"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate":
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quinta-feira, 11 de março de 2010
Max Weber e o trânsito brasileiro
Luciano Oliveira (Professor do DCS e do PPGD da UFPE)
Uma das teses que - parodiando o Macaco Simão - já defendi mais de uma vez neste espaço é a de que o Brasil é o país do artigo pronto! Hoje direi mais: o Brasil é o país do artigo acadêmico dado de bandeja. Por isso fico às vezes sem entender os nossos candidatos a mestres e doutores em Sociologia, desesperados por não conseguirem achar um tema para suas dissertações. Saiam às ruas e abram os olhos! – é a recomendação que lhes dou.
Esse abrir de olhos, naturalmente, não se refere ao olhar do senso comum. Para este, ainda hoje, o sol continua girando em torno da terra. Todos nós “vemos” isso. Mas todos nós sabemos também que essa é uma verdade apenas aparente, e que por trás da aparência, se me perdoam a redundância, há um nível de verdade mais verdadeira a que temos acesso através do saber produzido por figuras como Galileu, cujas descobertas se deram contra as evidências mais imediatas. Do mesmo jeito, o olhar sociológico, aquele que antevê artigos em cada esquina, também se vale de telescópios de outro tipo produzidos por figuras que “viram” o que normalmente não vemos. Max Weber foi uma delas.
Nascido em 1864 e morto em 1920, Weber foi um dos fundadores da sociologia como hoje a conhecemos. Um dos temas de sua vasta obra foi o processo de “racionalização” das várias atividades humanas no mundo moderno, submetidas todas a uma lógica própria de cálculo e rendimento - o que, no limite, levaria a uma ignorância global da sociedade sobre si mesma. Daí uma observação sua que nunca esqueci: “O ‘selvagem’ conhece infinitamente mais sobre as condições econômicas e sociais da sua própria existência do que o ‘civilizado’ sobre as suas.”
O leitor entenderá rapidamente o que isso quer dizer quando lhe confessar que a frase de Weber, bem como a idéia deste artigo, caíram um dia desses no meu colo enquanto assistia placidamente à televisão. Depois de uma matéria sobre os insuportáveis engarrafamentos que hoje enlouquecem a vida de qualquer brasileiro de uma grande cidade, entrou uma dessas bonitonas de novela fazendo um comercial de uma marca de automóvel, informando patrioticamente em quantos segundos o Brasil produz um desses veículos e, obviamente, convidando o espectador a ser o feliz proprietário de um carro novo. Quem, tendo dinheiro ou podendo se endividar, resiste a um apelo desses? Eis aí um bom exemplo de um processo bem típico do mundo em que estamos vivendo: a realização de um sonho individual transformando-se em pesadelo público!
É lógico que não estou falando mal da bonitona. Como todo mundo, ela apenas fez o seu trabalho. Ganhou uma boa bolada e, depois da gravação, ao sair do estúdio, provavelmente se defrontou com o inferno de carros que ajudou a promover meia hora antes. Não sei se estabeleceu alguma relação entre as duas coisas. Provavelmente, não. Afinal, apesar de chamar-se Maria Fernanda Cândido, deve ser uma pessoa “cândida” nesses assuntos, como a maioria das pessoas. Provavelmente o máximo a que chegou de consciência crítica foi pensar que é preciso construir mais viadutos... É o olhar do senso comum em ação – o qual, aliás, é alimentado pelos processos econômicos dominantes, eles também entregues a sua própria lógica de legitimação.
Mais carros vendidos não significa apenas maior lucro para as empresas, significa também, na ponta do trágico novelo, emprego para vendedores, mecânicos e borracheiros. Quem tem o direito de dizer que essas pessoas estão erradas? É a famosa alienação do trabalho de que tratou outro grande mestre da Sociologia, Karl Marx. A diferença entre ele e Weber é que, para Marx, essa alienação era particular às sociedades capitalistas. Weber é mais pessimista: acha que a “racionalização” que aliena as pessoas é própria da modernidade como tal. A essa altura da vida, não sei quem tem razão.
No fim do artigo, vejo que cabe ainda um parágrafo e especulo sobre o petróleo do Pré-Sal. Quem não está legitimamente contente com todos os empregos que virão com ele? E no entanto, com a ajuda do telescópio desses autores, sabemos todos que isso significará também retardar o inevitável: o fim do petróleo no mundo e, com isso, a adoção de formas de energia que não agridam o meio ambiente. Haveria muito o que dizer, mas paro por aqui antes que algum leitor queira me processar por traição à pátria...
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