terça-feira, 10 de julho de 2012

Antonio Damásio: a busca para entender a consciência



 No que me parece uma versão atualizada e mais sofisticada da concepção sensualista de emoções desenvolvida por William James (salvo engano, até mesmo a questão que ele coloca no início de sua conferência é retirado de um trecho dos Princípios da Psicologia), Antonio Damásio fala sobre a importância da dimensão sócio-cultural para a compreensão do nosso sentido de self (erradamente traduzido nas legendas como "ego" ou "eu").

Ainda estou terminando de ler um de seus livros principais, O Erro de Descartes, por sugestão e suave insistência de um tio-avô. Embora interessante, um comentarista do TED resume minhas impressões até o momento: "Eu suponho que o título da apresentação de Damásio, 'a busca para entender a consciência' não é propriamente enganador, mas seria melhor intitulado 'a busca para entender a neurobiologia da consciência'. Entender a atividade neural e bioquímica que subjaz à consciência não é o equivalente a entender a consciência".

Minha hipótese provisória é que lhe falta uma questão fundamental para compreender emoções complexas como o amor, o ciúme, a inveja, dentre outras, que orientam nossa relação com o mundo sócio-cultural e que ajudam a definir quem somos: aquela propriedade mental que os filósofos, desde Husserl, enfatizam, que é a intencionalidade. Artur parece ter outra hipótese e, se compreendi direito em nossa conversa relâmpago após uma defesa de projeto, é a de que Damásio reatualiza o dualismo cartesiano ao substituir a velha alma cartesiana pelo cérebro. Vamos ver.

  Cynthia

7 comentários:

Danilo disse...

Cynthia,

que ótimo post, esses tipos de questões que fazem a gente pensar para além das ciências sociais(mas ainda com ela)são bem construtivos. Esse post me lembrou alguns bons debates com Artur Perrusi nas aulas de Sociologia da Loucura que eu ia assistir.

O que noto hegemonicamente é que o campo da sociologia parece que se esquece que a própria constituição teórica desse campo se deu com influência da Biologia (Spencer, Durkheim, Berger,etc).

Pelo que noto algumas descobertas recentes da neurobiologia /neurociencia estão saindo mais do biologismo puro e levando em consideração também as interações sociais. No video mesmo Damásio se refere a regulação sociocultural enquanto dimensão constituinte do self. O cerébro aparece agora como uma dimensão de "plasticidade", moldado pela história e meio social.

Mas o que acho interessante nisso é como esse debate da neurobiologia pode se articular com o debate da sociologia da "percepção da realidade"/"construção da realidade". Tudo está articulado com a nossa memória, as experiencias de vida que estão armazenadas.O habitus vive consultando a memória pra poder definir as nossas práticas e criar nossas representações do mundo, e a memoria tem uma relação direta com o cerébro.

Não eu esteja defendendo um biologismo, mas também não acho que essa dimensão esteja excluida da nossa constituição enquanto ser social. A mente e o corpo estão interligados, são uma unidade psicossomática.

Um exemplo disso é quando nos apaixonamos(no sentido patológico), nós temos processos quimicos no cerébro que impedem a gente de ver a totalidade da outra pessoa, e só percebemos as partes positivas,é parecido com um processo ideológico. E isso dura alguns meses até voltar a "normalidade". Ou seja os processos neurobiológicos aparece aqui com efeito nos processos de interação social; e as interações sociais também tem efeitos no cerébro.

E já que foi falado de sentimentos, vou comentar também a hipótese sobre as emoções (com todo respeito professora e também com limitações). As emoções só podem ser percebidas como fenomeno na consciência a partir de uma dualidade(de novo), só existe o amor porque também existe ódio, e só existe ciume porque também existe a confiança,etc(ordenamento psiquico e social). Eles não existem sozinhos, assim como a realidade também não. Acho que é por isso que Lacan diz que amar é dar o que se tem a quem não o quer.

Danilo

Cynthia disse...

Oi, Danilo,

Para falar a verdade, fiquei positivamente surpresa pelo Damásio, que esperava ser mais reducionista do que ele de fato é. Apesar disso, a cultura humanística do cara deixa muito a desejar e, por mais que ele defenda a necessidade de uma integração entre as dimensões biológica e sócio-cultural (de uma forma que chega a me lembrar o esquema cibernético de Parsons de troca de informação e energia), um resquício de reducionismo sempre aparece.

Só para dar um exemplo retirado do seu livro sobre emoções acerca da forma típica como uma emoção é formada: em uma grande metrópole, "o cérebro detectou uma ameaça, nomeadamente, uma pessoa seguindo você, e inicia uma cadeia complicada de reações químicas e neurais...". O problema realmente interessante é deixado de fora: o que é uma "ameaça" em uma grande metrópole? Longe de se tratar apenas de uma percepção ("sentimento", em sua linguagem pouco filosófica), há aí já uma interpretação que define algo como uma ameaça. E a maioria das nossas emoções, particularmente as de segunda ordem, dependem de interpretações prévias que são mobilizadas a cada nova experiência. Embora ele insista sobre esse ponto, seu modelo teórico não possibilita incluir isso. É como se fôssemos seres humanos novinhos em folha a cada percepção - daí ele afirmar que não existe nenhuma teoria que possa dar conta da subjetividade. Oi?

Talvez esse seja o problema de toda abordagem que se pretende interdisciplinar. Imagino que a gente deve dizer muita bobagem em relação à biologia, mas talvez a diferença fundamental seja em termos práticos: nossa disciplina não tem o mesmo apelo midiático e político, de forma que dificilmente gerará consequências como o consumo indiscriminado de psicofármacos que o Damásio (corretamente, a meu ver) atribui à crença generalizada nos poderes milagrosos da serotonina.

Acho que já mencionei isso em algum lugar do blog, mas certa vez perguntaram a Lévi-Strauss como antropólogos e linguístas poderiam cooperar mais. Acho sua resposta muito esclarecedora: os linguístas devem continuar a fazer linguística e, os antropólogos, antropologia.

Talvez por essa razão esteja tão reticente em ler o livro do Damásio sobre o self. Talvez seja só preconceito. Mas, convenhamos, um cara que diz que "a linguagem não é a fonte do self, mas é a fonte do Eu" (e partiu de James!!!) não parece ter muito conhecimento de causa a ponto de conseguir diferenciar minimamente conceitos como self, eu, mim, mente... Talvez ele devesse seguir o conselho do Lévi-Strauss e continuar a fazer neurobiologia. Talvez não.

Dúvidas, dúvidas...

Danilo disse...

Cynthia,


até concordo com quase tudo do que foi dito; lógico que o cara vai ser reducionista, ele ta falando de um ponto de vista muito especifico. E esse negócio de negar a linguagem como constituinte do self deve ser um sacrilégio mesmo, matou o simbólico e os pós estruturalistas.

Sendo que não que muitas vezes essa doxa acadêmica pelo controle da verdade também pode aparecer como reducionista. É cada um no seu quadrado ? ok, tudo bem. Sendo que ao mesmo tempo que Levy-Strauss da esse conselho, ele mesmo se utilizou da linguistica de Saussure (mesmo sendo reducionista por focar toda sua atenção teórica ao signo e a gramática externa); assim como a Sociologia nasceu criticando a redução metafisica da filosofia e até hoje dialoga com a mesma; e só pra mencionar Peter Berger com uma teoria do conhecimento com foco na socialização, mas que também deve influencia da biologia de Maturana.

Acho que nunca vamos escapar disso, ja que a realidade é muito plural (ou até mesmo infinita como diz Simmel).Mas ou jogamos todos os "reducionismos" no lixo, ou podemos pelo menos ver se não tem algo que se salva para poder ter uma compreensão mais proxima possivel da totalidade do real. E é nessas horas que vale lembrar marx "o real é fruto de multiplas determinações", então acho que nunca vamos apreender tudo de um unico ponto.

Cynthia disse...

Oi, Danilo,

Acho que me expressei mal. Quando mencionei Lévi-Strauss, não quis defender que não seja possível, desejável ou necessário fazer incursões em outras áreas (até porque as fronteiras das ciências são relativamente arbitrárias). No entanto, e acho que esse é o ponto importante, Lévi-Strauss usou a linguística para suas investigações antropológicas, não sua antropologia para fazer linguística. Em outros termos, continuou sendo antropólogo e defendia o mesmo para os linguístas.

O que acho particularmente esquisito é um neurobiólogo escrever sobre temas como emoções ou self sem conhecer muito do que foi produzido na área por filósofos, sociólogos, psicólogos etc. Isso gera frases estranhas como "a linguagem não é a fonte do self, mas é a fonte do Eu". Ora, de uma perspectiva pragmatista clássica (na qual ele se inspira amplamente), a questão é justamente o contrário do que ele afirma. Desconheço se ele refinou seus conceitos no livro sobre o self, mas confesso que me senti desanimada por esse tipo de equívoco.

Por fim, a interdisciplinaridade, por si só, não implica reducionismo. Este só ocorre quando se tenta explicar um determinado "nível" ou estrato da realidade a partir de outro, com propriedades distintas ou "menos complexas", se vc gostar do termo (o social pelo biológico, o biológico pelo físico-químico etc).

Abraço

Anônimo disse...

Chamando a atenção para a questão do sentido, é preciso estar atento para o que Ferrater Mora diz em seu Dicionário de Filosofia: "conhecer não é, embora se continue chamando-lhe assim, uma atividade; em todo caso, não se diz que S conhece algo no sentido em que se diz que S digere algo, e tampouco no sentido em que se diz que S prefere algo (...) Nada disso pressupõe que para conhecer não se necessite executar atividades; é provável que não se possa conhecer algo, nem se possa saber que algo é de tal ou tal modo sem que intervenham processos de caráter neurofisiológico. Mas a análise de uma expressão como 'S sabe que' não é uma análise de processos neurofisiológicos, mas do sentido em que se usa 'saber que'.”.
Agora, se isso tem relevância para o tipo de conhecimento produzido por cientistas sociais ou alguma coisa a ver com cérebros, selfs, Damásios e anônimos...

Anônimo disse...

"Selves" ficaria melhor?

Cynthia disse...

Este "saber que" aponta justamente para a dimensão intencional a que me referi no post e que a neurobiologia não dá conta de forma adequada. O desenvolvimento desse argumento exige um pouco mais de tempo do que disponho no momento. Mas estou trabalhando em um artigo sobre isso e, quando terminar, coloco o link da publicação aqui no blog.