Gisel Carriconde, eu e Phil Jones
Acabo de voltar da exposição Amplificadores 2008, idealizada por Gisel Carriconde, Krishna Passos e Maicyra Leão (veja post abaixo). Foi uma experiência antropológica, só que meio que às avessas. Como o projeto da exposição explicita, a idéia é dessacralizar o espaço dos museus por meio de uma curadoria coletiva: os membros da vizinhança do museu (vizinhança formada por redes locais e virtuais) levam objetos de valor afetivo para serem expostos, juntamente com uma breve descrição de por que aqueles objetos são valorizados.
Foi como estar em um gabinete de curiosidades contemporâneo. Os gabinetes de curiosidades, como já explicitei em algum lugar por aqui, foram os precursores dos museus modernos. Eram coleções enciclopédicas de objetos exóticos trazidos das colônias e oferecidos aos príncipes dos estados europeus nascentes e simbolizavam o processo de expansão e controle do mundo. Ao se tornarem públicos, os gabinetes de curiosidade passaram a ter também uma função pedagógica: os objetos eram comparados, separados e classificados, possibilitando a formação de um sistema taxonômico que viria a caracterizar a ciência moderna.
Neste gabinete de curiosidades contemporâneo, formado por objetos do cotidiano das pessoas, o exótico é construído por meio do estranhamento daquilo que é familiar – uma técnica antropológica bem conhecida. Perceber objetos tão familiares a partir das estórias que são contadas por seus donos traz à tona significados ocultos ao olhar apressado do nosso dia a dia. Reproduzo, abaixo, dois relatos que me pareceram especialmente reveladores. O primeiro explicava a escolha de um mapa escolar do Brasil, levado ao museu por José Adriano, morador de um viaduto nas redondezas do museu:
Eu me importo por este mapa porque eu já fui um cabra muito andado na vida, eu e minha família, sem ter morada. Faz uns seis anos que encontrei ele na reciclagem.
A gente andava puxando minha carroça porque nem um animal eu tinha na época para puxar, e o mapa servia para orientar se andava para frente, se andava para trás.
(José Adriano é analfabeto e não reconhece nenhuma letra dos nomes das cidades no mapa).
Eu já fui de pé para Manaus! Quero dizer, fui de pé, de bicicleta, montado de cavalo, de burro.
Foi difícil achar o mapa, tava guardado dentro de um saco de ferramentas, mas eu achei ele para trazer.
O segundo relato explica a escolha de um anão de jardim, quebrado e colado, levado por Jane Barbosa, residente da comunidade vizinha:
Ganhei este anão há três anos. Um ano depois, uma amiga foi lá em casa para um churrasco. Eu gosto de tudo arrumadinho e organizadozinho na estante. Daí, não sei por que, essa minha amiga caiu e quebrou meu anão, espatifando a cabeça dele. Falei tanta coisa para essa minha amiga que nem me lembro mais o que foi. Só sei que coloquei ela para fora da minha casa. Colei todos os pedacinhos e até hoje não falo com ela.
A humanidade é realmente exótica...
Cynthia Hamlin
10 comentários:
Cys, senti falta do cara que escrevia cartas de amor e respondia para si mesmo. Aquele foi hors concours, chérie.
E outra! Aquele livro de auto-ajuda foi fantástico. Como era mesmo a expressão: confusão psicológica de idéias? Confusão de idéias psicológicas?
Alors...
Você com seu olhar sociológico.
Eu, com o psi.
Seja a orientadora da minha monografia! Juro respeitar-te e esforçar-me, até que o estresse nos separe! =) (tenho que aproveitar toda oportunidade, né?)
Essa já é a quinquilhionésima vez que te proponho. Mas vou continuar te enchendo até você me dar uns tabefes.
Ah, a foto ficou très, très legal.
Beijos, mademoiselle.
rá, adorei a história do anão!!!!
Geninha,
Uma monografia em psicologia precisa de um olhar psicológico, não sociológico. E este olhar psicológico deve partir também (e principalmente) do orientador, não do só do orientando. Se os meus colegas da psicologia tiverem um pingo de juízo (o que acho que têm), jamais permitirão uma barbaridade dessas.
Além do mais, acho que você não iria gostar da experiência. Antes de serem aceitos para orientação, todos os meus orientandos devem me entregar um termo de compromisso, assinado pelos pais, nos qual eles transferem todos os poderes punit... quero dizer, pedagógicos para mim. Verí, por exemplo, toda semana fica de castigo, sem poder ver televisão, usar o celular, o ipod e ajoelhada no milho, recitando as Regras do Método Sociológico. Dá uma olhadinha nos joelhos dela.
É, não copiei as cartas de amor do cara. Tirando o fato de que o objetivo das cartas era provocar ciúmes na esposa, acho que é uma receita muito interessante para evitar a frustração amorosa. Não é o máximo ter todas as suas expectativas correspondidas? Hum... pensando bem, poderia ficar meio monótono.
Veri,
sua próxima tarefa é visitar esta exposição e trazer um relatório detalhado com base nas Regras.
Bjs
faltou dizer onde está sendo e até qndo vai a exposição cynthia!
bj
Uau! Sem dúvida, um método revolucionário de orientação! Mudarei apenas o milho para caroços de azeitonas.
Eu sou masoquista, Cy.
Ajoelharia no milho brincando.
Mas depois me vingaria de vc, sutilmente, como quem faz sem querer...
Quanto aos seus colegas de Psi, já me informei há séculos com o coordenador de lá, meu bem, que é muito bem ajuizado. E sabe o que ele me disse????? Sabeeeee????
Que seria uma experiência muito positiva e tinha CERTEZA de que o resultado seria muito bom. Tudo bem que falei da Prática de Pesquisa, não foi a monografia, mas nem isso você topa.
Você é muito difícil, chérie!
Abri a caixa de Pandora. A esperança me pertence..
Irei convocar meus colegas para fazerem uma passeata com carro de som e faixas gigantescas: "CYNTHIA PARA ORIENTADORA DE GENINHA AGORA!!"
Você vai ver.
Beijos, beibi.
Ester,
a exposição estará aberta à visitação até o dia 10 de outubro, de terça a sexta de 9:00 às 17:00h e, aos sábados, de 14:00 às 17:00h. Fica no
Museu Murillo La Greca
R. Leonardo Bezerra Cavalcanti, 366
Parnamirim
Fone: 81- 3232-4276
Artur,
Caroços de azeitona? De azeitonas consumidas no boteco, depois da orientação? Assim não funciona...
Geninha,
Fico honradíssima com seu entusiasmo, mas que tal conversarmos sobre isso pessoalmente?
Beijos
Cynthia, deve ser uma expo super, tão legal quanto a do Jeff Koons no Louvre. Mas não entendi. A moça caiu, quebrou a cabeça do anão e ainda levou bronca da amiga? Tadinha.
tudo q a minha orientadora disser é a pura verdade e nada além da verdade. se ela mandar eu recitar as (aproximadamente) 14 regras do Método para cada cachorro q eu encontrar na rua, afirmando q daí eu vou entender direito a construção dos selves femininos, lá estarei eu a dizer: "1a regra: considerar os fatos sociais como coisas; 2a: descartar sistematicamente todas as pré-noções, 3a..."
Careca,
Nunca tinha ouvido falar do Jeff Koons e fiz uma busca no google. Muito legal! Lembra as coisas do Anish Kapoor.
Bem, digamos que o Museu Murillo La Greca não seja exatamente o Louvre e que o anão de Jane não é propriamente uma escultura do Koons. Mas acho que a idéia por trás das duas exposições é muito semelhante.
Imagino que você tenha conhecido a Gisel em alguma festa na casa dos meus pais em uma de minhas passagens por Bsb. Desde o seu mestrado, ela tem explorado a estética Kitsch como uma forma de dessacralização da obra de arte. Sua dissertação de mestrado foi uma das coisas mais criativas e divertidas que já li: um diálogo imaginário entre Theodor Adorno e Pedro Almodovar.
Acho que você deve ficar de olho nas exposições dela em Brasília. E acho também que você deve considerar o relato da Jane como um prenúncio do que irá lhe acontecer, caso continue lambendo os dedos para folhear as páginas de uma certa edição do Don Quixote.
Beijo
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