terça-feira, 22 de abril de 2008

Feminismo e outras aberrações



Para Christine Dabat

Impressionante o poder dos estereótipos. Goffman já havia alertado para este fenômeno ao sugerir que, quando os sinais de status não são suficientemente claros para que possamos definir uma situação, frequentemente fazemos uso de visões extremamente rígidas e preconceituosas acerca do comportamento alheio – os estereótipos. Assim, sinais que supostamente possibilitariam o fluxo das interações sociais transformam-se em verdadeiros empecilhos à comunicação. No médio prazo, entretanto, isso não é necessariamente ruim. Como defendem os pragmatistas, a dúvida e a reflexão só ocorrem realmente quando o fluxo das nossas ações é interrompido e somos forçados a redefinir o nosso conhecimento ou visão de mundo. Isso já aconteceu comigo diversas vezes, mas creio que uma das mais significativas foi a que me levou a pensar acerca de mim própria como feminista.

Havia recém-chegado do Canadá, onde tinha passado um ano. Certo dia, antes do início de uma reunião da Comissão Pró-Biblioteca do CFCH, uma colega do curso de história, Christine Dabat, entregou-me um button de plástico azul, com um alfinete atrás, escrito com letras pretas: “tapinha dói e é crime”. Como tinha passado o ano anterior fora do país, não tinha idéia do que aquilo poderia significar. Christine me explicou que era parte de uma campanha contra a violência contra a mulher e que as palavras faziam referência a uma música muito popular no ano anterior. Peguei o button e disse “ah, legal. Mas não vou usar, senão podem pensar que sou feminista”. A resposta caiu como uma bomba, mas lenta, muuuito lentamente: “e daí?”. O tom era de dúvida genuína, o que serviu para plantá-la em mim. Não na hora, claro. Na hora, devo ter pensado algo como “olha, eu simpatizo com a sua causa e sou contra a violência contra a mulher, mas não me identifico com essas figuras pouco femininas que queimam sutiãs em praças públicas, gostam de colecionar pêlos no corpo e cultivam um apreço especial pela vitimologia, apesar de se julgarem superiores ao resto da humanidade”.

Visão mais estereotípica, impossível. E olha que eu já era professora universitária há alguns anos e, o que é pior, de sociologia! Tinha diversas amigas e amigos feministas, mas nunca havia pensado que, assim como Christine, não se encaixavam no meu estereótipo. Não é sem um grande constrangimento que hoje reconheço ter sido necessário uma mulher bonita, perfeitamente enquadrada nos padrões convencionais de “feminilidade” e, ainda por cima, uma grande intelectual, para que eu pudesse rever minha posição. O duro é reconhecer as implicações disso: se tivesse sido uma mulher feia, destoante do padrão feminino convencional e da noção acadêmica de intelectualidade, provavelmente eu estaria na mesma. Gostaria de poder dizer que a pergunta de Christine teve um efeito imediato em relação à tomada de consciência dos meus preconceitos, mas, infelizmente, esse não foi o caso. Afinal de contas, vim de uma família em que as mulheres nunca deixaram de exercer sua liberdade, eram todas profissionais competentes e, aparentemente, nunca foram discriminadas por serem mulheres. Até mesmo a resposta dos meus pais à minha pergunta - por que, dado que os dois haviam se formado quase no mesmo ano e exerciam a mesma profissão, minha mãe ganhava quase três vezes menos que meu pai? - parecia absolutamente lógica: porque ela nunca quis assumir os cargos de chefia que ele assumiu ao longo de sua carreira e que lhe garantiram enormes vantagens salariais. Nunca me ocorreu, na época, perguntar sobre as escolhas dela. Também nunca me ocorreu perguntar ao meu pai por que ele se sentia na obrigação de dar plantões de 24h, duas vezes por semana, durante toda a minha infância e adolescência. Era tudo muito natural: minha mãe era mãe, afinal de contas, e sempre que um de nós adoecia ou tinha problemas na escola, era ela que dividia a atenção entre os seus pacientes no hospital e os filhos, ou reduzia suas consultas no consultório para nos acompanhar. E isso significava que o meu pai tinha que assumir uma jornada de trabalho cada vez mais longa – e passar cada vez menos tempo com os filhos. Isso foi feito de comum acordo e, ao que tudo indica, são felizes em relação às escolhas que fizeram. Claro que isso não explica a culpa ocasional que a minha mãe expressa sempre que diz algo como “eu fui uma mãe muito irresponsável: deveria ter passado mais tempo com vocês”. Ou o fato de que nós, os filhos, talvez tivéssemos gostado de conviver mais com o nosso pai.

Mas o verdadeiro problema não é esse, já que, qualquer que seja o acordo, ninguém vai estar cem por cento seguro de que fez a escolha certa. O problema é quando esse tipo de acordo é compulsório, quando reflete um padrão muito mais geral do que seria de se supor, caso se baseasse simplesmente em escolhas individuais. Como afirmou Helena Hirata, numa conferência que deu em Recife no ano passado, grande parte das mulheres, individualmente, não são oprimidas ou discriminadas. Eu mesma me enquadro entre essas, pelo menos na imensa maioria do tempo: nunca sofri violência sexual, não ganho menos do que os meus colegas no mesmo nível que eu, meus amigos são homens sensíveis e super gente-fina e, minhas amigas, independentes e emancipadas. No nível coletivo, no entanto, a história é outra.

Embora os homens estejam mais sujeitos a crimes como o homicídio, por ex., a tendência é que sofram violência no espaço da rua e por pessoas desconhecidas. As mulheres, por seu turno, tendem a sofrer violência, inclusive o assassinato e o estupro, no espaço doméstico e por pessoas conhecidas. O assédio sexual também é mais freqüente entre mulheres do que entre homens. As desigualdades salariais entre homens e mulheres são bem documentadas e, quanto maior o nível de escolaridade, maior a desigualdade de renda. A dupla jornada de trabalho ainda é a realidade da grande maioria das mulheres. A lista de desigualdades poderia continuar e continuar. Mas claro que qualquer estudante de ciências sociais já sabe dessas coisas. Ou deveria saber. Eu sabia, quando Christine jogou aquela pergunta-bomba no meu colo. A questão não era a simples ignorância e nem mesmo a falta de empatia com o movimento feminista. O problema era me identificar com o que eu achava que era o feminismo. Era uma questão de auto-identidade.

Como a maioria das pessoas, eu era contra as desigualdades: de classe, de gênero, de raça. E como a maioria das pessoas, eu achava que o feminismo era, ele próprio, uma forma de desigualdade, já que supostamente pregava a superioridade feminina e a vitimologia. E isso, a simples presença de Christine não foi suficiente para desfazer. A ficha só caiu de verdade quando me dei conta de que feminismo não é o oposto de machismo. Enquanto que o machismo é uma ideologia de justificação da dominação masculina, o feminismo busca a igualdade de direitos, inclusive do direito de ser diferente. Enquanto que o machismo está a serviço da manutenção dos privilégios masculinos, o feminismo busca uma vida menos opressiva para homens e mulheres. Em suma, reconhece que as relações de gênero não são um jogo de soma-zero, mas algo em que todo mundo pode sair ganhando.

Talvez já esteja mais do que na hora de mais gente mergulhar fundo nos seus preconceitos e estereótipos. Nem sempre é fácil, mas vale a pena.

Cynthia Hamlin

13 comentários:

asadebaratatorta disse...

Acho que entendi. =)
Valeu mesmo, Cynthia. ^^

Anônimo disse...

Eu ainda preferia a piada, mas, como não funcionou, apelei para o discurso sério antes de tentar a bruxaria...

Só espero que você não tenha entrado numa crise de identidade muito grande por descobrir que, ao defender a igualdade de gênero, está defendendo idéias feministas. Em todo caso, isso passa.

Abraço

asadebaratatorta disse...

Sem crises de identidade. ^^
Como eu tinha dito na ultima frase do post lá, eu tava tentando defender uma idéia de feminismo diferente do senso comum. Inclusive, por detrás da irnonia de "innuendo", se esconde um otimismo supertímido.
By the way, veja o vídeo, ou a letra da música. Vale muito a pena. ^^

abraço

Anônimo disse...

Acho que você quase confundiu feminismo com FEMISMO...esse sim é o oposto do machismo. Mas ainda bem que as coisas ficaram claras,não é errado defender um mundo menos desigual.

Abraço

Anônimo disse...

Raphael,

Deu para perceber no seu texto que o problema era com uma concepção estreita do que seria feminismo. Mas a sua referência ao innuendo agora me confundiu: era uma referência oblíqua a que? Você me pareceu absolutamente claro e sem necessidade de innuendos...

Tay,

para você ver o poder dos estereótipos... é preciso que algo aconteça para que tenhamos consciência de que estão lá e que fazemos uso deles.

Abraços

Anônimo disse...

Faço algumas perguntas, pois tenho algumas dúvidas (desculpe a confusão lógica de minhas perguntas, mas a dúvida gera tal coisa, sorry): posso compreender que defender a igualdade de gênero seja defender idéias feministas (muito lógico, aliás), mas defender idéias feministas faz de você uma ou um feminista?

Ou as idéias feministas (logo, a defesa da igualdade de gênero) são um momento (necessário, sem dúvida) da luta pela igualdade em geral? Você não acha que, muitas vezes, as e os feministas esquecem essa conexão entre a defesa da igualdade de gênero e a da igualdade lato sensu?

Outra coisa: vc não acha que o feminismo é menos a expressão de idéias feministas do que a expressão política e organizativa de mulheres que lutam pela igualdade de gênero? E que tal luta e tal organização criam "interesses" que, muitas vezes, deslocam as lutas pela igualdade de gênero para outros focos, tipo luta por recursos, luta por reconhecimento, luta por poder, etc e tal?

Em suma, é possível ser feminista e não aderir a alguma forma de feminismo?

Dúvidas, dúvidas, dúvidas...

Bjs

Anônimo disse...

Artur,

Defender idéias feministas faz de você um feminista? Depende de sua definição de feminista. Para mim, faz. Para algumas feministas de segunda onda, por outro lado, seria impossível, por ex., um homem feminista por causa dos interesses divergentes de homens e mulheres. Em princípio, eu não acho que esses interesses sejam necessariamente divergentes: tudo depende de relações particulares ou, como vc mesmo disse em algum lugar por aqui, são questões empíricas.

Acho que parte do problema está em como se define idéias como igualdade, justiça etc. Neste texto, falei em termos bastante gerais e abstratos, embora reconheça que o geral só se manifeste no particular.

Quanto à identificação entre feminismo, neste sentido geral e abstrato, e feminismo como um movimento social, não acredito que exista uma relação necessária. Eu mesma não participo do movimento social e, ainda assim, me considero feminista. Isso é uma contradição? Não creio: existem diversas formas de participação política. A linguagem inclusiva que você tem adotado no seu blog nos últimos tempos é uma delas.

Hum... para quem anda lendo Honneth, a dissociação que você estabelece entre igualdade e de gênero e a luta por reconhecimento me soa um tanto estranha. Onde foram parar suas raízes hegelianas e habermasianas?

"É possível ser feminista e não aderir a alguma forma de feminismo"? Acho que não, né? A menos que você esteja falando de alguma forma de feminismo específica. Os feminismos são múltiplos e, às vezes, incompatíveis entre si. Mas pelo menos uma definição minimalista é necessária.

Beijo

Anônimo disse...

Acho que entrei numa contradição performativa (hehe)...

Bem, como velho bolchevique, ainda tenho reticência às lutas por reconhecimento. É quase instintivo: deduzir do universal (emancipação humana, digamos assim -- o espírito encarnando-se na história, sei lá) lutas particulares, e não o que julgo, malgré moi e meus condicionamentos, mais interessante: induzir de lutas particulares universalizações "procedimentais" e progressivas.

Minhas dúvidas, enfim: como considerar a alteridade do outro numa situação de igualdade? Certo, concordo com o mote: reconhecer o outro como igual, bem como a diferença dessa igualdade, isto é, perceber a alteridade na igualdade -- reconhecer a si mesmo no outro e patrocinar o reconhecimento das diferenças.

Mas existe um modo de reconhecimento da diferença que não entre em contradição com a afirmação igualitária da identidade?

É que tô lendo Charles Taylor e o comunitarismo, e tenho medo da "guerra dos deuses" de Weber.

Viu?! Entrei novamente numa contradição. Falei de meus instintos bolcheviques e dei uma de liberal! Ai, ai, que cazzo! Bjs.

Anônimo disse...

Acho que essa relação entre universalismo e particularismo é o problema mais interessante colocado pelo feminismo contemporâneo. Aliás, é isso que está pagando meu salário no momento. Meu projeto de pesquisa atual chama-se universalismo, particularismo e feminismo. Ou algo parecido. Estive, até o momento, tentando evitar essa discussão sobre identidade, mas tá cada vez mais difícil...

Respondo suas perguntas com outras: a igualdade de direitos não pressupõe justamente a alteridade? Alteridade não pressupõe diferenças? A contradição é entre igualdade e diferença ou entre igualdade e desigualdade?

Anônimo disse...

Não responderei, mas ofereço algumas anotações, todas passando pela problemática da identidade (retiro de cabeça tais discussões de um livro de Alain Renaut: ALTER EGO - Les paradoxes de l'identite democratique). Ficou longuíssimo, mas blog acadêmico é isso mesmo:)

- paradoxo da identidade: o eu x o nós. O geral e o singular. Sou singular, mas vivo num determinado meio, tenho uma série de vinculações com a cultura a qual estou inserido;

- penso na existência de dois tipos de humanismo, que possuem afinidades com dois tipos de individualismo, consequentemente,com duas formas de identidade. Humanismo moderno x humanismo contemporâneo.

- o humanismo moderno é essencialista e naturalista (direito natural). A identidade seria essencialista e indiferenciada ("identidade identitária") -- portanto, humanismo moderno = universalismo abstrato ou tirania do universal.

- quem não se encaixa na identidade, bye-bye. Vide o colonialismo e seu processo identitário baseado na assimilação. O colonialismo é um universalismo baseado numa atitude assimilacionista. Por exemplo, vamos assimilar os índios à identidade essencialista e indiferenciada que, por coincidência, é a do homem ocidental. Educá-los e civilizá-los.

- A dominação moderna (revolução igualitária) caracterizar-se-ia por uma vasta operação de redução das diferenças, formando uma identidade coletiva "plena". As democracias liberais, assim, possuem em sua virtualidade o perigo dos totalitarismos.

- a crítica do romantismo alemão é toda voltada ao desmascaramento do humanismo abstrato ou essencialista. Mas, ao criticar o humanismo, o romantismo alemão criticou também suas conquistas ou suas conseqüências: direitos humanos, democracia, individualismo.

- o romantismo propõe outra lógica identitária: revalorização da tradição e do pertencimento cultural. Identidade distintiva, ligado ao grupo. A cultura determinando a identidade. Crítica ao ego desengajado, descontextualizado, transparente do iluminismo. O humano seria definido pelo seu pertencimento a uma comunidade.

- como integrar essas duas lógicas identitárias? O humanismo não pode deixar de perceber a importância do pertencimento cultural, da inscrição da identidade na cultura, na história e na comunidade. É preciso que na lógica identitária acople-se a lógica do reconhecimento. Forma-se a base da identidade democrática.

- Como a identidade democrática percebe o outro na sua alteridade? Liberação da humanidade inscrita em todo ser humano. Cada indivíduo é irredutível a toda determinação. Isso é a base da autonomia. O humanismo aqui já não é essencialista; ao contrário, o humanismo é definido tomando como base a autonomia, como a capacidade humana de se auto-determinar, isto é, de se afastar de toda essência ou de toda natureza.

- Através dessa condição (a condição da autonomia) a alteridade do outro é apreendida a partir da percepção de sua pessoa, isto é, através da convicção segundo a qual o outro afirma-se como pessoa da mesma forma que nós. Como nós, o outro não pode ser reduzido a nada, sob o preço de se separar de nós. Assim, se a autonomia é definida pela sua irredutibilidade a alguma determinação, o universalismo deixa de ser essencialista e torna-se vazio. A identidade não pode ser recheada de conteúdo natural ou social. Seria a partir da indeterminação total que o outro pode ser julgado igual a nós. Nesse sentido e seguindo a lógica, a alteridade do outro, baseada na sua autonomia e na sua indeterminação, pode ser reconhecida enquanto tal, isto é, enquanto diferença. Se o outro não é definido por nada, ele não pode ser identificado a nada e por nada que nos seja comum, no sentido de uma natureza. Justamente porque a identidade democrática é um universal vazio, a percepção do outro equivale a reconhecê-lo diferente.

- situação curiosa: o reconhecimento da diferença passa ser a condição desta universalidade, baseada na autonomia, pela qual somos idênticos. Consideração da alteridade do outro numa situação de igualdade.

- A identidade democrática rompe com o seguine problema:
a identidade, via a negação das diferenças, seria constituinte ou conseqüência, talvez não desejada, do humanismo essencialista. A identidade democrática afirma que a lógica da igualdade impõe a incorporação da diferença como sustentação da própria identidade. Inclusive, a luta dos diferentes é pelo reconhecimento de que merecem ser tratados como todo mundo, isto é, de forma igual. A luta pela igualdade incorpora a diferença.

- Identidade na democracia implica em reconhecer o outro como igual, bem como a diferença dessa igualdade.

- fase contemporânea da identidade: restituir à igualdade a sua diferença. O igualitarismo contemporâneo radicaliza o processo igualitário incorporando a diferença. A dinâmica da igualdade reforça esse processo.

Meus neurônios desmilinguiram-se! Não sei mais continuar: perdi-me completamente. Bjs.

Anônimo disse...

Artur,

Pedi autorização a Betânia Ávila para publicar aqui umas notas que ela me enviou para um artigo que estamos escrevendo juntas. Elas dizem respeito justamente à questão das identidades no feminismo. Se ela me autorizar, mais tarde posto por aqui. Caso ela ache que o texto precisa de mais reformulações antes de se tornar público, tento continuar por outras vias.

Bj

Anônimo disse...

As feministas que conheço são quase todas femininas, ms quase todas entram no discurso de vítima na hora de disputar cargos, poder, notoriedade. Não vejo como defender igualdade partindo do princípio de que precisamos de um empurrãozinho para chegar em algum lugar na sociedade machista.

E o femismo é muito usado como ferramenta feminista, isso é especialmente visível na mídia com aqueles discursos de como uma mulher é mais equilibrada e capaz de dirigir uma empresa. Ave, um horror!

Anônimo disse...

Lena,

Desculpe a demora na resposta. Só agora vi seu comentário. Certamente que o feminismo é usado como ferramenta feminista, afinal de contas, trata-se de uma posição política. Mesmo quando teórico, tem implicações políticas, já que é um tipo de teoria crítica.

Mas como eu disse em algum lugar por aqui, os feminismos são múltiplos. Essa visão a que você se refere me parece próxima ao que se conhece como feminismo ecológico, que parte da visão essencialista segundo a qual as mulheres são naturalmente mais éticas, por ex., do que os homens. Também acho isso um horror e contraditório com a visão minimalista de igualdade que defendi aqui.

Quanto à noção de que a maioria de nós é "feminina", mas que precisamos de um "empurrãozinho", não sei se colocaria as coisas nesses termos. Hoje, tendo a pensar mais em termos de "quem quer seriamente se adequar às visões estereotípicas e hegemônicas do que é feminino"? Eu, não.

Quanto ao empurrãozinho, não creio que isso deva ser pensado em termos individuais. Eu nunca precisei de um empurrãozinho, mas isso ocorreu porque, de outras perspectivas, como raça e classe, eu não estou numa posição disprivilegiada. Mais uma vez, como sociólogos, temos que pensar em termos coletivos. Dê uma olhadinha na participação das mulheres no parlamento brasileiro, ou nos cargos de chefia mais importantes. Deve ter algo aí, no nível estrutural, que impede que as mulheres participem dessas esferas em termos igualitários. A questão, portanto, é dar um salto do individual para o coletivo. É isso que os sociólogos fazem.

Abç