sábado, 12 de setembro de 2009

Sociologia no Ensino Médio: o que ensinar?



O texto abaixo é uma versão de um trabalho que apresentei em uma mesa redonda sobre conteúdos e metodologias do ensino da sociologia no nível médio, no XXIV Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Sociais, João Pessoa- PB.


Cynthia Hamlin


No início de 2008, participei de um curso de extensão de formação de professores de sociologia do ensino médio oferecido pela UFPE e pela Secretaria de Educação do estado de Pernambuco. Dos cerca de quinhentos professores que participaram do curso, seguramente menos de dez por cento tinha formação em ciências sociais: a maioria vinha de áreas como história, geografia, pedagogia, matemática, biologia e até educação física. Apesar da diversidade, uma semelhança entre eles chamou-me a atenção: a grande maioria acreditava que o objetivo maior da introdução da sociologia nas escolas era “mudar a sociedade”.


Em um nível muito geral, concordo que há aí um fundo de verdade, especialmente se a mudança que se tem em mente diz respeito ao exercício pleno da cidadania e da democracia. Já no final do século XIX Durkheim (apud Lahire 2007: 388) enfatizava que

um povo é tão mais democrático quanto maior o papel da deliberação, da reflexão e do espírito crítico no que diz respeito às questões públicas. E tão menos democrático quanto mais a inconsciência, os hábitos irrefletidos, os sentimentos obscuros, em resumo, os preconceitos subtraídos ao exame são, ao contrário, preponderantes.

A idéia de se prover os estudantes com conteúdos sociológicos “necessários para o exercício da cidadania” apareceu na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, sendo também sugerida nas Orientações Curriculares Nacionais de Sociologia (OCN’s). É verdade que as OCN’s não colocam muita ênfase nesta questão e após participar do referido curso de formação de professores, o que me parecia uma fragilidade no documento, hoje me parece uma virtude. Esclareço. Não se trata de negar a dimensão crítica e emancipatória da sociologia e, portanto, seu poder de mudar a sociedade, mas de enfatizar sua dimensão curricular a fim de salvaguardar seu papel específico nas escolas. Embora as OCN’s sejam orientações de caráter essencialmente aberto, tanto no que diz respeito aos conteúdos curriculares quanto aos procedimentos didático-pedagógicos, seu pressuposto básico é o de que o conhecimento sociológico só será realmente incorporado à educação se for trabalhado com base em um modelo curricular que a valorize enquanto um campo específico do saber e cujos temas não podem ser repassados de forma transversal, por meio de outras disciplinas. Em outros termos, o ensino da sociologia deve dizer respeito a um tipo específico de conhecimento escolar que, ainda que tenha o exercício da cidadania como um fim último, não se limita a ele.


Não reconhecer a sociologia como campo especializado abre a possibilidade de que seu ensino degenere em simples produção/reprodução ideológica, numa espécie de glorificação do senso comum sob a ilusão de um conhecimento especializado que, na melhor das hipóteses, transformaria as aulas de sociologia em verdadeiras conversas de botequim.


Ao enfatizar objetivos como o estranhamento e a desnaturalização do senso comum, as OCN’s apontam para a forma pela qual a sociologia pode, por meio de seus conteúdos, facilitar o exercício da cidadania. O que parece estar em jogo aqui é algo muito semelhante ao argumento que Norbert Elias propõe em O Processo Civilizatório: embora os seres humanos venham desenvolvendo uma atitude progressiva de distanciamento e de controle dos afetos em relação aos fenômenos naturais, tal distanciamento tem sido menos efetivo em relação aos fenômenos sociais. É este desafio que nós, sociólogos, precisamos enfrentar nas escolas sem, no entanto, perder de vista que a dimensão moral dos fenômenos humanos não admite uma separação tão estreita entre um distanciamento cognitivo e um engajamento afetivo.


Um estudo comparativo (ainda inédito) entre professores brasileiros e alemães desenvolvido por Thomas Leithäuser e Silke Weber (2009) demonstra que a preocupação com o estranhamento/desnaturalização, por um lado, e o receio de se transformar as aulas de sociologia em conversas de botequim alimentadas pela ausência de distanciamento reflexivo, por outro, é comum entre os dois grupos de professores, ainda que, sob determinados aspectos, por razões diametralmente opostas. Nas palavras dos autores do estudo, o objetivo do trabalho consistiu em saber

como os professores podem conseguir transmitir a seus alunos não apenas conhecimentos necessários, mas também o hábito de questionar e pensar de modo consistente, de desenvolver motivação para a reflexão filosófica e sociológica [...]. Queríamos saber dos professores como realizam [...] essa tarefa em suas aulas, quais os problemas que enfrentam, qual o apoio que necessitam e como conseguem, diante de todas as barreiras e dificuldades, dar aulas de qualidade.


O estabelecimento de grupos focais possibilitou que os professores refletissem sobre suas experiências e preocupações, revelando algumas semelhanças e algumas diferenças entre o contexto brasileiro e o alemão. São tais diferenças que, em minha opinião, ilustram bastante bem os dilemas envolvidos no estabelecimento de um currículo de sociologia (e também de filosofia).


É importante mencionar aqui que, enquanto os professores brasileiros ministravam sociologia e filosofia, os alemães ministravam uma disciplina chamada ética e filosofia mas que, segundo os autores do estudo, são bastante comparáveis em termos de preocupações gerais. Ambos os grupos mencionaram a dificuldade de se ensinar temas complexos mediante a ausência de reconhecimento dessas disciplinas que se manifesta das formas mais variadas: de uma carga horária excessivamente reduzida ao horário em que as aulas são ministradas (após as disciplinas consideradas importantes, quando os alunos já estão cansados). Diante desse problema, surge a questão de como engajar os estudantes em uma discussão produtiva que não seja percebida como um mero “descanso” das atividades sérias. É aqui que as dificuldades percebidas pelos brasileiros e pelos alemães parecem se distanciar.


Para os brasileiros, um dos principais problemas diz respeito à formação sociológica e filosófica insuficientes. Há um desconhecimento das teorias e dos métodos utilizados pela sociologia e a inexistência de um currículo uniforme é percebida como um entrave ao ensino. Para os professores alemães, cuja formação não é questionada, o problema maior diz respeito à dificuldade de transpor conteúdos complexos para alunos de pouca idade, o que se manifesta no medo de oferecer respostas excessivamente teóricas e abstratas aos estudantes, especialmente porque a disciplina é muito nova nas escolas. Um outro problema mencionado pelos professores alemães refere-se à segmentação do saber: dado que as escolas alemãs também têm uma disciplina de Política, quando os problemas morais se confundem com os políticos surge a dúvida em relação à disciplina na qual eles devem ser abordados.


Ausência de formação que impede a transmissão de um conhecimento especializado, por um lado, excesso de especialização que gera uma segmentação do saber, por outro. O medo de respostas pouco fundamentadas teórica e metodologicamente versus o risco de um tratamento excessivamente abstrato e distanciado dos problemas sociais. Em ambos os casos, a conseqüência desastrosa de que as aulas se transformam em puro blá-blá-blá, o que impede que essas disciplinas estabeleçam a mediação necessária entre o conhecimento especializado e uma participação consciente nas questões públicas.


No caso específico dos professores brasileiros, parece haver ainda uma crença difusa e generalizada de que muito da angústia experimentada será dissipada com o estabelecimento de um currículo que não apenas garanta uma certa uniformidade nos conteúdos repassados pelas diferentes escolas em diferentes séries do ensino médio, mas que, sobretudo, lhes diga o que ensinar. É comum, inclusive, ouvir referências à necessidade de um currículo mínimo nacional. Parte do problema é que, para que as Secretarias de Educação possam estabelecer seus currículos, respeitando as especificidades locais, seu quadro de professores precisa ser especializado. Como isso não corresponde à realidade dos professores de sociologia do ensino médio no Brasil, gera-se o desejo de que alguém lhes diga claramente o que fazer, retirando de seus ombros a responsabilidade do desenvolvimento dos currículos.


Mas será que essa é a resposta mais adequada ao problema? Não creio. De fato, acredito que a demanda gerada pelo desenvolvimento desses currículos pode colocar uma pressão saudável no sentido da contratação de professores especializados nas escolas, da melhoria dos cursos de licenciatura, assim como de uma colaboração mais efetiva entre professores universitários e professores do nível médio – a este respeito, remeto à experiência da Secretaria de Educação de São Paulo, que desenvolveu uma proposta curricular a partir da colaboração de um grupo de professores universitários reunidos pela Sociedade Brasileira de Sociologia.


Acredito, entretanto, que, menos do que determinar o estudo de temas específicos, importa que os currículos consigam estabelecer aquilo que Bernard Lahire, ao propor a introdução da sociologia no ensino fundamental na França, chama de uma terceira cultura entre uma cultura literária e uma cultura científica. Esta terceira cultura busca desenvolver nos estudantes um conjunto de competências e disposições características das ciências sociais que tornará possível aos estudantes questionar a realidade na qual estão inseridos e desenvolver posicionamentos mais solidamente embasados. Longe de almejar a construção de um conhecimento enciclopédico, tais competências e disposições visam simplesmente a incorporação de alguns hábitos intelectuais das ciências sociais à cultura escolar (Lahire, 2007: 400-401):


1) A objetivação etnográfica, ou o desenvolvimento de um “olhar sociológico” capaz de descrever e de narrar aquilo que se pode observar diretamente. Esta competência, além de dirigir a atenção dos alunos para a sociedade que os rodeia, está ligada ao desenvolvimento de um léxico extremamente rico à medida que se aprende a “nomear as coisas, a descriminar situações, a designar os gestos, as mímicas ou as atitudes”.

2) A objetivação estatística por meio da construção de questionários sobre temas de interesses dos estudantes e o desenvolvimento de tabelas, gráficos e proporções que os permita refletir acerca de tendências sociais gerais. Além de possibilitar a aplicação de conhecimentos adquiridos em disciplinas como a matemática, o estabelecimento dessas tendências possibilita que os estudantes percebam seu lugar na sociedade, aproximando-se ou afastando-se da norma.

3) A entrevista sociológica que, diferentemente da entrevista burocrática, jornalística etc, obriga o estudante a se colocar no lugar do entrevistado e, em lugar de impor a ele suas próprias categorias de valor, ajuda o outro a dizer o que quer. De maneira mais geral, a entrevista sociológica representa um verdadeiro exercício democrático na medida, ao requerer uma escuta paciente, atenta e curiosa, pode gerar um sentimento de verdadeiro respeito ao outro.


Certamente que tais habilidades e disposições devem ser desenvolvidas a partir dos grandes temas caros à sociologia, como socialização, cultura, desigualdades sociais (de classe, raça e gênero), instituições sociais (família, economia, religião, política, educação etc), ação coletiva e movimentos sociais dentre outros. Relacionar os hábitos intelectuais anteriormente mencionados a esses grandes temas é, no entanto, responsabilidade de todos nós. Sacrificar nossa liberdade de escolher aquilo que melhor se adéqua ao nosso contexto por medo de arcar com tal responsabilidade é ir contra um dos princípios mais fundamentais da sociologia: o de que a reflexão crítica acerca dos fenômenos sociais possibilita a atuação nos assuntos públicos de forma consciente e responsável.


Referências


Lahire, Bernard (2007) L’Esprit Sociologique. Paris, La Découverte.

Leithäuser, Thomas; Weber, Silke (2009). Ética, Moral, Sociologia e Política na Visão de Professores Brasileiros e Alemães: um estudo qualitativo em ciências sociais. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, mimeo.


12 comentários:

mester disse...

De cara já faço coro às questões/conclusões encontradas no estudo dos professores citados!
Ester

João Paulo disse...

Cynthia,

primeiramente parabéns pela reflexão. Depois da brincadeira do post anterior não poderia não comentar esse aqui. Acho que todos os cientistas sociais deveriam pensar a respeito por conta da importância e implicações da implantação da disciplina no ensino médio. Porém, antes de fazer coro com as conclusões, proporia uma reflexão crítica sobre as propostas de Lahire. Elas de fato condizem com o que se espera do ensino das ciências sociais(diria em qualquer país democrático). Mas ao meu ver, elas também revelam uma maturidade com o trato dos elementos das disciplinas que nós, aqui no Brasil, arrisco dizer... que nós ainda não temos.
Estudei 2 anos com Lahire e tive a oportunidade de ser avaliado por ele como diretor de meu mestrado lá em Lyon. E arriscaria a partir dessa convivência dizer que essas opiniões dele do L'esprit sociologique, correspodem, em grande medida, ao cotidiano de seu trabalho em sociologia. Inclusive daquele que realiza como professor. Para Lahire, se bem entendi sua "didática", as ciências sociais são menos os conteúdos que elas ajudam a produzir, sobretudo, como ele mesmo diz no seu vocabulário tão próximo ao da psicologia: elas são mais a incorporação das técnicas, das disposições, das competências e apetências já encontradas nas ferramentas dessas disciplinas por parte dos cientistas. Lahire pensa aí junto ao Bourdieu do "La misere du monde", que num momento de reflexividade sociológica, escreve um capítulo metodológico no final do livro descrevendo as "propriedades democráticas das ferramentas da sociologia" ao mostrar as diferenças entre, por exemplo, a entrevista sociológica e um inquérito policial.
Por que digo tudo isso? Para dizer que acredito que os três pontos alavancados por Lahire são conflitantes com a maneira com a qual nossas universidades ainda encaram a formação dos profissionais das ciências sociais no Brasil. O que está por trás da proposta de Lahire (selon moi) é uma visão específica da separação entre processo de acumulação de conhecimento científico por parte dos cientistas sociais e o processo de produção desse conhecimento. Essa separação só é perceptível em ambientes onde o sociólogo concebe seu "metier" no trato com a prática dos instrumentos acessíveis a sua disciplina(estatística, objetivação etnográfica, entrevista sociológica, etc.) Nesse sentido, a universidade teria o papel de, na formação de seus quadros, elaborar um programa de treinamento das disposições específicas a serem incorporadas pelos profissionais que, como professores ou pesquisadores,as utilizariam necessáriamente no mundo social quando fossem solicitados.
Bem, já me alongo demais nesse comentário de post. Mas acho de fato que o tema exige reflexão séria e rigorosa, apoiados em trabalhos importantes, como os de Silke e de Lahire então citados.
Agradecendo o espaço e me desculpando pelo longo comentário,
João Paulo.

Cynthia disse...

Ester, imagino que as dificuldades que você tem encontrado em uma escola particular sejam de outra ordem, não?

João Paulo,

Não sei se concordo que nos falta uma certa maturidade sociológica no Brasil: tem muita gente boa produzindo trabalho de qualidade no país. Para falar a verdade, quando cheguei na Inglaterra para fazer meu doutorado, senti muita segurança em relação à formação que recebi aqui, inclusive na área de métodos e técnicas de pesquisa que, como você sabe, nunca foi minha praia. E se você quiser saber do estado da arte da formação francesa em relação a este aspecto "instrumental", pergunte a Frédéric Vandenberghe, que fez seu doutorado em Paris sem nunca ter efetuado uma entrevista ou pesquisa de campo. Claro que isso tem a ver com a área de especialização: como eu, Frédéric trabalhou em teoria social e, neste nível de estudo, há uma especialização muito grande - o que é saudável e necessário.

Agora, honestamente, acho que as tais disposições a que o Lahire se referem são, sim, trabalhadas nos nossos cursos e só não aproveita quem não quer. Acho, inclusive, que os cursos de licenciatura estão sendo equivocadamente tratados como voltados para a formação de super-sociólogos e, se formos seguir a risca o que o MEC tem determinado, acabará sendo um curso muito mais longo do que o bacharelado. O que aconteceu com a idéia de formar bacharéis que se especializem em ensino depois, como era antes?

Enfim...

João Paulo disse...

Oi Cynthia,

Obrigado pela resposta. Só para deixar claro uma coisa com relação a minha opinião, eu não fazia uma crítica às universidades brasileiras em cima de um elogio das francesas. Muito pelo contrário, usei o termo maturidade apenas para acentuar que aquela sugestão de Lahire estava ligada à maneira muito particular dele de pensar a sociologia. Inclusive, é bom dizer, eu acho a opinião de Lahire, dentro da universidade francesa, relativamente isolada(apesar do renome que ele tem feito ultimamente). Como você, acho que as disposições são trabalhadas em nossas universidades, só percebo que o "só não aproveita quem não quer" é um disposivo que coloca a incorporação dessas disposições em um plano pedagógico diferente do que é apregoado pela centralidade desse processo de socialização entendido como necessário para o bom desempenho do metier de sociólogo (que é próprio a visão de Lahire). Meu ponto é apenas esse. Não defendia nenhuma visão de sociologia em detrimento de outra. Admiro seu trabalho de teórica que acompanho do jeito que posso como também o seu de professora, os quais me foram muito úteis para meu desempenho na universidade francesa. Longe de mim negar o valor da formação que recebi e recebo na UFPE. Esclarecido isso, mais uma vez obrigado pela resposta,
João Paulo.

Cynthia disse...

João Paulo,

o problema de se usar como exemplo é que a gente acaba personalizando as coisas. Não considerei sua reflexão uma crítica pessoal, de forma que vc não precisa se explicar. Mas continuo achando que nossa formação (no Brasil, de forma geral) tende a ser bastante diversificada, contemplando todas as dimensões da profissão. O caso da França é um pouco mais específico: Bourdieu etc. remam contra a maré em um país em que produção empírica tende a ser negligenciada porque a influência filosófica na teoria social francesa é muito forte. Eles são exceção e, como tal, enfatizam muito a necessidade da pesquisa empírica (até por causa da formação antropológica de Bourdieu). Aliás, existe um ótimo livro de um cara chamado Alan Drouard sobre essa especificidade da sociologia francesa (não lembro o nome agora, mas se vc quiser, posso procurar). Certamente esse não é o caso no Brasil, cuja sociologia teve uma influência muito marcante das tendências empíricas da sociologia americana. Para o bem e para o mal.

Bjs.

João Paulo disse...

Cynthia,

é verdade o que você diz. Mas para não perder o tom, eu brinco: deveria ter começado meu comentário com um "isso não é uma autobiografia".
Bjs.
ps. E me interessa sim o livro do Drouard, se você puder lembrar das referências eu vou atrás. Obrigado.

Cynthia disse...

João Paulo,

Acho que eu é que deveria ter dito isso, já que fui eu que me usei como exemplo. Ah, deixa prá lá.

A referência: Drouard, A. (1989). "The Development of Sociology in France after 1945". N. Genov (ed.)National Traditions in Sociology. Londres: Sage.

João Paulo disse...

Muitíssimo obrigado Cynthia!

Amurabi disse...

Bem, este artigo há algum tempo estava atrás e realmente traz uma reflexão interessante, me traz inquietações enquanto estudante de doutorado, enquanto professor no ensino médio e enquanto professor de sociologia da educação. Mas também me interessa destacar o quanto que o ranço da formação bacharelesca influencia nos problemas encontrados na formação de professoresno Brasil afora, em 2006 (antes do parecer do CNE de 2007 e da lei em 2008) cheguei e comparar mais de 20 PPPs (PPCs) de cursos de ciências sociais no Brasil todo, e o que me soava é que a licenciatura era sempre relegada a um status de ser um simples bacharelado mal feito. Em verdade não se trata de fazer um super licenciado, nem negar que um bacharel possa se especializar em ensino, mas reconhecer que a realidade do ensino médio é outra, que exige um processo formativo no qual haja uma articulação entre teria e fazer pedagógico, afinal, em alguma medida a teoria é em si "universalizante", mas a situação pedagógica não. O ensino de sociologia só pode ser pensado a partir de uma nova formação de professores séria e não curso sempre relegado ao período noturno,onde não há PIBIC, não há PET... como se a licenciatura fosse um "não lugar". Muito se apregoa em torno de que o que diferencia o bacharelado da licenciatura é a pesquisa, nada mais falso, o que diferencia é a razão do pesquisar, afinal quem não pesquisa se limita a reproduzir o que leu e ouviu por aí, como diria Pedro Demo. As barreiras materiais postas são grandes, mas n intransponíveis, quando cheguei ao entã CEFET Petrolina a sociologia estava apenas em um ano, hoje está nas 3 séries com duas aulas semanais em cada ano, o que configura como único entre os institutos federais e até onde sei em qualquer escola que não possui ensino integral. Mas a mudança se deu a partir do meu questionamento em torno de: por que a sociologia seria menos importante que qualquer outra forma de conhecimento no currículo escolar. O currículo é sempre uma expresão de poder, de disputas, de tensões e lutas em torno de visões de mundo, e isso inclui o ensino ou não de sociologia. Mas como disse, pensar o ensino de sociologia só se faz possível a partir de uma reflexão profunda acerca do processo de formação de professores. Infelizmente não posso falar da realidade do ensino de sociologia de modo mais geral pois minha realidade é muito sui generis por se dar na rede federal de ensino, porém acredito que muitas das questões que me passam, e muitos dos problemas que enfrento sejam comum a outros professores. No mais para além das questões acadêmicas o ensino de sociologia para mim possui um caráter bastante pessoal tanto que tenho me articulado dentro da rede federal de educação profissional e tecnológica para mudar esse cenário ao menos nela.
Abraço a todos e todas

Cynthia disse...

Amurabi,

Como você pensa que deve ser a formação das licenciaturas em ciências sociais? Haveria alguma especificidade em relação ao tipo de pesquisa ensinada no bacharelado, por exemplo?

Amurabi disse...

PARTE I

Acho que não constituiria um tipo de pesquisa diferente, mas sim uma reformulação da pesquisa da licencitura no sentido de pensá-la atrelada à realidade docente, quais as implicações que a pesquisa possui para a docência? Mas é claro que isto é algo delicado e que leva tempo, tmepo inclusive para não criar hierarquias entre "uma pesquisa menor" e "A PESQUISA", esta ultima sendo a do bacharelado. As universidades têm grande dificuldade em pensar e valorizar a educação, Amaury Cesar Moraes nos chama a atenção para o fato de que de todos os títulos de pós graduação o único que se exige algo relacionado ao ensino é a livre docência, os demais são títulos exclusivamente de pesquisa, o que contradiz a própria realidade da pesquisa no país na qual 90% dela está nas universidades, que realizam até onde sei concurso para professores, demarcando aí a questão do ensino como fundamental.
Na minha opnião, e aí baseado em minha experiência docente e de pesquisa nesta área, acredito que o que realemnte falta é uma identidade à licenciatura, o que há é a disfiguração do bacharelado que perde o viés da pesquisa e em seu lugar enhtram disicplinas pedagógicas desarticuladas. Na maior parte das universidades barsileiras didática é uma disiciplina geral, não lida com as especificidades do curso, o que constitui uma dificuldades não apenas para ciências sociais, mas para todas as licenciaturas.
O necessita-se é uma proposta pedagógica e currícular que reflita uma realidade: a sala de aula. Teorias, metodologias etc são importantíssimas, mas se não é capaz de realizar uma conexão com a realidade do aluno em termos de prática profissional produzirá alunos cada vez mais despreparados. Tenho conversado com colegas licenciados de lugares diversos (PB, PE, RN, RS, MT, AM, SP, RJ, MG) a sensação é a mesma: a universidade por não ter nem ao menos idéia do que é a realidade do ensino de sociologia na escola média não foi capaz de prepará-los.
Bem como disse comparei cerca de 20 PPPs, a absoluta maioria vai na contra,ão do que o MEC institui através dos parecers do CNE, seja na carga horária (2800 - 1800 de teoria - 400 de prática - 400 de estágio - 200 de outras atividades), seja pelo que mais o CNE tem criticado que é colocar a licenciatura num jogo de 3 +1, como eles chamam, como se para sair de um bacharelado para uma licenciatura bastasse "complementar", só se complementa o que se está incompleto, e só se pode pensar em termos de soma se pudermos pensar em termos de subtração, o que não é o caso. Há uma perspectiva histórica com relação à educação aí, não à toa na maior parte do Brasil que possui departamento de ciências socais os professores de sociologia da educação e de prática de ensino em ciências sociais, nem ao menos constituem parte do departamento de ciências sociais, são a parte, como membros do baixo clero, como não produzem "sociologia de verdade" não são sociólogos, como em verdade tem se debatido se os licnciados são ou não sociólogos, ou seriam "apenas" professores de sociologia (vide MORAES 2003 na revista Tempo Social). Alias já vi universidade fazer concurso para prfessor de "Prática de ensino em ciências sociais e história", como se tudo fosse a mesma coisa, ou ainda universidade em que sociólogo nã pode se candidatar a uma vaga de sociologia da educação, enfim.

Amurabi disse...

PARTE II

Prática docente, disiciplinas pedagógicas e teorias devem, desse modo se articular. Devem possuir características próprias, símiles porém ainda assim distintas da do bacharelado, a licenciatura não é e não deve ser uma sombra do bacharelado. Em algumas universidades o número de bacharelandos que são licenciados reingressantes chega a 50%, como se a licenciatura não lhes bastassem, como se ela fosse apenas emergencial e não um título em verdade.
Creio que pensar uma licenciaura com uma identidade própria é um exercício difícil e tenho isto poucas universidades avancerem de fato, nestes últimos 2 ou 3 anos deixei de acompnhar as grades curriculares, quando com mais tempo devo voltar a catá-las, talvez com o impacto do ensino da sociologia (ainda que como disicplina marginal afinal 1 aula semanal é no mínimo irrisório) as coisas tendem a mudar, na UFPB por exemplo, que possuia apenas bacharelado passou a possuir licenciatura, daquele jeito que não irei comentar aqui, mas possui é um primeiro passo.
Acho que acabei dando uma pesposta vaga, mas creio que seria mais ou menos isso, uma mudança em termos de problematizaçaõ da prórpia pesquisa enquanto instrumento de prática docente também, da prática docente e de seu estágio, como pensá-lo? a própria prática de ensino tem sido bastante discutida de modo geral, mas como pensar na especificidade do ensino de sociologia? Como pensar o planejamento atrelado a uma produçaõ de matrial didático? Diante de um mercado editorial ainda nascente, e com péssimos livros disponíveis, diga-se de passagem, o âmbito do professor enquanto pesquisador deve aflorar mais que nunca.
Também deve-se problematizar em torno mesmo do núcleo comum, como melhorá-lo ou epnsá-lo numa interface com a docência? não há de se negar que esse "núcleo comum" nunca é "comum", é um núcleo do bacharelado que a licenciatura tem que usar, que é empurrado garganta abaixo. Tomaz Tadeu afirma que todo currículo é uma expressão de poder, creio que no caso da relação entre bacharelado e licnciatura isso fica mais claro que nunca.

Abraçs a todas e todos