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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Hubert Dreyfus: 35 lições sobre Ser e Tempo



Após a série de conferências de John Searle sobre Filosofia da Mente, segue o link para um curso sobre Ser e Tempo, de Martin Heidegger, oferecido por Hubert Dreyfus, em 2002, na Universidade de Berkeley. São mais de 35 horas de aula  sobre a obra máxima de Heidegger com um dos maiores filósofos contemporâneos. Um mês inteiro de caminhadas na praia :)

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Natureza do General McArthur (texto já publicado no Cazzo não sei bem quando)

Você quer saber o que é real, meu filho? Pula do vigésimo de cabeça na esperança de que tudo seja construto social para ver... Tenta comer um cento de manga-espada no intervalo de uma hora para ver o resultado... Come todos os quitutes - "passarinha", um delicioso "figado de alemão" - no Bar do Bigode e procura sustentar com o máximo de coerência que essa estória de disenteria é algo cultural... Procura fecundar teu parceiro gay e espera nove meses... O(A) leitor(a) vai desculpar a qualidade dos exemplos, mas grosso modo é deste tipo de argumento que nos valemos sempre que procuramos, eu e meu amigo, o general McArthur, pôr um limite a esse tal construtivismo que grassa as ciências sociais. No final das contas, o General é mais refinado que eu. “Teu anti-depressivo está funcionando bem? Então, há de haver algum limite pare esse tal culturalismo...”


O problema é que o que parece um argumento pragmático, não deixa de se valer de algumas pressuposições metafísicas que nunca emergem como tal – o que não é de espantar, já que estamos tentando nos concentrar em um argumento pragmático que nos livre da verbosidade gorda de uma certa tradição filosófica, sociológica. Há algo mais metafísico que o positivismo comteano? Sua inteção, entretanto, era nos livrar do blá-blá-blá da filosofia. Insatisfeito conosco, por antecipação, um tal Martin Heidegger escreveu um livro interessante nos idos de 1959. Li o Introdução à Metafísica há coisa de uns dez anos e me lembro um tanto vagamente do argumento do livro – o que é uma lástima, pois a obra é mesmo importante para a pesquisa que realizo no momento. Uma parte importante do livro, de qualquer modo, é dedicada à questão da diferença entre o conceito grego de physis e o conceito latino de natura. Se devemos pensar de modo sólido o que é metafísica (meta ta physis), raciocina Heidegger, devemos começar por inquirir acerca do mundo físico, uma vez que é ele que a pergunta “por que há seres e não o nada?” pressupõe. Essa pergunta filosófica fundamental (angústia que alberga - gostaram? - outras angústias importantes, como: por que eu devo morrer? logo eu...) pressupõe que há um fundamento para o que há, ou para aquilo que Heidegger chama de essentes. É esse fundamento que a palavra grega physis procura.

Em algum lugar do Introdução à Metafísica Heidegger se pergunta algo como: “O que a palavra physis denota? Ela denota um emergir auto-florescente (por exemplo, o florescer de uma rosa), uma abertura, um desdobrar, aquilo que se manifesta neste desdobrar e persevera e o sustém; em suma, o âmbito das coisas que emergem e permanecem”. (E aqui já percebemos que o General estava correto ao falar da incompetência de filósofos, cientistas sociais para a literatura: "o florescer de uma rosa?...")Para os gregos, então, o mundo físico é algo que se abre permanecendo em si mesmo; uma potência que emerge e se sustém. Lembram da definição de natureza que nos oferece Aristóteles? Está lá na Física: A natureza tem o seu princípio de produção em si própria - em oposição a um ser técnico, que tem o princípio de sua produção em outrem.

As questões metafísicas são aquelas que não podem ser respondidas por esse ou aquele ser natural, mas pela totalidade dos essentes. É essa totalidade que é pressuposta, de partida. Não prosseguirei adiante com o argumento heideggeriano, falta-me tempo para retomar o resto do livro e o ler com atenção. Mas para o que pretendo discutir aqui, já dá.

A verdade é que tanto o conceito grego de phyisis como o conceito latino de natura pressupõem essa totalidade, essa unidade dos seres cujo sentido procuramos descortinar pela filosofia, pela religião, pela ciência, pela técnica. Aristóteles, por exemplo, acreditava que essa totalidade estava cindida, em um mundo lunar e um mundo sublunar, e que as regras físicas que valiam para o primeiro âmbito, não valiam para o segundo. Newton propôs, em oposição a ele, a unidade de todo universo e a possibilidade de encontrar um denominador comum para todo o cosmos: a matemática. Em A Imagem da Natureza na Física Moderna, Heisenberg escreve a esse respeito o seguinte: "para Newton, o passo decisivo tinha sido constituído pela descoberta de que as leis da mecânica regem a queda de uma pedra são as mesmas que regulam o movimento da lua em torno da terra e podem, por isso, aplicar-se também à escala cósmica". E algumas linhas abaixo, ele prossegue: "Também a palavra "descrição" da natureza foi perdendo cada vez mais o seu significado primitivo de representação destinada a transmitir uma imagem da natureza tanto quanto possível viva e sensível; adquiriu, pelo contrário, cada vez mais o sentido de 'descrição matemática da natureza', isto é, uma compilação de informações sobre as relações e as leis da natureza, tanto quanto possível precisa, concisa e ao mesmo tempo compreensível". A partir daí os cientistas começaram a dizer que mesmo Deus, se quiser produzir algo no mundo físico, teria de se submeter as regras da natureza.

Mais recentemente, outro desconfiado com o conceito de natureza, e que não gosta muito de Heidegger, propôs que pensássemos se o real, e a natureza, teriam mesmo uma necessidade, uma razão oculta uma causa primeira. Em oposição a essa visão, Rosset propõe uma visão trágica do natural, onde o acaso, a contingência, seria tudo o que poderíamos ter. Na Antinatureza Rosset faz um trabalho muito interessante de mapeamento filosófico dessas duas visões básicas da natureza: uma visão cética, que encontraríamos em pensadores como Hume, Montaigne, para quem a natureza é contingência; e uma visão que propõe uma univocidade da natureza, um fundamento ou necessidade, que deveríamos procurar sob a complexidade da empiria - Platão é aqui a referência fundamental. Tenho que voltar a esse texto, mas acredito que para Rosset não haja nada como uma natureza – e não obstante não podemos abandonar simplesmente essa comodidade do pensamento e da linguagem. O que é importante, no entanto, é pensar que a cultura ocidental (permitam-me essa redução) vem há muitos anos negociando, não apenas o que é cultura, mas o que é natureza. E a negociação de um dos termos, o(a) leitor(a), deve intuir, é a negociação do outro. O que tradicionalmente é visto na sociologia como uma antinomia insuperável, apresenta-se sob essa perspectiva como o terreno de uma economia.

Mas aqui já estou entrando num terreno familiar para quem vem acompanhando meus posts neste Cazzo – ou seja, Cynthia e Arthur. Foucault, Agamben, Nikolas Rose, Negri, todos esses estão (esteve) envolvidos com um tipo de pensamento que parte da seguinte constatação: a natureza, o que ela vem sendo, vem se tornando, é um problema fundamental na definição do que a cultura pode ser. Por esse motivo eu tenho me dedicado a estudar as tais tecnologias da vida e as transformações epistemológicas, ontológicas, políticas que passam a ser supostas em algo tão simples como acreditar, por exemplo, que os sistemas vivos são determinados por instruções moleculares escritas num alfabeto cujas letras seriam: T,C,G,A. Para os que não são iniciados, essas são as bases nitrogenadas, cuja combinação determinam o genoma dos seres vivos.

A natureza, acredito, não é âncora para nada: ela é um, talvez O, espaço de negociação onde produzimos a cultura. Isso seria construtivismo? Apenas se acreditarmos que a cultura é algo imaterial. E, no mais, McArthur, sempre podemos testar nossas hipóteses vendo quanta Boêmia weiss podemos tomar numa noite – obviamente, a mesa redonda não há de ser no Bar do Bigode.


Um tempo após a publicação desse post, estudando Judith Butler, onde essa discussão toda começou, leio as seguintes linhas:

"Pois se o gênero é tudo que existe, parece não haver nada "fora" dele, nenhuma âncora epistemológica plantada em um "antes" pré-cultural, podendo servir como ponto de partida epistemológico alternativo para uma avaliação crítica das relações de gênero existentes. Localizar o mecanismo mediante o qual o sexo transforma-se em gênero é pretender estabelecer, em termos não biológicos, não só o caráter de construção do gênero, seus status não natural e não necessário, mas também a universalidade cultural da opressão. Como esse mecanismo é formulado? Pode ele ser encontrado, ou só meramente imaginado? A designação de sua universalidade ostensiva é menos reificadora do que a posição que explica a opressão universal pela biologia?" (Butler, Problemas de Gênero, Civilização Brasileira, p. 67)
(por editar)

Jonatas Ferreira

sábado, 13 de agosto de 2011

Heidegger, Agamben e o Animal (versão completa)



Jonatas Ferreira 
 
Ao passar a fronteira ou os fins do homem, chego ao animal:ao animal em si, ao animal em mim e ao animal em falta de si-mesmo, a esse homem de que Nietzsche dizia, aproximadamente, não sei exatamente onde, ser um animal ainda indeterminado, um animal em falta de si-mesmo. (Derrida, 2002, p. 15.)
A metafísica é uma interrogação na qual nos inserimos de modo questionador na totalidade e perguntamos de uma tal maneira que, na questão, nós mesmos, os questionadores, somos colocados como questão. (Heidegger, 2006, p. 11.)


 Introdução

Há um conjunto de fenômenos contemporâneos que as ciências humanas costumam designar de “dessimbolizadores”. Já ouvi algumas coisas a esse respeito: que a única democracia que hoje podemos almejar é a do consumo (Lipovetsky), que as várias formas de investimento corporal com as quais nos deparamos seriam algo como a emergência do Real lacaniano (Dany-Robert Dufour), que assistimos ao fim das utopias, ao fim da crítica (Baudrillard e Virilio), à emergência do biopoder como quintessência do político (Agamben, Negri), à transformação do labor na essência de todas as relações sociais (Arendt), à conversão da “vida nua” em campo prioritário de investimentos culturais, políticos, existenciais (Agamben). Minhas alunas de pós-graduação, que fazem dissertações e teses no campo da sociologia do corpo, não parecem mais otimistas: falam do fim da terapia, da medicalização da vida, da sertralinização dos humores, do “império do efêmero”, da ditadura da juventude. Meus colegas lacanianos falam na morte do pai. Aumentou a criminalidade? Isso não é de espantar uma vez que o pai morreu. Há uma cultura do pânico se instalando? Segue o cortejo fúnebre do pai. Em todo caso ainda caberia perguntar se poderíamos entender esse conjunto de conclusões distópicas não como parte de um “diagnóstico” sofisticado de nossa situação, mas como parte de “sintomas” mais profundos que devem ser objeto de reflexão.

Já na década de 1930, Martin Heidegger (2006) advertia acerca do perigo de um certo sociologismo, que ele chamava de “filosofia da cultura”, um tipo de pensar distanciado em que quadros culturais e históricos amplos são traçados sem que o intelectual se veja implicado neste ou naquele enquadramento cultural. Uma forma de reflexão, portanto, metafísica, em que um olhar transcendente cataloga as pequenas e grandes misérias da história da humanidade – e, eventualmente, lacrimeja. Embora não tenha nada a dizer diretamente a propósito do conjunto de questões que absorvem minhas alunas ou amigos lacanianos, e no que pese sua crítica àqueles que chegam facilmente a uma Weltanschauung das sociedades contemporâneas, Heidegger parece alimentar essa visão pessimista. De fato, não há como evitar esse tipo de conclusão sombria, uma vez constatado o niilismo como essência de nossa cultura tecnológica e, portanto, fundamento do imperativo da aceleração e da disponibilização total dos entes. Também não obtemos outro tipo de conclusão quando consideramos a afirmação heideggeriana de que a própria linguagem teria sido apropriada pelas demandas de desempenho das tecnologias de informação e comunicação. Tudo isso é compatível com diagnósticos tais como dessimbolização, morte do pai, investimento no concreto do corpo, perda de valores supremos. Se mesmo a linguagem, âmbito em que o pensar se realiza, encontra-se mobilizada pela técnica, por seu afã inovador, acelerador, em que espaço a crítica seria possível? Essa linha de argumentação é bem conhecidapelos estudiosos de Heidegger e diz respeito, sobretudo, às suas contribuições da década de 1960, entre as quais podemos mencionar Língua de tradição elíngua técnica e A caminho da linguagem. Cito aqui o próprio Heidegger:
Ora é precisamente esta concepção corrente da língua que se vê não somente avivada pelo fato da dominação da técnica moderna, mas reforçada e levada exclusivamente ao extremo. Ela reduz-se à proposição: a língua é informação. [...] em que medida o que é próprio da técnica acaba por se impor à língua levando à sua transformação em pura informação, de tal maneira que provoca o homem, quer dizer, obriga-o a assegurar a energia natural e a colocá-la à sua disposição? (Heidegger, 1999, p. 33)
E em outra passagem:

O “grande perigo” é que “a maré da revolução tecnológica que se aproxima na era atômica pode cativar, enfeitiçar, ofuscar e iludir o homem de tal modo que o pensar calculador pode algum dia ser aceito e praticado como único modo de pensar” (Heidegger apud Dreyfus, 1993, p. 305).

O desafio que o pensamento heideggeriano apresenta é, portanto, poder discorrer acerca de “nossa situação” histórica sem pensar o ser humano como coisa dada, como pergunta respondida por suas determinações culturais: “e isto porque estes diagnósticos e prognósticos somente nos fornecem um papel e nos desconectam de nós mesmos, em vez de nos auxiliar no intuito de nos encontrarmos” (Heidegger, 2006, p. 93). Como é possível pensar a humanidade do ser humano, os constrangimentos que resultam da condição histórica na qual esse ser se realiza e se perde, mantendo-nos ao mesmo tempo abertos à ideia fundamental de que o ser humano é aquele cuja essência é um estar sempre a caminho? Se essa definição é verdadeira, ser-nos-ia logicamente inconcebível totalizar o ser humano, obter dele uma mirada transcendente que o objetivasse e disponibilizasse de algum modo. “Filosofia é o contrário de todo aquietamento e asseguramento” (Idem, p. 24). Por isso, a resposta que Heidegger oferece à questão acima é: faz-se necessário refletir sobre essa desconexão que o sociologismo e a filosofia da cultura promovem entre o ser do ser humano e seu mundo, sobre essa distância que nos arrasta para um “tédio profundo”, sob cuja influência o mundo e a tarefa intelectual parecem submergir em niilismo. Em O aberto, Giorgio Agamben (2004) parece se concentrar nas questões que daí decorrem. Comentando as 180 páginas que, em Os conceitos fundamentais da metafísica, Heidegger dedica a pensar o que ele próprio denomina “chatice profunda”, ou “tédio profundo”, Agamben pretende se concentrar em um ponto específico daquela análise, a saber, a relação entre o humano e o animal – caso possamos aceitar que do ponto de vista de tal abordagem alguma relação aqui se pode estabelecer, ou que ainda a eventual impossibilidade desse vínculo nos diga respeito. No conhecido Carta sobre o humanismo essa relação já é problematizada do seguinte modo: porque a pergunta fundamental que o humanismo produz é sempre “o que é o ser humano?”, entendendo e dispondo o ser humano, portanto, em meio à totalidade dos entes, o humanismo no fundo reduz o humano à condição de animal, à condição de um “que” – ainda que lhe confira algum tipo de qualidade específica: a inteligência, a fala, o luto etc. O animal é o horizonte a partir do qual o humanismo tende sempre a pensar o ser humano – e é ao mesmo tempo o seu impensado. Aqui é necessário dizer que a redução do humanitas ao animalitas é apenas uma forma diferente de expressar a desconexão, distância sobre a qual falávamos e que torna o mundo impenetrável, tedioso. Ou seja, tal gesto filosófico torna o niilismo inevitável precisamente ao cancelar, ao não encarar de modo que seja radical o suficiente, a questão da essência do humano.

[Esse texto foi publicado na revista Tempo Social. Para o ler na íntegra, clique aqui]



segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A discussão da Ideia de democracia digital a partir da obra de Heidegger



Jonatas Ferreira

Introdução

Em Março de 2009, o Comité Gestor da Internet no Brasil publicou os primeiros resultados da Pesquisa sobre o Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil realizada no ano de 2008. Esses primeiros resultados indicam que continuamos a avançar na difusão de tecnologias de informação e comunicação (TICs), embora os problemas apresentados nas avaliações anuais anteriores ainda não tenham sido suficientemente equacionados: i) “O custo elevado continua a ser a principal barreira para a posse do computador e da conexão à internet nos domicílios”; ii) “a falta de disponibilidade de internet passa também a figurar como um dos principais desafios para a inclusão digital em todo o país”; iii) a “posse do computador nos domicílios cresceu mais rapidamente do que a posse da conexão à internet. A diferença entre domicílios com computador e domicílios com conexão à internet era de 4 p.p. em 2005 e passou para 8 p.p. em 2008”; iv) o acesso à telefonia móvel apresenta uma penetração consideravelmente superior à da telefonia fixa em todo o país; v) a “falta de habilidade foi, mais uma vez, apontada como a principal barreira para o uso da internet”; vi) As lan houses ainda são a única possibilidade de acesso à internet para uma parte considerável da população (pobre) brasileira, o que significa pagar mais pelo acesso à internet quem menos pode pagar . Além de tudo isto, a velocidade de tranmissão continua lenta, o que restringe fortemente o acesso a conteúdos que exijam uma maior largura de banda.

Este quadro ajuda-nos sem dúvida a traçar os contornos mais gerais daquilo a que se convencionou chamar exclusão digital, e dos resultados das políticas de inclusão tentadas até o momento no Brasil. Evidentemente, este panorama requer uma análise ampla das políticas governamentais neste campo, do modo como os estados vêm assumindo os compromissos da Federação no que toca ao ingresso de largas parcelas da população na Sociedade da Informação, do modo como entidades da sociedade civil, organizações não-governamentais se têm dedicado a atenuar as desigualdades no acesso às TICs. No que se refere à necessidade de analisar os obstáculos que se colocam à inclusão digital, em particular nas regiões de maior pobreza, e entre as parcelas mais pobres da população, acredito que pensar a desigualdade a partir da perspectiva da inclusão/exclusão digital é insuficiente (Warschauer, 2003). A desigualdade nesse, como em outros casos, não deve ser tratada apenas do ponto de vista da restrição ao acesso, mas da possibilidade de apropriação criativa que essas tecnologias demandam (Maciel e Albagli, 2007). Apropriação é uma chave importante para que possamos refletir criticamente acerca do significado daquilo que se convencionou chamar inclusão digital, ou, mais propriamente, para que possamos tratar a questão política implicada na democratização da tecnologia. Dessa perspectiva, o que e garantiria exactamente a democratização das tecnologias de informação e comunicação na sociedade brasileira? A resposta parece óbvia, mas não é.

(O artigo completo foi publicado na revista Análise Social. É só clicar para baixar o arquivo PDF)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Heidegger, Agamben e o Animal (Introdução ao artigo)



Jonatas Ferreira
Ao passar a fronteira ou os fins do homem, chego ao animal: ao animal em si, ao animal em mim e ao animal em falta de si-mesmo, a esse homem de que Nietzsche dizia, aproximadamente, não sei exatamente onde, ser um animal ainda indeterminado, um animal em falta de si-mesmo (Derrida, 2002, p. 15)

A metafísica é uma interrogação na qual nos inserimos de modo questionador na totalidade e perguntamos de uma tal maneira que, na questão, nós mesmos, os questionadores, somos colocados como questão (Heidegger, 2006, p. 11)

Introdução
Há um conjunto de fenômenos contemporâneos ao qual comumente se atribui a qualificação de “dessimbolizadores”. Já escutei algumas coisas a esse respeito: que a única democracia que hoje podemos ter é a do consumo, que as várias formas de investimento corporal com as quais nos deparamos seriam algo como a emergência do Real lacaniano, que hoje é impossível o exercício crítico, que assistimos ao fim das utopias, ao fim do real, à hiperrealização da vida, à emergência do biopoder como possibilidade única do político, à transformação do labor na essência de todas as relações sociais, à conversão da “vida nua” em investimento cultural, político, existencial. Minhas estudantes, aquelas que fazem dissertações no campo da sociologia do corpo, não parecem mais otimistas: falam do fim da terapia, da medicalização da vida, da sertralinização dos humores, do “império do efêmero”, da ditadura da juventude. Meus colegas lacanianos falam na morte do pai. Aumentou a criminalidade? Isso não é de espantar uma vez que o pai morreu. Há uma cultura do pânico se instalando? O pai morreu.

Já na década de 1930, Martin Heidegger (2006) advertia contra o perigo de um certo sociologismo, daquilo que ele também chamava de filosofia da cultura, um tipo de pensar distanciado em que quadros culturais, históricos amplos são traçados sem que o intelectual se veja implicado neste pensar. Uma forma de reflexão, portanto, metafísica, em que um olhar transcendente observa as pequenas e grandes misérias da humanidade. Embora não tenha nada a dizer diretamente acerca do conjunto de questões que absorvem minhas orientandas, Heidegger parece por outro lado alimentar essa visão pessimista da sociedade contemporânea. De fato, a partir da constatação de que o niilismo é a essência da cultura tecnológica, de seu imperativo da aceleração, da disponibilização total do mundo natural que essa cultura promove, a partir da suposição de que a própria linguagem tem sido apropriada pelas demandas de desempenho das tecnologias de informação e comunicação, não há como não chegar àquele tipo de conclusão sombria, distópica. Tudo isso é compatível com a idéia de dessimbolização, da morte do pai, investimento no concreto do corpo, perda de valores supremos. Se a linguagem é o âmbito onde o pensar se realiza e se essa linguagem se encontra mobilizada pela técnica, por seu afã inovador, acelerador, em que espaço a crítica seria possível? Essa linha de argumentação é bem conhecida pelos estudiosos de Heidegger e diz respeito, sobretudo, às suas contribuições da década de 1960, tais como, “Linguagem de tradição e linguagem técnica”, “A caminho da linguagem”, por exemplo. Cito aqui o próprio Heidegger: