Somos cientistas. Não blogamos nem tuitamos. Não temos pressa.
Sem mal entendidos. Somos a favor da ciência acelerada do início do século XXI. Somos a favor do fluxo interminável de revistas com pareceristas anônimos e seu fator de impacto; gostamos de blogs de ciência e mídia, e entendemos as necessidades que relações públicas impõem. Somos a favor da crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Queremos pesquisas que tragam saúde e prosperidade no futuro. Estamos todos neste barco juntos.
Acreditamos, entretanto, que isto não basta. A ciência precisa de tempo para pensar. A ciência precisa de tempo para ler, e tempo para fracassar. A ciência nem sempre sabe onde ela se encontra neste exato momento. A ciência desenvolve-se de forma instável, através de movimentos bruscos e saltos imprevisíveis à frente. Ao mesmo tempo, contudo, ela muitas vezes emerge lentamente, e para isso é preciso que haja estímulo e reconhecimento.
Durante séculos, slow science foi praticamente a única ciência concebível; para nós, ela merece ser recuperada e protegida. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo de que eles necessitam, e os cientistas precisam ter calma.
Sim, nós precisamos de tempo para pensar. Sim, nós precisamos de tempo para digerir. Sim, nós precisamos de tempo para nos desentender, sobretudo quando fomentamos o diálogo perdido entre as humanidades e as ciências naturais. Não, nem sempre conseguimos explicar a vocês o que é a nossa ciência, para o que ela servirá, simplesmente porque nós não sabemos ainda. A ciência precisa de tempo.
– Tenham paciência conosco, enquanto pensamos.
(tradução de José Eisenberg; revisão Antonio Engelke)
[original: http://slow-science.org - (c) The Slow Science Academy, 2010]
[cópia: http://revistapittacos.org/- Revista Pittacos: Revista de Cultura e Humanidades]
8 comentários:
José,
O primeiro parágrafo desse manifesto é uma ironia? Pergunto porque ele me parece negar tudo o que vem em seguida. Ora, se a ciência precisa de tempo, como poderia aceitar essa acelaração do tempo?
Eis a tragédia. Escrevi aqui a respeito de um livro de Helmut Rosa que, enquanto herdeiro da teoria crítica, resolveu fazer da experiência social do tempo na contemporaneidade, sua categoria de problematização do mundo contemporâneo - que inclui sua ciência. Embora eu tenha problemas com a teoria crítica, com essa obsessão em encontrar uma categoria onde tudo caiba, concordo que nossa experiência do tempo é um grande nó da vida contemporânea globalizada.
Pois bem: não quero aceitar não, essa aceleração e esses pareceristas anônimos (que nada tem de anônimos - são aliados que estabelecemos em estratégias de redes) e de impacto (que são impactantes porque são líderes de redes.)
Em suma, não é apenas a ciência que precisa de tempo, mas tudo o que é humano no mundo, se não quisermos nos tranformar em absolutos predadores. Abandonei uma pós-graduação por causa dessa convicção, mas, tentando encontrar caminhos alternativos para minha atuação acadêmica, tenho me debatido com a mesma tragédia: não faltam editais para pesquisa/extensão, por exemplo, mas quase todos sob o signo de 150 quilômetros por hora. Isso não é anódino. Oferece pesquisa e/ou extensão quem pode pagar e que sabe porque pode pagar! Como nós não temos tempo para pensar, aceitamos qualquer negócio, desde que fale em democracia, cidadania, diversidade e direitos humanos. Mas se nos damos o tempo de bem ler o que está escrito no edital, podemos até descobrir que toda essa democracia e diversidade é um discurso para legitimar políticas públicas repressivas e/ou segregacionistas. Uma desgraça!
E tenho dito. Abraço, Tâmara
Concordo totalmente, ainda mais que um Perrusi precisa de tempo. Sem tempo, não rumino. Falta ruminação na ciência.
Há provas cabais que a preguiça aumenta a bainha de mielina, logo, a velocidade das sinapses. Por isso, os Perrusi transformaram a preguiça em arte.
Mas não quero que me entendam. Só quero que não perturbem o meu sono, principalmente as agências de fomento.
Pois é, Artur, já os Tâmarrusi pretendem transformar a preguiça em orientação hegemônica de vida. Só assim os sonos não serão perturbados por agências de fomento.
Mas não tenho muita esperança, confesso. Quando vejo até cientistas sociais fascinados por um tipo como Steve Jobs e com vergonha de dizer que está com ressaca (a dor de cabeça é apenas excesso de trabalho), acho que o mundo está perdido.
Aliás, como anda seu gabinete de atendimento a professores stressados? Abraço, Tâmara
Peraí, peraí, deixa ver se entendi... Tâmara confessa seu desconforto com uma "(...) obsessão em encontrar uma categoria onde tudo caiba (...)" e, no entanto, dispara que "(...) toda essa democracia e diversidade é um discurso para legitimar políticas públicas repressivas (...)" ??? Concurso pra saber quem é irônico ?
Peraí, peraí, cuidado com a velocidade interpretativa! Eu disse: "até pode descobrir que essa democracia e diversidade toda é um discurso, etc.' O "até pode" é fundamental para relativizar o "toda". Não estou em concurso de ironia, não. Apenas formulei mal minha argumentação porque comentários em blogs também exercem a pressão da pressa. Pois bem, não, não acho que que toda essa democracia e diversidade dos editais das agências de fomento tenha um sentido único, o de legitimar políticas repressivas. O que eu queria dizer é que muitas vezes entramos em projetos cheios dessas boas intenções explícitas mas que nem escondem que são meramente repressivos ou que estigmatizam certas parcelas da população. E que a gente precisa se dar o tempo de ler com atenção esses editais. Não necessariamente para recusá-los, mas para estabelecermos uma relação dialógica, ou seja, crítica, com eles.
No mais, incomodou-me essa impressão de uma visão aristocrática de ciência (nesse manifesto); tipo: tudo bem se a sociedade vive nas carreiras, podemos contribuir com uma parte de nossas pesquisas para facilitar sua vida apressada, mas nós, os iluminados cientistas, precisamos de tempo para o conhecimento a longo prazo. Pois bem, não, nós os iluminados cientistas estamos tão enrolados quanto o resto da sociedade nessa pressa desenfreada. Nós somos parte da sociedade - e não necessariamente a melhor dela. Abraço
A postagem é tua, Artur? Bom, já que sou um cozinheiro apenas razoável, vou correndo preparar um desses sandubas inevitáveis. Minha esperança é manter as forças enquanto alguém, não serei eu, certamente, prepara la haute cuisine. Noves fora, acho que a velocidade e a aceleração são o grande problema político da contemporaneidade. Jonatas
ps.: tentei contato por celular. Estás fora.
Post oportuno, seria reflexo da última reunião da CAPES? rs
PRODUZAM, PRODUZAM!!
Gente, o post não foi colocado por Artur nem enviado pelo José Eisenberg - eu roubei do FB dele. Quanto às contradições identificadas por Tâmara, estou momentaneamente tomada pelo espírito macunaímico do Cazzo, o que me impede de comentar. Outra hora eu volto aqui.
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