segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ahmadinejad e Obama ou o fardo da democracia de lobbies















Tâmara de Oliveira

Outro dia, conversando aqui com cientistas sociais sobre o ataque religioso-fundamentalista em nossa última campanha eleitoral, ataque que inevitavelmente chocara laicos tão ortodoxos como costumam ser intelectuais franceses, ouvi de um deles a apresentação de outra problemática sobre a sucessão governamental no Brasil: sua “preocupação” devido ao “acordo” do governo Lula com o Irã de Ahmadinejad e seus aiatolás. Fiquei passada. Constrangida mesmo, afinal de contas quem, vivendo na Europa, não sabe que o Irã é representado quase exclusivamente como um totalitarismo religioso fianciador do terrorismo islâmico internacional, a quem governantes democráticos não devem dizer nem bom dia ?

Mas eu tinha uma resposta na ponta da língua : acho até importante que a América Latina e outros emergentes baguncem um pouco a geo-política no oriente médio, já que Israel parece-me uma democracia que cai há um bom tempo em armadilhas do fundamentalismo religioso e, considerando os efeitos geo-políticos da aliança EUA/Israel e da culpa européia pelo nazismo, isso prejudica inclusive a sustentabilidade de Israel. Todavia, o risco de que com essa resposta eu fosse acusada imediatamente por anti-semitismo-de-esquerda, era grande demais. Preferi então temperar a goela com o vinhozinho nacional deles (a França ainda tem seus encantos) e responder constrangida que as relações Brasil/Irã não implicam em afinidades entre o governo brasileiro e o fundamentalismo islâmico e que, além disso, as prioridades brasileiras são outras. Mas fiquei com aquilo atravessado na garganta. Haja vinho francês !

2 comentários:

Artur disse...

Discussão difícil. Só tenho perguntas:

- como escapar do realismo político, principalmente na relação entre nações?
- a política será sempre instrumental?
- há como superar o paradigma da correlação de forças na política? Como superar Maquiavel? E José Dirceu? Hehe...
- é possível uma ética na política ou uma ética da política?
- como tornar coerente posições éticas e posições políticas -- existirá sempre um fosso entre a convicção e a responsabilidade?
- existirá sempre um fosso entre fato e valor?

Tâmara disse...

Arthur,

Concordo com você, a discussão é difi'cil; e so' não tenho respostas. Kkkk.

Mas vamos matutar sobre suas perguntas barra-pesada e, quem sabe, vislumbrar uma luz no fim do tu'nel (original, né?).
Caio na tentação de lançar mão de Laclau e dizer que ( simplificando e abusando de sua argumentação): o fosso sempre existira' (convicção/responsabilidade; ética/"realismo poli'tico"; fato/valor) e se ele deixasse de existir talvez estive'ssemos apenas mergulhados numa forma de totalitarismo; mas é exatamente porque o fosso "é", que a idéia do universal nos persegue também inevitavelmente e que podemos construir conexões convicção/responsabilidade na poli'tica - embora parciais e proviso'rias.

E' nesse sentido que a posição de João Pereira Coutinho parece-me escandalosa: seu "realismo" poli'tico é adesão à poli'tica como razão instrumental-econômica, combinada à pretensão de julgar moralmente outra manifestação de "realismo" poli'tico: o dele seria legi'timo porque dissimulado; o do governo Lula seria ilegi'timo porque revelado. Ora, como Caetano, eu acho mais bonito um rei nu: ele permite que a gente veja e pense sobre suas deformações, ou seja, que aquela perseguição da idéia do universal seja acionada e perturbe nossas representações ancoradas, nossas indistinções cotidianas entre convicção e responsabilidade.

Na semana passada vi um documenta'rio bacana sobre Charles De Gaulle, onde seu populismo manipulador (o general controlava ostensivamente a televisão francesa, justificando-se porque a oposição ja' tinha a imprensa escrita) aparece conectado à sua ética da responsabilidade, ou seja, à sua posição de chefe de um regime democra'tico que deve abandonar seu posto quando sua instrumentalização dos eleitores não funciona mais e eles dizem: "basta!" Respeitando as regras do jogo, admitindo sua derrota e indo morrer velho e sozinho.

Sera' que essa conexão gaullista ética da convicção/ética da responsabilidade foi possi'vel porque a lo'gica estratégico-econômica ainda não tinha a completa hegemonia do poli'tico? Porque nem toda estratégia é econômica...E' isso que me pergunto.Mas não desespero, não. Penso que a naturalização/absolutização da ação racional-instrumental (versão homo economicus), da qual muita gente nas ciências sociais participou sobretudo a partir dos anos 1970 (penso aqui na dupla hermenêutica de que fala Giddens), sustenta um universo de representações sociais que aumenta perigosamente o fosso entre convicção e responsabilidade e o fator desigualdade na correlação de forças. Mas a idéia do universal (ela também perigosa, como não admitir), parece-me também intransponi'vel. Ou seja, as coisas podem melhorar - ou não. Abraço.