Cynthia Hamlin
(Para Eveline Rojas)
Um dos pilares do realismo critico é a distinção entre epistemologia e ontologia, ou, em termos Bhaskarianos, entre um domínio transitivo (aquilo que conhecemos) e um domínio intransitivo (aquilo que existe de maneira relativamente independente de nossas concepções). “Relativamente” porque a existência de alguns objetos, como é o caso da maioria dos objetos sociais, depende da concepção que os atores têm deles, embora independa das concepções do pesquisador (no sentido específico de que não são as categorias utilizadas para descrevê-las que geram sua existência). Ao que tudo indica, essa distinção tem sido uma enorme fonte de angústia entre as alunas do curso de teoria realista que estou ministrando na Pós-Graduação. Frequentemente surgem questões do tipo “gênero é transitivo ou intransitivo?”, “a esquizofrenia é transitiva ou intransitiva?”, “se o sexo é uma construção social, ele é transitivo ou intransitivo?”.
Colocadas desta forma, tais questões não fazem sentido. A transitividade ou intransitividade de objetos particulares deve ser estabelecida pelas ciências particulares, não pela filosofia. Sendo assim, a distinção transitivo/intransitivo é sempre objeto de controvérsia, pois a ontologia é sempre estabelecida via epistemologia – ou seja, o que é considerado real depende de argumentos teóricos que, como tais, são sempre do domínio transitivo. Não se pode escapar do pensamento e da linguagem. Mas se é este o caso, porque simplesmente não concordarmos com os pós-estruturalistas e com construtivistas como Quine e Nelson Goodman? Por uma série de razões, mas, em minha opinião, uma das mais importantes é porque tais abordagens impedem qualquer afirmação razoável relativa a um domínio não-cultural. Do fato de que o mundo natural é culturalmente interpretado não se segue que ele seja culturalmente constituído em um sentido forte. Embora a linha que separa a natureza e a cultura seja extremamente fluida e que suas fronteiras estejam cada vez mais borradas, ignorar os limites impostos pela natureza (aqui considerada em sua dimensão intransitiva) sobre as nossas ações tem conseqüências práticas pífias, quando não desastrosas.
Tomemos como exemplo a dissolução entre natureza e cultura efetuada por feministas pós-estruturalistas. Ao afirmarem que as categorias de sexo (intransitivo, para as feministas realistas) são, no fundo, expressões de gênero (transitivo, de um ponto de vista de comunidades particulares), o argumento político que geralmente se segue é o de que “as possibilidades para transformações societais reais seriam ilimitadas se a naturalidade do gênero [incluindo o sexo biológico] pudesse ser questionada” (Kessler & McKeenna, Gender: an ethnomethodological approach, Chicago: Chicago University Press, 1978, p. 163). Questionemos, então. Mas como parece que meus questionamentos filosóficos e teóricos não tem surtido muito efeito entre minhas alunas, mudarei minha estratégia e recorrerei ao Monty Python. Com vocês, a incrível e triste história de Loretta:
17 comentários:
Cynthia,
hahaha, o filminho foi o golpe de misericórdia,quero só ver o q ela vai argumentar!
ah, adorei a sistematização.
Obrigada!
bj
Minha luta - ainda - simbólica contra a "realidade", continua companheira!rssss =P Acho q eu vou dizer: "de agora em diante me chamem de Loretto!" kkkkk Valeu, Cynthia, adorei! Argumentos seguem depois! =P Abç.
Ester, argumentos é o que não falta a Eveline. O filminho foi só para confundí-la temporariamente enquanto eu ganho tempo.
Caro Passionate de Loretto,
meu coração está com você e sua luta. Metaforicamente, claro.
Loretto?! ai ai ai
Quanto ao debate de vocês: vai demoraaarr (para acabar)...Quinta ela já vai estar cheia de argumentos novos!!!hehehe
Eu sei disso, Ester, e estou me preparando. Mas já vou logo adiantando que o único ser que muda de sexo por meio de práticas discursivas é Refutador, o demônio que conversa com Artur: mulher que vira homem quando discute epistemologia.
Tsc, tsc. Tinha que ser o demônio de Artur,né?
Vive la petite différence!
(Arendt)
L.
Lulu,
as pequenas, as médias, as grandes e as extra-grandes!
Huuum, bom ver você comentando por aqui, agent provocateur.
Pois é, aprendi sozinho (já que ninguém quis me ensinar...)a entrar em blogs!
Então, feministas de todo o mundo: acautelai-vos!Lulu estará doravante aqui defendendo os homens (não machistas!) da surra que virá pelos próximos cinco mil anos - o tempo que passamos (é verdade que pessoalmente não tenho nada a ver com isso...) dominando vocês!
Beijin (antiga Pequim...)
L.
Lulu,
nós nos opomos à opressão dos sem-útero, sejam el@s homens, mulheres ou intersex.
Luciano,
Esse Beijin para as feministas de todo o mundo tem alguma relação com a tradição chinesa de matar meninas e fetos femininos?
Cyntia,
Queria acrescentar que recuso a opressão das com-u'tero também! Mas confio a você a tarefa de fazer a esse agent provocateur uma proposta que ele não podera' recusar; proposta à la Don Corleone.
Abraço.
Hahaha. Tâmara, Lulu é útero-friendly e defensor em geral dos fracos e oprimidos. E se ele sair da linha, tenho certeza que a Dra. Lília dá um corretivo nele. Às vezes os homens também precisam ser socorridos dos ataques femininos: outro dia mesmo tive que sair em socorro de Jonatas, tadinho.
Quando é que teremos o prazer de postar outro texto seu por aqui?
Bjs
Cynthia,
Não duvido que Luciano seja um incorrigi'vel defensor dos fracos e oprimidos, mas, puisqu'on ne sait jamais, tenha o nu'mero do telefone da Dra. Li'lia sempre por perto!
Pois não é que estou escrevendo hoje um texto exclusivo para o Cazzo? Não sei se conseguirei concluir este final de semana, mas é bem possi'vel porque ele sera' pequeno. Ando com saudades de estrelar um post...
Esqueci meu nome na mensagem anterior. FOI TÂMARA! Abraço.
Oba, texto novo! Aguardamos, então!
Bjs
Achei genial a sacada, Cynthia. Aliás, teu blog é ótimo!
Abraço
Cristiana
Obrigada, Cristiana. Seja bem-vinda!
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