Vão aí alguns apontamentos preliminares sobre a confluência desses três temas:
A experiência sistemática tem constituído ao longo de dois séculos o recurso mediante o qual as ciências procuram comprovar, validar hipóteses de trabalho. Sem ela o conhecimento ameaça transformar-se em mero exercício retórioco, vazio conceitual. Sobretudo na tradição positivista, o recurso à experiência é oferecido como antídoto contra visões parciais da realidade, contra o senso comum, contra a ingerência de interesses políticos, religiosos, morais na apreciação da realidade. "O futebol é uma paixão nacional; A cultura brasileira é a cultura do jeitinho". Será mesmo? A experiência nos forneceria a comprovação empírica de nossas pressuposições, condição fundamental da legitimação e do progresso do conhecimento científico. Se a ciência procura controlar a realidade de forma racional, é importante apropriar-se empiricamente do mundo, descobrir seu funcionamento. Sem tal apropriação esse controle seria impossível.
Pois muito bem. Desde a fenomenologia de Husserl, este alicerce parece afundar velozmente em um terreno que descobrimos ser movediço. O que é a experiência afinal? O que pode ser a experiência para que ela seja apreensível pela consciência e passível de constituir um critério de certificação acerca dos fenômenos? Essa linha de questionamento filosófico recusou à experiência o status de a priori. Afirmava a necessidade de seu esclarecimento epistemológico sob pena de vermos os esforços de universalização e de objetivação do conhecimento científico darem lugar a polêmicas intermináveis e infrutíferas. É preciso chegar a um consenso acerca daquilo que constitui esta pedra fundamental do edifício científico.
Por esse caminho Husserl descobre que a consciência não se posta de modo passivo, como mero receptáculo de impressões sensíveis do mundo exterior. A consciência elabora ativamente a condição dessa sensibilidade e portanto da experiência possível. Tome um exemplo trivial. Você anda no campo durante uma noite sem estrelas e num relance percebe a presença de um cavalo negro perto de uns arbustos. Olhando mais detidamente, percebe que não há cavalo. A forma de alguns galhos e a pouca visibilidade induziu você ao equívoco. Como é que esse engano seria possível se nossa percepção da realidade fosse passiva, se nossa consciência apenas registrasse as impressões vindas do mundo sensível? Essa passividade é, de acordo com Husserl, um pressuposto básico do empiricismo positivista. Porém, a não ser que seu aparelho de percepção tivesse vindo com defeito de fabricação, o engano em questão seria impossível. E se esse tipo de defeito tivesse de fato ocorrido, dificilmente uma retificação do engano ocorreria prontamente. A consciência só se engana porque ela é “intencional”, o que vale dizer: ela projeta-se de modo ativo em direção ao mundo que nos cerca. A fenomenologia se propõe, então, a entender a estrutura dessa atividade.
As considerações de husserl levariam necessariamente a uma nova forma de considerar, não apenas a experiência, mas outros conceitos ou noções-chave do pensamento científico moderno, tais como a percepção ou a sensação. Da mesma forma que a noção de experiência, a percepção e a sensação não são objetos de uma consideração epistemológica sistemática por parte do pensamento positivista . Esse é o ponto de partida da contribuição de um outro fenomenólogo importante: Maurice Merleau-Ponty. E o que é radical na fenomenologia do célebre francês é considerar o corpo humano como questão não resolvida, não suficientemente tematizada, pelo pensamento científico - precisamente quando as ciências da vida parecem tê-lo desnudado de modo tão completo. Maurice Merleau-Ponty propõe extender aquilo que Husserl já empreendera com relação à consciência e à experiência ao terreno do corpo e da percepção. O que daí resulta é um humanismo radical em que entender a possibilidade do mundo para o ser humano é entender como o seu ser desabrocha como corpo. Mas já há informação demais aqui. Merleau-Ponty merece alguns posts só dele.
A experiência sistemática tem constituído ao longo de dois séculos o recurso mediante o qual as ciências procuram comprovar, validar hipóteses de trabalho. Sem ela o conhecimento ameaça transformar-se em mero exercício retórioco, vazio conceitual. Sobretudo na tradição positivista, o recurso à experiência é oferecido como antídoto contra visões parciais da realidade, contra o senso comum, contra a ingerência de interesses políticos, religiosos, morais na apreciação da realidade. "O futebol é uma paixão nacional; A cultura brasileira é a cultura do jeitinho". Será mesmo? A experiência nos forneceria a comprovação empírica de nossas pressuposições, condição fundamental da legitimação e do progresso do conhecimento científico. Se a ciência procura controlar a realidade de forma racional, é importante apropriar-se empiricamente do mundo, descobrir seu funcionamento. Sem tal apropriação esse controle seria impossível.
Pois muito bem. Desde a fenomenologia de Husserl, este alicerce parece afundar velozmente em um terreno que descobrimos ser movediço. O que é a experiência afinal? O que pode ser a experiência para que ela seja apreensível pela consciência e passível de constituir um critério de certificação acerca dos fenômenos? Essa linha de questionamento filosófico recusou à experiência o status de a priori. Afirmava a necessidade de seu esclarecimento epistemológico sob pena de vermos os esforços de universalização e de objetivação do conhecimento científico darem lugar a polêmicas intermináveis e infrutíferas. É preciso chegar a um consenso acerca daquilo que constitui esta pedra fundamental do edifício científico.
Por esse caminho Husserl descobre que a consciência não se posta de modo passivo, como mero receptáculo de impressões sensíveis do mundo exterior. A consciência elabora ativamente a condição dessa sensibilidade e portanto da experiência possível. Tome um exemplo trivial. Você anda no campo durante uma noite sem estrelas e num relance percebe a presença de um cavalo negro perto de uns arbustos. Olhando mais detidamente, percebe que não há cavalo. A forma de alguns galhos e a pouca visibilidade induziu você ao equívoco. Como é que esse engano seria possível se nossa percepção da realidade fosse passiva, se nossa consciência apenas registrasse as impressões vindas do mundo sensível? Essa passividade é, de acordo com Husserl, um pressuposto básico do empiricismo positivista. Porém, a não ser que seu aparelho de percepção tivesse vindo com defeito de fabricação, o engano em questão seria impossível. E se esse tipo de defeito tivesse de fato ocorrido, dificilmente uma retificação do engano ocorreria prontamente. A consciência só se engana porque ela é “intencional”, o que vale dizer: ela projeta-se de modo ativo em direção ao mundo que nos cerca. A fenomenologia se propõe, então, a entender a estrutura dessa atividade.
As considerações de husserl levariam necessariamente a uma nova forma de considerar, não apenas a experiência, mas outros conceitos ou noções-chave do pensamento científico moderno, tais como a percepção ou a sensação. Da mesma forma que a noção de experiência, a percepção e a sensação não são objetos de uma consideração epistemológica sistemática por parte do pensamento positivista . Esse é o ponto de partida da contribuição de um outro fenomenólogo importante: Maurice Merleau-Ponty. E o que é radical na fenomenologia do célebre francês é considerar o corpo humano como questão não resolvida, não suficientemente tematizada, pelo pensamento científico - precisamente quando as ciências da vida parecem tê-lo desnudado de modo tão completo. Maurice Merleau-Ponty propõe extender aquilo que Husserl já empreendera com relação à consciência e à experiência ao terreno do corpo e da percepção. O que daí resulta é um humanismo radical em que entender a possibilidade do mundo para o ser humano é entender como o seu ser desabrocha como corpo. Mas já há informação demais aqui. Merleau-Ponty merece alguns posts só dele.
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Jonatas Ferreira
2 comentários:
Excuse me, while I kiss the sky...
E olha só que coisa mais manca a epistemologia moderna, que nos quer fazer crer que podemos estar certos acerca do nosso conhecimento do mundo, mas não nos permite afirmar nada acerca do objeto dos nosso conhecimento, inclusive nossos corpos!
Cynthia
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