
Para os nominalistas (em sua forma mais extrema), a única realidade são os particulares físicos e os universais não existem, a não ser como nomes. Esta visão foi particularmente influente no século XI como forma de se controlar o poder excessivo da Igreja por meio da negação de alguns de seus dogmas, particularmente o princípio da transubstanciação da eucaristia (ou a idéia de que o pão e o vinho são transformados no corpo e no sangue de Cristo quando o sacerdote faz as vezes de Cristo ao afirmar “esse é o meu corpo” etc). O que os nominalistas sustentavam é que o pão e o vinho permaneciam como pão e vinho e que o sacerdote não tinha o poder de transformar a substância pão na substância corpo de Cristo. Este tipo de realismo a que os nominalistas do século XI se opunham é conhecido como realismo predicativo, que defende a existência de universais de forma independente das coisas materiais particulares (Platonismo) ou como propriedades dessas coisas (Aristotelismo). Existem diversos outros tipos de realismo, mas, de forma geral, pode-se considerar que todas as formas de realismo defendem a existência de algum tipo de entidade (cuja existência esteja sob disputa, como buracos negros, quarks, mulheres, a sociedade etc) não diretamente acessível à percepção dado que não se refere a particulares físicos (Lawson, 1999). Neste sentido, já na Idade Média, o apelo a uma metafísica realista, notadamente através de S. Tomás de Aquino, mostrava uma afinidade entre a visão de mundo da ciência e da Igreja, já que concebia a realidade como ampla o bastante para considerar como reais coisas que não podem ser diretamente experimentadas (como “espíritos”, leis causais e, numa perspectiva um pouco mais contemporânea, a sociedade), isto é, os universais e as coisas que transcendem os objetos físicos particulares.
O pragmatismo de Pierce é uma conseqüência direta de seu realismo e seu problema mais fundamental era o de como conhecer o significado dos universais (os signos, os símbolos etc). Já antes de Pierce, a filosofia escolástica havia estabelecido que se conhece o significado de um universal através da separação (análise) e identificação mental das características relevantes (essenciais, na escolástica) para a caracterização de um objeto enquanto pertencente a um determinado tipo ou classe de objetos. Todos os universais teriam qualidades que podem ser extrapoladas de um objeto concreto a outro, enquanto que os particulares não teriam essas qualidades, mas apenas um nome em comum. De forma geral, os nominalistas do século XI aceitaram a definição de universais dos realistas, mas negavam que quaisquer tipos gerais fossem reais: apenas os particulares seriam reais. Isto era possível, os nominalistas argumentavam, porque as qualidades sensíveis dos objetos externos são todas relativas à mente humana (no sentido em que a forma pela qual esses objetos aparecem na mente é, em parte, devido à estrutura dos nossos órgãos dos sentidos e à nossa faculdade cognitiva). Sendo assim, realistas e nominalistas concordavam que as entidades teóricas são conceitos ou concepções que dependem da atividade cognitiva dos filósofos (e dos cientistas), mas extraíram conseqüências distintas deste fato. Para os nominalistas, os conceitos teóricos são produto da mente dos cientistas e só existem como fenômenos psicológicos (não encontram equivalente na realidade). Para os realistas, embora um conceito como o de “gravidade” seja fruto da mente humana, a gravidade (suas leis, propriedades etc), existem, quer as conceitualizemos ou não.
O realismo de Mead aparece claramente em sua teoria do símbolo (comum a Pierce e, em certa medida, a Dewey), segundo a qual todo significado é genérico ou universal dado que se refere a algo em comum entre quem fala, quem ouve e à coisa à qual o discurso se refere. Neste sentido, o significado (dos símbolos) preexiste aos indivíduos particulares e não depende (exclusivamente) da experiência individual.É esta visão dos símbolos como universais que caracteriza Mead como um realista, uma visão que ele estende ao conceito de sociedade (já que a sociedade é o uso compartilhado de símbolos significantes). Mas a crença de Mead na existência dos universais na realidade (e não apenas na mente dos indivíduos particulares) deve ser caracterizada como uma crença que se conhece como “universais limitados”, i.e., referentes a uma dada perspectiva ou comunidade. Por universal Mead entende, portanto, que o símbolo de linguagem (enquanto estímulo para a ação) pode ser endereçado a qualquer um dos membros do grupo social e gerar uma resposta que seja adequada à execução da ação social. A questão, então, é que se os gestos ou as ações de uma pessoa evocam gestos ou ações semelhantes por parte de outros, então o significado desses gestos e ações não é uma questão privada, mas uma realidade objetiva que não diz respeito aos conteúdos mentais individuais.
Mas esta posição realista nem sempre é mantida por Mead. Frequentemente ele escorrega para um nominalismo social (individualismo ou, talvez de forma mais adequada: situacionalismo) quando afirma, por exemplo, que a linguagem, ou o uso de símbolos significantes,
não simplesmente simboliza uma situação ou objeto que já está lá de saída; ela torna possível a existência ou a aparência daquela situação ou objeto, dado que ela é parte do mecanismo por meio do qual a situação ou objeto foi criada. [...] Os objetos dependem ou são constituídos por esses significados. (Mead apud Alexander, 1987: 206).
É aí, portanto, que ele abre a possibilidade de a sociedade existir apenas como os significados que estão presentes (ainda que de forma compartilhada) nas mentes daqueles que participam de uma dada interação, e não como algo sui generis e que é pelo menos relativamente independente desses significados ou concepções.
Referências
Alexander, Jeffrey (1987). Twenty Lectures: Sociological Theory Since World War II. Nova York: Columbia University Press.
Lawson, Tony (1999). “Feminism, Realism and Universalism”. Feminist Economics, 5, 2: 25-59.
Lewis, David; Smith, Richard (1980). American sociology and pragmatism: Mead, chicago sociology, and symbolic interaction. Chicago: University of Chicago Press, 1980).
Shalin, Dmitri (1991) The Pragmatic Origins of Symbolic Interactionism and the Crisis of Classical Science. Studies in Symbolic Interaction, vol 12, pp 223-51.
Cynthia