Luciano Oliveira
Uma amiga enviou-me faz algum tempo uma matéria
de jornal sobre o livro do professor Gusmão da UNB. Confessava que o que ele
dizia sobre Habermas a fez “rir um pouco” e adiantava a impressão de que, pelo
tom polêmico do autor, podia tratar-se de “mais um desses tipos em busca de
sucesso por meio de provocações exageradas”. A leitura da matéria despertou
minha atenção e rapidamente adquiri o livro – que li com atenção e prazer, mas
também com divergências importantes. Interessei-me pelo livro porque, como examinador
de dissertações e teses, identifiquei-me com algo que dizia Gusmão na matéria
citada: “É praticamente impossível defender um mestrado ou doutorado sem
apresentar questões teóricas, cobrança dispensável e funesta”. Achei “funesta”
um tanto exagerado, mas tendi a concordar em grande medida com o “dispensável”.
De fato, participando há anos de bancas, já partilhei idêntico sentimento. Exemplo:
um mestrando que examinei certa vez, aluno excelente e dedicado, tinha adotado
como seu “marco teórico” a (para mim) impenetrável análise do discurso francesa. Metade do trabalho era um capítulo
teórico para levar à conclusão, na outra metade, de que Getúlio Vargas tinha um
discurso... paternalista! Na ocasião ocorreu-me uma brincadeira que expus com
toda seriedade: mas como Hannah Arendt teria chegado à conclusão de que Hitler
tinha um discurso totalitário sem ter lido Pêcheux?...
O livro de Gusmão adota um tom provocativo bem
maior do que o meu. O que ele diz sobre autores como Habermas – que qualifica
de “entediante pastor de almas” (p. 111) – e Bourdieu – que define como “o
narodinick [sic] universitário” (p. 107) – beira o desrespeito. Tais diatribes
dão algum suporte à suspeita de minha amiga. Digo algum porque o livro de Gusmão longe está de ser apenas um
arrasa-quarteirão. Mas ele se compraz em bater com tal furor os usos e costumes
vigentes na academia brasileira que a suspeita de “provocações exageradas” de
certa forma se confirma. Isso dito, adianto que O Fetichismo do Conceito é um livro bem vindo pelas provocações
(desta vez sem aspas) que faz, devendo ser lido e meditado nos nossos
departamentos de ciências sociais com seus cacoetes exageradamente
“teoricistas” – para falar como o autor, com quem concordo neste particular.