Isso aqui sempre fica meio mortinho no período de férias, mas esse ano parece que as coisas andam especialmente devagar. Dom Arturo, o homem chique do Cazzo, foi para uma defesa de tese em Paris e Jonatas, da última vez que soube dele, estava de cama, em companhia de uma virose qualquer. Eu também não ando lá muito assídua por aqui, ocupada que estou entre o infame relatório da Capes, a orientação de teses e dissertações e uma reforma que tem me feito pensar seriamente na possibilidade de entrar para o movimento dos sem-teto. Mas, ao contrário de Jonatas, eu tenho estado em ótima companhia, ainda que um tanto excêntrica: Glenn Gould, o pianista canadense especialista em Bach. Olha ele aqui, tocando a partita número dois:
Gould ficou mundialmente conhecido na década de 1950 ao interpretar uma obra até então considerada excessivamente “técnica”, as Variações de Goldberg, compostas por Bach em 1742. Diz a lenda que o embaixador russo no Império Saxão, o conde Kaiserling, sofria de uma insônia terrível e encomendou a Bach algumas peças para cravo que pudessem ser tocadas por seu músico particular e ex-aluno de Bach, Johann Gottlieb Goldberg, sempre que precisasse de um sonífero. Fico imaginando o luxo: “Estou com insônia: acordem Goldberg e mandem ele vir aqui tocar umas variações para mim”. Talvez a interpretação de Goldberg não fosse tão boa quanto a de Glenn Gould, mas o fato é que não entendo como o infeliz do conde conseguia dormir com aquilo. E se sua interpretação de 1955, aos 22 anos de idade, já era impressionante, a de 1981, gravada pouco antes de ele completar 50 anos, me parece sublime. Algumas pessoas acham a interpretação da década de 80 excessivamente lenta e preferem a mais antiga. Eu, assim como o próprio Gould, prefiro a segunda, embora duvide de que pelas mesmas razões que ele.
Em uma entrevista de 1982, gravada em um dos CDs que compõem a tríade lançada pela Sony/BMG em 2009, o crítico musical Tim Page perguntou a Gould o que ele achou de ouvir a gravação de 1955 pouco antes de regravar as Variações na década de 80:
“Eu acho que foi uma experiência um tanto fantasmagórica. [...] Acho que reconheci, em todos os lugares, as impressões digitais do intérprete responsável; quero dizer, de uma perspectiva táctil, de uma perspectiva puramente mecânica, minha abordagem ao tocar o piano realmente não mudou muito ao longo dos anos. Eu acho que ela permaneceu bastante estável (algumas pessoas podem preferir dizer “estática”). Então, eu reconheço as impressões digitais, e isso é muito, mas eu não pude reconhecer, ou me identificar com, o espírito da pessoa que fez aquela gravação. Realmente parece que outro espírito esteve envolvido.”
Abaixo, a performance dos dois espíritos. Notem a diferença no tempo da ária na interpretação de 1955 e na de 1981:
(Continua...)
4 comentários:
Muito massa, mas infelizmente não sei comentar isso. Gostei mais da execução de 1955. Serve? :D
Lucas,
Você tem alguma idéia por que prefere a interpretação de 55? Juro que não é uma pergunta retórica!
Cynthia
Ai! hehehe
Acho que a de 55, por ser tocada mais rápido, permite que eu identifique melhor a sequência de "tecladas" como uma música. Na outra eu quase me perco na distância entre elas, tamanha a lentidão.
Essa de 80 é o verdadeiro sonífero do embaixador.
Em suma, eu não tenho idéia alguma.
Eu também não. Talvez goste de me perder na diância entre as notas...
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