sábado, 15 de março de 2008

Um peixe fora d´água



Seqüestrei o texto abaixo (e a ilustração acima) do blog caminho do careca (http://caminhodocareca.blogspot.com/). Além de divertido, ilustra bem as agruras dos homens sob o patricarcalismo. Dos mais sensíveis, pelo menos... (C.H)

Devia haver um manual para ensinar a levar os meninos na natação. Eu estou precisando. É duas vezes por semana, no meio da tarde. É perto do apê, mas não dá para ir a pé. Meia hora antes, a Rose, a santa que trabalha aqui em casa, já deixou quase tudo pronto. Mochila, toalha, chinelos, roupões e crianças vestidas com sunga e maiô. Só preciso colocar a touca em cada um, antes de empurrá-los para a piscina. O problema todo não é na ida. É na volta.

No primeiro dia da aula de natação eu fiquei meio melindrado. Um batalhão de mães se aglomerava na entrada da piscina. Cada mãe segurava a mão de um futuro campeão olímpico. Eu era o único homem. As mulheres me olhavam como se eu fosse um alienígena. Mas estava com vantagem. Eu segurava as mãos de dois futuros campeões olímpicos. Um menino e uma menina. Mas logo depois de entrar, percebi que a minha vantagem inicial impunha um problema de logística fenomenal. Enquanto eu colocava a touca em um o outro ameaçava disparar para a piscina. Se eu ajeitava a sunga do outro, o um já estava pulando, sem medo, sem bóia e sem saber nadar na piscina.

_Socorro! Acode! – disparei para a borda da piscina. Mas nem precisava, porque um dos professores já estava dentro d`água exatamente para segurar os meninos mais afoitos.

Com um dentro d`água, eu pensei, agora vai ficar mais fácil. Voltei para a menina enfrentando o olhar de piedade das mamães e de alguns futuros campeões.

_Está tudo sob controle, correu tudo como o combinado – eu disse, piscando um olho. Mas até um menino miudinho, de óculos, desconfiou que eu estava disfarçando terror e incompetência.

As mamães rapidamente aprontaram e despacharam os filhos e as filhas, de forma organizada, para a piscina. Meu campeão, de quatro anos, tentava convencer o professor de natação que era capaz de atravessar a piscina correndo em cima da água. Igual ao Menino Incrível. E eu fiquei ali, ajeitando a touca da minha filha de 3 anos. Poxa, que coisa difícil. Ela estava de Maria Chiquinha. E aqui fica um recado para os pais e as mães. Não deixe a sua filha fazer Maria Chiquinha antes da aula de natação. É um horror. Você vai demorar dez minutos para desfazer aquela maçaroca e sua filha vai pisar no seu dedão inflamado até alguém ter pena e vir em socorro. Touca na cabeça, a menina dispara para o lava-pés e finalmente chega até a piscina. Mergulha de ponta. Já penso nas medalhas olímpicas.

Estou sozinho, agora. Todas as mães estão concentradas do lado de fora, onde os pais devem ficar. Um funcionário vem me escoltar para o lado de fora. Ali tem um janelão envidraçado cheio de marcas de nariz, com vinte cabeças de mães grudadas, vigiando os querubins. Reprimo a minha vontade de também grudar o nariz no vidro. Mesmo porque já não cabe mais ninguém. Então eu finjo que nem ligo e fico ali, em pé. Cheiro o ar, afino o ouvido, presto atenção e escuto gritos, inclusive dos meus filhos. Mas são gritos de prazer, de uma alegria formidável que um dia eu também já tive. São os berros de uma energia infinita. São expressões do prazer inocente de viver e brincar numa piscina com um monte de outros meninos e meninas...

_Quer sair da frente, por favor?

E eu deixo o armário de dois metros passar com os garrafões de água para os filtros. Por pouco ele não esmaga o que resta do meu dedão inflamado. A torcida feminina assiste aquela bagunça, irmanada, do janelão. Mas sou um peixe fora dágua. Eu apenas salivo, sentidos alertas, e agarro uma revista qualquer para fingir que estou fazendo alguma coisa. Uma hora depois ainda finjo que leio.

Aí começa a parte onde o manual poderia ajudar com conselhos úteis, práticos e edificantes. Os meninos não querem sair da piscina. E os horários são rígidos. Porque outras crianças estão loucas para entrar. Dois batalhões de mães, um entrante e um sainte, se aglomeram no funil da entrada, e o janelão fica ainda mais coberto de narizes. A crianças que estão do lado de fora, seguram toalhas pequenas no pescoço, fazem posição de corrida. Começa uma torcida para a outra turma sair rápido. Vaiam, apupam. Corinho. Fica um batalhão compacto de mulheres, algumas seguram as crianças entrantes. Mais olhares de espanto para o único homem alienígena por ali, pajem de crianças.

De repente, é tudo muito rápido. As crianças saíram da piscina e correram para o vestiário. A nova leva de campeões pendura roupões e toalhas e já faz fila para entrar na piscina. E onde estão os meus dois? Cada um com seu roupão a me esperar pacientemente do lado de fora. O príncipe e a princesa.
_Vamos paiê, estou com fome!

Eu ia ficar muito satisfeito se esse livro me ensinasse a não ter vergonha de ficar ali, junto com as outras mães, sem medo de ser tiete. Eu também quero babar no vidro, gritar e torcer para as minhas crias. Mas, por enquanto, finjo que só estou vigiando.

5 comentários:

Anônimo disse...

Homem caranguejo. Do mangue. Guaiamum. Pouco cevado, confesso. Mas o hibridismo é imperativo hoje: é preciso falar de mulher e futebol com os pais dos amigos dos nossos filhos; mas também de DIU, natura, academia de ginástica e cirurgias plásticas com as mães zelosas dos amiguinhos de nossos querubins. Como de fato os pais estão menos presentes nas vidas das crianças, vejo-me mais freqüentemente ladeado pelo sexo oposto. E, acreditem, pressinto-o mais constrangido do que eu. Percebo como que um olhar mistura de pena e inveja. Pena provavelmente pela minha situação minoritária; inveja por talvez desejar que o seu respectivo companheiro fosse mais participativo, como eu... Mas para mim nada disso importa. Trancafio-me. E exulto: com o sorriso do meu pitoco de seis anos e, outrora, com a alegria de minha pitoca (rssrssrss) de 12 anos hoje. É isso que me encanta, e sentado a uma mesa do McDonald ou do Game Station vivo. E as minhas companheiras mães? Tiro onda (para ela não me tirar). Observo as coquettes e entro no jogo para valer... Elas parecem estar fisgadas numa eterna partida de sedução! Mas sedução do que ou de quem? O tabuleiro parece-me intricado, sobretudo com muitas rainhas e poucas peãs... Cavalo preto, dou, solitário, um gole no branco, e salto por sobre colares, pulseiras, percings e alguns quilos de gordura. Vou-me embora. Para Passárgada. Lá sou amigo do rei...

Anônimo disse...

Oxe. Essa é a segunda referência de hoje a gordura, obesidade e coisas que tais. Artur, Jonatas: acho que isso é com vocês...

filipe disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Depois de tanto tempo estou podendo ler com calma este blog; ótimo, por sinal.

Sedução, sim. No fim se mostra homem 'sem constrangimentos':paizão! E se entrega no 'bobo' sorriso infantil (que bom). Talvez o manual seja os resultados conquistados - e há muito o que se conquistar, ainda - pelo o feminismo. Em outras palavras: o homem deixar de frescuras enquanto à expressividade e outras coisas mais.

Eu vou para Pasárgada.

filipe disse...

Depois de tanto tempo estou podendo ler com calma este blog; ótimo, por sinal.

Sedução, sim. No fim se mostra homem 'sem constrangimentos':paizão! E se entrega no 'bobo' sorriso infantil (que bom). Talvez o manual seja os resultados conquistados - e há muito o que se conquistar, ainda - pelo o feminismo. Em outras palavras: o homem deixar de frescuras enquanto à expressividade e outras coisas mais.

Eu vou para Pasárgada.