Popper, nos anos 1990
Como eu sugeri no post anterior, a necessidade de reduzir termos abstratos a termos mais concretos (que podem ser empiricamente observados) fornece a base do individualismo metodológico de Popper. Mas isso só se sustenta porque ele parece presumir que os indivíduos são, em algum sentido não especificado, mais concretos, ou menos abstratos, do que as coletividades sociais. De acordo com ele, as coletividades sociais não são entidades naturais concretas, mas modelos abstratos construídos pelo pesquisador a fim de que se possa interpretar certas relações abstratas entre os indivíduos. Segundo esta visão, a sociedade não é nada além de um agregado de indivíduos e o que poderíamos chamar do “ambiente social” dos indivíduos constitui-se apenas de relações interpessoais (nada como estruturas macro-sociais, por exemplo). É isto que Popper quer dizer quando afirma que
a maioria dos objetos da ciência social, senão todos eles, são objetos abstratos; eles são construções teóricas. (Mesmo ‘a guerra’, ou ‘o exército’ são conceitos abstratos, não importa o quão estranho isto possa soar para alguns. O que é concreto são os muitos que são mortos; ou os homens e mulheres de uniforme etc). Esses objetos, essas construções teóricas utilizadas para interpretar nossa experiência, são o resultado da construção de certos modelos (especialmente de instituições), de forma a explicar certas experiências (....). [Por esta razão], a tarefa da teoria social é construir e analisar nossos modelos sociológicos cuidadosamente em termos descritivos ou nominalistas, isto é, em termos dos indivíduos, de suas atitudes, expectativas etc – um postulado que pode ser chamado de individualismo metodológico. (Popper, Karl (1960). The Poverty of Historicism. Londres: Routledge, p. 135-6).
O que parece estar implícito nesta regra metodológica é a idéia segundo a qual os termos disposicionais envolvidos no conceito de indivíduo apresentam um menor grau de generalidade e abstração do que aqueles envolvidos no conceito de sociedade. Parte do problema é que é difícil concordar com a idéia de que termos como “crenças”, “racionalidade”, “intenções” etc (todos ligados à noção de indivíduo) apresentam um menor grau de abstração do que, por exemplo, o conceito de instituição social. Apesar disso, Popper aponta para uma diferença importante entre as ciências naturais e as sociais que, de fato, justifica a incorporação das disposições individuais em nossos modelos explicativos: o fato de que, nas ciências sociais, nós já temos algum conhecimento intuitivo acerca da realidade social que pode ser utilizado para formularmos hipóteses acerca do comportamento das pessoas nas interações sociais. Essas disposições, para Popper, apresentam um elemento de racionalidade que permite a construção de modelos explicativos relativamente simples. O modelo que ele tem em mente quando escreve sobre as ciências sociais é a sua análise situacional.
O elemento central da análise situacional é aquilo que Popper chama de “princípio da racionalidade” ou “método da construção lógica ou racional” ou, ainda, “método zero”. Esses três termos distintos referem-se a um princípio lógico ou a priori que não pode ser empiricamente falsificado e afirma que os agentes sociais sempre agem de forma adequada ou apropriada em relação a uma situação dada. Embora o princípio, ele mesmo, não possa ser testado, já que se baseia no paradigma evolucionário de Popper, a análise situacional estabelecida a partir deste princípio pode (é, em outros termos, falsificável). Uma teoria da ação humana, como toda teoria científica, deve ser construída por meio de conjecturas e refutações e a importância do princípio de racionalidade para as teorias da ação é que ele aparece como uma tentativa de se resolver um problema. A análise situacional é, portanto, um tipo de explicação conjectural ou tentativa de alguma ação humana, a qual faz referência à situação na qual o agente se encontra. A ação é explicada por meio de uma reconstrução idealizada da situação problema na qual o agente se encontra e para cuja solução a ação desempenhada é considerada adequada, ou racional, dada a situação do agente.
Independentemente dos problemas relativos aos modelos da ação racional (em que medida ele permite uma descrição realista das ações humanas?), pode-se perceber que a análise situacional que deriva do individualismo metodológico, longe de ser apenas um modelo explicativo da realidade social é também, e principalmente, uma ontologia que nega a realidade de fenômenos coletivos como algo sui generis. E já que o critério para esta redução seria o caráter supostamente mais concreto dos indivíduos em relação às coletividades, isto sugere que Popper atribui uma importância muito maior à observação empírica do que pode parecer a princípio.
Como eu sugeri no post anterior, a necessidade de reduzir termos abstratos a termos mais concretos (que podem ser empiricamente observados) fornece a base do individualismo metodológico de Popper. Mas isso só se sustenta porque ele parece presumir que os indivíduos são, em algum sentido não especificado, mais concretos, ou menos abstratos, do que as coletividades sociais. De acordo com ele, as coletividades sociais não são entidades naturais concretas, mas modelos abstratos construídos pelo pesquisador a fim de que se possa interpretar certas relações abstratas entre os indivíduos. Segundo esta visão, a sociedade não é nada além de um agregado de indivíduos e o que poderíamos chamar do “ambiente social” dos indivíduos constitui-se apenas de relações interpessoais (nada como estruturas macro-sociais, por exemplo). É isto que Popper quer dizer quando afirma que
a maioria dos objetos da ciência social, senão todos eles, são objetos abstratos; eles são construções teóricas. (Mesmo ‘a guerra’, ou ‘o exército’ são conceitos abstratos, não importa o quão estranho isto possa soar para alguns. O que é concreto são os muitos que são mortos; ou os homens e mulheres de uniforme etc). Esses objetos, essas construções teóricas utilizadas para interpretar nossa experiência, são o resultado da construção de certos modelos (especialmente de instituições), de forma a explicar certas experiências (....). [Por esta razão], a tarefa da teoria social é construir e analisar nossos modelos sociológicos cuidadosamente em termos descritivos ou nominalistas, isto é, em termos dos indivíduos, de suas atitudes, expectativas etc – um postulado que pode ser chamado de individualismo metodológico. (Popper, Karl (1960). The Poverty of Historicism. Londres: Routledge, p. 135-6).
O que parece estar implícito nesta regra metodológica é a idéia segundo a qual os termos disposicionais envolvidos no conceito de indivíduo apresentam um menor grau de generalidade e abstração do que aqueles envolvidos no conceito de sociedade. Parte do problema é que é difícil concordar com a idéia de que termos como “crenças”, “racionalidade”, “intenções” etc (todos ligados à noção de indivíduo) apresentam um menor grau de abstração do que, por exemplo, o conceito de instituição social. Apesar disso, Popper aponta para uma diferença importante entre as ciências naturais e as sociais que, de fato, justifica a incorporação das disposições individuais em nossos modelos explicativos: o fato de que, nas ciências sociais, nós já temos algum conhecimento intuitivo acerca da realidade social que pode ser utilizado para formularmos hipóteses acerca do comportamento das pessoas nas interações sociais. Essas disposições, para Popper, apresentam um elemento de racionalidade que permite a construção de modelos explicativos relativamente simples. O modelo que ele tem em mente quando escreve sobre as ciências sociais é a sua análise situacional.
O elemento central da análise situacional é aquilo que Popper chama de “princípio da racionalidade” ou “método da construção lógica ou racional” ou, ainda, “método zero”. Esses três termos distintos referem-se a um princípio lógico ou a priori que não pode ser empiricamente falsificado e afirma que os agentes sociais sempre agem de forma adequada ou apropriada em relação a uma situação dada. Embora o princípio, ele mesmo, não possa ser testado, já que se baseia no paradigma evolucionário de Popper, a análise situacional estabelecida a partir deste princípio pode (é, em outros termos, falsificável). Uma teoria da ação humana, como toda teoria científica, deve ser construída por meio de conjecturas e refutações e a importância do princípio de racionalidade para as teorias da ação é que ele aparece como uma tentativa de se resolver um problema. A análise situacional é, portanto, um tipo de explicação conjectural ou tentativa de alguma ação humana, a qual faz referência à situação na qual o agente se encontra. A ação é explicada por meio de uma reconstrução idealizada da situação problema na qual o agente se encontra e para cuja solução a ação desempenhada é considerada adequada, ou racional, dada a situação do agente.
Independentemente dos problemas relativos aos modelos da ação racional (em que medida ele permite uma descrição realista das ações humanas?), pode-se perceber que a análise situacional que deriva do individualismo metodológico, longe de ser apenas um modelo explicativo da realidade social é também, e principalmente, uma ontologia que nega a realidade de fenômenos coletivos como algo sui generis. E já que o critério para esta redução seria o caráter supostamente mais concreto dos indivíduos em relação às coletividades, isto sugere que Popper atribui uma importância muito maior à observação empírica do que pode parecer a princípio.
Cynthia Hamlin
5 comentários:
Perdão por fazer um comentário que não tem a ver com o post...
que susto! Eu procurando aqui no computador de onde diabos vinha a música de Pixies, até que quando fechei o site do blog a música parou de tocar.
Isso foi idéia de Cynthia?
Oi, Stéphanie,
Desculpe, só depois de ter alterado a música foi que notei que não configurei a coisinha para só tocar quando se aperta o play: realmente, é muito chato abrir uma página e uma música começar a tocar... Já alterei.
O Pixes está aí para ver se inspira Jonatas nos estudos dele sobre o romantismo. Achei melhor do que as poesias de Goethe musicadas por Schubert sobre elfos e duendes.
E, sim, todas as músicas são idéias minhas porque Jonatas ainda não aprendeu a controlar a música no blog. Mas eu disse a ele que era muito complicado e que não vale a pena perder tempo aprendendo. Não é verdade?
Cynthia
Ô Cynthia,
Qual o principal argumento e contra ataque que os não individualistas metodológicos utilizam para mostrar que os fenômenos coletivos são reais? Porque imagino eu, que o que é coletivo (como na guerra por exemplo), é composto de várias partes (no caso, os indivíduos). Então os individualistas vão sempre se apoiar nisso. Como é que se sai dessa?
Eu me fiz compreender ou tá esquisita/ruim a pergunta? Qualquer coisa eu formulo novamente.
Oi, Leila,
O argumento mais conhecido contra o que hoje se conhece como individualismo metodológico foi desenvolvido por Durkheim, ao defender que a consciência coletiva não é uma simples soma das consciências individuais. O que está implícito no argumento de Durkheim é a idéia (metafísica, se seguirmos seus próprios critérios) de emergência. Mas acho que as idéias de Durkheim são suficientemente bem conhecidas...
Uma outra de se defender a irredutibilidade do social (que, nos anos 80 desemboca no debate individualismo versus holismo metodológico e as diversas tentativas de se transcender essas visões reducionistas em favor de uma teoria sintética) é argumentar, como o faz Margaret Archer, que a sociedade não pode ser reduzida aos indivíduos presentes “aqui e agora”. As normas, os valores, a cultura, de forma geral, já estavam prontos antes de cada um de nós nascermos, assim como antes de todos nós, presentes aqui e agora. A sociedade, portanto, é feita não apenas por nós, mas também por aqueles e aquelas que já morreram há muito tempo. E toda tentativa de explicar os fenômenos sociais a partir de fatos puramente individuais acaba contrabandeando conceitos coletivos e irredutíveis (como normas e valores, por ex) para dentro dos seus modelos. Lembra de Elster e de Boudon?
Incrivelmente, esta idéia da irredutibilidade dos fenômenos sociais é defendida por Popper em sua divisão do mundo em 3 esferas, ou 3 mundos, como ele diz: o mundo 1, que é o mundo dos fenômenos que podem ser experienciados diretamente (o mundo físico); o mundo dois, relativo à mente, às idéias e às percepções; o mundo 3, ou o conjunto do conhecimento humano, produto da aplicação do mundo 2 em materiais do mundo 1. O mundo 3, portanto, seria o conjunto das coisas contidas nas bibliotecas, nas obras de arte etc. E, para Popper, esses mundos seriam irredutíveis uns aos outros, embora lhe falte um modelo de explicação que não seja reducionista.
Cynthia
Poderia citar um exemplo do Método Hipotético-Dedutivo?
Desde já Agradeço.
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