segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Fraude científica como corrosão do caráter : um olhar sociológico sobre a cultura do “novo capitalismo”



Tâmara de Oliveira (DCS/UFS)
 
Caros amigos, em minha passagem diária obrigatória pelo Le Monde, aos 10.12.2012, deparei-me com o seguinte título do blog de jornalismo científico editado por Pierre Barthélémy : “O escândalo Stapel, ou como um só homem enganou o sistema científico”. Evidentemente, como aqui no Cazzo andamos discutindo a validade do conhecimento científico nas ciências sociais, cliquei pra ver o que era – antes mesmo de consultar meu horóscopo! Olhando a foto do elemento, gargalhei: com essa cara e sorriso de líder de equipe de produção flexível e a curto prazo, só mesmo esse tal de sistema científico (que imaginei como um vetusto senhor honesto e positivista, formado na era do Estado do Bem-Estar Social) para não sacar com quem estava lidando... 

Mas será mesmo que não se sabia com quem se estava lidando, ou o infeliz Diederik Stapel (professor holandês ora afastado da Universidade de Tilburgo, fundador do TIBER – Tilburg Institute for Behavioral Economics Research – e laureado com o prêmio, ora cancelado, de Trajetória Acadêmica pela Society of Experimental Social Psychology em 2009), é justamente um idealtipo (SCHNAPPER, 1999) de profissional da cultura do novo capitalismo, com boa verificação empírica também entre cientistas – universitários ou não (SENNET, 2006) ? No mesmo blog, li sobre outro escândalo, eclodido, como o primeiro, em 2011 – este protagonizado por uma química de um laboratório de Boston ligado à policia científica de Massachusetts, chamada Annie Dookhan, cujo trabalho era o de identificar drogas e pesquisar traços nas peças de convicção fornecidas por investigadores policiais.

Narremos os “causos”, antes de tentarmos colocar um molhino sociológico nesta receita. Stapel, 46 anos, ascendeu meteoricamente ao status de pequena vedete em sua área de pesquisas e, embora dois professores já tivessem manifestado supresa com seus resultados, ninguém os levou em consideração, até que três jovens pesquisadores ousaram apontar irregularidades à Universidade de Tilburg. Uma enquete foi iniciada (incluindo duas outras universidades onde ele lecionara anteriormente) e seus resultados, publicados em 28 de novembro de 2012, são exemplares: quase metade de seus artigos contêm dados inventados ou traficados (55/137), há ainda suspeitas graves sobre 10 outros, 31 de seus trabalhos já são objeto de retratação nas revistas onde foram publicados e descobriu-se que o ex-laureado universitário forneceu dados falsos a inúmeros de seus orientandos.
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

“O Fetichismo do Conceito” de Luís de Gusmão: notas de leitura





 
Luciano Oliveira

Uma amiga enviou-me faz algum tempo uma matéria de jornal sobre o livro do professor Gusmão da UNB. Confessava que o que ele dizia sobre Habermas a fez “rir um pouco” e adiantava a impressão de que, pelo tom polêmico do autor, podia tratar-se de “mais um desses tipos em busca de sucesso por meio de provocações exageradas”. A leitura da matéria despertou minha atenção e rapidamente adquiri o livro – que li com atenção e prazer, mas também com divergências importantes. Interessei-me pelo livro porque, como examinador de dissertações e teses, identifiquei-me com algo que dizia Gusmão na matéria citada: “É praticamente impossível defender um mestrado ou doutorado sem apresentar questões teóricas, cobrança dispensável e funesta”. Achei “funesta” um tanto exagerado, mas tendi a concordar em grande medida com o “dispensável”. De fato, participando há anos de bancas, já partilhei idêntico sentimento. Exemplo: um mestrando que examinei certa vez, aluno excelente e dedicado, tinha adotado como seu “marco teórico” a (para mim) impenetrável análise do discurso francesa. Metade do trabalho era um capítulo teórico para levar à conclusão, na outra metade, de que Getúlio Vargas tinha um discurso... paternalista! Na ocasião ocorreu-me uma brincadeira que expus com toda seriedade: mas como Hannah Arendt teria chegado à conclusão de que Hitler tinha um discurso totalitário sem ter lido Pêcheux?...

O livro de Gusmão adota um tom provocativo bem maior do que o meu. O que ele diz sobre autores como Habermas – que qualifica de “entediante pastor de almas” (p. 111) – e Bourdieu – que define como “o narodinick [sic] universitário” (p. 107) – beira o desrespeito. Tais diatribes dão algum suporte à suspeita de minha amiga. Digo algum porque o livro de Gusmão longe está de ser apenas um arrasa-quarteirão. Mas ele se compraz em bater com tal furor os usos e costumes vigentes na academia brasileira que a suspeita de “provocações exageradas” de certa forma se confirma. Isso dito, adianto que O Fetichismo do Conceito é um livro bem vindo pelas provocações (desta vez sem aspas) que faz, devendo ser lido e meditado nos nossos departamentos de ciências sociais com seus cacoetes exageradamente “teoricistas” – para falar como o autor, com quem concordo neste particular.