"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate":
Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Entrevista com Robert J. Brym
Bob Brym é professor da Universidade de Toronto, Canadá, e autor de diversos livros, dentre eles Intellectuals and Politics (1980 e 2010), The Capitalist Class: an international study (com Tom Bottomore, em 1989), Sociology as a Life or Death Issue (2008) e Sociologia: sua bússola para um novo mundo (com um montão de gente, em 2006).
Cynthia Hamlin: William Outhwaite certa vez o definiu como “um excelente sociólogo, com uma gama extremamente ampla de interesses”. Dada a variedade de temas sobre os quais você tem publicado (intelectuais, poder, estratificação, mobilidade social, emigração, suicídio, violência, relacionamentos virtuais etc.) é possível identificar uma preocupação comum que confere unidade à sua obra?
Robert J. Brym: Uma interpretação não muito generosa para isto seria a de que eu sofreria de Síndrome de Déficit de Atenção intelectual: eu não consigo focar um tópico único por mais de cinco anos. Como resultado, meu conhecimento teria um quilômetro de diâmetro e um milímetro de profundidade. Uma interpretação mais generosa poderia começar citando Max Weber, que escreveu que escolhemos estudar “apenas aqueles segmentos da realidade que se tornaram significantes para nós devido ao seu valor-relevância”. Ele estava certo. Meus pais eram judeus da Europa ocidental com inclinações esquerdistas, então Weber não acharia difícil compreender por que meu primeiro livro diz respeito à participação dos judeus no movimento revolucionário russo, ou por que minha pesquisa mais recente lida com a violência coletiva no conflito Palestina-Israel. No entanto, Weber não contou a história toda. Nossos valores biograficamente embasados podem nos orientar em direção a certos temas, mas determinadas oportunidades e restrições influenciam nossas escolhas.
Por exemplo, algumas oportunidades, tornadas possíveis pela existência de redes sociais, explicariam melhor por que eu escrevi um artigo com Cynthia Hamlin sobre os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Tom Bottomore estava ensinando no Canadá quando eu estava para defender minha tese de doutorado e meu orientador o convidou como examinador externo. Bottomore gostou da minha tese e, mais tarde, fizemos alguns trabalhos juntos. Em meados dos anos de 1980, ele me apresentou a um de seus ex-alunos mais brilhantes, William Outhwaite, em Sussex, Inglaterra. Cerca de quinze anos mais tarde você foi para Sussex fazer seu doutorado sob a supervisão de William e, quando ele soube que você vinha morar em Toronto, encorajou-a a bater em minha porta. Você e eu conversamos, inter alia, sobre a possibilidade de adaptar meu livro de introdução à sociologia, Compass [Sociologia: sua bússola para um novo mundo], para os estudantes brasileiros. Você leu uma seção da edição canadense sobre suicídio entre os povos aborígenes do Canadá e apontou algumas inconsistências teóricas na teoria durkheimiana do suicídio. Nesse contexto, começamos a discutir o caso dos Guarani-Kaiowá do Brasil. Eu achei a discussão fascinante e, logo, estávamos escrevendo um artigo juntos. A oportunidade bateu à minha porta e eu respondi.
Eu poderia contar uma história semelhante para todos o tópicos sobre os quais escrevi – uma combinação de valores-relevância biograficamente embasados e oportunidades/restrições influenciou cada um dos meus temas de pesquisa. Dito de outra forma, os tópicos sobre os quais escolhi trabalhar formam uma espécie de palimpsesto da minha biografia. Aliás, eu acho que isso se aplica a todos os sociólogos.
[CH]Você parece ser igualmente reconhecido por suas publicações dirigidas ao público acadêmico altamente especializado, por seus trabalhos em introdução à sociologia e por aqueles dirigidos a uma audiência mais ampla, não-sociológica. Como você concilia essas coisas?
[RJB] Eu não preciso conciliá-las . Como sociólogo profissional, escrevo para uma audiência profissional. Entretanto, eu simpatizo com o apelo de Michael Burawoy para que os sociólogos ampliem seu envolvimento público. Minha principal forma de envolvimento público é ensinar para grandes turmas de introdução à sociologia e escrever livros-texto que seduzam os estudantes em direção à disciplina. No momento, com base em um texto de Paulo Freire, estou desenvolvendo um projeto que é também uma forma de ativismo político [sobre as bases sociais do câncer]. Esse tipo de envolvimento público faz com que eu sinta que estou fazendo algo de bom no mundo – e que meus bons trabalhos terão influência sobre mais do que um punhado de especialistas acadêmicos.
[CH]Você recebeu uma quantidade bastante respeitável de prêmios por suas atividades de ensino e de pesquisa, incluindo o mais importante em seu país, em 2008, quando foi indicado membro da Royal Society of Canada. Existe uma crença difusa no Brasil segundo a qual pesquisadores “importantes” não gostam de ensinar, especialmente na graduação. As pessoas também pensam assim no Canadá? Como você se sente em relação ao ensino de graduação?
[RJB] Muitos acadêmicos no Canadá e em outros países compartilham essa visão elitista que você descreve. Felizmente, nem todo mundo pensa assim. Por exemplo, a Universidade de Toronto é a principal universidade canadense e, em todas as áreas, os professores designados para ensinar nos cursos introdutórios devem ser não apenas excelentes professores, mas excelentes pesquisadores. Nossa visão é a de que a pesquisa enriquece o ensino e vice-versa; e que os estudantes do primeiro ano devem ter contato com o que há de melhor nos dois mundos. Por exemplo, eu acabo de recrutar 25 alunos de graduação, a maioria das ciências biológicas, dentre os que tiveram as melhores notas no meu curso, para fazer uma pesquisa comigo sobre as bases sociais do câncer. Eles se consideram sortudos por terem a oportunidade de participar de um projeto de pesquisa de verdade na fase inicial de suas carreiras acadêmicas, mas eu lhes disse, com toda sinceridade, que o sortudo sou eu, por ter conseguido 25 estudantes brilhantes e altamente motivados que me ajudarão a aprender coisas que eu não sei (e minha ignorância é realmente profunda) sobre como determinados fatores biológicos e sociais interagem para produzir o câncer. Se eu não ensinasse estudantes de graduação, como eu poderia esperar explorá-los tão intensamente para desenvolver minha pesquisa?
[CH]Uma das características mais marcantes - e mais controversas - de seus cursos de introdução à sociologia é o tamanho gigantesco de suas turmas. Quais as vantagens e desvantagens de ensinar turmas tão grandes e quais as condições mínimas para garantir a qualidade do aprendizado nesses grupos?
[RJB] Este ano eu cheguei a ter 1.352 alunos no meu curso de introdução à sociologia, numa turma única. A grande desvantagem é que eu não posso conhecer tantos estudantes quanto gostaria. Eles têm tutorias (face-a-face e online) com assistentes de pesquisa da pós-graduação, mas eu não tenho ilusões de que turmas-monstro como as minhas minimizam a interação professor-aluno. Esse é um dos motivos pelos quais eu organizo projetos de férias como a pesquisa sobre câncer que descrevi há pouco.
A grande vantagem de oferecer disciplinas em salas de aula enormes é que eu posso dedicar uma grande quantidade de tempo para desenvolver aulas bastante elaboradas que fazem uso de filmes, música e das últimas tecnologias de ensino. (Quando eu ensino nas turmas gigantes de introdução, essa é minha única responsabilidade de ensino). Falando de forma geral, a fim de garantir um aprendizado de alto nível em turmas como essas, as universidades devem contratar professores dinâmicos, liberá-los de outras responsabilidades de ensino, de forma que eles possam dedicar muito tempo ao curso, e treinar e empregar um pequeno exército de estudantes de pós-graduação como assistentes de ensino para as tutorias. Novas tecnologias de ensino também são indispensáveis – conexão de internet nas salas; sistemas audiovisuais que permitam que os alunos ouçam e vejam o professor projetado em telas gigantes; sistemas interativos de perguntas e respostas que possibilitem que os tutores façam perguntas e que os alunos registrem suas respostas por meio de dispositivos de controle-remoto, de forma que as respostas possam ser projetadas nas telas e permitam uma espécie de diálogo com o professor, e assim por diante.
[CH]Nos últimos cinco anos, você tem trabalhado com uma equipe de pesquisadores palestinos e israelenses que dividem um mesmo espaço na Universidade de Toronto. Como você teve a ideia de colocar lado a lado pessoas que poderiam ser consideradas inimigos tradicionais a fim de trabalharem sobre questões delicadas como a Segunda Intifada, missões suicidas e terrorismo? Como essa convivência refletiu no trabalho e quais os principais resultados dessas pesquisas?
[RJB] Uma enquete recente mostrou que 74% dos palestinos e 78% dos israelenses desejam o mesmo futuro: dois Estados independentes, coexistindo lado a lado, em paz e segurança. Claro que a grande ironia é que todo mundo sabe a solução para o conflito Israel-Palestina, mas ninguém sabe como chegar lá. Mas eu nunca pensei, por um momento sequer, que inimigos tradicionais não podem conversar e cooperar, especialmente quando existem tantas coisas em jogo. Meu projeto demandava esse tipo de cooperação, dado que eu estava interessado em saber como as ações violentas perpetradas por um grupo influenciam as ações violentas perpetradas pelo outro; para entender os processos de decisão envolvidos em ambos os lados, eu precisava construir uma equipe de pesquisadores palestinos que pudesse entrevistar líderes militantes e famílias de homens-bomba, assim como israelenses que pudessem entrevistar especialistas em contraterrorismo. Os pesquisadores dividem um escritório e tornaram-se amigos, de forma que eu ajudei a criar uma pequena ilha de paz no Oriente Médio (ainda que em Toronto). Nossos principais resultados de pesquisa incluem:
• Homens-bomba não são pessoas mentalmente instáveis. • Homens-bomba são motivados principalmente por questões políticas, não por questões religiosas. • Algumas vezes as ações dos homens-bomba são retaliatórias, outras vezes, estratégicas. • A repressão por parte do Estado frequentemente funciona como um bumerangue que pode machucar o lado que faz uso dela. • Empatizar com o inimigo – no sentido de realmente compreender seus motivos – pode ajudar ambos os lados a compreender as condições mínimas para a paz. • Estratégias contraterroristas mudam de forma particular sob condições identificáveis; algumas vezes, tais condições promovem a violência extrema, outras vezes elas promovem uma restrição relativa da violência.
[CH]Atualmente você está trabalhando em um projeto de adaptação da Bússola para o público argentino e considerando a possibilidade de desenvolver uma edição resumida do livro para a América Latina como um todo. Por que não uma tradução pura e simples ou a contratação de uma equipe de especialistas canadenses em América Latina? [RJB] O contingente de sociólogos canadenses latinoamericanistas é pequeno, então seria difícil montar tal equipe aqui. Eu consideraria uma tradução pura e simples da Bússola uma espécie de imperialismo intelectual. Por que diabos um estudante argentino do primeiro ano do curso de sociologia deveria focar relações interétnicas na América do Norte e ignorar essas relações na América Latina? Embora eu acredite que a Bússola ofereça uma estrutura universal válida e algum material de relevância global, eu insisti que cada edição do livro - canadense e estadunidense (inglês), australiana (inglês), do Quebec (francês), brasileira (português) – refletisse as tradições intelectuais, as preocupações e os resultados de pesquisa locais. A edição argentina (e, se tudo der certo) a latinoamericana (ambas em espanhol), seguirão o mesmo padrão. Eu não faria de forma diferente.
[CH]Obrigada por, mais uma vez, contribuir para o Cazzo.
[RJB] Tem sido um prazer.
7 comentários:
Tâmara
disse...
Cynthia, Essa sua entrevista até parece que foi feita para mim, para que eu pense melhor em algumas de minhas preocupações centrais no momento. Mas a verdade é que apresentar perspectivas como as de Brym num blog de teoriaMetodologia em ciências sociais, sempre vai produzir afinidades eletivas, né? Fui lendo e ficando contente, como que tranquilizada por sentir-me num mundo sociolo'gico que tem pessoas como ele. Para começar, a conhecidi'ssima articulação weberiana entre escolhas tema'ticas e valores-relevância como colocada por Brym, desde seu estudo sobre judeus na revolução russa até sua pesquisa sobre as condições sociais do câncer a partir de um texto de Paulo Freire, ajudou-me a entender porque eu mesma ando sofrendo com um velho livro de Alain Touraine (às vezes datado, às vezes inconsistente, mas para mim ainda va'lido para uma sociologia ativa no mundo), tentando elaborar um programa mezzo-pesquisa/mezzo extensão com estudantes de graduação. Depois, a resposta à sua questão sobre o ensino em turmas gigantes, foi um alento: em Sergipe, a a'rea de sociologia esta' tão estrangulada pela relação entre o nu'mero infinito de turmas de introdução e o nu'mero restrito de professores que isso acaba gerando uma oposição entre "pesquisadores" e "professores" fadada à morte de ambos. No ano passado discutimos possibilidades de reestruturação das turmas que têm afinidades com as condições e limites para o ensino em turmas gigantes de que fala Brym. Vou até enviar esse post para colegas: quem sabe isso nos ajude a amadurecer nossas idéias. Quanto à pesquisa sobre a violência em Palestina/Israel, a resposta de Brym fez-me pensar em nossos comenta'rios sobre meu u'ltimo texto. Falando nisso, fico aqui pensando como e quando o Estado de Israel vai deixar de alimentar a praga do anti-semitismo no mundo... Voltando às coisas boas, valeu: você é ainda melhor entrevistadora do que o de Animal!
Hahahaha! É que Bob, sendo um pouco mais articulado do que Animal, tornou as coisas mais fáceis para mim. Mas acabamos fazendo a entrevista via email mesmo, de forma que faltou aquele "bate bola" que caracteriza as boas entrevistas. A culpa não foi do entrevistado.
Quanto às turmas gigantes, Tâmara, acho que seria uma péssima ideia entre nós. Não temos nada parecido com a infra-estrutura que eles dispõem, sem falar que temos um acúmulo de atividades que não encontra paralelo entre os professores no Canadá.
Uma vez assisti a uma dessas aulas, que são ministradas em um teatro enorme. Sentei no balcão e fiquei olhando tudo lá de cima. Senti-me como se estivesse em um show de Madonna. Bob aparecia pequenininho, lá em baixo, projetado em dois telões, iluminado com luz de teatro. À medida que ele introduzia certos temas, os telões alternavam sua imagem com gráficos e tabelas que os estudantes tinham ainda reproduzidos em seus laptops. Fiquei imaginando o que seria dispor de um material didático como aquele em uma turma menor, com cerca de 40 alunos. Metade da tecnologia seria supérflua, pois as aulas poderiam tomar uma forma mais dialógica. Depois da aula, Bob me perguntou o que eu tinha achado e, para falar a verdade, estava meio horrorizada. O conteúdo era fantástico, mas interação me pareceu complicada. Quando voltei para o Brasil, comecei a aplicar algumas de suas ideias e parte de seu livro nas turmas de fundamentos. No segundo ano, vi que a coisa poderia funcionar muito bem, de forma que começamos a pensar mais seriamente em adaptar a Bússola para o Brasil.
Honestamente, não troco toda a tecnologia por uma boa interação face-a-face. Não há nada mais desconcertante e, portanto, melhor para nos fazer refletir sobre os conceitos sociológicos, do que as perguntas meio mal-ajambradas dos estudantes de primeiro período. Eles ainda não dominam o jargão sociológico, de forma que geram em nós um estranhamento constante em relação à nossa linguagem. É impressionante, mas, geralmente, se você não consegue explicar claramente um conceito a um aluno de primeiro período, é porque não tem muita clareza sobre ele. Claro que às vezes temos que trabalhar com simplificações excessivas, já o entendimento de alguns conceitos e teorias pressupõe um conhecimento que os alunos calouros ainda não têm e já me peguei mais de uma vez dizendo "olha, por enquanto você vai ter que acreditar em mim". Mas juro a você que aprendi mais sociologia geral ensinando fundamentos do que qualquer outra disciplina. Sem falar que é muito lindo ver um estudante aplicar um conceito novinho em folha em sua cabeça a um mundo que lhe parecia completamente familiar e notar a mudança de perspectiva. Isso Bob não pode ver, o que é uma pena.
Olá, acabo de conhecer este belo Blog de vocês e não resisto à tentação de espalhá-lo, para que mais e mais possam partilhar da lucidez que vi aqui.
Espero que estejam de acordo. Está com "link" no menu à esquerda, sob o título "Parceria em Blogs", no Blog da SEAF - http://seaf-filosofia.blogspot.com
Cynthia, Entendo seu horror diante de mais de mil alunos num audito'rio. Quando penso em turmas gigantes, n~ao é mais do que 150 alunos e em condiç~oes diferentes das que temos, naturalmente. Mas desconfio que com os 50 a 80 alunos que temos em turmas de introduç~ao, no's ja' estamos vivendo um pequeno horror. N~ao penso em algo assim para estudantes de ci^encias sociais, mas reflito se tornar os cursos mais din^amicos e com assistentes da po's, n~ao seria mais interessante com alunos de outros cursos. O nosso dilema é: como oferecer mais do que o alfabeto inteiro de turmas de introduç~ao, as turmas da nossa graduç~ao, as turmas de nosso mestrado, as de nosso doutorado, com apenas 10 professores? E pesquisar e publicar e ir para congressos...Enquanto filha de Macunai'ma, acho que é o gigante malvado chegando!Abraço
confesso que também já nos ocorreu a ideia de juntarmos turmas a fins para fazer grupos maiores, mas continuo achando que talvez não seja uma boa ideia. Um dos problemas seria como incentivar os professores a assumir turmas tão grandes sem a infra-estrutura necessária. Ao contrário do que ocorre nas universidades canadenses, o estágio docência para alunos da pós limita-se a um por turma, por 30 horas e para desenvolver atividades em sala de aula, junto com o professor. Nós não temos, especialmente em outros cursos, a possibilidade de promover um horário fixo de encontro com os assistentes de ensino - se isso ocorrer, será em prejuízo da carga horária do professor responsável pela disciplina (o que seria o mesmo que responsabilizar o estagiário pela aula). Além disso, quantos Bob Brym existem em seu departamento? É muito difícil imaginar que alguns colegas simplesmente deixariam o estagiário dar as aulas em seu lugar?
Independente disso, o próprio modelo canadense é questionável sob certos aspectos. Por ex., professores de mega-turmas não corrigem provas: isso é tarefa dos assistentes de ensino. Para minimizar os problemas com isso, eles fazem uso extensivo de provas objetivas, o que é um problema em sociologia. Eu, Eliane e Remo tentamos desenvolver uma série de testes semi-objetivos, com questões verdadeiras e falsas (onde se justificava discursivamente as questões falsas) e foi um horror. Frequentemente, questões que para nós eram "verdadeiras" eram consideradas falsas (e vice-versa), e as justificativas dadas pelos alunos de fato permitiam considerá-las como falsas (bastava a adoção de uma teoria alternativa à que tínhamos implícita em nossa pergunta para desmontá-la de forma adequada). Simplesmente não funciona, além de minimizar um dos aspectos mais importantes da atividade sociológica, que é a capacidade de argumentação.
A impossibilidade de estabelecer o diálogo com o professor em sala de aula também não pode ser minimizada. Uma turma com 150 alunos dificilmente constitui uma situação ideal de fala, para roubar a expressão de Habermas.
Sei não, mas quanto mais eu penso nisso, mais complicada a coisa me parece...
Sobre o conflito Israel/Palestina, concordo com você que o Estado israelense tem ajudado a fortalecer o antissemitismo, abrindo espaço para comparações (a meu ver injustificadas) entre Gaza e Auschwitz. Não é à toa que um grande amigo e colaborador do Bob escreveu um livro sobre a política de Ariel Sharon intitulado "Politicídio" e morreu como persona non grata na academia israelense. Complicada essa situação...
7 comentários:
Cynthia,
Essa sua entrevista até parece que foi feita para mim, para que eu pense melhor em algumas de minhas preocupações centrais no momento. Mas a verdade é que apresentar perspectivas como as de Brym num blog de teoriaMetodologia em ciências sociais, sempre vai produzir afinidades eletivas, né? Fui lendo e ficando contente, como que tranquilizada por sentir-me num mundo sociolo'gico que tem pessoas como ele.
Para começar, a conhecidi'ssima articulação weberiana entre escolhas tema'ticas e valores-relevância como colocada por Brym, desde seu estudo sobre judeus na revolução russa até sua pesquisa sobre as condições sociais do câncer a partir de um texto de Paulo Freire, ajudou-me a entender porque eu mesma ando sofrendo com um velho livro de Alain Touraine (às vezes datado, às vezes inconsistente, mas para mim ainda va'lido para uma sociologia ativa no mundo), tentando elaborar um programa mezzo-pesquisa/mezzo extensão com estudantes de graduação. Depois, a resposta à sua questão sobre o ensino em turmas gigantes, foi um alento: em Sergipe, a a'rea de sociologia esta' tão estrangulada pela relação entre o nu'mero infinito de turmas de introdução e o nu'mero restrito de professores que isso acaba gerando uma oposição entre "pesquisadores" e "professores" fadada à morte de ambos. No ano passado discutimos possibilidades de reestruturação das turmas que têm afinidades com as condições e limites para o ensino em turmas gigantes de que fala Brym. Vou até enviar esse post para colegas: quem sabe isso nos ajude a amadurecer nossas idéias.
Quanto à pesquisa sobre a violência em Palestina/Israel, a resposta de Brym fez-me pensar em nossos comenta'rios sobre meu u'ltimo texto. Falando nisso, fico aqui pensando como e quando o Estado de Israel vai deixar de alimentar a praga do anti-semitismo no mundo...
Voltando às coisas boas, valeu: você é ainda melhor entrevistadora do que o de Animal!
Hahahaha! É que Bob, sendo um pouco mais articulado do que Animal, tornou as coisas mais fáceis para mim. Mas acabamos fazendo a entrevista via email mesmo, de forma que faltou aquele "bate bola" que caracteriza as boas entrevistas. A culpa não foi do entrevistado.
Quanto às turmas gigantes, Tâmara, acho que seria uma péssima ideia entre nós. Não temos nada parecido com a infra-estrutura que eles dispõem, sem falar que temos um acúmulo de atividades que não encontra paralelo entre os professores no Canadá.
Uma vez assisti a uma dessas aulas, que são ministradas em um teatro enorme. Sentei no balcão e fiquei olhando tudo lá de cima. Senti-me como se estivesse em um show de Madonna. Bob aparecia pequenininho, lá em baixo, projetado em dois telões, iluminado com luz de teatro. À medida que ele introduzia certos temas, os telões alternavam sua imagem com gráficos e tabelas que os estudantes tinham ainda reproduzidos em seus laptops. Fiquei imaginando o que seria dispor de um material didático como aquele em uma turma menor, com cerca de 40 alunos. Metade da tecnologia seria supérflua, pois as aulas poderiam tomar uma forma mais dialógica. Depois da aula, Bob me perguntou o que eu tinha achado e, para falar a verdade, estava meio horrorizada. O conteúdo era fantástico, mas interação me pareceu complicada. Quando voltei para o Brasil, comecei a aplicar algumas de suas ideias e parte de seu livro nas turmas de fundamentos. No segundo ano, vi que a coisa poderia funcionar muito bem, de forma que começamos a pensar mais seriamente em adaptar a Bússola para o Brasil.
Honestamente, não troco toda a tecnologia por uma boa interação face-a-face. Não há nada mais desconcertante e, portanto, melhor para nos fazer refletir sobre os conceitos sociológicos, do que as perguntas meio mal-ajambradas dos estudantes de primeiro período. Eles ainda não dominam o jargão sociológico, de forma que geram em nós um estranhamento constante em relação à nossa linguagem. É impressionante, mas, geralmente, se você não consegue explicar claramente um conceito a um aluno de primeiro período, é porque não tem muita clareza sobre ele. Claro que às vezes temos que trabalhar com simplificações excessivas, já o entendimento de alguns conceitos e teorias pressupõe um conhecimento que os alunos calouros ainda não têm e já me peguei mais de uma vez dizendo "olha, por enquanto você vai ter que acreditar em mim". Mas juro a você que aprendi mais sociologia geral ensinando fundamentos do que qualquer outra disciplina. Sem falar que é muito lindo ver um estudante aplicar um conceito novinho em folha em sua cabeça a um mundo que lhe parecia completamente familiar e notar a mudança de perspectiva. Isso Bob não pode ver, o que é uma pena.
Beijo!
Olá,
acabo de conhecer este belo Blog de vocês e não resisto à tentação de espalhá-lo, para que mais e mais possam partilhar da lucidez que vi aqui.
Espero que estejam de acordo.
Está com "link" no menu à esquerda, sob o título "Parceria em Blogs", no Blog da SEAF - http://seaf-filosofia.blogspot.com
Abraço,
Ana
Cynthia,
Entendo seu horror diante de mais de mil alunos num audito'rio. Quando penso em turmas gigantes, n~ao é mais do que 150 alunos e em condiç~oes diferentes das que temos, naturalmente. Mas desconfio que com os 50 a 80 alunos que temos em turmas de introduç~ao, no's ja' estamos vivendo um pequeno horror. N~ao penso em algo assim para estudantes de ci^encias sociais, mas reflito se tornar os cursos mais din^amicos e com assistentes da po's, n~ao seria mais interessante com alunos de outros cursos. O nosso dilema é: como oferecer mais do que o alfabeto inteiro de turmas de introduç~ao, as turmas da nossa graduç~ao, as turmas de nosso mestrado, as de nosso doutorado, com apenas 10 professores? E pesquisar e publicar e ir para congressos...Enquanto filha de Macunai'ma, acho que é o gigante malvado chegando!Abraço
Cara Ana,
Muito obrigado por seu interesse. Que bom que você gostou. Vou retribuir a visita. Abraço.
Oi, Ana,
A parceria é muito bem-vinda, especialmente porque temos aqui um apreço especial à filosofia. Obrigada!
Tâmara,
confesso que também já nos ocorreu a ideia de juntarmos turmas a fins para fazer grupos maiores, mas continuo achando que talvez não seja uma boa ideia. Um dos problemas seria como incentivar os professores a assumir turmas tão grandes sem a infra-estrutura necessária. Ao contrário do que ocorre nas universidades canadenses, o estágio docência para alunos da pós limita-se a um por turma, por 30 horas e para desenvolver atividades em sala de aula, junto com o professor. Nós não temos, especialmente em outros cursos, a possibilidade de promover um horário fixo de encontro com os assistentes de ensino - se isso ocorrer, será em prejuízo da carga horária do professor responsável pela disciplina (o que seria o mesmo que responsabilizar o estagiário pela aula). Além disso, quantos Bob Brym existem em seu departamento? É muito difícil imaginar que alguns colegas simplesmente deixariam o estagiário dar as aulas em seu lugar?
Independente disso, o próprio modelo canadense é questionável sob certos aspectos. Por ex., professores de mega-turmas não corrigem provas: isso é tarefa dos assistentes de ensino. Para minimizar os problemas com isso, eles fazem uso extensivo de provas objetivas, o que é um problema em sociologia. Eu, Eliane e Remo tentamos desenvolver uma série de testes semi-objetivos, com questões verdadeiras e falsas (onde se justificava discursivamente as questões falsas) e foi um horror. Frequentemente, questões que para nós eram "verdadeiras" eram consideradas falsas (e vice-versa), e as justificativas dadas pelos alunos de fato permitiam considerá-las como falsas (bastava a adoção de uma teoria alternativa à que tínhamos implícita em nossa pergunta para desmontá-la de forma adequada). Simplesmente não funciona, além de minimizar um dos aspectos mais importantes da atividade sociológica, que é a capacidade de argumentação.
A impossibilidade de estabelecer o diálogo com o professor em sala de aula também não pode ser minimizada. Uma turma com 150 alunos dificilmente constitui uma situação ideal de fala, para roubar a expressão de Habermas.
Sei não, mas quanto mais eu penso nisso, mais complicada a coisa me parece...
Sobre o conflito Israel/Palestina, concordo com você que o Estado israelense tem ajudado a fortalecer o antissemitismo, abrindo espaço para comparações (a meu ver injustificadas) entre Gaza e Auschwitz. Não é à toa que um grande amigo e colaborador do Bob escreveu um livro sobre a política de Ariel Sharon intitulado "Politicídio" e morreu como persona non grata na academia israelense. Complicada essa situação...
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