Jonatas Ferreira
Conclui o último post com a seguinte afirmação:
“A língua é nossa questão, estamos sempre retornando à sua infância. É precisamente a possibilidade de dizer “eu” que nos capacita a operar uma separação entre língua e discurso, entre o que está dado e o modo como podemos nos envolver com o que está dado. E isso é apenas uma outra forma de afirmar nossa pobreza, precariedade ontológica; porém agora tudo isso é tomado como base do pensar o mundo de maneira radical. Como em Marx, a nossa nudez é a base para se ter esperanças em uma experiência radicalmente trágica da vida”.
Falávamos ali de um tipo de vida em que os objetos, as vivências perdem seu sentido e a possibilidade de se converterem em experiência. Gostaria de dar prosseguimento àquelas considerações discutindo um tipo particular de vivência, aquilo que Freud chama de estranheza, um sentimento de horror, de inquietude, em que o familiar nos aparece como o mais remoto e o mais distante se nos apresenta como o mais íntimo. Aquilo que chamei de experiência radicalmente trágica da vida ganha cores particulares a partir da reflexão freudiana. Gostaria de seguir essa trilha, portanto.
Em 1919, Freud escreveu “O Estranho” [Das Unheimlich], uma incursão psicanalítica em um tema próximo da estética. É bem verdade que todos podemos relatar vivências estranhas: sensações de déjà-vu, a recorrência de certos gestos que suspeitamos estejam ligados a um certo automatismo da vida, o incômodo provocado pela visão de animais empalhados. Essa esquisitice toda já interessaria diretamente à psicanálise. Porém, a verdade é que o ponto de partida de Freud naquele famoso ensaio é estético. Sua abordagem neste campo amplo, ao propor uma reflexão acerca do sentimento de estranheza, não é convencional. Assim: “Nada em absoluto encontra-se a respeito deste assunto em extensos tratados de estética, que em geral preferem preocupar-se com o que é belo, atraente e sublime - isto é, com sentimentos de natureza positiva - e com as circunstâncias e os objetivos que os trazem à tona, mais do que com os sentimentos opostos, de repulsa e aflição”. Mais especificamente, poderíamos dizer que é um certo tipo de literatura do século XIX da qual ele parte; ou seja, ele parte essa variação do fantástico, que é o sentimento de estranheza produzido por certo tipo de ficção. Muita gente boa deu uma passadinha neste terreno fértil: lembremos de Dostoievski e seu “Crocodilo”, ou Nerval e sua “Mão Encantada”, ou Balzac e “O Elixir da Longa Vida”, Gogol e “O Nariz”. A lista é realmente muito extensa. Porém, o texto que lastreia a reflexão freudiana sobre o sentimento do estranho, do esquisito, do canhestro, é “O Homem de Areia” (1817) de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, desse importante escritor romântico.
Antes de entrar numa análise mais substantiva deste ensaio de Freud, devemos reconhecer a dificuldade de traduzir o adjetivo unheimlich para o português. Nenhuma das palavras que comumente usamos para tal dão conta de uma certa ambiguidade que radica no centro daquela palavra que lhe dá origem e que fala de algo doméstico [heimlich], ou nativo [heimisch], ou aconchegante. O estranho, se assim traduzirmos unheimlich, portanto, opõe-se ao doméstico, ao nativo, ao conforto do lar e talvez, por isso mesmo, já exista versão em português do texto freudiano, observa um amigo psicanalista, que prefira traduzir esta palavra como 'inquietante'. E, no entanto, há um uso da palavra heimlich que também nos proporciona o sentimento de estranheza, inquietação, donde se conclui que há algo de doméstico no sentimento de unheilichkeit e algo potencialmente estranho, perturbador, naquilo que julgamos doméstico, nativo. Citando Gutzkow, Freud explica: “Oh, nós chamamos a isso ‘unheimlich’; vocês chamam ‘heimlich’. Bem, o que faz você pensar que há algo secreto e suspeitoso acerca dessa família?”. A palavra heimlich abriga ainda um sentido de mistério, de segredo, algo que se faz privadamente, “pelas costas”. E este sentido, precisamente, também está no coração da emoção de estranheza, isto é, de Unheimlichkeit. O estranho é algo que nos provoca pavor, horror, e é algo que deveria ter permanecido secreto, escondido da vista.
Ilustremos esse sentimento com situações concretas. Freud recorre a um estudo de Jentsch para falar de situações em que percebemos uma situação, objeto, ser vivo como estranhos:
“‘dúvidas quanto a saber se um ser aparentemente animado está realmente vivo; ou, do modo inverso, se um objeto sem vida não pode ser na verdade animado’; e ele refere-se, a esse respeito, à impressão causada por figuras de cera, bonecos e autômatos engenhosamente construídos. A estes acrescenta o estranho efeito dos acessos epiléticos e das manifestações de insanidade, porque excitam no espectador a impressão de processos automáticos e mecânicos, operando por trás da aparência comum de atividade mental”.
Só então Freud nos remete ao conhecido conto de Hoffman. O Homem de Areia é, antes de qualquer coisa, um personagem fantástico, macabro, resquício de uma cultura rural que o grande escritor alemão preserva em seu conto urbano. O desenho que abre este post retrata o que as crianças contemporâneas de Hoffmann ainda escutavam para se manterem bem comportadas. Mas quem é o Homem de Areia? Freud nos responde usando o próprio Hoffmann: “É um homem perverso que chega quando as crianças não vão para a cama, e joga punhados de areia nos olhos delas, de modo que estes saltam sangrando da cabeça. Ele coloca então os olhos num saco e os leva para a meia-lua, para alimentar os seus filhos. Eles estão acomodados lá em cima, no ninho, e seus bicos são curvos como bicos de coruja, e eles os usam para mordiscar os olhos dos meninos e das meninas desobedientes.”
Esse personagem macabro é objeto das reminiscências do narrador-personagem, Nataniel, que lembra como, cedo em sua infância, ele o associou à figura de um visitante não desejado que frequentava ocasionalmente sua família e o assustava. Esse visitante chama-se Copélio, objeto do primeiro delírio do jovem Nataniel. Essa crise psíquica está associada precisamente a um medo já conhecido. “O pai e o convidado estão trabalhando num braseiro incandescente. O pequeno intrometido ouve Copélio invocar: ‘Aqui os olhos! Aqui os olhos!’, e trai-se ao soltar um alto grito. Copélio apanha-o e está prestes a lançar brasas tiradas do fogo em seus olhos, jogando estes depois no braseiro, mas o pai lhe implora que solte o menino e salva-lhe os olhos”. Copélio se cristaliza como emblema do pavor, pavor já sentido em relação ao Homem de Areia, quando, durante uma de suas visitas, o pai de Nataniel morre.
Bem, usarei o resumo que o próprio Freud oferece acerca da continuidade da narrativa. Isso me poupará um esforço considerável. E aí vai uma longa citação:
“Nataniel, agora um estudante, crê ter reconhecido esse fantasma de horror da sua infância num oculista itinerante, um italiano chamado Giuseppe Coppola, que na cidade universitária, se oferece para vender-lhe barômetros. Quando Nataniel recusa, o homem prossegue: ‘Não quer barômetros? Não quer barômetros? Tenho também ótimos olhos, ótimos olhos!’ O terror do estudante atenua-se quando descobre que os olhos oferecidos são apenas inofensivos óculos, e compra um pequeno telescópio de Coppola. Com a ajuda do instrumento ele observa a casa em frente, do professor Spalanzani, e ali espia a bela mas estranhamente silenciosa e imóvel filha de Spalanzani, Olímpia. Logo se apaixona por ela tão violentamente que, por sua causa, esquece a moça talentosa e sensível de quem está noivo. Mas Olímpia é um autômato, cujo mecanismo foi feito por Spalanzani e cujos olhos foram colocados por Coppola, o Homem da Areia. O estudante surpreende os dois Mestres discutindo quanto ao seu trabalho manual. O oculista leva embora a boneca de madeira, sem os olhos; e o mecânico, Spalanzani, apanha no chão os olhos sangrentos de Olímpia e os arremessa ao peito de Nataniel, dizendo que Coppola os havia roubado do estudante. Nataniel sucumbe a um novo ataque de loucura e, no seu delírio, a recordação da morte do pai mistura-se a essa nova experiência. ‘Apressa-te! Apressa-te! anel de fogo!’ grita ele. ‘Gira, anel de fogo - Hurrah! Apressa-te, boneca de pau! Linda boneca de pau, gira -.’ Cai então sobre o professor, o ‘pai’ de Olímpia, e tenta estrangulá-lo”.
Uma informação a mais acerca do conto: Coppola e o advogado Copélio são a mesma pessoa. O Homem de Areia, portanto, e um sentimento de inquietação a e ele associado, retornam sob mais esse nome. Algo mais, porém, retorna: o tema dos “olhos sangrentos”, arrancados. A exegese psicanalítica que Freud produz do conto de Hoffmann passa por identificar esse medo com um outro, o da castração. “O autocegamento do criminoso mítico, Édipo, era simplesmente uma forma atenuada do castigo da castração - o único castigo que era adequado a ele pela lex tallionis”. Os olhos seriam algo como um primeiro veículo de expressão e busca de satisfação do desejo, daí serem tão facilmente associados ao pênis. O medo da perda de um deles estaria, olhos ou pênis, portanto, associado ao medo de perder o outro. O sentimento de estranheza estaria associado ao retorno deste medo infantil em Nataniel que, por seu turno, seria uma projeção de um impulso destrutivo com relação ao pai que, numa fase primitiva da vida do personagem, inviabiliza seu desejo edipiano.
Mas a boneca Olímpia também provoca estranheza. Por que? Outros autômatos na ficção do fantástico e do estranho despertam uma sensação semelhante. Lembremos o Golem, por exemplo. Freud acredita que aqui está em jogo um mecanismo psíquico de autoconservação que projeta um duplo do ego. Autoconservação contra o quê? Contra o medo de ser castrado. “Essa invenção do duplicar como defesa contra a extinção tem sua contraparte na linguagem dos sonhos, que gosta de representar a castração pela duplicação ou multiplicação de um símbolo genital. O mesmo desejo levou os antigos egípcios a desenvolverem a arte de fazer imagens do morto em materiais duradouros. Tais idéias, no entanto, brotaram do solo do amor-próprio ilimitado, do narcisismo primário que domina a mente da criança e do homem primitivo. Entretanto, quando essa etapa está superada, o ‘duplo’ inverte seu aspecto. Depois de haver sido uma garantia da imortalidade, transforma-se em estranho anunciador da morte”. O medo que instaura o duplo retorna o duplo como objeto de estranheza, de medo. A literatura fantástica do século XIX poderia justificar Freud. Ela está prenhe de sombras que se desgarram de seus corpos, que se tornam autônomas e inimigas dos corpos de onde se originaram. “A Sombra” (1847) de Hans-Christian Andersen é um exemplo famoso. E aqui frisaremos algo já dito: o duplo é objeto de terror, de unheimlichkeit, mais propriamente, por ser proveniente de um estádio “da vida mental muito primitivo, há muito superado”.
Creio ser legítimo encontrar em Olímpia o duplo de Nataniel, precisamente porque há algo de mecânico nele como em todo aquele que vivencia uma repetição compulsiva. Não consegue deixar de se envolver com homens inseguros? Não consegue deixar de se envolver com mulher dominadora? Leitor, leitora, pode haver algo de igualmente compulsivo, mecânico em você, um mecanismo hipomnético, como diria Derrida - uma vaga memória daquilo que foi reprimido, esquecido. Há uma pulsão de morte no mecânico, na compulsão, como afirma Freud em O Mal-Estar na Civilização. Porém, este é um impulso fundamental para a elaboração daquilo que não pode ser ainda articulado pela fala. Talvez, por esse motivo, Olímpia não fale, mas a tudo responde com um sorriso - como o gato de Alice que a tudo respondia com um miado. E é o retorno ao inarticulado, e em grande medida inarticulável, que nos interessa aqui.
Neste sentido, eu diria que o interesse freudiano pelo estranho é um signo do trágico no seu pensamento, signo que o vincula ao moderno na exata medida em que busca algo de essencialmente humano, ontológico nesta experiência. Algo semelhante, lembraria também, ocorreu com nossas leituras de Benjamin e Agamben, o que falaria de algum tipo de repetição compulsiva em mim - obcecado por um determinado problema teórico, quem sabe - ou na própria estrutura de vida moderna. Mas o que é o trágico? O trágico é a chegada de Dionisos à sua cidade natal. Porém, ele sempre retorna como estrangeiro, como aquele que não podemos reconhecer quando chega. É como estrangeiro que Dionisos entra em Tebas em As Bacantes. É como algo desconhecido, como um leão em uma cidade grega, que Ágave sacrifica seu próprio filho, Penteu, nesta mesma tragédia. E é como estrangeiro que se reconhece nativo que Édipo enfrenta o trágico. Medéia pertence radicalmente ao trágico por ser estrangeira em Corinto, por se encontrar estranhada de si própria, de seus poderes de sacerdotisa. E esse retorno do familiar como desconhecido é muito interessante, ele nos permite pensar algo estrutural na cultura ocidental, ou seja, uma dimensão trágica da verdade. A verdade trágica é, ao mesmo tempo, solar e noturna, privada e pública, apolínea e dionisíaca. Por isso também, o fantasma do trágico é se constituir em um saber que cega, um saber que nos coloca diante de nosso limite, diante daquilo que não sabemos ao certo se aguentamos saber. O trágico, como diria Blanchot acerca de Orfeu, é a ansiedade de querer “ver a noite como noite”. Esse é um sentido intimamente relacionado à própria escritura de “O Estranho” e, de resto, de toda a literatura psicanalítica: ver o ponto de articulação entre um primitivo que teima em retornar mecanicamente, como uma mola descontrolada, e um mundo civilizado, racional, esclarecido, enxergar aquilo que articula a própria possibilidade de ver.
Há, portanto, uma continuidade intelectual entre o Romantismo de Hoffman e a psicanálise. Essa continuidade diz respeito à percepção de um sentido trágico na verdade que é sufocado pela concepção científica do verdadeiro, isto é, a redução da verdade à questão de adequação entre conceito e intuição, entre regras gerais e caso particular. Esse significado que continua, ou se repete, foi objeto de nossa atenção no post anterior quando falamos que a nudez do humano no mundo moderno nos abria a porta para nos percebermos num processo no qual estamos sempre a entrar na língua, estamos constantemente nos questionando sobre nossa condição de fala, sobre nossa infância. Mas o que essa perspectiva que busca juntar o que é histórico, situado, e o que é ontológico poderia nos proporcionar em termos de análise?
A psicanálise, como propõe Agamben em Infância e História, marca o retorno do fantasma, da imaginação, como dimensões fundamentais do processo de conhecimento. Ora, mas já não é essa necessidade que a literatura fantástica, a literatura do estranho nos faz entender durante o século XIX? Já não é um discurso crítico à razão iluminista que Hoffman propõe em O Pequeno Zacarias dito Cinábrio, por exemplo? E assim, podemos dizer, que o sentimento de estranheza nos fala precisamente de um mundo reprimido que teima em saltar como engrenagem e por entre as engrenagens do moderno. De quem a boneca Olímpia é duplo senão do próprio Nataniel, autômato do próprio sentimento de culpa e do medo com relação aos resultados de seus desejos primitivos? Mas que terreno é esse ao qual ele retorna sem desejar, retorna para lembrar que é dali que ele precisa escapar, senão o moderno? Pois o moderno, já o vimos, é o retorno constante à infância, ao desejo de conhecer as condições de possibilidade da experiência, ao pensamento do limite do humano. E é nesse desejo pela liminalidade de nossa condição, onde a “lei paterna” coincide com os limites daquilo que nos é possível pensar e dizer, que Freud é moderno, crítico, romântico e trágico.
É o mundo moderno como experiência inquietante, estranha, que constituirá a marca da contribuição literária de Kafka. Diante de rituais, procedimentos burocráticos extremamente marcados e absolutamente desprovidos de sentido, a tragédia moderna se fará mais presente e inquietante. Precisamente ali onde a reação diante desse sentimento foi reduzida a um mínimo dramática e as possibilidades de uma saída da mecanificação pela imaginação, pelo erotismo etc. estão desacreditada somos conduzidos ao peso dessa verdade. Benjamin conclui seu ensaio "Franz Kafka, a Propósito do Décimo Aniversário de sua Morte" com a seguinte afirmação sobre sua escrita:
"Seus ajudantes são bedéis que perderam a igreja, seus estudantes são discípulos que perderam a escrita. Ela não se impressiona mais com "a viagem alegre e vazia"."
[POR EDITAR]
10 comentários:
O Homem de Areia me lembra alguém, mas não sei quem. Aquele nariz aquilino, aquela barbicha, aqueles olhos terríveis...
Ih! Agora a chamada para o lançamento do livro de Fréderic desapareceu... Está cada vez mais estranho. Jonatas
Desapareceu por obra e graça da minha vontade subjetiva sobre o mundo real. Onde Id estava, Ego está, recalcando a estranheza do mundo com a ajuda de Superego.
Se bem que eu juro que Id não teve culpa daquela esquisitice...
E quem chega agora no pedaço, terá uma dificuldade entender do que se trata. Artur, ao que parece, tem uma candidata à culpa da coisa toda. Você nem precisava ter assumido a culpa deste último ato. Jonatas
Nada mais natural, em se tratando de um post sobre o Estranho. Mas em consideração aos nossos leitores abrirei uma exceção e publicarei nossa correspondência íntima e privada a fim de revelar o fim de um mistério que durou o dia todo:
Em 04/05/2010 06:54, Cynthia Hamlin escreveu:
Meninos, alguém de vocês duplicou o post sobre o lançamento do livro do Frédéric no Cazzo?
Unheimlich!
C.
Em 04/05/2010 08:23, Artur Perrusi escreveu:
Eu, não. Só vi agora o livro. Legal, né?! Ele podia nos enviar uns de brinde, hein?! Bjs e abs
Em 04/05/2010 09:05, ferreirajonatas escreveu:
Vi agora, eu não. Não foi você, Cynthia? Canhestro. Jonatas
Em 04/05/2010 16:26, Artur Perrusi escreveu:
Temos a resposta do mistério: se não fui eu, nem Jonatas, só pode ter sido... Silke. Sim, tenho certeza de que foi Silke.
Em 04/05/2010 18:45:58, ferreirajonatas escreveu:
E a propaganda agora desapareceu. Quem foi? Cynthia? Pode ter sido Silke também. Jonatas
Eu ainda acho que isso foi coisa de Artur, mas... De qualquer forma, agora podemos voltar a falar de Freud.
Gostei do protagonismo de Olímpia nesse texto. Em Freud ela nem aparece - coitada - e eu a achei tão interessante. Eu também a vi como o duplo de Natanael naquele conto - como algo em que ele projetava todos os seus delírios e desejos de forma ampla e inconteste, diferente de como era com Clara (a noiva real que o tolhia). Adorei o texto... uma ótima complementação da aula (que também foi ótima).
Abraços,
Raíza
Gracias, Raíza.
Acho que ainda vou fazer uma versão 3.0 do texto e explorar essa estória melhor. Abração, Jonatas
Faça mesmo! Irei esperar por essa versão 3.0 ansiosa... rsrsrs
Beijos,
Raíza
Jonatas,
lembro de você ter dito a mim e a Heraldo que tinha terminado de ler Orestes e que ficou impressionado com o surgimento de Apolo como um Deus ex-machina. Não sei se você chegou a Orestes via Freud (Moisés e o Monoteísmo) mas, se não foi, dê uma olhada no segundo cap. do Making Sex, de Thomas Laqueur: Apolo amarra as pontas soltas da estória ao reiterar a ausência de qualquer princípio gerador na mãe e no mito do pai como fundador da civilização. A mãe é, portanto, uma estranha.
Interessante pensar que o cômico, em Freud, apresenta o mesmo de princípio de retorno do recalcado...
Seria Freud tragicômico?
Cynthia,
Cheguei a Orestes através do ensaio de Agamben sobre Pobreza e Experiência, de Benjamin. A uma dada altura da glosa agambeninana, ele fala de algo familiar ao leitor do II Excurso da Dialética do Esclarecimento. Você haverá de se lembrar desse excurso sobre Sade, Nietzsche. A razão moderna não permite um conhecimento estruturado a partir do sentimento, Horkheimer e Adorno afirmam. A apatia é a verdade da razão em Kant, Nietzsche, Sade, nos negócios nos campos de concentração etc. Essa razão sistêmica, universal e vazia.
Agamben, por seu turno, voltemos a ele, fala de uma dimensão fundamental da experiência e do conhecimento tradicionais que é "um aprender somente através de e após o sofrimento". Neste contexto, ele cita Orestes como ilustração de defesa dessa dimensão anti-moderna do aprendizado. Fui atrás desse menino bom - você, como feminista, teria pano para as mangas. Mas acho que Agamben, talvez, teria um exemplo melhor do que Orestes. Creio que a tragédia Agamenon, de Ésquilo, é muito melhor para falar do pathei mathos, ou seja, desse saber após e através do sofrimento, do que Orestes. O coro desta tragédia está a todo momento falando disso e eu acrescentei no post uma das várias passagens em que podemos constatá-lo, não sei se você viu. Acerca de Agamenon, caso você não tenha lido, digo-lhe: trata-se de algo de uma beleza poética incrível (estimulado, vou ler as outras duas tragédias de Ésquilo sobre os dramas de Agamenon, Electra, Clitemnestra, Orestes).
Sobre a segunda parte de sua pergunta, vou dar uma olhada nas minhas notas de Lacqueur. Agora mesmo estou dando uma lida em Moisés e o Monoteísmo. Falo mais depois. Beijo, Jonatas
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