quinta-feira, 4 de junho de 2009

Psiquiatria, Sujeito e Comunicação


"O que eu sempre precisei, acima de tudo, para a minha própria cura e restabelecimento, foi a convicção de não estar sozinho, de não me ver tão sozinho ― uma suspeita encantadora de algum companheirismo e semelhança de olhar e desejo, um momento de relaxamento na certeza da amizade..." Nietzsche
A liberdade de um sujeito é a sua capacidade de adquirir autonomia na criação e apropriação de objetos socializados (Costa, 1984). A sociabilidade humana é fundamental para pensarmos na existência de sujeitos autônomos e livres. O grau de autonomia, por sua vez, está relacionado à capacidade do sujeito humano de se apropriar das quatros dimensões da realidade: a linguagem, a natureza exterior, a natureza interior e o mundo social (Habermas, 1989).

(ahá, olha aí Habermas! Mesmo assim, minha concepção de sujeito era dada e não resultado de algum processo de subjetivação. Na época, utilizava o aporte habermasiano para criticar três "antipsiquiatras": David Cooper, Laing e Szasz)

A autonomia do sujeito humano, por outro lado, está relacionada com o seu processo de emancipação, e esta, por sua vez, depende do desenvolvimento de sua capacidade de linguagem, de cognição e de interação (Noam Chomsky, 1980). Neste sentido, o desenvolvimento da singularidade individual acontece através da linguagem, que é a mediação universal necessária à cognição e à ação humana, e, em particular, à linguagem comunicativa (Habermas, 1989), voltada ao entendimento. Assim, podemos supor que o desenvolvimento da subjetividade pode ser considerado como imanente à linguagem e à atividade comunicativa.

Portanto, é fácil deduzir que a formação da personalidade do sujeito humano é complexa e, até certo ponto, frágil ― nem sempre coroada de êxito; os fracassos acontecem freqüentemente e, entre várias causas, podemos citar a doença mental. No processo de constituição da personalidade individual é necessária, de um lado, a manutenção de uma identidade do eu singular, de outro, a identidade da intersubjetividade. Desse processo interdependente forma-se o sujeito socializado, com capacidade de aprendizagem e de comunicação. Podemos concluir, então, que as estruturas simbólicas da vida intersubjetiva são reproduzidas pela ação comunicativa (1989) ― forma de interação coordenada pela linguagem.

(estou com fortes dores de cabeça, tentando descobrir o que significa "a identidade da intersubjetividade". Como esse blog é direcionado à graduação, peço aos pequerruchos que utilizem minha confusão mental como uma forma pedagógica de evitar o erro)

A doença mental é um entidade mórbida que interrompe em algum ponto esse processo formador da identidade e da personalidade. Se antes era possível uma comunicação coordenada pela linguagem, voltada para o entendimento, com a doença mental, porém, ocorre uma comunicação distorcida patologicamente. O doente não consegue fazer-se compreender pelo outro; ele se isola e seus laços de sociabilidade são fragmentados, ocorrendo um processo de deterioração na sua identidade, tanto em relação a si mesmo como em relação à sua vida intersubjetiva. As grandes psicoses, desse modo, seriam doenças da comunicação patologicamente afetadas.

(embora interessante, minha concepção de psicose é reducionista, isto é, reduzo tudo à comunicação. De todo modo, um antipsiquiatra perguntaria: a distorção da comunicação é produto de uma patologia ou de um tipo de vida social?)

Acreditamos, assim, que a ação comunicativa é incompatível com o asilo. A forma de organização do asilo seria um sistema anti-comunicativo por excelência. Ao invés de tentar restaurar a competência comunicativa de sujeitos que a perderam, o asilo produz o efeito contrário de diminuir ao máximo a ação comunicativa entre os pacientes. Do ponto de vista político, o asilo nega todos os três direitos fundamentais do internado:

a) o direito à palavra pessoal, em que o internado tem de ser ouvido, porque ele só pode ter condições de sair da internação retomando a sua subjetividade;

b) o direito à diferença, ou seja, o direito de manter dentro da instituição a sua identidade, que lhe é roubada nos mínimos detalhes;

c) o direito à cidadania: o protesto do internado contra a instituição tem que ser escutado.

(em suma, ao contrário da antipsiquiatria, não nego a "doença mental" como tal, mas aceito sua crítica ao asilo. Mas substitui-lo por qual instituição? A resposta está no post seguinte, que é uma crítica à antipsiquiatria -- aliás, nele, faço uma crítica sectária a Foucault)

Referências:

CHOMSKY, Noam -- Reflexões sobre a linguagem -- São Paulo: Cultrix, 1980.
COSTA, Jurandir Freire -- Violência e Psicanálise -- Rio de Janeiro: Graal, 1984
HABERMAS, Jurgen -- Consciência moral e agir comunicativo -- Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989

Artur Perrusi

4 comentários:

Teresa disse...

Gostei muito da proposta. Rever as anotações do passado e comentá-las. Muito interessante perceber que o processo de formação é contínuo e que estamos sempre amadurecendo nossas leituras. Bom para os angustiados como eu (risos)!!
Ah! Gostei da citação do Nietzsche

asadebaratatorta disse...

Como um 'bom' "pequerrucho", aguardando o próximo post. Me interessa bastante uma idéia de constituição de sujeitos.

Lena disse...

Que coisa mais didática esse negócio de auto-crítica pública : )

Só não entendi quando vc disse que, apesar de usar Habermas, sua concepção de sujeito não resultava de um processo de subjetivação, já que o texto traz a idéia habermasiana de subjetividade (e inter) a partir da linguagem (e doença mental como incompletude nesse processo). Dá pra juntar sujeito dado e Habermas? Ainda por cima com interacionismo? Aiaiai

Artur disse...

O que acho é que, simplesmente, eu não entendia o conceito de sujeito em Habermas; em particular, não o entendia como "resultado" justamente da intersubjetividade -- a ação comunicativa como "motor" do processo de subjetivação. Por isso, eu disse que minha noção de sujeito era dada, isto é, no fundo, anterior ao processo intersubjetivo.

E, na época, tb não entendia bem o interacionismo, embora utilizasse largamente Goffman, já que este tinha todo um trabalho sobre o asilo.

Veja-me como um sarapatel (misturava tudo). Naquele tempo, era meio azedo, embora não tivesse consciência disso. Toda consciência de um sarapatel é a posteriori. Abs.