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O motivo deste post é simples: Cynthia já escreveu três na minha frente e eu já não apareço mais na tela. Sou um cara vaidoso e acho isso intolerável, quero dizer, o fato de a professora Hamlin ser mais produtiva que eu. Sendo assim, vejamos se posso justificar de um modo mais nobre essas linhas.
Pois vejam, este será o terceiro post sobre romantismo.
Que diabos eu vejo de tão interessante nessa estória toda? A primeira coisa é que, para mim, o romantismo alemão tem se revelado extremamente fecundo para estudar os assuntos sobre os quais venho me debruçando nos últimos 5 anos. Os assuntos são todos relacionados às novas tecnologias da vida, à manipulação da natureza, à transformação, higienização dos corpos humanos. Geralmente os estudiosos deste campo partem da modernização do conceito de vida, natureza e corpo para discutir o significado cultural, político e existencial das biotecnologias nas sociedades industriais e pós-industriais.
Um exemplo: foi preciso que, a partir do século XVIII, o corpo fosse dissecado, reduzido a suas funções básicas, entendido como conjunto de engrenagens, antes que a medicina contemporânea pudesse se tornar uma questão de Estado. Sem as tecnologias da vida, a medicina, a psiquiatria, que entenderam o corpo de forma mecânica, não teria existido uma saúde pública, a conversão da sanidade dos indivíduos e das populações em questão de Estado. Do mesmo modo, apenas uma compreensão mecânica da natureza possibilitou ao capitalismo transformar a produção agrícola, a pecuária um negócio racional, previsível, rentável.
Hoje em dia, no entanto, a vida, a natureza passaram a ser compreendidas a partir de um novo paradigma: a cibernética e as tecnologias de informação e comunicação que lhe consubstanciam. Vida, natureza e corpo continuam a ser uma questão de Estado, naturalmente. Foucault acredita que esta seja a marca distintiva da política moderna. Um exemplo? Dou dois: a controvérsia em torno da pesquisa com células-tronco embrionárias, a liberação de seres transgênicos no meio ambiente. Nos dois casos, a questão já não é apenas dominar a mecânica da natureza, mas discutir as implicações que decorrem de uma compreensão informacional da vida. Os corpos, por exemplo, já não são pensados como totalidade que a medicina terá de tornar funcional, mas como possibilidade não definível de performances técnicas. Explico mais: hoje já não falamos apenas de ser saudável ou funcional, mas nosso corpo deve ser constantemente “atualizado” (do mesmo modo como um computador está uptodate) de acordo com as oportunidades disponíveis pela inovação tecnológica constante. O que é desejável depende do que tenhamos à nossa disposição nas farmácias. É claro que isso é uma realidade para poucos, assim como cirurgias plásticas também não podem ser pagas por muitas pessoas. Mas essa é a tendência da grande medicina.
Onde entra o romantismo nisso? O romantismo alemão é um importante esboço crítico da maneira como a ciência moderna passou a pensar a relação entre o ser humano e a natureza (poderia dizer, num sentido amplo, "a sua natureza"). Para pensadores como Schiller, Herder, a relação entre o humano e o natural não deve ser apenas uma relação de controle. Schiller fala da necessidade de aprendermos uma lição moral com a natureza. O que acho importante é como essas idéias definem certas possibilidades que temos atualmente para pensar criticamente o processo de comodificação da vida, ou de transformação da política em questão de administração econômica de corpos, vidas, natureza.
Um estudo do romantismo me dá pistas de algumas encruzilhadas importantes com as quais o pensamento crítico se depara ao pensar uma sociedade tecnológica. Que pistas são essas? Vocês terão de esperar os próximos posts, ou a publicação de um ensaio (monografia?) que estou escrevendo. Digo apenas o seguinte: um dos problemas mais sérios que as novas tecnologias da vida nos trazem é pensar aquilo que tem sido tão complicado de pensar na cultura ocidental: a relação do ser humano com a natureza.
(Por editar.)
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Jonatas Ferreira