sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vargas Llosa e o Nobel



Fernando da Mota Lima

Vargas foi enfim agraciado com o Nobel de Literatura, o que é de justiça, ainda que tardia. Sabemos que o Nobel com frequência sobrepõe critérios políticos aos estéticos, que no meu entender deveriam ser prevalecentes. Isso fica evidente quando acaso corremos os olhos pela lista dos premiados, não poucos desconhecidos por grande parte do público universal da literatura. Além de conhecidos e apreciados numa esfera restrita, logo mergulham no esquecimento mal a repercussão momentânea decorrente do prêmio se dissolve na mídia e no mercado editorial. Bastaria a propósito observar os nomes destes premiados a partir de 2000: Gao Xingjian, Imre Kertész, Elfriede Jelinek, Orhan Pamuk, Herta Müller. Quem de fato os conhece no Brasil e em grande parte do mundo ocidental, incluídas suas extensões periféricas?

O leitor pode discutir os méritos estéticos da obra de Vargas Llosa, assim como os discutem alguns críticos que lhe depreciam a obra no que encerra de filiação ao realismo típico do romance novecentista. Ressaltando o quanto os condicionantes políticos e ideológicos perturbam apreciações dessa natureza, acrescentaria que Vargas Llosa é combatido antes de tudo devido à natureza ideológica do discurso com que desde a juventude intervém no debate público.

Até recentemente o intelectual procedente da América Latina se distinguia como intelectual público. Até mesmo Borges, o mais atípico e livresco rebento dessa tradição, teve sua obra e biografia momentaneamente subordinadas à força imperativa dessa circunstância político-cultural. Já que seu nome veio à baila, importa lembrar que morreu sem ganhar o Nobel, erro que o atual presidente da Academia Sueca é o primeiro a reconhecer. Vargas Llosa constitui um dos exemplos mais vivos e constantes do intelectual militante, tão constante, aliás, que teimosamente se destaca como um dos últimos sobreviventes dessa espécie em vias de extinção. Autor de obra e notoriedade precoces, literatura e apaixonada participação política se entrelaçam no desdobramento de sua biografia.


3 comentários:

Tâmara disse...

Fernando,
As vezes não acho o liberalismo de Llosa tão do bem assim, mas concordo em gênero e nu'mero com a qualidade de sua literatura e o merecimento do nobel. Mas veja um efeito perverso desse prêmio: esta'vamos procurando aqui na França, desde julho, Conversa na Catedral para oferecer a uma amiga. Edição esgotada, vinte euros por um volume usado. Ficamos um tempo sem decidir e, ontem, descobrimos que o mesmo vendedor esta' agora cobrando 40 euros pelo livro! Viva a literatura do mercado livre. Abraço

Anônimo disse...

Tâmara:
Muito grato pelo comentário, que somente agora leio. Além de sempre presente à página do Cazzo, tudo o que nele você escreve merece minha atenção. Queria frisar que não aprovo irrestritamente o liberalismo de Vargas Llosa. Num artigo ligeiro, você há de concordar, é impossível ressaltar nuances desse tipo. O que nele ideologicamente mais admiro é a independência com que sempre se pronunciou dentro do debate ideológico latino-americano, no geral bem pouco tolerante. Admiro em particular a coragem pioneira com que criticou os desvios da ditadura cubana e sua inviabilidade histórica. Bastaria lembrar que a maior parte dos intelectuais brasileiros, acadêmicos ou não, ainda silencia sobre isso e bem poucos admitem que o que existe em Cuba é uma ditadura. Bastaria pensar em gente que profundamente admiro, como Antonio Candido e Chico Buarque. Eles continuam apoiando Cuba ou silenciando sobre o que de fato representa como alternativa revolucionária para a Am. Latina. Bem, era mais ou menos isso o que poderia acrescentar num breve comentário. Mais mais uma vez pela atenção crítica, Tâmara.
Fernando

Tâmara disse...

Fernando,
Eu andei sem tempo para escrever e so' agora posso responder à sua resposta. Concordo perfeitamente que num artigo pequeno as nuances ficam prejudicadas - ou impossibilitadas. Foi por isso mesmo que resolvi tocar no assunto, para que você pudesse falar um pouco sobre elas. A propo'sito, talvez um textinho meu sobre os fardos democra'ticos saia por esses dias. E obrigada também pela atenção aos meus textos.