segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Geisy Arruda e a Servidão Voluntária



Por Fernando da Mota Lima - Professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da UFPE

Virginia Woolf escreveu que o caráter humano mudou em dezembro de 1910, ou perto disso. Para D. H. Lawrence o fato ocorreu em 1915. Passando dos romancistas para um historiador, já que afinal periodizar é parte substancial do ofício deste, lembraria que para Eric Hobsbawm a data decisiva é 1914, quando a eclosão da Primeira Grande Guerra fechou o longo século xix para inaugurar o curto século xx. Como periodizar é matéria de permanente controvérsia, fico mais à vontade para enfiar minha colher de pau nessa salada. Afirmo, portanto, que o caráter humano mudou novamente. Querem uma data precisa? Escolho 1984, que com certeza importa enquanto símbolo supremo do pensamento distópico. Além disso, seu símbolo totalitário, o Big Brother, tornou-se paradigma moral do nosso tempo. Veremos abaixo o que isso tem a ver com a mudança do caráter humano.

O intróito acima valerá como moldura para mais um momentoso evento tratado a clarinadas por boa parte da mídia sensacionalista: a turba da Uniban que agrediu com ferocidade inusitada a estudante Geisy Arruda. Não perderei tempo detalhando o episódio, já que se tornou matéria de domínio e controvérsia pública. Sempre mal-informado, tomei conhecimento do caso ao ler artigo de Contardo Calligaris publicado na Folha de S. Paulo de 5 de novembro. O relato do fato chocou-me tanto quanto parece haver chocado o próprio articulista. No primeiro momento endossei na íntegra o ponto de vista de Calligaris, que ressalta, como psicanalista, a ameaça que o desejo feminino representa para nossa tradição machista enganosamente enterrada por algumas décadas de autêntica revolução dos nossos costumes, sobretudo os atinentes à sexualidade. Até aí parecia-me fácil determinar a linha entre o certo e o errado. Variando os termos com a ênfase definidora da linguagem clichê, entre o algoz e a vítima, o bandido e a mocinha.

Sucede que li ontem, novamente chocado, a decisão tomada pela Uniban depois de apurar o caso: Geisy Arruda foi sumariamente expulsa. Mais uma vez a culpada é a vítima. Tudo indica que, para as autoridades acadêmicas, a turba da Uniban foi vítima das provocações diabólicas da estudante insultada. Foi aí que decidi informar-me melhor acerca do processo. Depois de ver dois vídeos dentre os muitos agora disponíveis na internet, afundei num estado de perplexidade moral. Foi então que mais uma vez, diante da nossa barbárie rotinizada, convenci-me de que o caráter humano mudou. Vi afinal Geisy Arruda no centro de um programa de auditório da Record. O apresentador, Geraldo Brasil, simulava um tom de denúncia moral típico das coberturas sensacionalistas correntes na mídia brasileira. Já vi esse filme, pensei comigo, mas interessava-me observar o comportamento de Geisy. Vi-a desfilando diante da platéia com o vestido que supostamente provocou o tumulto na Uniban. A câmera voraz devassou-lhe o corpo lambendo-o com closes semelhantes aos olhos da turba que a agrediu. E ela a tudo assistia, de tudo participava com a insanidade dos inocentes, para lembrar a frase indelével de Graham Greene.

Em seguida, entrevistada por Geraldo Brasil, Geisy Arruda relatou com docilidade e pura inconsciência moral os assobios e galanteios, também o assédio moral que correntemente recebia na escola. Relatou ainda sua complacência narcisista diante dos rapazes que a cortejavam. Mais que isso, deixou evidente sua docilidade diante de muitos dos galanteadores. Se não me engano, ela agora se deleita com os quinze minutos de fama, para valer-me da metáfora célebre de Andy Warhol, que a resgatam da miséria suprema imposta pela sociedade do espetáculo: a miséria do anonimato. Noutros termos, a vítima é vítima, mas não inocente.

De repente, senti que já não podia encarar e medir Geisy Arruda como uma simples vítima da barbárie, mas sim como uma evidência unitária e empírica dessa massa anônima escolada pelo Big Brother e outros termômetros da mudança radical que se processou no nosso caráter humano. Na distopia de George Orwell, o Big Brother encarna o poder totalitário ao qual se opõe nossa última reserva de liberdade individual: a defesa da nossa privacidade, antes de tudo do amor, da intimidade erótica antagônica à devassa imposta pelo poder. Hoje a mídia e todos os poderes que anulam nossa privacidade já não precisam de teletelas, já não precisam arrombar portas, pois a privacidade nos oprime como um castigo, não como expressão última da nossa liberdade. Negociamos tudo, contanto que nos reconheçam. Em suma, tornamo-nos não apenas mercadorias livre e consentidamente cambiáveis, mas sobretudo mercadorias baratas.

A docilidade inconsciente de Geisy Arruda parece-me tão chocante quanto o espetáculo da barbárie manifesto na turba da Uniban. Ela simboliza um gesto de rendição da vítima à barbárie. O que resta em nós de civilizado quando renunciamos à civilização? O Big Brother já não precisa policiar nossa consciência, pois esta se tornou o espelho da barbárie que sempre nos ameaçou. Big Brother c´est moi.

21 comentários:

Cynthia disse...

Seja bem-vindo ao Cazzo, Fernando, e obrigada pela contribuição (ou deveria dizer provocação?).

Como Jonatas já disse em algum lugar por aqui, nem Foucault imaginou que as pessoas se submeteriam voluntariamente ao panóptico ou, o que é mais ou menos a mesma coisa, ao olho do Grande Irmão da mídia. Mas fico me perguntando, caso tivesse sido eu o alvo de tamanha exposição pública indevida, se não estaria por aí desfilando com meu vestidinho rosa pelos telejornais da vida a fim de garantir meu direito de me vestir como bem entender.

O problema que vejo em seu texto é que, diante da barbárie protagonizada pelos alunos da Uniban e, pior, da própria instituição, acho irrelevante e perigosa a referência àquilo que você se refere como a rendição da vítima à barbárie ou a docilidade inconsciente da vítima.

Irrelevante porque, independentemente da forma como tenha se comportado ou de como se comportou a partir do ocorrido, ela foi vítima de uma selvageria extrema. Perigoso porque, ao julgarmos a vítima, nos aproximamos de seus algozes. Afinal de contas, foi com um argumento não muito diferente - o de que a moça tinha o hábito de se comportar de forma provocativa - que ela foi humilhada e ameaçada em sua integridade física e que sua expulsão foi justificada.

Como bem sabem as vítimas de estupro, pouco importa o que se estava vestindo que possa ter "provocado" a mente insana de um estuprador. Em casos como esses, a própria pergunta já é uma violência, não?

Beijos, meu caro inocente insano.

Anônimo disse...

Amigos do Cazzo,
Essa contribuição, talvez provocativa, remeteu-me a BRUNO, o filme. Eu não arriscaria de jeito nenhum escrever sobre as fortes impressões que esse filme me trouxe, mas adoraria que um colaborador do Cazzo o fizesse. Sacha Baron Cohen parece colocar a tensão Grande Irmão /subjetividades contemporâneas para além do triunvirato vi'tima/algoz/rendição. Penso realmente que cientistas sociais deveriam dar um pouco de atenção a esse diretor provocador (e bonitinho).Alguém se habilita? Abraço, Tâmara

Le Cazzo disse...

Oi, Tâmara,

Que estória é essa de não ousar escrever sobre suas impressões? O nosso papel é provocar mesmo! Coragem!

Beijo,
Cynthia

Anônimo disse...

Oi, Cynthia.
Como disse Gabriela Cravo e Canela, casar é bom mas usar sapato não. Gostaria de poder escrever um texto, mas tô cheia de calos. Concordo que nosso papel é provocar e até ja' quis fazer isso com as repercussões do caso Polanski na França. Mas precisaria de tempo pra rever o filme, ler outras coisinhas, conversar, refletir...De qualquer forma vou aceitar um pouco seu desafio: às vezes acho evidente que o cinema, a literatura e etc., estão mais abertos à experiência social concreta do que as ciências sociais. BRUNO não perdoa ninguém, choca mulheres, homens, velhinhos e crianças, mas desconfio que seu diretor/ator tem mais liberdade para apresentar seu olhar sobre o mundo do espeta'culo do que permitem nossos apegos a um mundo de sujeitos autônomos que não sei onde possa ter existido ou, nosso receio de confundir vi'tima e algoz. Perdoe se pareço arrogante, eu mesma possuo esses apegos e receios, tendo a ficar consternada, muito mais com os rapazes mas um pouco também com a moça. E ai', o filme de Sacha Cohen parece dizer (independentemente da vontade dele): professora, deixe um pouco o mundo dos conceitos,das tomadas de posição ou das mi'dias e va' olhar/conversar mais com esses rapazes, moças, idosos e crianças. FALE COM ELA, como ja' filmou Almodovar. E com ele, elas, eles, no's, tu e vo's. Abraços, Tâmara.

Le Cazzo disse...

Fernando,
Faço minhas as palavras de Cynthia e não precisaria acrescentar muito mais. Mas me sinto no dever de.

Sua posição em relação ao caso aproxima perigosamente a turba de machões e machonas enraivecidas de uma crítica ao narcisismo de nossa sociedade. O que me interessam as possíveis segundas intenções de Geyse ou sua docilidade em relação a um padrão de exibição do corpo feminino comprometidamente machista, diante do fato de numa instuição de ensino superior serem permitidas (e estimuladas pela impunidade) ações inqualificáveis como as que ocorreram na UNIBAN?

A mocinha não é mais candidata à nossa solidariedade porque é conivente com a bigbrotherização da vida quotidiana, com o prazer de ser controlada? Esse é um falso problema. Não é a posição de vítima dela que nos coloca diante de um problema moral, mas a intolerância, a profunda violência dos alunos da UNIBAN e a conivência criminosa dos gestores daquela instituição de ensino que não podemos permitir como códigos morais em nossa sociedade. E contra isso devemos nos manifestar de modo veemente. Jonatas

Anônimo disse...

Caros amigos,
Gostei bastante do comenta'rio de Jonatas, acho que ele soube separar claramente as coisas. Por isso sinto a obrigação de tentar ser mais clara no que diz respeito à minha resistência ao uso do triunvirato vi'tima/algoz/rendição, quando avaliamos esse ou casos diferentes. Quando Polansky foi preso e um batalhão de cineastas/atores apressou-se em fazer um abaixo-assinado em solidariedade, fiquei pensando na particularidade da moça ser um modelo fotogra'fico: parecia-me que estava ai' o pano-de-fundo da tranquilidade com que se defendia o grande cineasta por ter "mantido relações sexuais com menor": a moça era do mundo da moda, logo... O fato que ela afirma até hoje que essa relação não foi consentida foi apagado constantemente pelo fato que ela retirou a queixa...E é ai' que entra BRUNO, meu heroi sem cara'ter: correndo absurdamente para virar celebridade, sem escru'pulos de qualquer espécie, sua absurdidade muitas vezes violenta esta' em interação com a violência do seu contexto. O contexto parece-me o verdadeiro protagonista do filme. Deslocando-se tanto como vi'tima quanto como algoz, rendendo-se por um tempo a uma heterossexualidade-espeta'culo para pu'blico ignaro, Bruno vai levando e nos escancarando a violência do mundo. E a gente pode até sentir pena também dos ignaros. Em tempo: a tal universidade foi constrangida a reinserir Geisy, mas parece que ela e seus agressores vão sofrer uma reeducação moral...O que fazer com a universidade? Abraços, Tâmara

Cynthia disse...

Cara Tâmara,

eu não acho que se trata de estabelecer quem é vítima ou quem é algoz, como se isso constituisse a identidade de alguém, mas que a Geysi FOI VÍTIMA DE algo inaceitável, especialmente em um ambiente acadêmico. Por esta razão argumentei com Fernando que pouco importa o comportamento ou o caráter da moça. Como disse Jonatas, o verdadeiro problema moral diz respeito à intolerância e à violência por parte dos alunos e da direção da "universidade". O resto me parece irrelevante.

Quanto ao Sacha Cohen, só vi o primeiro filme dele e confesso que fiquei curiosa acerca do seu interesse. Você acha ele tão engraçado assim ou é alguma outra coisa que te chama atenção nos filmes dele?

Beijos

Fernando disse...

Cynthia, Jônatas e Tâmara:
Tomo a liberdade de reunir vocês numa resposta única por verificar que o cerne do argumento de vocês visa um mesmo alvo: minha suposta justificação implícita à violência e aos insultos de que Geisy foi vítima. Lamento que vocês me leiam nessa clave redutora, isto é, ser contra ou a favor da vítima. Queria que vocês assinalassem uma única vírgula minha em defesa da barbárie. Foi por recear leituras desse tipo, mesmo para leitores tão refinados quanto vocês, que me arrependi de seguir uma sugestão de Luciano Oliveira para alterar o título do meu artigo. Seu título original era: O Caráter Humano Mudou. Friso este fato para deixar claro que meu artigo visa um outro alvo, não diretamente Geisy. Ela é apenas sintoma de questões mais profundas. Sei que meu artigo é um tanto esquemático, até porque não vai além de 800 palavras. Não dá para esclarecê-lo satisfatoriamente neste comentário, mas adianto alguns pontos importantes. Cynthia alega que o resto, tudo o que não reduza a questão à intolerância e a barbárie impostas à Geisy, é irrelevante. As coisas não são assim tão simples. Quando ressaltei que Geisy era vítima, mas não inocente, não ilustrei meu argumento com o mero fato de ela ir ao programa desse tal Geraldo Brasil, sobrenome aliás sugestivo,com o microvestido que supostamente provocou a barbárie. O vestido, sim, é irrelevante. O que me impressionou foi a docilidade dela,sua inconsciência moral diante de tudo aquilo, sua ausência de indignação diante daquela situação que apenas reitera sua condição de objeto. Apesar de sumária, releiam, por favor, minha descrição do programa. Um leitor alegou que toda mulher tem o direito de realizar seu sonho de ser Marilyn por um dia. Nada contra isso. Minha questão é: que condições morais você escolhe para realizar esse sonho, os tais 15 minutos de fama da frase de Andy Warhol?Acredito que a defesa da nossa privacidade, da nossa liberdade subjetiva, é nossa última e mais preciosa reserva diante de qualquer poder social, diante da barbárie, teimo em reiterar esse horror banalizado. Pena que vocês não tenham percebido nada disso no meu artigo e acabem direta ou indiretamente acusando-me de endossar tudo o que mais me inspira aversão e protesto.
Fernando.

Le Cazzo disse...

Fernando,
Por favor, não se ofenda, mas continuo achando a mesma coisa: o problema mais grave nesse evento todo, e isso é só uma opinião pois não sou dono da verdade, é a intolerância e agressividade dos alunos e alunas da UNIBAN e a postura de conivência e redobrada violência dos gestores da UNIBAN. Pois mesmo se a servilidade é defendida pelo servo, o caráter abominável da servidão não deixa de ser profundamente mais escandaloso do que aquela defesa. Como seu texto inicia pelo escândolo da servidão e termina pelo da passividade diante dela, dá margem, sim, a que a aluna, além de todas as ofensas que sofreu, ainda seja imputável de mais uma: não saber resistir. Apesar de acreditar que não tenha sido essa a sua intenção. Jonatas

Anônimo disse...

Fernando,
Que bom que seu texto esteja provocando tantos comenta'rios e, isso faz parte, mal-entendidos. E' bom quando um blog de teoria e metodologia em ciências sociais consegue abrir uma esfera de discussão sobre um caso midiatizado, tornando pu'blica a diversidade do pro'prio olhar sociolo'gico sobre o caso. Mas eu não vi em seu texto qualquer justificação impli'cita da violência contra Geisy, embora reconheça que, ao trazer o caso Polanski como parâmetro de comparação, meu u'ltimo comenta'rio possa ser interpretado assim. Na verdade, no que diz respeito ao seu texto, são termos como "docilidade", "inconsciência moral", ao meu ver solida'rios de uma certa idealização dos sujeitos concretos, o que me provocou du'vidas. Não que a exposição narcisista da privacidade,a bigbrotherisação, pareçam-me irrelevantes. Não concordo com Cynthia quanto a isso, penso que são duas dimensões envolvidas no caso e que, mesmo sendo importante separa'-las para não oferecer legitimidade involunta'ria à barba'rie dos rapazes e da universidade, se a gente se restringir à defesa de quem sofreu violência, estamos contribuindo pouco no que diz respeito a uma tarefa central das ciências sociais: a de desnaturalizar o viver, pensar, sentir juntos. E, neste sentido, acho que sou bastante weberiana: reconhecer, para controlar, a intervenção dos nossos ideais morais, quando de uma reflexão sociologica, é fundamental. Quando você fala na docilidade ou inconsciência moral da agredida, penso (posso estar errada)que seu julgamento moral da sociedade bigbrotherizada esta' prejudicando uma dimensão importante da ana'lise dos atores sociais nas interações concretas, dimensão também importante para entender como sustentamos um viver juntos em que a exposição da privacidade tem hegemonia como relação ao mundo. Essa dimensão é a da estratégia: pode ser que Geisy sonhe em ser Marilyn, mas, com certeza, sua exposição posterior contou bastante para que ela conseguisse um mi'nimo de restituição: a universidade foi obrigada a recuar,os agressores têm sido definidos como talebans até pelo axé music, você pro'prio escreveu um texto chamando-os de turba, eu, Cynthia e Jonatas estamos discutindo com você nossas posições, etc. Em suma, Geysi, como qualquer um, não é necessariamente apenas uma vi'tima passiva da violência machista e midia'tica, mas um ator social nos duros caminhos do viver juntos. Ainda bem: se não somos sujeitos livres, pelo menos não somos necessariamente marionetes absolutas. Isso não retira o fato de que somos solida'rios contra a agressão que Geisy sofreu,nem nossa angu'stia ou horror diante da bigbrotherização do mundo. Desculpe, de verdade, se dei a entender que estava identificando você com os agressores. Tâmara

Cynthia disse...

Fernando,

Ao contrário do que posso ter dado a entender, não acho que seu artigo procura justificar a violência sofrida pela moça em termos de sua inconsciência moral. De fato, comecei meu comentário concordando com você que é realmente estranho que as pessoas se submetam ao olhar assujeitador do outro. Mas acho perigoso juntar esses dois argumentos neste momento porque isso acaba dando margem ao estabelecimento de uma relação muito direta entre a violência sofrida e seu comportamento. Isto torna muito fácil confundir o efeito de uma estrutura (a docilidade de Geysi em relação ao olhar degradante da mídia) com a causa de um comportamento coletivo que é, na verdade, efeito daquela mesma estrutura (o patriarcalismo).

Agora, Fernandinho, indicar meu nome para falar sobre esse caso no programa de Pedro Paulo foi golpe baixíssimo! E ainda disse à jornalista que você não podia dar a entrevista porque estava viajando!!!! Coisa feia...

Dirceutavares disse...

Não conheço Tâmara, mas sou amigo a muitos anos de Cynthia, Jonatas e Fernando. Curioso que em sociologia esteja à maioria dos meus amigos. Aí estão pessoas sensíveis, inteligentes e socialmente generosas. Pessoas a quem as escuto de verdade. Ando fragilizado para ter energias para esse debate. Tentarei cobrar forças durante minha escrita. Parece que esse tema do apulpo a Geyse dói fundo no nosso narcisismo nacional. Ao ponto de roubar o bom senso e tomar o debate de vocês tons irracionais, do bem ou do mal. Ou ta com Geyse, ou está com a turba de violadores. É estranho que Jonatas e Cynthia, pessoas reflexivas e dialéticas, queiram tão mal a essa moça ao ponto de retirar dela o papel de racionalidade, equilíbrio e obrigação de lutar pela integridade humana, em abstrato, e da pessoal dela. Existem tantas tintas sociológicas falando da cumplicidade de todos os agentes de uma cena teatral. Destacando os que agem pelo silêncio, omissão ativa, e conivência com a opressão. O nazismo começa com jovens se embebedando nas florestas e cometendo delitos nos subúrbios, desculpados por serem filhos pobres das vítimas da guerra. Um valor injusto deve ser combatido, mesmo que um escravo-vítima racionalmente defenda o relho, como atestou Darwin entre nós. Claro que o escravo que elogiava a escravidão brasileira, como melhor do que a “liberdade” tribal africana, não tem o mesmo peso do que a do seu patrão. Pois um tem um relho e o outro uma lábia defensiva. Não são bem relações de igualdade discursiva da ágora de Habermas. Mas a atenuante do escravo, não apaga de todo a sua porpagação de valores da opressão ao defender as benesses do chicote. Eu se forçado faria o mesmo e até cantaria umas loas a princesa Isabel. Mas, é diferente da cidadã republicana que vai "expontaneamente" à televisão e expressa que é gostosa mesmo, ao ponto de enlouquecer os tarados e taradas, pois a turba era de ambos os gêneros. Geyse valoriza a perpetuação do valor da perversão dos violadores. Lembra um negro que era o governante de uma casa senhorial, ele pela "autoridade" de ser negro, afirmava: "eu mesmo reconheço que a minha raça ou caga na entrada ou caga na saída, oh gente sem fineza". E todos os brancos usavam seu discurso como testemunha de negros como cidadãos de segunda categoria. Ele não era o formador do racismo, nem seu principal mantenedor, mas isento não o é. Ele participava da troca simbólica que tem ganhos em detrimento dos outros iguais. Ele explora a justiça social, por mais atenuantes que mereça, mas faz parte do mesmo roteiro moral. Tenho certeza que um dia longe de polêmicas, de ganha ou perde, Jonatas e Cynthia, farão afirmações reflexivas do caleidoscópio social. Eu já os escutei fazerem isso. E certamente eles não vêem um partido no poder como bonzinho por ter as cores do time ideológico deles. Se sou do Náutico e o presidente é do Náutico o defenderei acima das suas injustiças. Creio que um sociólogo deve vê-lo como fiel a um contrato social explícito e implícito. Um político de origem social humilde não está isento de corromper a moral pública. Se um austríaco é imputado de crimes contra a humanidade, um georgiano também o será pelos mesmos crimes, como um chinês, ou cubano, ou um prefeito do Recife. Fernando sinto muito em atrapalhar seus 15 minutos de fama no Catzzo, mas considero apropriado você imputar razão moral em todos os agentes de uma cena social. Acabe com essa discussão ou a amplie a termos mais genéricos. Um juiz acusa e apresenta documentos "provando" que um presidente de origem popular montou uma quadrilha com quarenta ladrões para alisar os cofres da área pública. Isso é um "pobrema" ou quem diz "pobrema" é tão inimputável quanto à mini-saia de Geyse e os bigodes de um senador?

Cynthia disse...

Dirceuzinho,

eu até responderia se tivesse entendido o que você disse. Só entendi que você está insuflando Fernando para ele escrever mais. E por falar em gauleses, como é mesmo o nome daquele personagem de Asterix que semeava a Cizânia?

Beijos

PS. Você não quer ir no programa de Pedro Paulo, não? Pede a Fernando o contato da jornalista.

Le Cazzo disse...

Acho que devo passar a me precaver quanto ao meu suposto refinamento, reflexividade, pensamento caleidoscópico, dialético e outros elogios que tais. O que fazer, compatriotas gauleses? Joana D'Arc nos traiu!! Como dizia o velho comunista: infeliz o amigo que precisa de heróis! Jonatas

Anônimo disse...

as vezes me pergunto se - estando eu numa espécie de laboratório de pavlov, ou mengele, sendo repetidamente "incitado" por uma loira de olhar insinuantemente sensual, de corpo e andar simpaticamente erótico, e quem dirá de gestos pornográficos, que abre e fecha o jaleco diligenciando o que há por debaixo dele, aperfeiçoando sua "técnica" do "desejo do outro", pra cima e pra baixo, prum lado e pro outro, pra dentro e pra fora, provocante e constrangedoramente - eu, bestialmente excitado, vil e torpe como um homem de seu tempo, nunca a teria chamado de puta...

teria?

graduando de cs

Cynthia disse...

Prezado Graduando de CS,

Será que todos os homens de nosso tempo são vis e torpes? Será que todos os homens vis e torpes de nosso tempo se excitam com comportamentos como o que você descreve?

Talvez a verdadeira questão seja: será que os homens que se excitam com comportamentos como o que você descreve chamariam a agente de tais comportamentos de puta? Possivelmente. Mas fariam melhor se ficassem calados.

Você não acha?

Anônimo disse...

Desde que o fato eclodiu, tenho ficado chocada, mas, por outro lado, estou até um pouco feliz, pois as pessoas estão discutindo sobre algo que, até então, tem estado velado. Estimulada pelos últimos dias, fui articulando pensamentos, lembranças, e cheguei às menininhas lá atrás dançando na “boquinha da garrafa”, imitando shortinhos minúsculos e mini blusas, lembrei também daquelas que, há pouco, dançavam ao som do “créu”, e lembrei-me de mim mesma com uma mini-saia, dançando ao som da lambada, me sentindo linda, alegre, sensual, como se pode ser aos cinco anos de idade. Com esta lembrança me veio outra infeliz: um homem adulto pensou que eu estivesse dançando para ele. Pasmem! Há quem diga que foi a criança quem provocou! Penso que aquele homem são todos os outros homens que não te deixam andar nas ruas te importunando, são aqueles que aparecem quase todos os dias nas manchetes de jornais, são todos aqueles universitários que pensaram que Geisy se produziu para que eles a possuíssem, afinal, eles seriam o centro, a referência, para quem se deveria dançar, ficar linda, sensual ou, apenas, vulnerável. Bem, o que quis dizer com tudo isso é que somos, de modo geral, educadas por um padrão que nos diz para sermos bonitas, que mexamos de forma sensual nossos quadris e nos nossos cabelos, que o pintemos de loiro, que façamos chapinha e depilação, que tenhamos um corpo sarado, enfim, ao final das contas nos sentimos lindas, gostosas, maravilhosas, saímos na rua com nossas mini-saias, vestidos, biquínis, e...e aí pronto, se algo nos acontecer, somos nós as culpadas. Vítimas? Como assim? VÍTIMAS SIM! Desconstrução é legal, é importante, é até muito interessante (Bastardos inglórios, Dogvill, entre outros maravilhosos, estão aí), mas tem limites e os agressores continuam impunes. Quando Geisy assumiu “aquele” vestido da polêmica, ela estava, mesmo que sem intenção, assumindo, mas também, ressignificando o centro (felizmente muitos homens também o fazem), um jeito de estar no mundo que, nem de longe, se assemelhou ao que poderia culminar numa auto-vitimização ou, “rendição à barbárie”. Ela, pelo contrário, colocou um super dedão na ferida de nossa sociedade e disse, mesmo que indiretamente: aprendi a lição, mas não quero vivenciá-la por completo. Eu quero chamar a atenção, eu quero parecer sensual, eu sou safadinha, mas eu não sou santa, eu não sou vítima, e não sou de quem quiser. Ela tem esse direito? Não? Por que não? Ela estaria cometendo uma violência contra os colegas que disseram que a estuprariam quando colocou seu vestido cor-de-rosa choque? Ora, não provoque, é cor-de-rosa choque!!! Quando vi as/os estudantes da UNB pelados na reitoria, disse para mim mesma: el@S pensam como eu, ela tinha o direito de andar pelada, sem que alguém a violentasse. Mas, e o que ela estaria pensando enquanto andava pelada? Isso não interessa a ninguém. Ela era puta? E se fosse? Isso também não deveria interessar a ninguém. Ela quer aparecer? Ela quer ganhar dinheiro? Ela quer 15 minutos de fama? Ela quer chocar? Ela quer seduzir? Ela é uma alienada? Ela é uma neo-hippie? Ela tá drogada? Ela pode pousar para Playboy? Ela tem o direito de andar pelada sem ser violentada? Há quem diga que não. Felizmente há, também, quem diga que sim. E viva a mini-saia!!

Anônimo disse...

Caro graduando,
Nesse suposto experimento de laborato'rio pavlov ou mengeliano, qual seria o objetivo? Pelo que você escreve, eu diria que se trata de associar, na cabeça do homem-cobaia, o desejo, a troca de dons da sedução e da eroticidade, à imoralidade e mercantilização das relações humanas. E, mais ainda: articular essa "imoralidade" à suposta natureza torpe, irracional e essencialmente prostitui'da da mulher. Que pena...O dom da sensualidade, da eroticidade, do desejo enfim, pode resultar em troca maravilhosa de dons entre pessoas. Saia desse experimento, rapaz! Existe um mundo la' fora menos doente. Abraço, Tâmara

Fernando disse...

Embora eu tenha supostamente desencadeado toda essa discussão, já que tudo começou com o meu artigo de título mal interpretado, decidi nada mais acrescentar ao comentário que enviei em resposta às observações de Cynthia, Jonatas e Tâmara. Até escrevi para Cynthia e outros amigos em e-mails privados que tinha cedido tempo meu em demasia para engordar os 15 minutos de fama que Geisy está gozando com deslumbramento indisfarcável. Já deixei claro que nada tenho contra o narcisismo que impele as pessoas a desejarem sofregamente destacar-se do anonimato que é para tantas humilhante, ou evidência de insignificância. Não vejo insignificância no meu anonimato porque não avalio minha importância de acordo com a mídia barata diante da qual servilmente nos curvamos. A questão moral que propus e sustento é a seguinte: que condições morais você escolhe para ser notícia, para desfrutar dos seus 15 minutos de fama? Se não nos propomos essa questão ética, e não avaliamos a performance de Geisy com base nela, então o resta é o vale tudo, é a terra a arrasada, é a barbárie. É o topo tudo por dinheiro, ou fama, no geral as duas coisas. Se é isso, então esqueçamos toda essa discussão, gente, e apaguemos o termo ética do vocabulário filosófico, do código geral regulador de nossas formas elementares de civilidade. Parece-me que o argumento dessa pessoa, aparentemente uma mulher, que assina seu comentário como anônima vai bem nessa direção. Aliás, por que anônima? Por que uma pessoa não ousa expor seus argumentos, sejam quais forem, assumindo a responsabilidade integral por eles a partir do próprio nome com que se identifica? À parte isso, fico contente por constatar que o debate ganhou curso próprio descolando-se assim do que eu, bem ou mal, expus no início do processo.
Fernando.

Wellthon Leal disse...

Continuo a ter a mesma impressão que a de Jonatas e Cynthia em relação ao texto, apesar dos esclarecimentos do Fernando. A discussão tornou o artigo rico.

A respeito do filme "Bruno" também gostaria de ver comentários sobre esse filme "audacioso" aqui no Blog.

Le Cazzo disse...

Bem-vindo ao Que Cazzo, Welthon. Contra ao Cohen (acho que esse é o sobrenome do ator), não prometerei. Assisti a um pedaço de um outro filme dele. Não há nada ali para mim. Jonatas