O novo livro de Luciano Oliveira, publicado pela Jacintha Editores, Piracicaba, 2010.
Em tempo: Segue o obituário de Lefort, publicado no Le Monde em 05/10 e traduzido por Tâmara Oliveira, seguido do prefácio do livro de Luciano Oliveira, por Marilena Chaui:
O filósofo Claude Lefort faleceu domingo, 03 de outubro, aos oitenta e seis anos. O desaparecimento do filósofo, cuja importante obra concentrou-se sobre a crítica do totalitarismo, foi anunciada pelo jornal Libération.
Nascido em 1924, professor e doutor em filosofia, tendo ensinado na universidade de Caen antes de se tornar diretor de estudos na Ecole des hautes études en sciences sociales (EHESS), Claude Lefort inicia sua obra em 1968 com La Brèche, escrita com Edgard Morin. Tornou-se comunista durante a juventude sob a influência de seu mestre Maurice Merleau-Ponty, o que o aproximou dos trotskistas, dos quais entretanto ele se afastou depois, progressivamente. Processo já iniciado quando ele fundou a revista Socialisme ou Barbarie com Cornelius Castoriadis, esse afastamento tornou-se definitivo quando ele descobriu L’Archipel du goulag de Alexandre Soljenitsyne, sobre o qual ele consagrou um livro, Un homme en trop (Seuil, 1973).
A partir daí, Lefort estabeleceu laços bem amarrados entre o fenômeno totalitário e as carências da democracia. Para ele, a democracia, fruto da História, é uma sociedade « sem corpo », onde reina uma radical indeterminação, constantemente em desequilíbrio e que exige de todos invenção – como ele próprio desenvolveu em sua obra L’Invention démocratique (Fayard, 1981). A democracia não seria então « boa por natureza » e não garantiria espontaneamente liberdade e justiça para todos os cidadãos.
Prefácio, por Marilena Chaui
Claro, preciso e conciso. Estes qualificativos não são pequenos par se referir ao trabalho de Luciano Oliveira quando consideramos as peculiaridades do pensador a que este livro se dedica. De fato, como salienta Oliveira, Claude Lefort é “um autor dotado do senso da fórmula e do paradoxo”, um pensador que, em lugar de definições e respostas, nos convida à interrogação, um escritor cujas longas frases e longos parágrafos, num desenvolvimento espiralado interminável, exigem atenção redobrada do leitor, que se vê diante da complicação em ato. Em suma, um “pensador da indeterminação”.
Podemos descortinar neste livro três linhas de reflexão: uma delas, biográfica, acompanha a formação filosófica e política de Claude Lefort, a partir das ideias vindas da fenomenologia de Merleau-Ponty e do marxismo; uma outra, apanha a diferença entre Lefort e os modismos intelectuais franceses dos anos 1960-1980, quando imperavam o marxismo althusseriano e o fervor pelos “pensadores da suspeita” (Nietzsche, Marx e Freud); a terceira nos leva ao núcleo da obra lefortiana como pensamento da democracia. Essas três linhas se entrecruzam e incidem umas sobre as outras, dando-nos a ver um filósofo se fazendo (para usar a expressão merleaupontyana).
Da fenomenologia, Lefort conserva a interrogação do sentido ou a busca do ser político, do social, da experiência. Discípulo de Merleau-Ponty, desconfia das teorias, do “pensamento de sobrevôo” que pretende oferecer a explicação sistemática e completa da realidade, incapaz de ver tudo quanto não seja iluminado pela luz ofuscante irradiada dele mesmo. Do marxismo, guarda a exigência de compreender “a experiência de nosso tempo, a luta de classes e o desejo de emancipação, mas afasta-se de Marx não só porque considera impossível a supressão do conflito instituído pela divisão originária da sociedade, como também julga que suprimi-lo é cair no abismo totalitário.
3 comentários:
Parabéns, mais uma vez, Luciano. Estou a meio caminho de terminar o seu livro. Leitura agradabilíssima, como sempre. Sei também que o lançamento está programado para breve, se é que já não o fez... Quando e onde será? Precisamos divulgar, se ainda for o caso, o acontecimento aqui no Cazzo. Abraço, Jonatas
E Luciano acaba de me comunicar que Claude Lefort morreu neste domingo, dia 3 de outubro. A data não deixa de carregar uma certa dose de ironia: como afirma Luciano, na contra-capa de seu livro,
"Lefort entende que a democracia porta consigo uma fragilidade substancial: nela, a sociedade tem de suportar o fardo da indeterminação, por ser 'um regime fundado na legitimidade de um debate sobre o legítimo e o ilegítimo - debate necessariamente sem fiador e sem termo'."
Nada como "a paz dos cemitérios" para tornar essa mensagem especialmente audível.
Lulu, espero que você tenha tido tempo de enviar um exemplar desta bela homenagem ao seu mestre e orientador.
E eu fico sabendo que Lefort morreu através do Cazzo!!! Mais uma ironia da data: desde domingo que não consulto jornais franceses, meu nego'cio é com jornais brasileiros, tentando entender Tiririca e o ciberterrorismo em torno da questão do aborto.
Contudo, parece que a noti'cia demorou a sair na França também: consultei agora os arquivos de Libération e Le Monde e a morte de Leffort aparece no dia 05, ou seja, dois dias depois! Teria sido uma decisão familiar, a u'ltima expressão da discrição de Leffort ou mais um indi'cio de que a França anda pior do que a cantiga da perua?
Não sabia da morte, mas tô sabendo da vida: conheço dia, hora e local do lançamento do livro. Deixo todavia a cargo do autor a divulgação para o Cazzo. E ele ficou o'timo para a posteridade, né? Devia posar assim para todo mundo, não apenas para ela que, desconfio, é totalita'ria. Abraço.
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