quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Biopoder e Bioética



A mulherada do SOS Corpo me convidou para falar sobre o tema que dá título a esse post dentro do seminário "Corpo e Poder no Contexto da Globalização Neoliberal". Falei durante quarenta minutos a partir do pequeno texto que se segue - e adorei a conversa que se seguiu a esse ponta-pé inicial.

"Suspeito de quem transforma a discussão de temas amplos, como o que me foi proposto discutir esta tarde, em uma ocorrência de sua vida pessoal. Algumas pessoas, no entanto, funcionam assim. Lembro-me, a propósito, de um famoso compositor e sua capacidade de engolir o mundo com o próprio umbigo. “Caetano, você poderia nos falar da importância do cinema de Fellini”. “Ah, o cinema de Fellini foi uma epifania na minha vida. Mas já que estamos falando de gente importante, deixe-me falar de Caetano Veloso”. E daí por diante, o cinema italiano, a Cinecittá viram uma parte da história de Santo Amaro da Purificação.

Dito isto, mesmo que pareça suspeito, acho que um episódio de minha vida pode funcionar como introdução ao tema que vocês gentilmente me convidaram para discutir. De fato, quando Foucault cunhou nos idos de 1970 expressões como “biopoder”, “biopolítica”, a grande provocação intelectual que ele propunha, numa época em que alguns de nós ainda acreditávamos na vitória do proletariado, na superação do capitalismo, era o alargamento daquilo que considerávamos o político. Recorrerei ao meu causo. Nos anos oitenta eu cursava um interminável e chatíssimo curso de Economia na UFPE e morava na Casa do Estudante Universitário, ali pertinho do Engenho do Meio. Além de estudante, era militante não muito convicto de um partido de esquerda. Lembro-me de um dia estar conversando com um companheiro da CEU acerca da necessidade de alargar nossas preocupações políticas para discutir questões como feminismo, o direito das ditas minorias, questões raciais etc. A urgência das questões, pasmem, tinha me ocorrido durante a campanha eleitoral de um velho ícone comunista a uma vaga na Câmara Federal – nem sempre esse tipo de reflexão aguarda momento e lugar propícios.

Diante dessas inquietações, o meu colega de infortúnios e militâncias fez pausa dramática, jogou sua indefectível bolsa de couro para o lado direito do corpo e respondeu, muito satisfeito de si: “Companheiro, no dia em que questões de gênero, orientação sexual, raça forem de fato importantes, o proletariado saberá elegê-las como prioritárias”. Nunca esqueci da frase. Chamou-me depois de pequeno-burguês para fechar o argumento – logo eu, vindo de família proletária, eu, que desde criancinha acordava todo santo dia com meu pai e mãe cantando “de pé oh vítima da fome...”, eu que escovava os dentes com raspas de juazeiro para não dar dinheiro à Gessy-Lever...

O argumento de meu colega era ingênuo, eu sei; mas revelador. Ora, quem era a vanguarda do proletariado? O nosso partido. E dentro do partido, quem se destacava na gloriosa tarefa de fazer a revolução? Possivelmente candidatos à militância e ao martírio, como nós. O raciocínio do colega poderia se resumir então do seguinte modo: no dia em que essas questões forem de fato importantes, a minha patota, o comitê central, decide. Argumento ingênuo, porém revelador de uma visão estreita do político: que ele no fundo é apenas uma questão econômica (que opõe burgueses e proletários; ou liberais e republicanos; camponeses e latifundiários) e que as instâncias onde o político poderia surgir ou se realizar já estariam claramente determinadas, mapeadas: instituições governamentais, partidos, sindicatos, representações classistas em geral.

Contra aquela visão limitada, Foucault propôs que entre os séculos XVIII e XIX a própria idéia do político muda de feição. Até então, podemos dizer, que o que se pensara como tal resumia-se a questões relacionadas ao poder soberano. Quem governa? Que uso o governante faz ou deveria fazer do seu poder? É legítimo tal poder ou se trata de uma usurpação? Quem é amigo e quem é inimigo do Estado? Como devemos tratar o inimigo interno? Etc. etc. Estas eram questões relacionadas ao direito de governar. O direito constituía o emblema e o campo sobre o qual reflexões acerca da política poderiam ser realizadas. Esta forma de poder se materializava concretamente segundo o seguinte postulado: “soberano é aquele que tem o poder de decidir sobre a vida ou morte dos seus súditos. Seu poder reside em deixar viver (quando isso lhe parecer interessante) e fazer morrer (quando isso for julgado oportuno). O soberano é, neste contexto, aquele que tem poder de morte. É ao terror de ser eliminado que eu obedeço. Foucault dá uma idéia dessa estratégia de dominação na introdução do Vigiar e Punir. Lá ele fala da execução de Damiens, condenado à morte por tentativa de regicídio.

“e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzido a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento”.

O relato inteiro é bem mais cruel, e isso não é fortuito. Ora, esse tipo de dominação é necessariamente espetacular. O soberano é aquele para quem todos os olhos devem se dirigir com temor. Por isso, o espalhafato, a pompa, os rituais de execução marcam esta forma de exercer o controle. A partir dos séculos XVIII e XIX, no entanto, uma forma nova de controle social começa a surgir na Europa: um poder que dirige os olhos, não para os poderosos, mas para o cidadão comum; que já não depende mais do espetáculo e da pompa, mas da disciplina, do controle científico da vida cotidiana. Foucault chama a essa forma de poder de biopoder. As biociências e biotecnologias, e não mais o direito, são os novos paradigmas a partir dos quais essa nova forma de política ocorre. A dominação já não radica na capacidade de matar, mas de controlar a vida biológica dos seres humanos. A política se volta para a vida nua, para o controle, disciplina e potencialização da vida biológica dos indivíduos e das espécies.

O que Foucault poderia ensinar ao meu colega de CEU? Que o controle do aparelho de Estado não é a única questão importante acerca do político, pois ele se realiza em nossa vida cotidiana, por vezes longe das decisões governamentais. Exemplifiquemos: que a mulher tenha sido percebida nos manuais de obstetrícia dos séculos XIX e XX como uma máquina reprodutiva (e uma máquina reprodutiva instável, sujeita a humores) não é uma questão política relevante? Foucault provavelmente responderia que sim. Que cirurgias de transgenitalização sejam decididas em última instância pela expertise dos médicos (endocrinologistas e psiquiatras) não é uma questão política? Mais uma vez a resposta seria afirmativa. Que o Estado tenha colocado algumas dessas questões sob sua asa apenas reforça o argumento de Foucault: o que foi realizado nos Campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial senão a redução de ciganos, homossexuais e judeus à condição de vida biológica, de vida nua? O argumento lá sintomaticamente era o da higiene, da profilaxia: a expertise médica legitimou em tais casos o genocídio.

Poderemos perguntar, na mesma linha de raciocínio: a esterilização de mulheres pobres no terceiro não é um ato biopolítico de conseqüências terríveis? O teste de novos medicamentos nas populações miseráveis da África, Índia e América Latina não é um ato político da maior relevância? Do mesmo modo, o fato de as mulheres poderem decidir quando terão ou deixarão de ter filhos, se estão ou não interessadas em fazer sexo, de que maneira estão interessadas, que tipo de prazer esperam, como desejam que seus corpos sejam tratados, com quem têm interesse em ir pra cama, são questões políticas da maior importância. Que mulheres, homens, gays reivindiquem o direito de decidir sobre seus próprios corpos é um ato político – e de resistência num espaço em que o poder se estrutura como biopoder.

Falamos acima que a direção do olhar que caracteriza o poder mudou ao longo do século XIX. Já não apenas olhamos com temor os poderosos; somos olhados, seguidos por olhos que nos transformam em coisas, em objetos. Foucault só não esperava que em dado momento da história do ocidente, passássemos a ter prazer em ser objeto deste olhar. Assim, somos compelidos a implantar cabelos, silicone em diversas partes do corpo, submetermo-nos a regimes de emagrecimento, à malhação que nos torna esbeltos, à disciplina corporal que nos torna atletas olímpicos, aos medicamentos que nos tornam mais ativos, menos ansiosos etc. Essas também são dimensões políticas para as quais temos de dar respostas diárias.

A segunda parte desta pequena comunicação está atrelada à primeira. Bem, com relação à ética ou a bioética, Foucault teria pouco a dizer. É conhecida sua relutância em discutir questões neste campo. Essa má vontade certamente tem alguma relação com a importância de Nietzsche em sua obra. Este célebre pensador alemão ensinou a olhar com desconfiança o discurso ético, a ver subjacente a sentimentos de igualdade, fraternidade, impulsos agressivos não assumidos. A verdade é que precisamos esperar algo como o colapso das perspectivas de transformação política radicais, tais como aquelas idealizadas pelo meu colega da Casa do Estudante e por mim próprio, isto é, a expectativa da vitória do proletariado, a realização do socialismo no mundo, para que investimentos filosóficos no terreno da ética voltassem a ser demandados. Durante uns bons cem anos desconfiamos das boas intenções, ou do poder de sensibilização de argumentos éticos. Procuramos, em seu lugar, soluções políticas.

Acho importante que procuremos discutir os valores que fundamentam nossas atitudes diante da vida. Deste modo, acredito que a bioética é um campo importante de reflexão dos problemas com que nos deparamos hoje quando falamos em questões tão sensíveis quanto: aborto, pesquisa com células tronco embrionárias, diagnóstico genético pré-implantação, clonagem, transgênicos etc. Talvez Foucault argumentasse que esse espaço aparentemente novo no terreno da ética nada mais é que uma forma elaborada de biopoder. Eu sou um pouco mais otimista.

Questões éticas são sempre fundamentais. Quero dizer, elas sempre falam de fundamentos, problematizam nossa humanidade, perguntam sobre algo em nossa condição que não pode ser negociado. O que não pode ser negociado em nós sem que nos desumanizemos? Um filósofo francês, creio ter sido Bataille, respondia a essa questão com um sonoro “Nada”. Para ele, o que Hiroshima e Nagasaki nos mostraram é que não existe absolutamente nada no ser humano que não possa ser negociado. Triste comentário sobre o humanismo.

Diferente dele, o filósofo Immanuel Kant acreditava existir um fundamento de nossa humanidade não passível de negociação: nossa liberdade. A ética deveria ser a reflexão sobre as condições em que essa liberdade seria garantida. Se, sob quaisquer circunstâncias, isso não ocorrer, estaríamos diante de uma ação não ética, uma ação que comprometeria a essência de nossa humanidade. Como nos certificaríamos que essa essência seria garantida? Kant nos propõe duas formas de nos certificar do conteúdo ético de nossas ações: aja como se o ser humano diante de você fosse um fim em si mesmo e não um meio, um instrumento para conseguir outro fim qualquer. Ele não nos diz o que fazer para sermos éticos, ele simplesmente nos responsabiliza por nossa humanidade e pela humanidade daqueles com quem convivemos. A outra forma de certificação da qualidade ética de uma ação é mais conhecida: aja como se sua ação fosse se transformar em uma máxima de comportamento para toda a humanidade. Uma mentirinha poderia ser justificada de uma perspectiva ética? Para responder à questão basta que nos perguntemos se a mentirinha poderia se universalizar, se tornar comportamento corrente para todo mundo e não só pra mim.

Para que a ética de Kant pudesse funcionar seria preciso que acreditássemos que o que é justo para um homem é também justo para uma mulher, para um negro assim como para um branco. Política de quotas na universidade seria ético? Não, porque não parte de um fundamento comum a todos os seres humanos, mas trata diferentes de forma distinta. Política de quotas, licença maternidade poderiam ser questionados sob a ótica kantiana. Mas por que falo de Kant e não de tantos outros pensadores que formularam questões importantes sobre a ética? Porque Kant além de ser o pai do liberalismo na filosofia é também uma referência fundamental daquilo que hoje se chama bioética.

A bioética surge após a Segunda Guerra Mundial com o intuito de promover uma reflexão sobre critérios elementares que deveriam conduzir a pesquisa científica com seres humanos. Não preciso dizer dos horrores que foram realizados em nome do progresso da medicina antes, durante e depois desta Guerra – e não me refiro apenas aos nazistas, suas terríveis experiências médicas. Basta que nos detenhamos um pouco na análise das experiências realizadas pelo projeto Manhatan, ou pelo Projeto Tuskegee. Acerca deste último, Bill Clinton se desculpou à população afro-americana ao final de seu governo. Foram necessários 70 anos para que tal pedido fosse proferido - de 1932 a 1972, negou-se tratamento de sífilis a 400 indivíduos negros para que eles pudessem servir de cobaias de novas drogas. No mundo todo, milhares de pesquisas científicas estão sendo realizadas com seres humanos sem que essas pessoas tenham qualquer informação acerca das conseqüências dos tratamentos, medicamentos a que estão se submetendo. Se tiverem a oportunidade, façam uma busca na Internet com as palavras “cobaias humanas”.

Kant pode ajudar aqui? Certamente. Não podemos tratar um ser humano como um meio, como um instrumento. A ação das grandes indústrias farmacêuticas é, portanto, condenável. Se as pessoas submetidas ao experimento científico não dispõem de informações suficientes sobre possíveis danos, riscos, tratamentos alternativos, é possível dizer que elas sejam livres para decidir? A boa informação é fundamental para que possamos decidir livremente - embora não seja suficiente.

Refletindo a partir de Kant, mas também considerando as limitações de sua obra para conceber uma ética de base não-universalista, alguns intelectuais definiram quatro princípios que deveriam orientar a bioética, ou, a ética da vida biológica. Falarei aqui sobre três deles. Sobre o primeiro princípio já falamos: ele diz respeito à autonomia que deveria orientar a ação do indivíduo livre. Tudo que for contrário a esse princípio fere a bioética. O segundo princípio é o da beneficência: sempre deveremos buscar a saúde do doente, e não orientar a pesquisa simplesmente pela busca de novas fórmulas, medicamentos que possam eventualmente comprometer seu bem-estar ou sua vida. O terceiro princípio é o da justiça – basicamente, levar em consideração a especificidade das pessoas ao definir tratamentos adequados.

Acredito que este último princípio abre espaço para que reflitamos sobre os problemas específicos de grupos discriminados, tais como, gays lésbicas, mulheres. Em seu conjunto, todavia, o que se convencionou chamar de bioética tem mostrado bastante dificuldade em lidar com indivíduos cuja aptidão para agir de modo autônomo é limitada. Menciono aqui como exemplo se poderia ser considerado ético a modificação genética de uma célula embrionária com a finalidade de lhe dar algum atributo físico especial? O ‘sujeito’ em questão não pode decidir, e conferir-lhes músculos especiais, cor de pele ou de cabelos distintivos, pode vir a se tornar um problema futuro. Saindo do terreno da ciência mais avançada, poderíamos nos perguntar como, a partir dos princípios acima, poderíamos agir eticamente com relação a um portador de deficiência mental grave. Ora, todo o edifício da bioética depende da existência de atores racionais e competentes para decidir autonomamente.

Acredito que o pensamento feminista tem aqui um campo de reflexão importantíssimo. Pois é necessário pensar acerca das forças históricas e ontológicas que nos fazem os humanos que somos. Do mesmo modo, é preciso elaborar as relações fundamentais que essa humanidade apresenta com o nosso ser corpóreo, com a vida biológica que dispomos, sua imbricação com a vida de outros humanos, de outras espécies e da vida do planeta".

(por editar)

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Jonatas Ferreira

13 comentários:

Idelber Avelar disse...

Eita, que está ficando espetacular este blog, hein? Vou continuar recomendando.... Minha trajetória é muito parecida à sua. Também cheguei a Foucault a partir da cegueira da esquerda ante as questões que desdenhosamente chamávamos de "comportamentais", sem atentar para quão burguesa é essa categoria. Está um show, realmente, o blog. Abraços,

Anônimo disse...

http://video.google.com/videoplay?docid=-2219261287903697793

Anônimo disse...

Idelber!
Muito obrigado pelo incentivo. Grande abraço, Jonatas

Anônimo disse...

Idelber!
Muito obrigado pelo incentivo. Grande abraço, Jonatas

Anônimo disse...

Achei bastante produtiva a discussão da qual participamos ontem e muito esclarecedora também. Quero deixar aqui meu sincero aplauso ao professor Jonatas Ferreira por ter elucidado pacientemente um assunto tão sutil.
Sim, devemos nos armar com leitura apropriada e sugestões para o nosso tempo; acompanhar o transe das massas e da solidão de cada um. O Homem como um todo indivisível, mas o "humano" como singularidade dessa era. Deixar que as portas se abram para inevitáveis confrontos éticos e delinear esse Biopoder no nosso momento político atual; a meu ver, é exercer 2 grandes propostas estudadas por Calvino: a multiplicidade e a visibilidade. E jamais esquecer que a natureza não dá saltos. Tudo é processo gradativo e passa por um trabalho arguto de construção.

Que se respeite o tempo Chronos e o tempo kairos de cada um.
Forte abraço !!

Anônimo disse...

tsc,tsc...

Anônimo disse...

Maria Carolina,

Foi um prazer para mim participar do Encontro. Obrigado pela visita e volte sempre. Abraço, Jonatas

Le Cazzo disse...

Gostei muito do post, Jonatas! E para quem acha que essas questões não fazem parte do nosso quotidiano, dá só uma olhada na notícia que Camilla enviou para o e-mail da turma de metodologia (obrigada, Camilla!):

Agencia Estado - 13/12/2007 9:40

Projeto de lei prevê 'bolsa-estupro' para evitar aborto

"Projeto de lei em tramitação no Congresso pretende combater o aborto em gestações resultantes de estupro - prática permitida no Brasil desde o Código Penal de 1940 - com base em um pagamento pelo Estado de um salário mínimo para a mulher durante 18 anos. A idéia, conhecida como "bolsa-estupro", pretende, nas palavras de um dos autores do texto, o deputado Henrique Afonso (PT-AC), "dar estímulo financeiro para a mulher ter o filho".

A idéia de subsídio para grávidas vítimas de violência sexual está também no projeto do Estatuto do Nascituro - texto que torna proibido no País o aborto em todos os casos, as pesquisas com células-tronco, o congelamento de embriões e até mesmo as técnicas de reprodução assistida, oferecendo às mulheres com dificuldades para engravidar apenas a opção da adoção.

Os textos provocaram enxurrada de reclamações e protestos de organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos, aos movimentos feministas e até mesmo em esferas governamentais. Ontem, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher divulgou carta afirmando que as propostas são um retrocesso nos direitos já obtidos no País. "É retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Trata a violência contra a mulher como monetária, como se resolvesse dando um apoio financeiro. Nós apoiamos a liberdade de escolha da mulher", afirma a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres.

"O aborto, para nós evangélicos, é um ato contra a vida em todos os casos, não importa se a mulher corre risco ou se foi estuprada", afirma o deputado Henrique Afonso. "Essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz que eu não devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda, não consigo imaginar separar as duas coisas."

A proposta do deputado inclui ainda outro item bastante polêmico, que prevê que psicólogos, pagos pelo Estado, devam atender essas mulheres para convencê-las da importância da vida, fazendo com que elas desistam do aborto. "O psicólogo comprometido com a doutrina cristã deve influenciar a mulher e fazer com que ela mude de opinião", defende Afonso. No entanto, o Código de Ética da profissão proíbe ao psicólogo, no exercício de suas funções, "induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

Embora, contrariamente ao que o jornal afirme, não se trate apenas da intervenção de questões religiosas nas políticas do Estado, resta saber se uma noção de poder como a de Foucault pode dar conta de desigualdades de gênero estruturais e sistematicamente reproduzidas, como ilustrado acima...

Cynthia

Anônimo disse...

Cynthia,

Primeiro: você sabe que acho um absurdo a proposta do tal deputado e creio que o único sentimento diante de posturas como estas só pode ser a indignação. Ter um filho deve ser uma opção,não uma obrigação.

Mas Foucault não é um bom companheiro para pensar resistência. O pensamento dele é sistêmico demais - dá uma olhada no debate dele com Chomsky. Quando ele pensou a noção de biopoder, ele duvidava se a dita liberação sexual, direito a decisão sobre nossos próprios corpos não seriam temas inscritos dentro de uma lógica de tornar a vida biológica a questão política central. Não acredito que Foucault pense bem a resistência - apesar de seus últimos escritos. Mas acredito que a partir do que ele elabora como sendo biopoder questões como as que você propõe podem ser pensadas - desde que ultrapassemos alguns limites da genealogia foucaultiana. Depois posso escrever sobre isso com mais calma;é uma boa provocação. Beijo.

Roberto Torres disse...

Caro Jonatas, já havia lido um artigo seu sobre biopoder num livro organizado pelo Jessé Soza. Faz menos de dois anos que eu comecei a estudar Foucault. E realmente seus textos sobre o poder disciplinar e o biopoder transformaram a minha forma de ver o mundo. Me interesso particularmente pela questao de como o bipoder opera nos lacos cotidianamente atualizados de solideriedade e seperacao entre classes sociais, ou seja, como o bipoder cria atracao e resulsao entre indivíduos hierarquicamente classificados segundo os critérios de "fazer viver" e "deixar morrer" no sentido amplo da possibilidade do intercurso social bem suscedio.

Rodrigo disse...

muito bom este texto. Vou inclusive dar para meus alunos lerem.

Rodrigo Travitzki, professor de biologia do colégio Equipe
digao.bio.br

verí disse...

querido coordenador...

parabéns por conseguir num textinho só deixar foucault e a questão ética mais palatáveis.

é muito bom pegar um texto orientador desses antes de encarar o dito cujo.

bjo

Le Cazzo disse...

Oh Veri, essa menina!

Você é sempre muito gentil com esse seu velho camarada. Fico feliz que você tenha visto algo bom neste pequeno texto - são os seus olhos sabidos. Beijo, Jonatas