Por Alain Caillé. Extraído, com permissão do autor, de La Sociologie Malgré Tout (no prelo). (Tradução de Diogo Corrêa, revisão de Rodrigo Vieira de Assis e Cynthia Hamlin).
1. A sociologia é mais fragmentada do que todas as outras disciplinas, sobretudo que a economia. Daí sua impotência para opor-se ao devir oni-econômico (oni-mercadológico) do mundo.
2. Ela só recuperará sua potência de pensamento e de influência se conseguir se repensar como momento generalista das ciências sociais e da filosofia política.
3. Para isso, faz-se necessário reintegrar em seu seio todas as correntes de pensamento vivas que, em parte, desenvolveram-se a partir dela, mas também fora dela, embora levantando questões eminentemente sociológicas: os estudos culturais, subalternos, pós-coloniais, de gênero, teorias do cuidado, do reconhecimento, etc.
4. Tal reintegração pressupõe, em particular, que a sociologia esclareça sua relação com o marxismo, dado que todas essas teorias podem ser consideradas reformulações de um questionamento de tipo marxista.
5. Pressupõe também que a sociologia esclareça o próprio conceito de sociedade, tornado problemático pela globalização.
6. A virada global das ciências sociais é, sem dúvida, tão importante para as ciências sociais quanto a passagem da mecânica clássica (o equivalente do nacionalismo metodológico) para relatividade restrita e depois generalizada.
7. Apesar de todas as objeções possíveis, e fortes, uma sociologia geral (uma ciência social geral) é não apenas possível, mas necessária, dado que ela não mais se apresentará como querendo ter resposta para tudo (o vício dos sistemas sociológicos), mas questões organizadas para tudo.
8. O principal problema teórico a ser enfrentado pela sociologia é o de sua relação com o utilitarismo, matriz da ciência econômica e do economicismo.
9. A sociologia se desenvolveu historicamente como uma tentativa de superar o utilitarismo e a ciência econômica. Essa superação nem sempre foi verdadeiramente efetuada.
10. A superação do utilitarismo e do economicismo passa pela superação de Marx (cf. tese 4), o que passa, em primeiro lugar, por Mauss e Weber. O primeiro possibilita pensar a dádiva e o político (identificados um com o outro), o segundo, a historicidade destes.
11. As ciências sociais se organizam a partir e em torno de quatro imperativos: descrever, explicar, interpretar, avaliar.
12. Contrariamente ao que nos quer fazer crer a vulgata metodológica ou epistemológica dominante que se vangloria da "neutralidade axiológica", em ciências sociais é o momento normativo (avaliativo) que desempenha o papel cognitivo dominante, dado que estruturante.
13. Simetricamente à démarche ideal-típica de Weber, construída principalmente a partir da racionalidade instrumental (a Zweckrationalität), é preciso desenvolver na sociologia uma démarche idealista-típica, construída a partir da racionalidade axiológica (Wertrationalität), que se pergunte por que, como e em que medida grupos, sujeitos ou atores sociais não aplicam, e não se conformam a, seus próprios valores.
14. Dado que a sociologia não pode existir plenamente senão como superação (Aufhebung) da matriz utilitarista das ciências sociais e do economicismo, sua especificidade é ser necessariamente anti-utilitarista. Não a-utilitarista, o que implicaria a negação das considerações de utilidade e de interesse material e individual, mas anti-utilitarista, o que significa que a dimensão de utilidade e de interesse material e individual, bastante real, deve ser ultrapassada. Praticamente, cognitivamente e normativamente.
15. O núcleo da abordagem anti-utilitarista é o paradigma da dádiva (derivado do Ensaio sobre a Dádiva, de Marcel Mauss), que se pode também qualificar de paradigma da dádiva do político, do simbólico ou do reconhecimento.
16. Sua tese central é que a relação social não se constrói sobre a vantagem mútua e sobre o contrato, mas a partir de uma aposta de confiança, a aposta da dádiva, fundada sobre uma lógica de incondicionalidade condicional.
17. Corolário: os atores sociais visam menos possuir (riqueza, poder ou prestígio) que serem reconhecidos. E serem reconhecidos como doadores, tendo efetuado, ou sendo suscetíveis de efetuar, dádivas de valor, ou/e participando da doação (Ergebnis) da graça, do carisma. Riqueza, poder ou prestígio só valem na medida em que simbolizam esse reconhecimento.
18. A sociologia só pesou historicamente enquanto permitiu pensar a limitação ou a civilização do capitalismo e enquanto inspirou o político e a política. Hoje, o desafio é imaginar um para além do liberalismo, do socialismo, do comunismo e do anarquismo que considere que não mais podemos contar com um forte crescimento infinito para a superação dos conflitos sociais e de sua escala, agora planetária. Chamemos de convivialismo esse para além que se procura.
19. Em contraposição aos que veem a resolução do conflito social no Mercado (principalmente liberais) e aos que a procuram no Estado (principalmente socialistas), o convivialismo concentra-se principalmente na sociedade civil e em sua capacidade tanto de globalização quanto de localização.
20. É preciso abandonar o capitalismo? Tudo é aqui uma questão de definição. Se se entende por capitalismo os excessos, a hubris do Mercado, então a resposta é sim. Mas não abandonaremos o capitalismo se não nos livrarmos também (Aufhebung, também aqui) do marxismo.