Micheline Batista
Jogos são tão antigos quanto o homem. Na Grécia de Homero, ágon significava competição, e também combate, luta, batalha, concurso ou jogo. Uma brincadeira com regras. Para jogar, é preciso aceitar as regras de forma voluntária, pois são elas que determinam a atuação do jogador em relação a si mesmo, ao jogo e aos demais jogadores. Para o filósofo e teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan (1990), os jogos nada mais são do que meios de comunicação interpessoal, pois pressupõem um diálogo, uma interação. Jogar significa “interjogar”.
O jogo é, ainda, um ambiente de aprendizado. Não é apenas o jogador que interfere na realidade do jogo – o jogo também interfere na realidade do jogador, que passa a repensar suas próprias escolhas e estratégias de vida. Trata-se de uma via de mão dupla. Fica cada vez mais evidente que jogos não apenas ajudam a desenvolver habilidades e competências que podem ser úteis no dia-a-dia, como o raciocínio rápido e a tomada de decisões erm situações críticas, como igualmente propiciam novas formas de sociabilidades. Especialmente se levarmos em conta a possibilidade de interação com outros jogadores, seja através de redes locais ou da internet, rede de alcance global.
Nesse contexto, os jogos eletrônicos on-line multiusuários têm se destacado como um ponto de convergência – e convivência – entre jogadores. Esses podem ser amigos, vizinhos, familiares, jogando em casa ou em lan houses, ou podem estar distantes, um em cada canto do planeta, conectados pelos fios invisíveis da redes teleinformáticas. Uma interação que extrapola o virtual e acaba movimentando, também, a vida off-line dos usuários, que passam a compartilhar uma linguagem própria, objetivos, hábitos de consumo e informações sobre assuntos convergentes, desde estratégias de “sobrevivência” no jogo até dicas de atualização tecnológica, como os melhores joysticks ou as mais avançadas placas de aceleração gráfica. Formam-se, assim, as comunidades de jogadores, reais e/ou virtuais.
Estudos recentes sobre esses grupos têm feito cair por terra a tese de “isolamento” dos jogadores em um mundo que se imaginava descolado da realidade. Levantamento relizado pela Pew Internet & American Life Project nos Estados Unidos mostra que quase todos os adolescentes norte-americanos jogam – 97% dos que têm idade entre 12 e 17 anos jogam jogos de computador, portáteis, em consoles ou pela Web. Jogar é, frequentemente, uma experiência social para adolescentes. O estudo aponta ainda uma relação entre o jogo e o comprometimento cívico, principalmente naqueles jogadores que costumam participar de fóruns de discussão e websites sobre jogos, adotando posturas políticas (organizando um protesto on-line, por exemplo) e/ou sendo solidários com outros jogadores.
De acordo com Santaella (2004), o que distingue o jogo eletrônico dos tradicioanais é, antes de tudo, a interatividade e a imersão, ambos elementos intrínsecos à comunicação digital. “A interatividade não apenas como experiência ou agenciamento do interator, mas como possibilidade de co-criação de uma obra aberta e dinâmica, em que o jogo se reconstrói diferentemente a cada ato de jogar”, afirma. Já a imersão, “inseparável da interatividade”, supõe diferentes graus. “Ela vai acentuando-se na medida mesma da existência de um espaço simulado tridimensional e na possibilidade de o usuário ser envolvido por esse espaço como na realidade virtual”.
Se combinarmos o conceito de ágon com outra tradição grega, o teatro, temos o que há pelos menos 20 anos vem sendo chamado de Role-Playing Game (RPG), ou Jogo de Representação de Papéis. Nos RPGs, os jogadores assumem o papel de personagens fictícios, como se fossem heróis de filmes de aventuras. Eles aceitam missões e enfrentam desafios em um universo paralelo, mágico, repleto de referências mitológicas, interagindo com outros jogadores. Com o advento da internet comercial, em meados da década de 1990, muitos RPGs, antes jogados em tabuleiros, ganharam interface gráfica e passaram a ser jogados on-line no computador ou em consoles com conexão à internet.
Não são poucos os títulos de RPGs on-line disponíveis no mercado. Eles movimentam uma indústria dominada por grandes corporações como Sony, Nintendo, Microsoft e Activision. Em 2008, a venda total de hardware, software e periféricos de videogame chegou a US$ 22 bilhões, segundo dados da Entertainment Software Association, superando inclusive a indústria do cinema. Títulos de aventuras, de lutas, de conquistas por territórios, como Ragnarok, World of Warcraft, Counter-Strike e EverQuest, além daqueles que simulam a sociedade em que vivemos, como The Sims e Second Life, tornaram-se bastante populares. Para se ter uma ideia, ao final de 2008, somente o World of Warcraft, da Blizzard Entertainment, possuía uma base de mais de 11,5 milhões de jogadores em todo o mundo. Já o Second Life, em novembro de 2008, possuía 16,7 milhões de “residentes” em todo o mundo, sendo cerca de 10% no Brasil.
Nos RPGs on-line cada jogador ganha a forma de um avatar, sua representação gráfica em 3D. Dessa forma, os usuários podem interagir usando chat (bate-papo via mensagens de texto) ou vários recursos de telefonia pela internet, como a voz sobre IP (VoIP). Podem flertar e conduzir romances, constituir clãs com sua rede de relacionamentos on ou off-line. Esses pequenos “mundos” e suas múltiplas possibilidades de interação vêm despertando a atenção de muitos pesquisadores. “Usuários podem concordar, discordar, trocar insultos, jogar com rivalidades do mundo real e explorar diversos tipos de diferenças pessoais, culturais ou nacionais. É o real dentro do virtual”, observam Krzywinska e Lowood (2006), sobre o jogo World of Warcraft.
Muitos jogadores já gastam mais tempo nesses mundos sintéticos (Castronova) do que em hobbies tradicionais. E até pagam para ter direito ao lazer e ao bem-estar proporcionado pelo jogo, como é o caso do EverQuest, cujos usuários são assinantes. “Se esse modelo (de imersão em fantasia) persistir, os avanços da Era da Informação podem fazer com que o jogar seja um aspecto significante da vida de milhões de pessoas”, afirma Castronova (2003). As histórias, as narrativas e os personagens, os prazeres e os riscos de saltar, pular, correr, nadar, atirar, morrer e matar nos envolvem e nos convencem. Ao ponto de não sabermos mais quem somos ou onde estamos. “Envolvemo-nos tanto com as narrativas e os personagens que chegamos a suar, a ter taquicardia, ou simplesmente ficamos contentes ou frustrados”, observa Mendes (2006, p. 17).
Evidentemente, há títulos que desvirtuam a proposta de lazer, fantasia e divertimento dos jogos, podendo levar jogadores a cometerem atos de violência na vida real. Ficou famoso o caso do estudante de medicina Mateus da Costa Meira, que em 1999 matou três pessoas e feriu outras quatro durante uma sessão do filme “Clube da Luta” em um cinema de São Paulo. Mateus, condenado a 120 anos de prisão, ficou conhecido como o “atirador do shopping”. Em depoimentos, ele teria citado o jogo Duke Nukem 3D, em cuja primeira fase o jogador precisava matar alienígenas em um cinema. O jogo foi retirado de circulação, assim como recentemente um jogo japonês chamado Rapelay criou polêmica no mundo todo, por simular estupros, pedofilia e aborto. São casos como esses que têm municiado os críticos dos jogos eletrônicos. A quem cabe controlar o conteúdo dos jogos, pais, governos? Se é que precisam ser controlados. Filmes violentos também estão aí para serem vistos e internalizados pelas pessoas.
REFERÊNCIAS
BLIZZARD ENTERTAINMENT. World of Warcraft subscriber base reaches 11.5 million worldwide. Disponível em: http://www.blizzard.com/us/press/081121.html. Acessado em 19 abr. 2009.
CASTRONOVA, Edward (2003). “On virtual economies”. Game Studies, vol. 3, nº 2. Disponível em: http://www.gamestudies.org/0302/castronova. Acessado em: 14 mai. 2008.
ENTERTAINMENT SOFWATE ASSOCIATION. Computer and video game industry tops $22 billion in 2008. Disponível em: http://www.theesa.com/newsroom/release_detail.asp?releaseID=44. Acessado em: 18 abr. 2009.
KRZYWINSKA, Tanya; LOWOOD, Henry (2006). “Guest editor’s introduction”. Games and Culture, vol. 1, nº 4, p. 279-280.
LINDEN LAB. Second Life Virtual Economy – Key Metrics Through November 2008. Disponível em:
MCLUHAN, Marshall (1990). Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media). São Paulo: Cultrix.
MENDES, Cláudio Lúcio (2006). Jogos eletrônicos: Diversão, poder e subjetivação. Campinas, SP: Papirus.
PEW INTERNET & AMERICAN LIFE PROJECT. Teens, Video Games, and Civics. Setembro de 2008. Disponível em:http://www.pewinternet.org/~/media//Files/Reports/2008/PIP_Teens_Games_and_Civics_Report_FINAL.pdf.pdf. Acessado em: 12 jan. 2009.
SANTAELLA, Lucia (2004). Games e comunidades virtuais. Disponível em: http://www.canalcontemporaneo.art.br/tecnopoliticas/archives/000334.html. Acessado em: 29 jan. 2009.
11 comentários:
Micheline,
Já te disse o quanto discordava dessa idéia de uma imersão total do jogador. Se o jogador imergir completamente em seu personagem - como jogador de futebol, personagem de RPG etc. - ele não conseguirá mais jogar. O jogo exige o comando técnico e a obediência a regras, limites que só é concebível se o jogador mantiver algum grau de objetividade com relação ao jogo. Quando isso não acontece, o jogador mata pessoas reais num cinema etc. Qualquer que seja a nossa opinião acerca da capacidade ou não que os jogos teriam de determinar comportamentos, em casos como esses, todavia, o jogo está perdido. Jonatas
Ah! Por que tiraram a musiquinha da Gretchen???... Eu gostava tanto. Fábio S.
GRETCHEN! GRETCHEN!
Gretchen! Gretchen!
Micheline, texto no mínimo muito instigante. O lance do Rapelay chama atenção pro fato, mas sinceramente nao sei até q ponto existe uma influência aí...mas sem dúvida é algo para ser discutido...
Ah, qto a musiquinha nada substitui a versão do The Turtles..rsrsrsrs
Micheline, texto no mínimo muito instigante. O lance do Rapelay chama atenção pro fato, mas sinceramente nao sei até q ponto existe uma influência aí...mas sem dúvida é algo para ser discutido...
Ah, qto a musiquinha nada substitui a versão do The Turtles..rsrsrsrs
Micheline, texto no mínimo muito instigante. O lance do Rapelay chama atenção pro fato, mas sinceramente nao sei até q ponto existe uma influência aí...mas sem dúvida é algo para ser discutido...
Ah, qto a musiquinha nada substitui a versão do The Turtles..rsrsrsrs
Micheline, texto no mínimo muito instigante. O lance do Rapelay chama atenção pro fato, mas sinceramente nao sei até q ponto existe uma influência aí...mas sem dúvida é algo para ser discutido...
Ah, qto a musiquinha nada substitui a versão do The Turtles..rsrsrsrs
Putz... Volta Gretchen aí, Jonatas.
Si, probablemente lo sea
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