"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate": Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
A BORRACHA DA “ESQUERDA” PERNAMBUCANA E O SILÊNCIO INTELECTUAL
Por Wellthon Leal
No dia 20 de janeiro de 2012 estudantes e trabalhadores se encontraram em frente ao histórico Colégio Pernambucano, para protestar contra mais um aumento de passagem do transporte “público” do atual governo de Eduardo Campos. Para surpresa de todos os manifestantes presentes, no momento em que caminhávamos em direção ao palácio do Governador, a tropa de Choque lançou bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta nas pessoas que participavam do ato pacifico. Foram atingidos desde pessoas que passavam nas ruas a cadeirantes e idosos que estavam no ato protestando lado a lado.
Sobre esse primeiro ataque do Estado “legítimo”, vale lembrar a montagem inescrupulosa que a Rede Globo Nordeste fez, ao filmar um estudante revidando aos ataques do Choque com uma pedra, acusando durante o Jornal Nacional de ter “atacado” um grupo de 50 homens, armados com escudos e capacetes, e a força policial teria simplesmente reagido ao ataque dos “violentos” estudantes. Uma discussão sobre a mídia seria realmente interessante a ser feita não apenas desse episódio como em toda repercussão que a mídia tem feito em relação aos protestos recentes que tem ocorrido no Recife. Se bem que isso não é o foco do que pretendo discutir aqui, mas acho fundamental olhar para a repercussão midiática, com atenção para sinalizar e compreender de melhor maneira o que ocorre de fato com a movimentação política no Estado de Pernambuco.
O outro episódio sabido por todos, sobretudo os acadêmicos da UFPE, foi após a dispersão dos manifestantes que iam ao palácio do governo; esses se refugiaram na Faculdade de Direito do Recife (FDR) como meio de dialogar entre si o andamento do protesto, já que ali num espaço sob jurisdição federal seria possível se refugiar dos PMs que estavam prendendo sem motivos algumas pessoas presentes no ato. Tentando dar andamento a manifestação, estudantes saíram da FDR, permanecendo em frente ao espaço federal para protestar.
Mas novamente a tropa de Choque atirou balas de borrachas em manifestantes porque estes estavam atrapalhando a ordem da cidade. Ao entrar na FDR, a surpresa pela violência policial continuou, o Choque jogou bombas dentro do espaço federal, e atirou em estudantes que estavam dentro da UFPE. Inclusive um aluno do Centro de Filosofia e Ciências Humanas foi atingido por uma bala de borracha no braço com uma distância pequena [1], outro manifestante foi socorrido por receber uma bala a curta distância no peito causando um sangramento intenso.
Estudantes em pânico e em choro gritavam contra a PM e se desesperaram ainda mais ao ver duas alunas da UFPE serem carregadas por PMs para serem presas porque estavam participando do protesto e não tinham conseguido correr para dentro da FDR. Ao assistir a cena, eu me indagava: como a Tropa de Choque fora autorizada pelo Governador para atacar um protesto pacifico? Como o Governador estava pouco se importando com as leis sobre liberdade de expressão, pelas quais tantas pessoas lutaram nesse país? Assisti uma cena de ataque a um espaço federal, algo que só ocorreu na ditadura, e assistia a isso assustado, tamanha a violência gratuita promovida pelo governador em quem votei.
Infelizmente a resposta dada pela Reitoria da UFPE sobre a invasão do seu Campus foi que “A DSI destaca ainda que, na área federal, não houve registros envolvendo manifestantes e servidores do CCJ/FDR e também não ocorreu dano ao patrimônio público, durante o episódio." Nota do Reitor Anísio Brasileiro [2]
Veja o vídeo do ataque a FDR:
Não é o que os jornalistas e 200 manifestantes dizem sobre o fato, e nem o que vídeos flagrantes do ataque do Choque mostram. Manifestantes foram, sim, atacados e atingidos dentro de um espaço federal. Ao ler essa nota do Reitor, me lembrei o quanto a preocupação política dos fatos vem tomando o lugar dos direitos básicos dos cidadãos.
Não apenas a atual gestão da UFPE tem feito vistas grossas à violência que ocorreu no dia 20 de janeiro, como também deputados da frente popular – a mesma que se considera “de esquerda” –, têm amenizado e acreditado nas versões manipuladas como a da Rede Globo Nordeste e do Diário de Pernambuco. Este último caracteriza que o problema de trânsito, cujos protestos causam, é mais impactante do que cobrar cerca de 170 reais mensais de trabalhadores do Recife num país cujo salário mínimo custa 622 reais, mas não indaga por que tanta gente usa carro e causa engarrafamentos.
As razões para se compreender o que se passa no Consórcio Grande Recife obviamente são menos importantes para parte da mídia, já que durante a reunião para se decidir sobre o aumento das passagens a imprensa não pôde acompanhar [5] e pouco se questionou a respeito. A liberdade de expressão de fato não apenas em Recife, como em todo país, é mediada pelo direito de o mercado pôr o que deseja na capa do jornal e pelos desejos dos partidos sejam de “esquerda” ou direita escolherem o que será destaque, além de que os partidos trabalham para garantir doações e acordos mais lucrativos para suas campanhas de manutenção de poder e aparelhamento do Estado. O povo é quem acaba sofrendo e recolhendo os resquícios que caem da mesa em que empresários e políticos tem se fartado.
A sociedade brasileira não questiona e não se indaga sobre os aumentos das tarifas dos transportes público. Esse fato só é problemático quando impacta na inflação de modo que atinja não apenas ao trabalhador que recebe 622 reais ou ao estudante que raramente tem uma bolsa de manutenção acadêmica, mas também aos que estão no alto do poder.
Portanto, segundo nossa sociedade, nossos partidos de “esquerda” e nossa mídia, a passagem cara é problema quando “baderneiros” (como bem diz a capa da Folha de Pernambuco de vide foto acima) saem às ruas para lembrar que não concordamos com a decisão que destina mais de 170 reais de cada trabalhador para as empresas de transporte público da Região Metropolitana do Recife, enquanto o:
“Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostrou que o brasileiro teria que ganhar um salário mínimo de R$ 2.398,82, em janeiro, para suprir suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. Ou seja, o salário mínimo deveria ser 3,86 vezes maior do que o que está em vigor - de R$ 622,00.” [3]
A Grande Recife Consórcio (Grupo de Empresas de ônibus) detém a concessão pública do Estado para transportar pessoas na RMR. O estranho e inquestionável por nossa sociedade, mídia, partidos de “esquerda” etc. é que essas empresas não competem entre si tal como pressupõe a concessão pública. Ao contrário, o termo “cartel” seria mais interessante de ser posto ao Grande Recife, visto que apenas quatro famílias e um vereador possuem 11 empresas de ônibus que representam quase toda a frota de transporte público na capital Pernambucana. O nosso governador tem questionado isso durante suas campanhas eleitorais, inclusive no vídeo que fala que faz parte da política de seu partido (PSB) diminuir os preços das tarifas. (vide vídeo) [4]
Vale lembrar que apesar da capa da Folha de Pernambuco mostrada acima várias vezes textos tanto no Diário de Pernambuco, como no Jornal do Commercio, a TV Jornal, a TV Tribuna e TV Clube apoiavam a causa e o protesto pacifico. Conversei com alguns jornalistas, inclusive ancoras nacionais que cobriam os protestos, e ouvia claramente que a direção do jornal alterava e moldava as matérias. A critica aqui se põe ao papel que a empresa midiática assume ao tornar o patrocinador mais importante que o leitor. Um exemplo interessante disse foi apresentador Cardinot que apoiou os estudantes e chegou até a divulgar os protestos nas rádios em que apresenta programas. É de se esperar que o diretorias de redação tenham sido chamadas atenção, caso que suponho ser da mesma capa da Folha de Pernambuco. (vide o vídeo de Cardinot no fim do texto).
Soledade sem Solidariedade
No dia 24 de janeiro, novamente a Policia Militar de Pernambuco atacou estudantes que estavam fazendo passeata pacifica na Avenida Conde da Boa Vista. Estive presente nos momentos de tensão e presenciei na Rua da Soledade a cena em que um PM dá uma chave de braço em uma garota de 14 anos e saca a arma de fogo para que ninguém se aproximasse dele.
Uma foto que comoveu o Estado e se espalhou pelas redes foi de uma estudante de Fisioterapia que estava indo almoçar e foi abordada por um PM que também lhe deu uma chave de braço. Entre gritos de desespero e sprays de pimenta (fui atingido diretamente no rosto por um spray quando tentava segurar uma garota que recebia um mata leão). A sensação de levar um spray no rosto é a pior possível, ficar sem enxergar é o mínimo diante da dor que toma conta do rosto, nariz, boca, olhos... É de fato desesperador.
Aos gritos, corri para não ser preso, coisa que, aliás, chegou a ser feita com a jornalista do Diário de Pernambuco Juliana Colares, que, ao ser vista por PMs tirando fotos da violência policial, recebeu voz de prisão e foi encaminhada ao carro da PM – após mostrar documentos que provaram que era uma jornalista é que ela foi liberada. Outras pessoas que estavam tirando fotos tiveram seus aparelhos confiscados por policiais.
A agressão era gratuita, as mulheres pareciam ser o alvo, e caso alguém tentasse impedir também seria agredido e preso – foi o meu caso, eis o motivo do spray no rosto e do estudante de Música que levou um murro no rosto e foi socorrido. Correndo em direção ao Derby avistei um PM agredindo uma garota e agarrando-a para imobilizá-la, cerca de 7 pessoas tentaram saber porque ela teria recebido voz de prisão, o PM com cerca de 1,80 de altura não respondia e apenas falava que queria levar ela para o carro. Indignadas, as 7 pessoas conseguiram após muita insistência arrancar a garota dos braços do PM.
Enquanto isso na Rua da Soledade outros manifestantes ofereciam flores a Tropa de Choque, como critica a violência gratuita promovida pelo Estado.
Lembro-me bem das palavras do comandante do Choque durante protesto da Marcha das Vadias ocorrido em 2011 em que disse: “Eu sou o ESTADO, tenho o poder e faço o que me mandam, não quero ninguém na rua e se não obedecer nós resolvemos!”. Minutos depois, um PM chama um manifestante de “frango”(sic).
Não apenas em Recife, mas também em Pinheirinho, em Fortaleza, em Teresina e outras capitais do Brasil, tem se visto a cada dia o poder, no qual o Estado se abarca, ser usado contra a própria população que questiona as políticas injustas aplicadas e também por cobrar promessas não cumpridas, como no caso do nosso Governador Eduardo Campos.
De fato, o que se percebeu no Recife é que os jovens através do Facebook conseguiram se articular sem a interferência da mídia. Partidos, organizações estudantis e estudantes não ligados a nenhuma “agremiação” propagaram o questionamento, sobre o que seria justo a ser pago por um transporte que deveria permitir a livre circulação de pessoas na RMR, e se indagaram sobre a desculpa de que a lógica de aumento e repasse através da inflação seria algo justo a ser cobrado.
Somos meros contribuintes para a riqueza das empresas da Grande Recife, obrigados a escolher se iremos comprar um feijão ou ir ao centro apenas com a passagem de ida. A péssima qualidade do serviço público de transporte no Recife se junta ao preço abusivo. Os que conseguem fugir disso se prendem em carros com ar-condicionado para aguentar horas de engarrafamentos nas vias recifenses.
Como se pensar em gerir um Estado repetindo dia a dia a lógica desenvolvimentista, a mesma que causa engarrafamentos insuportáveis dia a dia e joga cerca de milhares de carros diariamente? Ao invés de pensar como melhorar o sistema público e garantir de fato preço digno e justo para a população, a lógica empresarial vem em primeiro lugar, acima dos ideais morais de gestão pública.
Não foi a toa que as empresas boicotaram o projeto de implementação do Veículo Leve sobre Trilhos – uma espécie de metrô leve de superfície de alta tecnologia e pouco poluente que garantiria uma viagem no mínimo digna à população – que ligaria Cabo de Santo Agostinho até Igarassu. Para o Grande Recife Consórcio, esse investimento não valia a pena, porque obviamente seus lucros não teriam mais crescimento exponencial. Afinal é mais interessante lotar ônibus e cobrar R$2,15 ou R$3,25 do que garantir o direito do Estado pelo qual essas empresas foram nomeadas. O projeto foi engavetado dando lugar aos ônibus, é claro.
E os intelectuais com isso?
É com pesar e indagação que vejo parte da academia e dos intelectuais não manifestando a respeito, não apenas sobre a agressão que estudantes têm sofrido durantes os atos, como também pela censura que a Secretaria de Defesa Social tem promovido ao intimar pessoas que estavam organizando os protestos sobre alegação de estar formando “baderna” e também pessoas que manifestavam publicamente via Facebook apoio aos protestos.
Além disso, o não questionamento a respeito do nosso modelo econômico parece ter pairado na academia e nas discussões teóricas, e quando de fato alunos e a juventude vão aplicar nas ruas e nas redes de internet o que se pensa nas salas, são agressivamente reprimidos.
O silêncio de parte da intelectualidade acadêmica de Pernambuco incomoda os estudantes, os seus alunos de sala não apenas por saber que eles haviam passado pela mesma sala de aula décadas atrás, mas também pelo fato de que a solidariedade por vezes é silenciosa e até um ato de violência vista como algo “normal” de se ver no Brasil, alguns caem na relativização dos fatos.
Qual o papel do intelectual então? Ater-se aos ofícios burocráticos de fato é incômodo e preciso, mas quanto ao seu compromisso de construção de pensamentos, indagações que visem a construção e reflexão não apenas cientifica mas social, humanística. Enquanto alguns estudantes apanhavam nas ruas, por viver lá fora o que se escreve nas provas, por vezes não viram o apoio e indignação do que se passava no Recife vinda desses intelectuais.
A necessidade desse reconhecimento da luta e da mobilização social não é para que se ganhe legitimidade, não é para que se fixe a ideia da transferência na qual o status de intelectual garanta que o protesto é correto, mas sim para que se perceba que o que se passa nas ruas também é resultado desses mesmos intelectuais e também é fonte para que eles permaneçam a questionar e a construir o conhecimento. É como escrever os fatos e as digressões destes em momentos sociais cabíveis, entretanto não se lutar com/junto a eles e nem apoiá-los. Os manifestantes não queriam apenas que todos os intelectuais estivessem ali nas ruas junto a eles. Queriam, sim, manifestar que aquilo também lhes pertencia.
Como já se diz no livro em comemoração aos 150 anos do Manifesto do Partido Comunista de Coutinho et al (1998) [6], é preciso que os intelectuais abram suas janelas da sala, do escritório dos gabinetes e olhem para a transformação que ocorre no momento em que se está presente. Não é uma mera critica ao que alguns chamam de “academicismo” mas sim um aviso para os que se prendem em burocracias e questões intelectuais. Olhem para as ruas, vejam e presenciem e vivam para se sentir um intelectual de fato.
Aliás, se até Cardinot se emocionou...
Referências
1 – [http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_XDpMcFgwhM]
2 – [http://www.ufpe.br/proext/index.php?option=com_content&view=article&id=1211:nota-a-comunidade-universitaria-sobre-episodio-envolvendo-estudantes-no-movimento-contra-o-aumento-da-passagem-de-onibus&catid=6&Itemid=122]
3 – [http://oglobo.globo.com/economia/salario-minimo-deveria-ser-de-239882-diz-dieese-3894268]
4 – [http://www.youtube.com/watch?v=ay0_1bSjrt0]
5 – [http://jconlineblogs.ne10.uol.com.br/deolhonotransito/2012/01/19/imprensa-nao-tera-acesso-a-reuniao-sobre-aumento-das-passagens/]
6 - Coutinho et al. Manifesto Comunista 150 anos Depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998.
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45 comentários:
Wellthon,
Não deu para reproduzir a formatação do seu texto tal qual você o enviou. Não sei manusear tão bem o editor do blogger. Mas aí está. Espero que ele tenha a atenção que merece e que propicie a reflexão que você espera. Abraço,
Tudo beleza! Valeu obrigado pelo convite e espero que promova um debate interessante!
Agradeço de antemão a Robson do curso de CS que me deu uns toques!
Abraços
Excelente texto. Por sinal me lembrou que não raro os acadêmicos dão consultoria ao governo, acho que seria interessante a presença, no evento de sexta, dos que tem essa experiências. Inclusive, o atual assessor de segurança pública do governo de Pernambuco é o Prof. Ratton, acho que seria muito interessante se a organização do evento o contatasse. Acho que ele poderia nos falae um pouco de sua experiência nesse intercâmbio.
Caro Rafael,
No momento, Ratton encontra-se no exterior. Mas chegará a tempo para a nossa Mesa Redonda. Escreverei para ele, no entanto retransmitindo a sugestão. Jonatas
Só me vem Paulo Freire à cabeça. Mais ação-reflexão! Mais amor! Mais capacidade de sonhar e denunciar! Mais trabalho! Mais humildade! É preciso entender, como disse Paulo, que a educação só acontece mediatizada pelo mundo. Apenas nesses termos é possível ser intelectual de fato.
boa etnografia do caos, wellthon!!!!! um bjo!
Car@s, retorno ao Brasil no dia 3 de março, a tempo de participar do evento no dia 14. Contem com a minha presença. Abraço, Ratton
se [a esquerda] renunciar aos princípios mais básicos que a definem – internacionalismo, democracia, antimilitarismo, revolução, secularismo e racionalismo; assim como outros, como o confederalismo -, a palavra esquerda não terá mais qualquer significado em nosso vocabulário político." [Murray Bookchin]
EXCELENTE REFLEXÃO
Ae Well, eu também agradeço por ter recorrido a mim =)
Eu já tinha dito antes que isso de "Frente Popular" há muito não é mais esquerda, mas sim uma neodireita, a segunda geração da direita política brasileira, que renegou suas raízes de esquerda e é ainda mais inescrupulosa que a direita tradicional, já que se esconde em métodos de populismo distintos dos usados pelos líderes carismáticos de direita e ultradireita e também se esconde atrás de nomes pomposos como "Partido Socialista" ou mesmo "Partido Comunista".
No final, são todos porcos que fazem banquete com os fazendeiros da vizinhança. E Eduardo Campos é o Napoleão da parada - a única diferença é que pra ele nem precisou existir um Bola-de-neve pra difamar ou um "inimigo público" contra quem dirigir as paixões do povo.
E a neodireita se torna ainda mais perniciosa porque a direita tradicional foi facilmente desacreditada pelo próprio povo e acabou se tornando imprestável como oposição. Tendo como oposição apenas partidos periféricos ainda fiéis a seus fundamentos de esquerda (PSOL, PSTU e PCB) que não conseguem se firmar nos parlamentos (o PSOL ainda é tímido no Congresso, nas ALs e nas CMs), ninguém segura a neodireita.
Talvez mais gente se torne como Ca####zinha e saia do DA para se render ao academicismo, entrando no PET ou não.
De repente, não mais que de repente "a massa não reunida e não reunível na sociedade pós-moderna não possui mais (...) um sentimento de corpo e espaço próprios; ela não se vê mais confluir e agir , não sente mais sua natureza pulsante; não produz mais um grito conjunto. Distancia-se cada vez mais da possibilidade de passar de suas rotinas práticas e indolentes para um aguçamento revolucionário. Seu estado corresponde ao de um grupo gaseiforme, cujas partículas oscilam cada uma por si em espaços próprios, com respectivas cargas próprias de força de desejo e negatividade pré-política, e cada uma por si resistindo diante dos receptores de programa, renovando a dedicação à tentativa solitária de elevar-se ou divertir-se." (pág 21 de 'O Desprezo das massas', Peter Sloterdijk, Estação Liberdade, 2002)
"O que Canetti sabe sobre pretume de gente, esse perigoso fundamento de juízos sobre ajuntamentos e descarga, sobre demagogias e ser-arrebatado, sobre crescimento e paranóia - tudo isto hoje deveria ser reformulado num exame sobre a participação de inúmeros indivíduos isolados em programas de meios de comunicação de massa. Uma sociedade por demais midiatizada vibra num estado no qual os milhões não podem mais aparecer negra, densa e impetuosamente como totalidade efetivamente reunida, não mais como seres vivos de um coletivo que conspira, conflui e irrompe. Mais do que isso, hoje a massa vivencia a si própria somente em suas partículas, os indivíduos, que como partículas elementares de uma vilania invisível se entregam exatamente aos programas nos quais é pressuposto seu caráter de massa e vilania." (op. cit., pág 22)
Parabéns, Well, pela descrição e pela corajosa e sóbria posição política. E parabéns aos alunos de CS que estão nas ruas única e exclusivamente pelo bem comum, sem interesses individuais e mesquinhos, que corrompem as representações ditas organizadas de estudantes.
Espero que a partir disso, nossos professores tomem alguma posição em relação ao ocorrido. Por último, parabéns ao blog pelo espaço cedido.
Welthon,
Há pouco, antes de vir digitar este pequeno comentário, estava vendo na televisão mais um quebra-quebra no Rio contra os trens desumanos que desembarcam aquele gado na maioria do tempo pacífico na Central do Brasil, onde todos os dias trabalhadores cariocas são tratados como sempre foram tratados os humilhados e ofendidos no Brasil: com ofensa e humilhação! A polícia também chegou, desceu no cacete etc. Contraposto a isso, os acontecimentos de 20 de janeiro último já caíram no esquecimento... Não por terem sido coisa menor, mas porque fazem parte do nosso cotidiano. Foi assim o ano passado, será assim no próximo ano. Entra ano, sai ano, o transporte público no Brasil é vergonhoso e revoltante. Sempre achei que um exemplo perfeito disso (tão visível que nem notamos) é o fato de terem feito um TIP no fim do mundo, enquanto o aeroporto está praticamente no centro da cidade... Enfim, passemos.
Com isso já deixo clara minha solidariedade com os estudantes que se manifestam contra o aumento de passagens a cada começo de ano. Mas, ao mesmo tempo, acho o post de Welthon sobre o “silêncio dos intelectuais” a respeito da desproporcionada repressão que se abateu sobre eles na frente da Faculdade de Direito (com isso referindo-se aos professores de sociologia), igualmente inadequado. O que seria quebrar esse “silêncio”?... Produzir agora, mais de duas semanas depois dos fatos, uma carta de repúdio? Com que finalidade além de enquadrar todo mundo, sem qualquer risco, na boa consciência do dever cumprido? Obviedades às vezes são dispensáveis, porque são fáceis e sem conseqüências. Aliás (e aí talvez não tenha sido sem conseqüência...), já houve uma carta desse jaez, subscrita pelos professores da “Casa da Tobias”, mais naturalmente indicados para tal fim porque os eventos se deram na frente e no interior do prédio onde ministram aulas de direito. E o mínimo que se pode dizer é que a ação da polícia não foi exatamente um bom exemplo do “uso legítimo” da força ali ensinado... (Aliás, Welthon, a respeito disso, seu argumento de que a polícia estadual não poderia ter agido por se tratar de um espaço público federal não se sustenta juridicamente, além de conter embrionariamente um corolário perigoso: e se fosse numa escola municipal, a tropa de choque – convenhamos que o nome já mete medo – poderia ter agido como bem entendesse?)
Mas, enfim, como vou participar do debate que está programado para março, paro por aqui. Apenas aduziria que a cobrança para que os intelectuais saiam de seus espaços acadêmicos e venham participar do que se passa nas ruas, tem algo de injusto com aqueles que pelas mais variadas razões, inclusive temperamento retraído (como é o meu caso, devo confessar), não fazem disso sua atividade mais importante. Não é reproduzindo palavras de ordem, por mais justas que sejam, que se produz conhecimento. Conhecimento, aliás, que pode vir a municiar ou inspirar o que depois os “homens de boa vontade”, como dizem os evangelhos, gritarão nas ruas. Marx, por exemplo, nunca levou bordoadas da polícia. Seus problemas com a justiça foram de outra ordem: como muitas vezes não tinha dinheiro para pagar o aluguel, chegou a ser posto com mulher, filhos e empregada na sarjeta pelos oficiais de justiça de Sua Majestade britânica. Mas, vejam só: foi ralando duro nos bancos do Museu Britânico que escreveu o que ainda hoje inspira o “sal da terra” – pessoas como você.
Pois é, Luciano:
acredito que a academia é um lugar importante nas culturas modernas - afinal ainda temos de nos escandalizar de alguém querer sacar seu revólver quando falamos em cultura acadêmica.Mas creio que Wellthon solicita uma solidariedade que pode se manifestar sob outras formas que não a caminhada pelas ruas - eu próprio não me vejo nas ruas correndo com duas hérnias de disco. Mas a pergunta que você se faz é: já não passamos o tempo de manifestar nossa indignação? Talvez, sim, embora não esteja certo disso. Creio, porém, que certamente não passou a oportunidade de "intelectuais" e "homens de ação" discutirem o que podem fazer conjuntamente. Transportes públicos no Recife, por exemplo, seria um bom mote e tanto para concretizarmos uma discussão desse tipo - e o momento propício: Copa e tal. Por isso acho que nossa mesa redonda promete. Jonatas
Seria, no mínimo, uma cena inusitada: Jonatas, com suas hérnias, numa manifestação. Se Marx tinha furúnculos, o cabra tem hérnias. E posso apostar que a maldita burguesia recifense, quiçá globalizada, lembrará de seus males até o dia de sua morte.
Farei o possível para assistir à mesa-redonda. O tema é arretado. Tenho muitas dúvidas a respeito do assunto. A começar pelo próprio termo “intelectual” – o que significa isso nos tempos atuais? Implica, para os cientistas sociais, especificamente, que tipo de responsabilidade? Antigamente, a responsabilidade era confundida com “engajamento” (comumente, um engajamento partidário). Há ainda o engajamento do tipo sartriano, sem filiação partidária, mas antenado com os movimentos sociais e com os grandes debates. O engajamento passa, atualmente, por uma conexão com a mídia? Como? Enfim, hoje, que tipo de engajamento efetiva a responsabilidade? Ou temos vários tipos de responsabilidades e de engajamentos?
Faço essas perguntas, até porque estou resenhando um livro de Boltanski, De la Critique: précis de sociologie de l’emancipation. Direta e indiretamente, o cabra aborda esses assuntos. As perguntas sobre o papel do intelectual, sobre responsabilidade, engajamento, etc e tal, remetem ao papel da crítica e, na discussão de Boltanski, sobre as relações entre crítica e emancipação. Como não fiquei satisfeito com suas respostas, ainda tenho muitas dúvidas sobre a questão.
Mas Boltanski tem o mérito de problematizar a noção de pluralismo. Assim, boa parte de minha confusão passa pelos desdobramentos dessa noção, principalmente os políticos. Explicito-a por meio de outras perguntas: quais as consequências, para a responsabilidade e o engajamento, da aplicação das ideias de pluralismo e de... hegemonia? Acho que pensar a responsabilidade e o engajamento, apenas do ponto de vista da hegemonia, leva a uma resposta clássica, que está lá em Gramsci. E pensar apenas do ponto de vista do pluralismo, a resposta está, provavelmente, em Weber. Ao juntar pluralismo e hegemonia, quais as consequências? Com tais noções, como conectar epistemologia, pesquisa e política (emancipação)? É possível? Se possível, isso leva a que tipo de intelectual, isto é, a que tipo de responsabilidade e engajamento?
"é preciso que os intelectuais abram suas janelas da sala, do escritório dos gabinetes e olhem para a transformação que ocorre no momento em que se está presente."
Isso já era pouco pra Marx há 150 anos atrás.
Eu também acho pouco.
Algumas histórias interessantes: Uma menina recebeu uma intimação. O advogado dela recomendou que ela não atendesse. E foi o que ela fez. Por ela ter faltado ao compromisso recebeu uma ligação da delegacia. Era alguém de lá perguntando se ela queria que a segunda intimação fosse enviada para a casa dela novamente ou para a casa da sua mãe no interior. Diante de convite tão amável ela não declinou. Durante o inquérito ela foi apresentado a um álbum de fotos de várias pessoas que estavam no protesto, pessoas desse e de outros carnavais. O delegado queria entender a tal manifestação.
Dois estudantes foram detidos colando "lambe-lambe" na Av. Cnde da Boa Vista. Com uma bela foto do nosso governador e a frase: Eduardo Maluco, Pinochet de Pernambuco. Chegou uma viatura com dois policiais que já sabiam o conteúdo do papel, porque as câmeras da conde da boa vista são poderosíssimas(tudo por nossa segurança). Eles gentilmente informaram aos estudantes que eles seriam levados à delegacia. Quando perguntado o motivo um disse: Não pode colar isso não. Os estudantes apontaram para os vários "lambe-lambe" colados na parada(Sarah de Iemanjá, Viaje pra São Paulo, Body Piercing...). E tiveram como resposta: Só que esse de vcs não pode. Quando chegaram na delegacia nenhum funcionário de lá sabia informar o real motivo da detenção, todos só se preocupavam em ligar para vários números para falar sobre o conteúdo do panfleto.Depois de algumas horas chegou um "alguma coisa" da SDS, que segundo advogados essa "alguma coisa" é um cargo de confiança do governador, para acompanhar o inquérito. Durante o inquérito os estudantes ouviram várias perguntas, entre as quais: Qual é a sua opinião acerca de Vossa Excelência Governador "Doutor" Eduardo Campos? Vocês fazem parte de algum partido, sindicato? Qual é o nome da organização que vcs fazem parte? Quem mandou vcs colarem esse material? Quem criou o material?
Quando os estudantes pensaram que seria ressuscitado alguma tipificação penal de naipe ditatorial(Porte de Material Subversivo, Conduta subversiva...) foram enquadrados em crime ambiental. Na volta pra casa os estudantes passaram pela Cnd. da Boa Vista e já haviam pessoas retirando o "material subversivo".
Um estudante correu do choque, enquanto se despejava bomba, bala e spray. Se abrigou num colégio. O estudante foi seguido pela rocam e dedurado pelos funcionários de lá. Um policial da ROCAM deu uma tapa no peito do fugitivo e o levou para o camburão. O camburão não foi pra delegacia, foi pro quartel. Lá o preso ligou para o seu pai, também policial. Foi fichado e liberado. Fichado num quartel.
Essas são histórias documentadas. Existiram boatos mais graves.Espancamento, tocaia, ameaça de morte...
Essas coisas sociais, coisas que sociólogos estudam, não são paisagísticas.Uma janela foi aberta. E agora?!Agora vamos discutir o papel do intelectual. Terrível!
De que adianta abrir tanto a janela?
Só se olha pra dentro.
"O cfch é a casa do saber!
Do saber pro saber para o saber!
Segura o Kula!"
Refrão do Bloco Segura o Kula.
O que você sugere, anônimo?
So falta o amigo dizer: "Penitenziagite, Cynthia, penitenziagite!"
Haha! E faltou?
Eu sugiro que os professores se organizem em milícias armadas e transformem o ppgs num núcleo clandestino de luta por uma revolução socialista. Primeiro o PPGS, depois a federal, depois a várzea... Logo chegaremos ao palácio.:)
Eu daria preferência a uma discussão mais ampla. Na qual a presença de interlocutores de fora da universidade fosse fundamental. E que existisse uma grande divulgação, ambição por um grande número de interessados. Oferecer o espaço da universidade para que encontrássemos em conjunto as conexões entre a invasão da fdr(algo incontornável), a repressão dos estudantes(algo chocante) e os processos sociais mais amplos(algo que deve ser encontrado em conjunto com os diversos grupos da sociedade civil).
Desse encontro poderiam resultar posicionamentos firmes contra a omissão da universidade, contra a repressão policial, a favor do direito de protesto, da liberdade de expressão, do espaço público, mídia.
Com certeza isso despertaria o interesse da opinião pública. Provocaria repercussão. Seria uma interessante possibilidade de participar mais ativamente dos interesses da sociedade. A última vez que eu vi o nome do ppgs no jornal foi numa tiração de onda sobre uma tese que abordava o papeiro da cinderela(sobre a qual o ppgs se manifestou prontamente, incrível!). Podemos mais.
Existem muitas pessoas interessadas em construir esse tipo de encontro. E isso é possível. Vamos pensar além de seminários. Não podemos perder de vista que a nossa universidade se pretende pública. Além de abrir as janelas poderíamos abrir as portas, assim os "não-intelectuais" poderiam entrar.
É por aí... Uma melhor seleção dos temas e do formato surgiria da comunicação entre as partes.
Primeiro peço desculpas por demorar em responder, se passaram alguns bocados algo que aliás possa levar a um fato novo aqui.
Luciano,
Acho que o que Jonatas falou é mais ou menos o que realmente iria falar. Não se trata de cobrar agora tempos depois algo que se passou, mas sim de se questionar porque não se falou nada, porque também os intelectuais caíram na naturalização desses fatos como o resto da sociedade, quando de fato faz parte do nosso exercicio estranhar o "comum" questiona-lo para a construção do conhecimento. A construção do conhecimento não é estar na rua apanhando, não restrinjo nossa ciência a isso mas apenas questionei se não estaríamos demais sem notar os que estão nas ruas? Sem se colocar nos lugar daqueles que estão lá? Aliás como Weber dizia ao olhar para Marx e sua história que hoje seria vista como um "cara pelego".
Jonatas,
A saúde é mais importante, hehe, é mais válido em aluns momentos termos ideias propagadas do que corpos para compartilhar surras nas ruas.
Anonimo,
Muito bom seu relato fiquei sabendo disso nos últimos dias e fiquei bem estarrecido.
Cynthia,
O uso da força corre por estâncias diferentes.
Anonimo 2,
2 porque a forma de escrever difere. Assino em baixo nas proposições, mas se somos de Ciências Sociais... até quando falaremos apenas do PPGS? E o PPGA e PPCP?
Eu acho que cobramos do PPGS porque se certo modo ainda cremos no uso da Sociologia para questionar, no uso a estrutura contra outra maior, e porque não na possibilidade de ser ouvido.
É instigante e construir esse debate, é fundamental para os dois grupos a partir do momento que se vise que os de fora sairiam como os maiores beneficiários.
Mas aliás... PODE CHOQUE entrar na UFPE? Ou apenas na USP não pode? quer dizer não poderia.
Segue abaixo o texto de repúdio a capa do jornal do Diário de Pernambuco que está aberto para ser assinado por diversas entidades, algo que está sendo divulgado e espalhado. Talvez esse possa ser um começo, ou um momento de reflexão para os professores. Porque os intelectuais assinam carta em repúdio ao SERRA/PSDB e vão as ruas desfilar com DILMA mas não acham a censura, agressão que ocorre ao lado digna de indagação e manifestação?
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CAPA DO DP:
http://www.diariodepernambuco.com.br/capa/2012/02/10/capa120210.jpg
Nota (versão ainda em edição):
NOTA DE REPÚDIO AO DIÁRIO DE PERNAMBUCO
No dia 09 de fevereiro os estudantes da Região Metropolitana do Recife fizeram seu 6º protesto contra o aumento das passagens de ônibus. Na ocasião um grupo de estudantes em caminhada decidiu bloquear a Av. Agamenon Magalhães como meio de expressar sua indignação pelo péssimo sistema de transporte público do Recife que torna os usuários de ônibus reféns dos interesses empresarias. Enquanto o governo do Estado de Pernambuco lava as mãos e quebra uma das suas promessas de campanha, cidadãos exercem seu poder de liberdade de expressão para contestar uma situação injusta e desigual que atrapalha a vida de todos, dia a dia.
Na capa do jornal Diário de Pernambuco do dia 10 de fevereiro de 2012, está estampada e explicitada uma primeira página inteira visando condenar o protesto dos estudantes, e afirmando que o protesto gerou “caos urbano, revolta e medo” nos cidadãos. Também expõe que a estrutura viária não permite que haja mais protestos no centro do Recife. O interessante é perceber que o péssimo sistema de transporte público não é questionado, que o inchaço da cidade com carros que saem em fileiras das concessionárias enquanto não é indagado. O protesto que pede e questiona os problemas é construído o culpado pela ausência do Estado no dever de seu papel.
Em outro trecho, o jornal deixa implícito que atropelamento de uma mulher de 65 anos na Avenida Agamenon Magalhães ocorreu por conta da “confusão” dos estudantes. É tendencioso o Diário de Pernambuco tornar o acidente de uma cidadã como meio de criminalizar um protesto legítimo que visa melhorar a situação dos trabalhadores da RMR. Além do uso apelativo do ocorrido, o Diário de Pernambuco não expõe que o acidente ocorreu por volta das 15horas em frente ao Hospital da Restauração, momento em que os estudantes ainda estavam saindo da Rua do Hospício – 3 km de distância. O acidente foi visto por estudantes da Escola Estadual Governador Barbosa Lima.
É evidente o uso dos fatos pelo Diário de Pernambuco para desmoralizar uma luta democrática e pacifica, como se não bastasse a dura repressão sofrida pelos manifestantes semanas atrás pela Policia Militar de Pernambuco, agora um jornal que se põe como o mais antigo da América Latina manipula os fatos para convencer seus leitores de que a luta por um melhor transporte público tem que ser extinta.
Nos remete portanto, qual seria o compromisso da imprensa com a sociedade? Não seria relatar os fatos de nossa sociedade com imparcialidade, coerência e condizente com o interesse comum dos seus cidadãos?
O Código de Ética do Jornalismo afirma que:
Art. 3° - A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.
Art. 7° - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.
Cabe a quem questionar a posição do Diário de Pernambuco e esperar uma resposta íntegra condizente com a capa divulgada.
Repudiamos, portanto a postura do Diário de Pernambuco por manipular informações a fim de criminalizar manifestantes que visam à melhoria de um problema social que afeta toda a sociedade pernambucana.
Salve, colegas. Aqui é o Lúcio Mustafá. Acabei agora Filosofia no CFCH da UFPE.
QUEM É A INTELECTUALIDADE PERNAMBUCANA HOJE
Esse blogue é muito propício para que se discuta algo que se está elidindo há tampos: quem são os intelectuais pernambucanos e como é que eles agem. O fato é que eles são resquícios da ditadura militar, no sentido que foram formados à sombra do medo e assustados pela perspectivas de terem suas vidas profissionais (salários, perspectivas de possuir imóveis, automóveis, salários elevados ou quase) prejudicadas caso se mostrem muito arrojados em criticarem socialmente o sistema. Em sala de aula, um ou outro ainda se posiciona como alguém que quer mudança (mesmo assim é difícil), mas daí a pensar que eles vão entrar nesse embate a respeito das passagens dos ônibus e do que a juventude está fazendo nas ruas esses dias, é ser ingênuo. Pior ainda é o fato que eles possuem um sistema de reproduzir seus sucessores, de domar os eventuais anseios que algum aluno de iniciação científica possa ter de se transformar num autêntico militante a favor de uma transformação societária que leve a uma mudança real das relações humanas.
Isso acontece porque o que a ditadura fez na mentalidade da intelectualidade pernambucana e brasileira em geral (e que agora está fazendo até com a do dito primeiro mundo) foi um tipo de lavagem cerebral que dura no tempo e se propaga e se auto-reproduz.
Isso significa que devemos ser capazes, para nos livra dessa maldição, de não somente irmos para as ruas, de não somente repetirmos as velhas fórmulas que nos fazem parecer pessoas comprometidas com uma mudança, mas se quisermos, verdadeiramente, transformar a sociedade, devemos mesmo é gerar um novo tipo de formação intelectual que, num curto prazo, substitua-se a esta que ai está instalada e tendendo a um apoio tácito ao neo-liberalismo.
A formação de uma nova intelectualidade não simples, mas pode ser feita. Precisa primeiro que se esteja disposto a negar a formação oficial; em segundo lugar é necessário que se coloque em pé uma estrutura (que um desconstrutivismo burguês não consiga desmontar) capaz de passar a existir e de confrontar moralmente a omissão dos atuais intelectuais locais.
Mas infelizmente eles nos confundem. Não é correto fazer a crítica sem a auto-crítica. E nesse caso temos que pensar até que ponto não estamos "deglutindo" livros bichados, isto é, livro que parecem ser coerentes e válidos, quando na verdade são exatamente os livros que os conservadores mandaram, secretamente, escrever para nos enganar e nos confundir. Pense-se que numa passeata teve um estudante em Sampa que mostrou para o policial um livro de Foucault. Mas este filósofo francês foi um reacionário conservador admirador de Heidegger (nazista). Lógico que assim não há como reclamar dos intelectuais (professores) se nós como intelectuais (alunos) não somos capazes de superar a literatura básica que os pós-modernos (coservadores) está nos fazendo ler para nos confundir.
Essas reflexões minhas poderiam servir para o caso no qual além de ir para a luta se pretenda também travar a batalha intelectual na intenção de superar os conservadores nas universidades e num breve espaço de tempo fazer surgir uma nova intelectualidade capaz de ser uma força autônoma na sociedade e não atrelada aos equipamentos de poder.
Só depois disso é que se poderá dizer que a ditadura militar (que começou em 1964) foi realmente superada.
Wellthon,
Como eu disse antes, acho que o primeiro passo é usar o direito de resposta no jornal e montar uma estratégia a partir disso. Bem, essa é minha opinião.
Quanto a afirmar que nós não achamos "a censura, agressão que ocorre ao lado digna de indagação e manifestação", isso é uma interpretação apressada de sua parte - tanto que publicamos o texto de Artur por aqui e propomos este seminário.
Mas gostaria de lançar um ponto para reflexão: você fala da circulação de uma nota "ainda em edição" (com razão, pois precisa de uma boa revisão de português) e imediatamente cobra nossa adesão. Algo parecido ocorreu com a nota que chegou ao meu email no início das manifestações. Você não acha prematuro cobrar adesão a notas "em edição" que estão "circulando" (onde?)?
Creio que, se há um ponto em que a crítica lançada aqui procede, ela diz respeito ao nosso silêncio coletivo em relação ao início dos eventos. Mas mesmo isso merece ser pensado: quem somos "nós"? O Cazzo, o DCS, o PPGS? Por outro lado, é preciso pensar que isso tudo ocorreu no período de férias, quando alguns de nós estávamos extremamente ocupados com outras coisas, também urgentes, e que não podem ser feitas por outras pessoas.
Por fim, vale também repensar a ausência de diálogo entre o DA e o DCS. Onde estão os representantes estudantis durante as reuniões do DCS? Esse é o espaço no qual discutimos enquanto coletividade e tem sido raríssimo encontrar um representante estudantil por lá.
Enfim, acho que tem muita coisa que pode ser pensada e discutida nesse seminário, mas acho que a dimensão expiatória (que o anônimo que fez a citação em italiano resumiu tão bem) não cabe nesse tipo de debate.
Wellthon,
Ainda não recebemos confirmação de sua (ou de outra pessoa do DA) participação no debate. Só lembrando: acreditamos que, se bem sucedido, esse seja um primeiro passo de uma série de debates que poderemos promover acerca de assuntos que julguemos prioritários - e eventualmente de ações que possamos tomar em conjunto. Abraço,
Jonatas
Um dos problemas de se escrever anonimamente (sim, estou me dirigindo ao "Anônimo") é que a gente não sabe a quem se dirigir para checar a procedência e mesmo a rigorosa veracidade de coisas que são ditas, sobretudo quando elas são graves. Essa história, por exemplo, de que panfletantes são inquiridos na delegacia a respeito de sua opinião sobre o governador Eduardo Campos, é coisa séria! Eu mesmo, quando estudante de direito, já passei pelo constrangimento de ser interrogado por um delegado da polícia federal em Aracaju a respeito da minha opinião sobre... o presidente Médici! Óbvio que, como não sou louco nem herói, não me lembro mais que lisonja fiz ao general-presidente. Mas isso foi há quase quarenta anos, e vivíamos sob uma feroz ditadura que poderia impunemente nos pendurar no pau-de-arara. Se isso de fato está ocorrendo hoje, num regime democrático, no estado de Pernambuco, a coisa é grave e merece ser averiguada de fato. Tais inquirições são prórias de regimes totalitários, e isso não podemos aceitar. A coisa é tão surrealista, para dizer o mínimo, que prefiro por enquanto exercer o benefício da dúvida a acreditar pia e cegamente em alguém que escreve escondendo-se atrás de um nome de guerra que, para ser sincero, acho que nem caberia num blog acadêmico.
Luciano
"Cinematic essay that deconstructs a single news photograph of Jane Fonda in Vietnam", in:
http://www.youtube.com/watch?v=L6I0Yipj-3Q&feature=mfu_in_order&list=UL
Cynthia,
Desculpe a demora em responder, dia só com reuniões hoje, hohoh.
Então o fato da nota está rodando é porque ela fica a cargo de receber opções de adesão, posicionamentos, criticas e etc. Ela já está fechada e corrigida, rs. Amanhã você e os professores acordaram com elas em suas caixas de entrada. ^^
Sobre o comentário, sim de fato posso ter me preciptado. Mas veremos no que dá.
Jonatas,
A decisão já foi tomada, acho que o DACS já deve ter enviado e-mail para você a respeito disso.
Abraços,
Espero que a mesma energia empregada para a crítica aos professores seja utilizada também na aquisição (que requer paciência e orientação adequada) de conhecimentos imprescindíveis para o exercício futuro da profissão escolhida. Aliás, como nos lembra Umberto Eco, "a tese de Marx não foi sobre economia política, mas sobre dois filósofos gregos, Epicuro e Demócrito. E isso não foi um acidente de trabalho. Marx foi talvez capaz de analisar os problemas da história e da economia com a energia teórica que conhecemos exatamente porque aprendeu a pensar sobre os seus filósofos gregos".
E continua Eco:
"Diante de tantos estudantes que se iniciam com uma tese ambiciosíssima sobre Marx e acabam num escritório das grandes empresas capitalistas, é preciso rever os conceitos que se têm sobre utilidade, atualidade e empenho dos temas de tese".
Wellthon,
Até agora, não recebi qualquer mensagem do DACS. Abraço,
Jonatas
A discussão é de uma pobreza dramática! É impressionante a preguiça da quase maioria dos estudantes da atualidade. Daí se tornam uns boçais "anarquistas", "revolucionários", a repetir palavras de ordem do século XIX, citando autores de maneira apressada, leviana, demonstrando a face pura da estupidez. É sempre assim há muito tempo: preguiça intelectual que busca ser substituída por ativismo de bom coração! Já que a tônica é chavão, que tal este: de boa intenção, jovens, o inferno anda cheinho. É lamentável, por outro lado, o Cazzo abrir espaço para uma discussão deste nível... Como "intelectual" e o mais que o queira (pai, professora, mãe, cidadão), sou contra o aumento de passagem - da forma como é promulgado. Por outro lado, julgo ineficaz, arcaica e burra a forma de manifestação estudantil, parando o trânsito da cidade inteira. Já achava isso há muito tempo - desde meu tempo de movimento estudantil quando, inclusive, ao menos negociávamos com a polícia para ocuparmos apenas uma faixa da C. da Boa Vista; mas, neste ano, quando quase perdi uma tia, que precisou do Samu, o qual estava preso com a revolta dos revolucionários, revigorei minhas críticas quanto a esse tipo de macaqueação rebelde... Estudantes, vão ler! Leiam, leiam, aprendam! Intelectuais, unamo-nos contra a sacrossanta horda dos estudantes revolucionários de bom coração, os altruístas do Novo Tempo!! Saravá!
Intelectual orgulhoso,
Você leu o texto? Não concordo que apenas ler traga transformações substanciais ao país. Sim há problemas em relação ao Movimento Estudantil, infantilidade e afins, assim como a meu ver há problemas com os intelectuais sobretudo quando tomam essa sua postura arrogante e sectária. Fechar avenidas para protestar infelizmente parece ser um dos motivos pelos quais muita gente morreu para poder fazer. Eu também prefiro que não se feche vias, mas engarrafamentos e vias fechadas é algo que ocorre cotidianamente.
Agradeço ao Que Cazzo a não ter essa visão repugnante em achar protestos de ruas como algo de baderneiros. Baderna é pregar algo apenas, ler literaturas instigantes e voltar para casa e ver TV enquanto milhões passam fome no Brasil.
Não desconsidero a morte da sua tia, e apesar de achar impróprio usar esse fato para falar mal de protestos, me pergunto quantas pessoas no Recife morrem porque não podem pegar um onibus? Quantas pessoas morrem esperando atendimento? Quantas pessoas morrem pela nossa péssima gfestão pública. Não culpe os que reclamam e se manifestam pela ausência devida do Estado, tratando-os assim como os verdadeiros culpados pelas mazelas que nos afligem.
Mas ler, parece que pelo menos meu texto você não leu, até porque sou graduando e não tenho títulos para ostentar. Ai me pergunto por qual motivo viria comentar aqui? Para impor sua superioridade intelectual orgulhosa? Ainda bem que não existem tantos assim hoje em dia... Que moram em coberturas, se enchem de grana e esquecem pelo o que lutaram no passado. Fruto do movimento estudantil do passado?
Jonatas,
O DACS recusou o convite em reunião extraordinário ontem, os motivos serão enviados em breve em carta.
Particularmente lamento a postura,
Abraços
Caro "intelectual orgulhoso",
creio que o nível da discussão é determinado por nós quando debatemos, e tenho a forte impressão de que ele tem sido tanto mais baixo quanto mais o anonimato tem sido usado como forma de efetuar diagnósticos e acusações apressados e levianos (para usar suas próprias palavras).
Desculpe, mas, exceto em casos extremos que não se aplicam aqui, não consigo conceber um intelectual incapaz de defender suas posições sem que assuma a responsabilidade pelo que está afirmando. Não seria mais fácil tentar construir um argumento minimamente consistente e que permita a você defendê-lo, ao invés de recorrer a agressões desnecessárias?
Caso esse tipo de acusação irresponsável continue, ativaremos a moderação dos comentários do blog.
Cynthia e demais,
Acho que está mais do que na hora de vocês começarem a moderar a participaçao de anônimos nesse blog.
Lógico que vão gritar: "censura"!
Que gritem. Eles não sabem o que é cesura nem ditadura. Nós que vivemos aqueles tempos sombrios sabemos o que é isso.
Quanto à recusa do DCAS de participar do debate, é lamentável. Esses meninos querem o quê? Que reproduzamos suas palavras de ordem sem recuo, sem distanciamento, sem um mínimo da objetividade que faz do intelectual alguém digno desse nome?
Ai, meus sais!
Luciano
Lulu,
nossa resistência em relação a isso é somente pelo fato de termos recebido muitas contribuições importantes de anônimos nos 4 anos do blog (embora, pessoalmente, também não veja razão para o anonimato em uma discussão como esta). Mas estamos discutindo isso entre nós.
Também lamento a ausência do DACS no debate. Paciência.
Faço coro com as lamentações,
Paciência?
Já não me resta.
Engraçado, lá atrás fiz menção de morrer em alguma praia... Mas agora, não... Agora, faço coro com Ivan Lins:
"Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer"
Ou nada aprendemos nesses anos ??
Ave, Luciano!
E para "sublimar" o clima de tensão e desespero, nada melhor que Pessoa, Wellthon:
"O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada."
Pernambuco falando para o mundo:
"Isso acontece porque o que a ditadura fez na mentalidade da intelectualidade pernambucana e brasileira em geral (e que agora está fazendo até com a do dito primeiro mundo) foi um tipo de lavagem cerebral que dura no tempo e se propaga e se auto-reproduz".
Eita inimigo poderoso da gota! (risos)
Pois é caro anonimo,
Nunca serei o que aos que criticam o ideal para o debate.
Por isso mesmo não me coloquei na reunião como representante do DACS.
Ser bode expiatório não me convém.
Me rendendo um ensaio daqueles dara Teoria Sociológica II, Bourdieu e o DACS, quem diria.
Wellthon, você está nas referências bibliográficas.
Marina Ribas
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