"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate": Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais
domingo, 19 de dezembro de 2010
Um dia de banca
Por Artur Perrusi
Farei um dropes -- nada de jujuba ou de chiclete. Um drops sobre banca de doutorado, para ser mais específico. Tive a ideia, agorinha, de partilhar minhas experiências de bancas de dissertação e de tese. Por que não?! Pensei. As bancas, em certa medida, geram discussões bem interessantes. Muitas são divertidas, algumas até trágicas. É um ritual de passagem bastante curioso, uma liturgia que, para os mais pessimistas, é uma “violência simbólica”. De todo modo, pode ser uma situação tensa e cheia de expectativas. Como sou psiquiatra, logo, um vampiro do sofrimento alheio, as bancas proporcionam bons momentos de ansiedade e angústia. Dá barato, podem ter certeza. Mas, como disse acima, meus comentários focalizarão apenas o lado cognitivo das bancas, inclusive para evitar constrangimentos.
(não falarei, por exemplo, daquela banca em que o orientando cortou os pulsos na frente de todo mundo e tentou morder o orientador – não, não falarei disso. Jonatas, uma vez... bem... er... deixa pra lá.)
Pessoalmente, gosto das bancas de outras áreas que não a sociologia. Aprendo bastante e escuto atentamente a discussão. Nas bancas de sociologia, é raro me surpreender, já que os participantes têm o mesmo defeito: são todos da mesma área. Já noutras bancas, a surpresa rola e o aprendizado aparece na forma da perplexidade – pois é, defendo que a perplexidade é uma postura cognitiva superior
(Inicialmente, pensei que a faculdade de ficar perplexo era um sinal de envelhecimento, afinal, os jovens não se espantam; mas, depois, descobri que poderia ser, embora não descarte problemas degenerativos cerebrais, um sinal de sabedoria).
Na semana passada, participei de uma banca de doutorado na área de filosofia. Foi uma banca composta por seis membros, contando com o orientador – bem numerosa, portanto. Durou um bocado, mais de quatro horas. Nela, estava cercado de filósofos, olhando-me de forma curiosa e atentos à minha arguição.
_São simpáticos, os filósofos! Pensei. Vixe, como seus olhos são grandes. E as orelhas... E os dentes... nossa, como são grandes seus dentes!
Fui chamado para participar porque, sendo psiquiatra, tenho algum conhecimento de biologia – a sociologia entrava de forma “indireta” na discussão. É a primeira vez, de fato, exceto quando discuto saúde mental, que junto minhas duas vocações numa situação desse tipo. Era o tema da tese que permitia essa junção. O objeto era complexo, tratando de dois assuntos correlatos: agressividade e violência. Na verdade, mais do que isso: o autor fazia uma articulação sofisticada entre as posições de Hobbes e de Rousseau e as posições da biologia contemporânea. Toda a articulação e a discussão giravam em torno da agressividade e da violência. Sem dúvida, era um enorme desafio intelectual. Assim, fui chamado porque queriam minha opinião sobre biologia, Darwin, etologia, sociobiologia, naturalização, esses babados todos.
Tive uma bela aula sobre Hobbes e Rousseau, uma baita aula de filosofia política.
(Um dos membros da banca, um rousseauniano radical, afirmou que Hobbes, na realidade, era uma mulher. Dois hobbesianos pularam na jugular do não-tão-bom-selvagem-assim e tivemos que apartar a briga, evitando um assassinato acadêmico. Não entendi a fúria misógina dos hobbesianos. Qual era, afinal, o problema de Hobbes, no fundo, ter sido uma mulher? Animei-me com a discussão e expus minha hipótese de que o Leviatã era a metáfora de uma fixação sexual. A leviatanologia era a “ciência sexual” do poder. O poder como pan-óptico, como determinação de todo processo de subjetivação; ora, esse poder leva à paranoia -- as sociedades pan-ópticas são paranoicas – aliás, somos todos uns paranoicos, hein, hein?! E qual é o pano de fundo da paranoia? Sexo, meus caros amigos – psicopatologia do sexualidade, mais precisamente. Assim, tudo é poder, logo, tudo é falo -- ou vagina, quem sabe, tudo dependendo do tipo de empoderamento; por isso, defendi que todo leviatanólog@ era paranoic@. Ninguém reagiu ou se espantou, e pensei se minha especulação era, realmente, original -- parecia que não)
Até o momento da arguição, não sabia bem qual seria a minha contribuição ao debate. Minha angústia era filosófica e existencial: _cruzes, o que direi? Dizer é fazer? O que significará o que falarei? Por que os dentes desses filósofos são tão grandes? Posso dizer, com franqueza, que tais perguntas não foram respondidas e, ainda agora, não sei bem qual foi minha contribuição. Na verdade, tentarei discutir, aqui, o efeito reflexivo da tese, isto é, as questões que me instigaram a pensar. E algumas, inclusive, não foram explicitadas durante a arguição, já que o pouco tempo, oferecido a todo membro de banca, não esgota, muitas vezes, a reflexão. Portanto, não discutirei explicitamente o conteúdo da tese, e sim as associações, as conexões, os insights que surgiram no meu espírito – enfim, discutirei o seu con-texto.
Bem, a tese articula a filosofia política – dois “fundadores”, especificamente – com o campo biológico contemporâneo. Como já disse, tudo gira em torno das noções de agressividade e violência. E discutir violência é, também, discutir poder. No fundo, a discussão subtende, embora não totalmente explicitado, o seguinte problema: existe uma base natural para o poder ou este é uma construção social?
Hermano, o autor da tese, resolve esse problema de uma forma habilidosa, colocando a agressividade no campo da Natureza e a violência no da Cultura. É uma dicotomia que será o fio da meada de toda a argumentação. A proposta não é original, mas bastante útil, pois permite uma crítica do jusnaturalismo.
Nesse momento, começaram a surgir várias dúvidas na minha cabeça.
A violência funda a Cultura? Se funda, a violência é anterior (pelo menos, do ponto de vista lógico) à cultura. Sendo anterior, a violência estaria aonde? Na Natureza, provavelmente. Mas está na Natureza e, como fundação, também na Cultura? Nesse momento, surge uma indagação: a violência esgota-se no momento fundante, isto é, exaure-se na Origem e desaparece, depois, do processo? A Cultura carrega sua fundação no seu devir? Logo, se não desaparece no momento da fundação, a violência permanece inscrita no processo como possibilidade constituinte ou está sempre presente no constituído, como concretude, como determinação? Em outros termos, o processo de humanização, assim, incorpora sua fundação como determinação constante?
Assim, a violência, como ordem oculta, é natural e faz parte, como fundação, da cultura. E, sendo natural, mesmo como constituinte da cultura, torna-se momento irredutível (diria até “transcendental”) de uma suposta ontologia do ser social.
Porém, se não funda, nem é anterior ao humano, a violência é um produto da Cultura (linguagem, trabalho, símbolização, socialização, subjetivação, como queiram, dependendo do supermercado sociológico). Aqui, o autor da tese permanece dentro da tradição iluminista, ao proclamar que a sociedade é construída e imaginada; em suma, é um artefato social. Portanto, não seria a expressão de uma ordem natural oculta. Tudo é história, enfim. A violência é constituinte e constituída na história – é, para repetir, histórica. E, sendo histórica, não é um grude eterno das relações sociais, não é uma astúcia da razão, digamos assim, que perpassa todo o processo de humanização (seja lá o que isso signifique, cá entre nós). Sendo histórica, a violência não é sólida o suficiente para não se desmanchar numa utopia constituinte, isto é, pode desaparecer, assim como o Estado, a luta de classes, o machismo, a Coisa, etc e tal. Nessa imanência histórica absoluta, poderíamos conceber, sim, uma sociedade sem violência.
Contudo, a partir desse momento, as dúvidas renascem com força. E tudo dependerá, no fundo, de qual visão (não falo de definição, uma noção muito complicada nas ciências humanas) de história está-se adotando. Por exemplo: se concebo a história como ou tendo uma ontologia (a pretensão filosófica de Lukács, por exemplo), posso pensar a violência como uma invariante ou uma propriedade constante do processo histórico. Violência é constituinte e se reproduz no constituído. A violência jamais seria abolida da história; no máximo, no "comunismo", seria fixada como potência ou possibilidade da sociogênese ou da psicogênese (caso admitirmos que a formação psíquica seja também um artefato) do humano; ou seja, a violência seria constituinte, mas se evitaria sua constituição ou sua concretude como constituída. Uma sociedade sem violência seria apenas (o que já é muito e um tanto inimaginável) uma sociedade onde a violência seria somente uma potência (uma tendência, sempre passível de realização).
Bem, fiz tais associações e, por causa do esforço, perdi milhares de neurônios – houve um curto-circuito, para ser mais preciso, no meu sistema límbico. Tive algumas alucinações constrangedoras, mas isso não vem ao caso. Ao mesmo tempo, notei que meus dentes cresciam e me senti filósofo. Entusiasmado com meus caninos, pensei noutra questão bem interessante da tese. Pelo que entendi, ao colocar a violência na Cultura, além da crítica ao jusnaturalismo, Hermano queria ferir mortalmente a naturalização da violência e do poder.
Aqui, estamos diante de uma baita discussão. Até porque, pessoalmente, acho a “naturalização” o grande mecanismo ideológico da contemporaneidade. É, inclusive por causa disso, um mecanismo maior de legitimação. Ao se naturalizar um valor ou uma condição, legitima-se o valor ou a condição. A naturalização é, também, por ser um mecanismo ideológico, um processo de subjetivação, isto é, forma subjetividades de forma mais ou menos involuntária e inconsciente. A naturalização interpela o “sujeito”, digamos assim.
Penso se a naturalização é um tipo de imanentismo absoluto e, como tal, uma metafísica (lembro que argumentos metafísicos não precisam, necessariamente, ser transcendentais). As biologias, quando capturadas pelo discurso da naturalização, tornam-se metafísicas? Eis mais uma dúvida. De todo modo, a naturalização foi bastante útil, no campo da reconfiguração dos saberes, logo no início da modernidade, para combater as formas de transcendentalismo (a teologia medieval, por exemplo). A defesa transcendental da hierarquia pode ser combatida por meio de argumentos imanentes, por exemplo, afirmando o princípio da igualdade natural de todos os humanos. Naturaliza-se a igualdade, um valor caro à modernidade, e legitima-se tal valor, agora pronto para combater, politicamente, a noção transcendental de hierarquia. Claro, a partir do momento que ocorreu a hegemonização do discurso naturalista, a naturalização pôde ser usada, também, a favor da hierarquia; mas, agora, “naturalizada” (a desigualdade é “natural”, por exemplo) – o que quero ressaltar é que, com a hegemonia discursiva da naturalização, o recurso ao transcendental perde ou começa a perder sua capacidade argumentativa.
Mas, ao examinar a noção de “naturalização”, fiquei encafifado com o seguinte: admitindo que a naturalização seja um mecanismo típico da modernidade, eu não estaria homogeneizando um processo histórico bem mais complexo e diversificado? Fico pensando na concepção de natureza de Hobbes e de Rousseau. Como Hobbes “naturaliza”? Ora, quando utiliza uma física mecanicista para explicar a realidade social. Já Rousseau, aparentemente, já tem uma visão antropológica da “natureza humana” – não tenho o conhecimento para dizer que Rousseau utiliza a naturalização como recurso epistêmico. Digo isso porque, inicialmente, estava confundindo “naturalização” com “biologização”. Nesse sentido, a naturalização não precisa, necessariamente, da biologia – Hobbes é um exemplo. A naturalização comporta várias “naturalizações”, isto é, várias concepções do que seja Natureza – no fundo, a pergunta talvez seja: quais metáforas são usadas nas naturalizações?
A identificação entre naturalização e biologização afirma-se, provavelmente, no final do século XIX. A biologia entra forte com a metáfora do organicismo. Durkheim é um exemplo: usa o modelo (ou a metáfora?) para consolidar a sociologia. Retira desse modelo a noção de função. Depois da segunda guerra, com o neodarwinismo, além da noção de função, acopla-se outra, tão importante quanto: adaptação. Atualmente, a naturalização, mediante a biologização, utiliza principalmente a metáfora genética, do código, do programa, da teoria da informação.
Afinal, qual é a concepção de Natureza que sustenta a genética?
Fiz essa pergunta a Hermano. Ele me olhou como um espelho, jogando de volta a pergunta. E eu... Bem, fiquei calado, porque não sabia, nem sei respondê-la. É uma pergunta que vale a pena a investigação. Aliás, não só para a genética, já que não existe “biologia”, como tal, e sim biologias. Assim, qual é a concepção de Natureza da etologia, por exemplo? E da biologia molecular? E da biologia evolutiva? E da fisiologia?
Enfim...
Depois da banca, fiquei sonilundo, pensando, pensando...
Enquanto comia os petiscos da comemoração da defesa de tese, olhava distraído os filósofos que comiam enormes pedaços de carne vermelha. Meu cérebro lembrava-me de uma menina bem bonitinha, com um chapeuzinho vermelho, mas as coxinhas da mesa continuavam a me distrair. No fundo, achava tudo muito engraçado...
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8 comentários:
Fiz dois litros de suco de maracujá e estou consumindo aos poucos esse dropes tamanho família. A tese de que a naturalização é um artifício antimetafísico, antitranscendental é questionável. A naturalização é sempre metafísica pois pressupõe um mergulho (a partir de onde?) na essência do social e, principalmente, na essência do humano. Sua argumentação em torno do lugar da violência como elemento articulador das esferas da cultura e da natureza lembrou-me a discussão que Derrida faz da obra de Lévi-Strauss e do tabu do incesto. Talvez valesse a pena reler. Jonatas
Concordo, a naturalização é um mecanismo metafísico. Minha dúvida é se é transcendental. Acho que é um mecanismo metafísico que parte de um imanentismo absoluto (vem do "grande dentro" e não do "grande fora").
Acho que a perda do transcendental (a "morte" de Deus) não matou a metafísica. Ela deslocou-se para o argumento imanente. Um exemplo próximo: o marximo faz isso. Como dizia Gramsci, o marxismo é um imanentismo absoluto. Acho que a procura de uma ontologia do ser social, em Lukács, faz parte dessa compulsão imanentista, isto é, metafísica.
Boa dica sobre Derrida.
Lembre-se que a argumentação sobre o lugar da violência é de responsabilidade do autor da tese. Apenas comento e coloco minhas dúvidas, que são muitas, beirando o infinito.
É válido colocar a agressividade no campo da Natureza e a violência no da Cultura? Quais as consequências disso? Não repete a dicotomia clássica entre justamente Natureza x Cultura?
Enfim, vc não acha que eu parecia o Chapeuzinho Vermelho entre lobos da filosofia (ui!)?
"O marxismo é de um imanentismo absoluto". Questionável também. Quem tem uma filosofia da história como a marxista não pode acreditar em uma análise puramente imanente da realidade, por mais que o lugar de verdade seja dito como um lugar de classe etc. O problema é que a ideia de classe pressupõe a tal filosofia da história e o olhar hegeliano por sobre a contingência do mundo. Agora, Chapéu, acho que os polos imanência-transcendência são copertencentes (acho que inventei uma palavra). Todo naturalismo pressupõe um lugar de transcendência, ainda que desqualifique a verdade como um ajuste biológico. Pense na sociobiologia: se tudo for apenas artifíco dos genes para se perpetuarem (o que é curioso, posto que genes não são algo vivo) fica complicado entender a pretensão à universalidade desta hipótese científica. A contradição não é importante, no caso. Importante é que a suposta imanência da produção da verdade só é possível de ser pensada a partir de um campo de excessão. E isso nos leva direto à questão da violência - porém agora pensada de uma outra forma.
No final, minha conclusão é que um homem é conhecido pela dignidade de seus objetivos: se tirou algumas horas de seu dia para distribuir dropes e outras guloseimas de igual teor calórico, deve mesmo guardar alguns para a vovozinha, que certamente é uma boa velhinha. Já a indumentária que usa, muitas vezes é um capricho. Jonatas
Eita, estou estudando justamente a política da ideia de natureza. Não sei se o marxismo (mesmo o de Lukács) seria de um "imanentismo absoluto". Por um lado, Marx efetua uma crítica quase-romântica (Rousseauniana) ao conceito de alienação (e que é reapropriada pela Escola de Frankfurt) mas, por outro, tem uma clara aspiração em transcender todos os limites à autorrealização humana (talvez por esta razão autores como Ted Benton apontem para a perda de importância do conceito hegeliano de alienação na obra do Marx maduro devido à ênfase na dimensão social/cultural da "natureza humana" e segundo a qual a noção de natureza perde o sentido quando aplicada à humanidade).
Quanto à reafirmação da dicotomia natureza x cultura pelo autor da tese, creio que não tinha como ser diferente, afinal de contas, a dicotomia é a própria condição da articulação da distinção que ele estabelece entre violência e agressividade, não?
Mas em minha opinião, o mais interessante disso tudo é que mesmo aqueles autores (como é o caso de Butler) que tentam perceber a natureza (no caso, o sexo) como um efeito ou construto da cultura, implicitamente pressupõem a dicotomia humano-natural que pretendem negar.
E que maldade com os filósofos, Arture!
Tentando responder...
Se argumentos imanentes podem ser considerados metafísicos, assim como os transcendentais, acho tua ideia de co-pertencimento válida. Afinal, a imanência e a transcendência encontram-se lá no barzinho da metafísica para tomar uma cervejinha Absoluta. Mas, quanto ao marxismo, meus argumentos são os seguintes (deixando claro que tenho dúvidas a respeito):
Acho o marxismo uma filosofia da história diferente das anteriores. Os marxistas achavam que tinham escapado da metafísica (da filosofia da história) utilizando argumentos imanentes. É, nesse sentido, que Gramsci pensa o marxismo como imanentismo absoluto – a possibilidade de uma teoria da história que escape da filosofia da história ou de argumentos transcendentais.
Por que concordo e, ao mesmo tempo, discordo de Gramsci? Concordo que o marxismo utiliza uma argumentação imanentista, mas discordo que o marxismo escapou de uma filosofia da história. Escapar de argumentos transcendentais não significa escapar, ainda, da metafísica (coloco timidamente minha dúvida: é possível, de fato, escapar da metafísica?), pois argumentos imanentes podem criar uma filosofia da história.
Utilizando a ideia de co-pertencimento de Jonatas, acho que a transcendência, na argumentação marxista, aparece depois, lá no fim da história. A transcendência não é utilizada para explicar o processo histórico (o “motor” do processo é interno, no “grande dentro”) – não há um Espírito que se realiza no processo; talvez, uma racionalidade embutida no próprio processo. É uma teleologia que está inscrita no próprio processo histórico – o comunismo, essa realidade do além, aparece como desdobramento da imanência histórica. Mas é inegável que o fim (a transcendência) rebate no meio (a imanência) – rebate por causa do co-pertencimento metafísico entre transcendência e imanência.
Marx inverteu a dialética hegeliana, pensando que a inversão escapasse da filosofia da história. Meu argumento é que, de fato, houve uma inversão (da transcendência à imanência), mas que não resolveu o problema.
Acho que Marx “abandona” a noção de alienação, Cynthia, justamente porque “alienação” tem um cheiro transcendental (cheiro de menta, segundo pesquisas da UFPB). Fiquei convencido disso depois que li o livro de István Mészáros, “a teoria da alienação em Marx”. Mas Marx continua procurando um “motor”, um fio condutor, uma racionalidade objetiva que perpassa a história (já que percebe a história como uma totalidade), enfim, uma ontologia do ser social, mesmo que “historicizada”. Chamo isso de procura pela imanência (como ateu e materialista, faço isso o tempo todo). Seria escapar da transcendência, para encontrá-la, novamente, numa filosofia da história ou numa metafísica.
Não fui mau com os filósofos, apesar dos seus enormes dentes. É que, durante o intervalo, houve brincadeiras a respeito de Chapeuzinho e o lobo de Hobbes (Hermano se reportou aos contos de fadas, como expressão “mítica”, sei lá, da dicotomia entre Cultura e Natureza). Como disse, achei a banca muito legal.
Pois eu não tenho nada contra argumentos transcendentais. Ao contrário, acho eles muito simpáticos.
Hehe... boa essa. Vc mesma já é transcendente, minha cara.
Menino!
Tive que passar o dia inteiro tomando cha' de verbena (na falta de maracuja'...), para acalmar os nervos depois da visão terrifiante desse filo'sofo hobbesiano(?). Tinha acabado de tomar o café da manhã, então imagine! Deus me livre. E guarde.
Mas isso nem prejudicou o gosto de seu drops. Pelo contra'rio, o cha' foi fazendo efeito, fui lendo os comenta'rios trocados, terminei por achar que esse hobbesiano tem até uma certa ternura - desde que lave a cara e feche a boca. Um bom dentista também lhe faria bem. Eis-me aqui um dia depois, recuperada! Mas que ninguém pense por isso que sou adepta de choque elétrico na psiquiatria!
Esse seu post deu vontade de reler imediatamente o conceito de trabalho alienado de Marx - e A Ideologia Alemã, também. Reparei nos cuidados de vocês: o autor de quem fala Cynthia com a "perda da importância" do conceito de alienação, você pondo aspas no abandono do conceito. Como fui formada sob a oposição teo'rica à distinção althusseriana Jovem Marx X Marx Maduro, tendo a simplificar as coisas, dizendo que ele não abandonou nada; apenas foi dedicar-se à economia poli'tica.
Por outro lado, num velho texto de Jonatas recentemente postado (Técnica e Liberdade), ele afirma que somos todos herdeiros de Marx, num certo sentido. Ele estava falando na técnica, mas creio que podemos pensar na dimensão antropolo'gica do conceito marxiano de trabalho. Acho que é por ai' que podemos discernir esse laço marxiano complicado entre imanência e transcendência. Ou até mesmo o laço natureza/cultura em seu pensamento.
Sei não...Seja como for, que bom um drops que nos deixa cheios(as) de du'vidas e com vontade de reler autores, né? Abraço.
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