio desse artifício, cria-se uma conexão imediata entre o espectador e o personagem. Diria que, praticamente, é inevitável, a partir dessa situação singular, ter uma empatia por McMurphy.
A primeira questão, assim, que coloco em discussão, seria a seguinte: é possível simular a loucura? Não é uma questão simples e tem consequências clínicas e, até mesmo, filosóficas. Embora a questão não seja simples, a resposta é rápida: sim, é possível simular um surto psicótico, um sofrimento psíquico, uma doença mental. O problema aparece quando se examina as possíveis consequências dessa resposta. Uma delas seria a seguinte: o fato de existir a possibilidade de simulação implica que a loucura não seja uma doença mental? Não é uma pergunta banal, pois a psiquiatria não tem, para a maioria de suas doenças, exames complementares, isto é, objetivos, digamos assim, que mostrem, de uma vez por todas, a “realidade” da loucura. Não há raio-x, ultrassonografia, exame laboratorial que comprovem que a pessoa está “louca”. Uma doença orgânica é uma unidade discreta que pode ser examinada de forma objetiva. Sem a demonstração objetiva, a loucura seria completamente subjetiva, logo, passível de ser simulada? Sendo subjetiva ou uma forma de subjetividade, seria doença? Afinal, no que se baseia o psiquiatra para firmar seu diagnóstico? Ora, basicamente, no comportamento. Mas, caso seja isso mesmo, como apreender objetivamente sintomas psicopatológicos por meio da observação do comportamento de uma pessoa? Ora, o exame do comportamento implica fazer atribuições psicológicas a uma pessoa. Como projetar atributos psicológicos a uma doença? A “doença”, como tal, não sente, não sofre, não significa, exceto metaforicamente. Tais atribuições não podem ser discretas, como uma doença orgânica, por isso a atribuição sempre remete, invariavelmente, a uma totalidade, no caso, à pessoa doente.
Na medicina, a etiologia revela o invisível, mostrando que o visível é apenas epifenômeno. O comportamento patológico é a manifestação de causas ocultas, reveladas pela ciência médica. Mas a psiquiatria, justamente por não ter um consenso etiológico (afinal, qual é a causa da loucura?), é uma medicina de sintomas. Jamais escapou do comportamento. Nunca se libertou de uma compulsão classificatória -- vide seus manuais de “Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais” (DSM) e suas classificações nosológicas. Como deduzir, dessa forma, patologias do comportamento? Como evitar confusões no campo do significado, isto é, entre o normal e o anormal, entre o anormal e o patológico? Como evitar a transformação da psiquiatria numa máquina de etiquetagem, num empreendimento moral?
Sinceramente, não sei.
Por que isso acontece? Tenho algumas hipóteses. Resumo algumas:
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