terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pressa, ansiedade e culpa na experiência social do tempo: a teoria crítica guerreando contra as estruturas temporais aceleradas



Tâmara de Oliveira

Outro dia eu e Cynthia trocávamos comentários bem-humorados no Cazzo sobre minha falta de tempo para escrever um novo texto, devido ao verão no sul da França. Ela chegou a fazer a proposta de uma troca: eu iria cultivar o inverno recifense e seu tubarão de estimação; ela viria cultivar o verão provençal e vigiar as abelhas de meu jardim. Achei graça na proposta de Cynthia: bestinha essa moça, querendo se liberar do ritmo de trabalho em Recife para se apropriar da recuperação do tempo de viver que esse verão por aqui tem me trazido. Todavia, mas, porém, entretanto… por trás da graça havia um mal-estar em mim; tanto é assim que me apressei a dizer a Cynthia e a todos os leitores potenciais do Cazzo que minha vida aqui tem bem mais problemas do que o da invasão ocasional de abelhas – e é verdade. Mas verdades mais fundas começaram a se agitar em minha cabeça com essa brincadeira da troca.

Ficava pensando nos problemas departamentais para cuja solução eu não contribuirei por enquanto, em meus colegas que continuam enfrentando cotidianamente os data-capes, qualis e currículos lattes da vida, nos estudantes que precisaram mudar de orientador por causa de meu afastamento, enquanto eu interajo com o tempo de verão quase como se fosse a personificação do ideal moderno de indivíduo autônomo: sem hora para acordar, prolongando o rosé gelado e a conversa calorosa com amigos, escolhendo lugares lindíssimos para passear (mas fugindo dos ditames da indústria turística), decidindo quando e como vou iniciar a elaboração de um programa de extensão e pesquisa para o próximo ano e, cúmulo da liberdade temporal, podendo passar dias inteiros mergulhada num bom romance – como quando eu era criancinha lá em Itabaiana.


5 comentários:

Cynthia disse...

Taí, gostei do moço! Só senti falta de uma dimensão propriamente subjetiva da experiência do tempo (algo como a durée bergsoniana) que poderia emergir dessas acelerações de que ele fala.

Cynthia disse...

E olha que coincidência: um colega acaba de me enviar a chamada para um site francês totalmente dedicado ao estudo do "ritmo" como "novo conceito operacional". Só para afastar os medos de Tâmara em relação à pouca operacionalidade de uma teoria geral. Reproduzo abaixo:

Paris, le 1 septembre 2010

Chers amis, chers collègues,

J'ai le plaisir de vous annoncer la mise en ligne, ce jour, d'un nouveau
site

http://www.rhuthmos.eu

Fruit d'un travail de quelques mois et d'une réflexion de quelques années, ce site se veut un lieu d'échange pour tous les chercheurs concernés par les changements scientifiques en cours liés à l'émergence du rythme comme
nouveau concept opératoire.

J'espère que les informations que vous y trouverez, la recherche et les débats qu'il va permettre, sauront attirer et conserver votre attention. Si le rythme et ses enjeux épistémologiques, poétiques, éthiques et politiques vous intéressent, n'hésitez pas à me contacter. Toutes vos contributions
seront les bienvenues.

Bien amicalement et au plaisir de vous lire,

Pascal Michon

Présentation du site:
http://rhuthmos.eu/spip.php?article1

Tâmara disse...

Cynthia,
Eu também gostei do moço, principalmente no filminho que Jonatas arranjou para ilustrar, porque nas fotos do Le Monde Magazine ele estava bem menos interessante (kkk).
Confessando: meus medos têm mais a ver com a pulsão elementar de quem recebeu formação influenciada pela Teoria Cri'tica, ou seja, a de criticar de cara, do que com qualquer outra coisa. Mas tô doida que o livro chegue logo! E assim que tiver tempo vou percorrer esse site bacana que você indicou. Beijão, Tâmara

Cynthia disse...

Haha! "Assim que tiver tempo"... Só matando... Ou talvez seja pura inveja de minha parte porque o meu demônio corredor tem corrido mais rápido do que o seu.

Beijo!

Tâmara disse...

Valei-me ainda, glorioso Antônio, nosso padroeiro!
Voltei hoje da magni'fica Co'rsega, onde passei onze dias longe das novas tecnologias e da pressa, e, deparo-me com o comenta'rio desse caro anônimo a quem não posso responder porque não entendi nada - salvo quaisquer 22, 30, 1508 e os sinais de interrogação.
O que fazer? Um passo em frente e dois passos atra's?
Resolvi confessar ao Cazzo que minha u'ltima investida de verão contra a experiência social do tempo na contemporaneidade não livrou-me de suas mazelas: "escolhendo" uma companhia italiana para fazer a travessia mari'tima porque ela tem passagens mais baratas do que a companhia francesa, vivi a experiência (sociologicamente interessante mas existencialmente exasperante) de ser cliente de uma empresa em sintonia perfeita com a gestão do tempo do mundo dos serviços e do trabalho. Os passageiros são acordados uma hora antes do desembarque, sendo incessantemente bombardeados com uma péssima mu'sica discoteque e com a voz de uma moça dizendo que a cafeteria esta' aberta para que consumamos nosso dinheirinho com o café da manhã deles - infali'vel para que todos abandonem imediatamente suas cabines; pelos corredores do navio, empregados agitados como formigas limpam tudo em velocidade estonteante para o embarque imediato dos passageiros de retorno,enquanto os de chegada ainda estão lutando, sem saber como descer até seus carros. Mas pelo menos agora eles compreendem porque foram acordados por um método nazi-fascista: a empresa não tem tempo a perder, seus navios passam o tempo correndo entre o continente e a ilha; tempo é dinheiro! E, quando finalmente sai' do navio, enquanto enfrentava um engarrafamento devido à otimização da gestão do tempo da Co'rsica Ferry (nome da tal empresa), vi no porto um navio de outra companhia italiana que também esta' entrando na concorrência: chama-se Moby Corse e seus navios são decorados com as imagens de Pernalonga e toda a sua turma!
Por que diabos um navio escolheu personagens de desenho animado para decorar seus navios que fazem o trajeto continente francês/ilha corsa?!! Sera' que tratam seus passageiros como crianças num parque de diversões? Sera' que suas passagens são ainda mais baratas? Eis as questões profundas de minha perplexidade...que vivam a liberdade de mercado e a otimização do tempo - nos confins do inferno!