Tâmara de Oliveira
O Cazzo é um blog reflexivo – ninguém pode negar. Comentando sobre a suposta solicitação de Jonatas Ferreira no sentido de que ele escrevesse drops ou até balas teóricas para o Cazzo (10.10.2010), Artur Perrusi, O Solicitado, chegou a comparar-se com Cynthia Hamlin e concluiu que esta fazia coisa mais fácil: chicletes teóricos. Pois desde esse dia eu tenho refletido sobre a pertinência de que essa produção de guloseimas seja democratizada e se estenda aos colaboradores do Cazzo. Sem entrar na discussão sobre o grau relativo de dificuldade da produção de balas, drops e chicletes (gosto de todos), resolvi realizar parcialmente a democratização, salpicando de teoria um fenômeno empírico e acreditando que o espírito democrático dos três editores torna supéflua uma mobilização reivindicativa. Digamos que será uma guloseima semi-sociológica. Porque é de uma trajetória nos movimentos sociais franceses que este texto pretende fazer um chiclete tutti frutti – já que de hortelã eu não gosto muito não.
a) Ingredientes ou momento descritivo: Fadela Amara é uma francesa de 46 anos que, como Zinedine Zidane, tem pais muçulmanos da Cabília (aquela região da Argélia que Bourdieu tornou sociologicamente famosa). Ela milita desde os anos 1980 no SOS Racisme – associação de luta contra o racismo, criada também nos anos 1980 a partir de uma marcha anti-racista organizada por dois padres católicos e por jovens com ascendência nas ex-colônias francesas, mas que desenvolveu-se, enquanto organização associativa, sob a influência do Partido Socialista francês. A partir do SOS Racisme e de um coletivo federado por essa associação (La Fédération Nationale des Maisons des Potes), Fadela Amara vai posteriormente concentrar-se sobre os problemas da condição das mulheres das periferias das cidades francesas – progressivamente sobrerrepresentadas por populações com ascendência nas ex-colônias e de confissão muçulmana.
Em 2002 ela organiza uma espécie de assembleia geral de mulheres dos bairros periféricos, mas continua praticamente desconhecida midiaticamente. É no final desse mesmo ano todavia que tudo começa a se precipitar, quando dois casos monstruosos atraem as mídias e chocam a opinião: uma jovem de ascendência árabo-muçulmana queimada viva por seu ex-namorado; um livro publicado por outra jovem com a mesma ascendência, onde ela conta os estupros coletivos de que foi vítima durante sua adolescência, por grupos de «beurs» (termo que designa rapazes de ascendência árabe).
Sob as comoções midiática e coletiva desses crimes, entre fevereiro e março de 2003 a França assistiu a uma marcha liderada por Fadela Amara, cujo slogan tornou-se inesquecível e deu nome a uma nova associação, NPNS (Ni Putes Ni Soumises – Nem Putas Nem Submissas), tornando-a liderança feminista nacionalmente conhecida e incontornável, mas também componente visível das divergências internas à nebulosa feminista francesa. Em 2005 por exemplo, o NPNS recusou-se a participar da manifestação com o movimento feminista geral em 08 de março, argumentando que este aceitava mulheres portadoras de véus muçulmanos entre seus membros; Amara, suas companheiras e aliadas anti-véus desfilaram assim antes, em 06 de março, marcando a causa de seu feminismo: luta contra a opressão das mulheres pelo mundo muçulmano.
Autorizando-me aqui a uma idealtipologia simplificadora, com o NPNS o movimento das mulheres na França dá maior visibilidade social às tensões entre as seguintes tendências (Oliveira/Camargo, no prelo): feminismo laico – seguindo a dinâmica do chamado feminismo de segunda para terceira onda; feminismo islâmico – busca de ressignificação emancipatória do islam, podendo ser inserido no feminismo dito de terceira onda; e, o que eu aqui chamaria de tradicionalismo islâmico – recusa do feminismo sob o argumento de que se trata de um modelo ocidental dominador. Em tal horizonte, se a terceira tendência é estruturalmente adversária das duas primeiras, entre estas as relações não tem um sentido pré-definido, variando desde a busca de uma integração enquanto feminismo dito de terceira onda, até relações francamente conflituosas.
O NPNS assume oficialmente uma posição de conflito para com o dito feminismo islâmico (que ele identifica ao tradicionalismo islâmico), sendo acusado, em retorno, num duplo registro: o de contribuir ativamente com a estigmatização dos filhos/netos de imigrantes masculinos de ascendência muçulmana, enquanto marcas vivas da incompatibilidade entre oriente e ocidente; o de ter como efeito tornar invisível a dominação masculina do «branco ocidental». Quanto à sua líder inconteste, seu julgamento às vezes aparece como caso de escola da aplicação da teoria da ação racional aplicada aos movimentos sociais:
Fadela Amara é uma quadragenária dinâmica, uma empreendedora que compreendeu tudo. Ela adapta a oferta à demanda, posiciona-se do lado ideológico mais promissor e se apropria de partes do mercado do novo feminismo. Ela tornou-se a grande sacerdotiza dos políticos e das mídias. (Stéphanie Marteau, in: Mouvements, le 22 juin 2007. http://www.mouvements.info/Ni-Putes-Ni-Soumises-un-appareil.html )
Ainda em 2007, essas acusações ao NPNS e à sua líder adquirem conceitualização de inspiração mais marxista, como a de “feminismo de Estado” (Tissot, 2007) ou mesmo de “aparelho ideológico de Estado” (Marteau, 2007), logo que explode uma outra polêmica – agora de natureza partidário-ideológica: aquela que fôra formada politicamente por uma associação satélite dos socialistas, aceitou o convite do presidente eleito Nicolas Sarkozy, o da «direita descomplexada aberta à diversidade cultural e adepta da pluralidade ideológica», para assumir o cargo de Secretária de Estado para políticas públicas nas cidades.
A partir daí sua ação política adquire uma tripla tensão: para com os movimentos de mulheres tolerantes ou parceiros do feminismo islâmico; para com seu antigo mundo de esquerda; para com os membros do governo do qual ela é parte, já que seu discurso e projetos de políticas públicas entram em choque constante, explícita ou implicitamente, com as linhas ideológicas e sócio-econômicas do governo – que explora institucional e simbolicamente a «profecia auto-realizadora» (Touraine, 2005) do choque das civilizações (Huntington, 1997); que se posiciona francamente num horizonte sócio-econômico liberal, logo, pouquíssimo disponível para políticas sócio-urbanistas com impacto significativo.
Foi assim que se viu Fadela Amara chamar de dégueulasse (nojento, repugnante) o projeto governamental de tornar obrigatório o teste de DNA para estrangeiros solicitando visto por vínculos familiares, mas continuar em seu posto ; foi assim que a associação NPNS foi cada vez mais perdendo visibilidade e legitimidade : Amara demitiu-se do cargo de presidente para assumir seu posto de Secretária de Estado ; sua entrada num governo de direita tornou complicada a vida de uma associação satélite da esquerda. Além disso, alguns de seus críticos mais severos afirmam que o NPNS seria demasiadamente financiado pelo Estado e tem contas complicadas. E foi assim que se viu Fadela Amara ser excluída da nova composição do ministério de Sarkozy em novembro de 2010 – composição marcadamente em ruptura com as famosas abertura e pluralidade do ministério anterior e, doravante mais controlada pelo partido no governo do que pelo fragilizado chefe de Estado.
E foi assim, finalmente, que eu vi uma entrevista de Fadela Amara sobre sua destituição. Aquela mulher enérgica e aparentemente impositiva, cujo vocabulário impolido para o padrão francês-francês podia incomodar «cidadãos civilizados» (lembremos que ela nasceu/criou-se em bairro periférico e tem pais imigrantes pobres), aparecia na TV como uma mademoiselle bem-comportada que sabe tirar as lições de sua experiência sem ressentimentos, a ponto de reafirmar seu bom relacionamento e seu sentimento de gratidão para com Nicolas Sarkozy – pela oportunidade e apoio a ela oferecidos. Nessa hora, confesso, pensei naquela canção de João Bosco e Aldir Blanc, Miss Sueter: "Pra que os olhos relembrem quando o teu coração infiel esquecer. Um beijo, Margot."
Das lições aprendidas, Fadela Amara falou em uma que me parece muito significativa: a de que, entre estar num movimento social sem influência sobre um governo (segmentado, segundo Oberschall) e participar de um governo (integrado, segundo Oberschall, institucionalizado ou domesticado segundo outros), é sempre mais eficaz e útil para o movimento estar dentro do governo. Mas, apesar desse balanço aparentemente positivo de sua participação governamental, quis tornar pública uma singularidade de sua destituição: ela teria sido o único membro do governo a quem o Primeiro Ministro não comunicou que seria destituído; Fadela Amara, como qualquer Zé Ninguém, ficara sabendo que não faria parte do novo ministério pela televisão. Triste partida… Isso me deu uma melancolia tão grande que só um chiclete sociológico poderia atenuar.
b) Fazendo o chiclete ou momento pré-analítico: Essa melancolia deve ser assumida como aquela condição estrutural das ciências sociais, ou seja, a da natureza de seu envolvimento subjetivo para com o que lhes atrai cientificamente. Sendo aqui bem weberiana (Weber, 1992), falo da mediação dos valores do sociólogo em seus empreendimentos e da ética enquanto componente sine qua non da construção do conhecimento objetivo nas ciências sociais – objetividade inevitavelmente relativa, parcial e falível.
No caso em questão, minha melancolia não era devida a uma simpatia política pela personagem Fadela Amara e sua associação, já que seu discurso sobre o islã e sua adesão ao governo Sarkozy são quase o contrário do que o que penso e sinto politicamente na França; assumindo isso sem medo, politicamente sempre a achei meio maluca perigosa e deveria até estar satisfeita por sua triste partida – mas não estava. Sentia uma melancolia já pré-sociologizada, melhor dizendo, resultante de meu interesse atual pela sociologia dos movimentos sociais, de minhas leituras iniciais do percurso da sociologia para com esses fenômenos, enfim, de uma nostalgia idealizadora da época em que Alain Touraine (1978) dizia, com legitimidade científica, que seu método de pesquisa tinha como motivação sustentar uma sociologia implicada com os pólos dominados das relações sociais.
Como se fosse uma simpatia sociológica nascida da própria decepção por ela, por sua trajetória tão fincada na complexidade dos movimentos sociais contemporâneos e que, pelo menos provisoriamente, encontra-se exposta quase exclusivamente como caso de escola de liderança domesticada – ou, pior ainda, como caso de feminismo de Estado a serviço de uma política de estigmatização/instrumentalização do que é representado como «o outro», liderança facilmente descartável em períodos de crise governamental.
Mas, para que essas antipatia política e simpatia sociológica não tornassem impossível um distanciamento metodológico diante do fenômeno Fadela Amara/Ni Putes Ni Soumises, seria necessário, primeiramente, tratá-lo para além de uma oposição estanque que nunca é facilmente superada, não apenas pelo julgamento social de movimentos sociais concretos (sobretudo por seus adversários), mas também por certas análises científicas: a da dimensão estratégica da ação coletiva em oposição à sua dimensão ideal, ou, em outros termos, a da oposição rígida entre interesses (materiais ou simbólicos) e representações que fundamentam um movimento social. Pensando aqui em Moscovici (2004), representações sociais classificam, nomeiam, explicam, justificam, motivam e orientam as práticas dos atores no mundo. Um ator social não é uma mera máquina de ganhos, como a oposição acima deixaria pensar.
Nesse sentido e segundo Erik Neveu (2009), embora a famosa teoria da mobilização dos recursos seja herdeira direta de uma abordagem em que a noção de estratégia é compreendida exclusivamente como cálculo racional custos/benefícios da mobilização, foi dela própria, principalmente com Charles Tilly (1976), que surgiu uma preocupação analítica em ampliar o sentido da noção de estratégia:
(…)Tilly sublinha inicialmente que a maneira pela qual agentes sociais determinam uma estratégia não é o efeito de uma disposição hereditária ao cálculo racional. Ele reconstitui a gênese dessas atitudes através do progresso das lógicas do mercado, da burocracia, do contrato; e seus efeitos sobre as culturas e mentalidades ajuda a compreender como puderam se desenvolver concretamente disposições identificáveis àquelas do homo economicus. Tilly sublinha também que os agentes mobilizados nunca estão submetidos a um só tipo de racionalidade.
(…)Os modelos teóricos desenvolvidos insistem muito também sobre a consideração da particularidade de cada mobilização. Não existe ‘movimento social’ abstrato, mas manifestações datadas(…). Grupos e formas de ação são desigualmente ‘aceitáveis’ pelos poderes públicos (…); é mais difícil denegrir junto à opinião pública uma mobilização de enfermeiras do que outra de jovens desempregados descendentes de imigrantes. A dimensão das representações e percepções também constitui um elemento forte, e não-econômico, das estratégias. (Neveu, 2009, pp. 58/59)Quem sabe, se a teoria da mobilização dos recursos não fosse genealogicamente tão devedora de olhar econômico e tão carente de olhar sociológico, bastaria ter dado atenção aos tipos ideias de ação social de Max Weber para ter construido mais cedo uma uma noção ampliada da racionalidade… Seja como for, as considerações de Erik Neveu sobre a contribuição de Charles Tilly permitem uma inflexão compreensiva sobre o julgamento negativo da ação de Fadela Amara: construindo um movimento de mulheres voltado àquelas com ascendência imigrante e vivendo em territórios marcados também pela presença de um islã integrista e, considerando o contexto amplo da sociedade francesa, elaborar uma estratégia articulada a uma concepção ocidentalista do feminismo é uma maneira razoável de buscar atenção midiática e/ou legitimidade política. Melhor dizendo, para além dos cálculos dos benefícios que Fadela Amara poderia esperar pessoalmente, razões diferentes existiam para que o movimento por ela liderado assumisse um certo discurso feminista ao invés de outros.
Em segundo lugar, e em interdependência com o que foi dito acima, é preciso estar atento para a complexidade das relações entre movimento social e Estado, posto que a tentação de concluir peremptoriamente que tal movimento foi domesticado ou já nasceu submisso a uma política governamental (ou seja, que é institucionalizado), esquece uma das contribuições que o mesmo Charles Tilly, seguindo Neveu (2009), teria fornecido para a sociologia dos movimentos sociais: a de que seus repertórios e registros foram e são inevitavelmente confrontados ao tempo longo de consolidação e evolução histórica do Estado e do mercado modernos:
O resultado convergente dessas tendências foi o de produzir uma forma de ubiquidade do Estado. Intervindo cada vez mais sobre mais coisas, mais visível, o poder político é cada vez mais percebido como o destinatário privilegiado dos protestos.(…)O laço entre as políticas públicas e a hipótese de politização tendencial dos movimentos sociais é no mínimo dupla. (…), cada política pública suscita o desejo de grupos mobilizados de serem reconhecidos por tal ou tal burocracia estatal como interlocutor legítimo, torna visível a necessidade de estar no clube dos atores estratégicos para pesar nas decisões. Mas, sobretudo, as políticas públicas são formidáveis instrumentos de ‘opacidade’.(…) Os fenômenos de internacionalização multiplicam os parceiros, distanciando espacialmente o lugar e os atores da decisão, suscitam um sentimento de ilisibilidade, de opacidade das escolhas.(…)Compreende-se que, na falta de um adversário identificável, os grupos e organizações se voltem para o Estado e as autoridades políticas, percebidos como o único ‘guichet’ acessível, como a sede de um saber e de um poder de ação – muitas vezes reivindicados em períodos eleitorais – sobre um mundo complexo, sobre autoridades longínquas e supranacionais. (Neveu, 2009, pp. 14, 15, 16).
Outros dados vieram desde o pós-guerra para confortar essas evoluções. Elas decorrem do lugar conquistado pelas políticas públicas e pelas incidências dos processos de construção européia e da ‘globalização’ da economia.(…)
Em terceiro lugar, e sempre em interdependência com as considerações anteriores, é preciso pensar nas trajetórias – da mobilizações, dos militantes e, no caso, de suas lideranças:
Reconstituir biografias permite pensar nas trajetórias de engajamento com suas rupturas e suas continuidades. A démarche pode, sem cair na ilusão heróica dos dirigentes demiúrgicos, ser um meio para a compreensão das condições de socialização que constróem as disposições dos líderes. Ela sempre permite melhor desvelar a singularidade das nuances culturais próprias a um movimento.(Neveu, 2009, p. 108)
A esse respeito, reduzir o discurso e a ação de Fadela Amara a uma estratégia de comunicação calculista é extrai-la violentamente de sua experiência de vida e apresentá-la como mera máquina aquisitiva. Com efeito, essa mulher nasceu filha de imigrantes de confissão muçulmana, teve uma experiência social marcada pelo tipo de dominação masculina em espaços com uma certa política da identidade construtora de um islã conservador ou até fundamentalista, e, em confrontação crescente para com uma educação formal republicana universalista. Assim, se sua retórica exprime a tendência dos movimentos sociais a submeterem-se à necessidade de um discurso associando sua reivindicação a uma idéia de bem comum do contexto social mais amplo onde ele se insere, ela não pode ser reduzida a isso.
Em outros termos: que Fadela Amara lidere e organize um movimento feminista que recusa à religião muçulmana qualquer possibilidade emancipatória não pode ser explicado apenas como adaptação calculada aos quadros de legitimidade da sociedade francesa – na qual um feminismo ortodoxamente laico tem mais chances de ser escutado. Sua experiência social, assim como a das outras militantes do NPNS, foi marcada concretamente pelas nuances muçulmanas da dominação masculina, logo, suas identificações terão como adversário fundamental as formas sociais muçulmanas de relações homens/mulheres.
Espero não ter sucumbido à simpatia sociológica que a triste partida de Fadela Amara provocou-me. Com efeito, as inflexões que tentei construir sobre um julgamento negativo unilateral de sua ação política não pretenderam negar as dimensões estratégico-midiáticas e institucionalizadoras que sua trajetória e a de seu movimento também revelam. Tentei apenas abordá-la sob uma perspectiva relacional, resgatando o ator social ao invés de reduzi-lo à ação instrumental ou a uma identidade estanque. Espero que a continuidade de minhas leituras sobre movimentos sociais permitam-me, num futuro não muito longínquo, fazer melhor do que esse chiclete; por que não um bom chocolate sociológico?
Bibliografia
HUNTIGNTON, S., Le Choc des civilisations, Paris, Odile Jacob, 1997.
MARTEAU, S. Ni Putes Ni Soumises: un appareil idéologique d’Etat. In : Mouvements, le 22 juin 2007. http://www.mouvements.info/Ni-Putes-Ni-Soumises-un-appareil.html.
MOSCOVICI, S. Representações sociais – investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes. 2004.
NEVEU, E. Sociologie des mouvements sociaux. Paris: La Découverte. 2009.
OBERSCHALL, A. Social Conflict and Social Movements. Englewood Clifs: Prentice Hall, 1973.
OLIVEIRA, T. / CAMARGO, R. Du vent dans le voile – islã e feminismo sob o remoinho do regime francês de biopoder. In: Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero &Direito. João Pessoa: Editora UFPB. No Prelo.
TISSOT, S. Bilan d’un féminisme d’État. In: Plein droit, 75, décembre 2007. http://www.gisti.org/spip.php?article1072 .
TILLY, C. From Mobilization to Revolution. Addison-Wesley, Reading, Mass, 1976.
TOURAINE, Alain. Un nouveau paradigme. Pour comprendre le monde aujourd’hui. Paris : Fayard, 2005.
_____________ La voix et le regard. Paris: Seuil, 1978.
WEBER, M. Metodologia das Ciências Sociais. Parte 1. São Paulo: Cortez. 1992.
10 comentários:
Grande post, Tâmara! Um exemplo perfeito de como as identidades são forjadas a ferro e fogo nos interstícios das lutas de poder. Agora, na minha leiga opinião, complicado sacrificar de forma tão radical a questão étnica em favor da questão de gênero ao se aliar a um governo que anda beirando as raias do genocídio, não?
Foi uma jujubona, seu post, Tâmara -- muito bom!
Mutatis mutandis, penso no exemplo de Soninha, antiga vereadora do PT, que foi parar no PPS e num serrismo desgraçado (foi prefeita de Kassab, do DEM, e coordenadora política de Serra). Há um descolamento entre uma política cultural (ecologia, reforma urbana, legalização da maconha, casamento gay, discriminalização do aborto, antigas políticas de Soninha, quase todas no campo dos valores) e uma política partidária -- pumba! apoia uma candidatura que incorporou e avivou o conservadorismo tupiniquim.
Ecologistas já fizeram isso: pontas de lança de movimentos culturais que, de repente, aliam-se, partidariamente, com o conservadorismo político.
Um feminismo que se alia a Sarkozy. Pois é, queria entender a lógica desse descolamento -- não é original; parece que tem algum padrão, sei lá.
Cynthia e Artur,
Que bom que vocês gostaram.
E a verdade é que Fadela Amara e seu movimento são um novelo de du'vidas para minha pobre cabecinha.
Antes de tudo, Cytnhia: devo corrigir uma imppressão que deve ser resultante de minha alma de estrangeira sofrendo as poli'ticas de imigração sarkozistas: não, o governo Sarkozy não esta' à beira do genoci'dio. Ele é parte de uma tendência xeno'foba forte na Europa contemporânea, mas a Holanda e a Suiça vão muito mais longe nisso e, mesmo assim, não se poderia aproximar nenhum desses governos da idéia de genoci'dio. E talvez seja mais desesperante por isso: existe uma banalização da xenofobia, uma naturalização de discursos de extrema direita inclusive por partidos que nunca foram realmente xeno'fobos; tudo isso mais ou menos institucionalizado pelos governos desses pai'ses, logo, trata-se de um processo com muito mais chances de legitimidade social do que se fossem pra'ticas genocida'rias.
Agora, Artur: quem sabe a gente pudesse buscar esse padrão de deslocamento em dois componentes do horizonte socio-poli'tico francês: o universalismo à la francesa; o elitismo da composição social de seus dois partidos principais. Assim, por um lado ha' uma adequação de sentido entre o feminismo dos socialistas ("esquerda") e o dos republicanos ("direita") que poderia proporcionar coerência interna a esse deslocamento de Fadela Amara e de seu movimento para a direita. Por outro lado, existe sim uma descepção crônica de militantes socialistas com ascendência imigrante para com o partido socialista francês: eles sentem-se muitas vezes como "eternos pregadores de cartazes", sem acesso às posições importantes no partido. Ora, os republicanos aproveitaram estrategicamente esse espaço de decepção, outros deslocamentos houveram - piorando o quadro de confusão dos socialistas franceses atualmente. E a gente precisa lembrar, sociologicamente, que nem todos os filhos/netos de imigrantes pertecem às classes populares; muitos identificam-se com um horizonte de classe média, podendo posicionar-se à direita do espectro poli'tico sem que isso signifique um deslocamento. Não é o caso de Fadela Amara, mas esta entra no quadro dos decepcionados com a esquerda. Finalmente, apesar de minha simpatia sociolo'gica por sua triste partida, acho que ela virou um verdadeiro animal poli'tico: tende agora a buscar um outro espaço partida'rio que nunca se consolidou na França mas que paprece ter mais chances no presente: o de um centro-direita que assimila relativamente o multiculturalismo - ou pelo menos um interculturalismo.
Acho que deu pra notar o quanto isso tudo deixa-me confusa. Tanto mehor: isso estimula a continuidade de minha leituras. Abração
É verdade, Tâmara, genocídio é um termo muito forte, mas que a política do Sarkozy em relação aos Roma tem um cheiro forte de faxina étnica, isso tem. Neste caso, é de se perguntar se a posição universalista que a Amara defende não fica comprometida. O que me parece mais estranho em relação a ela é sua origem nos movimentos antirracistas: isso, no meu entender, colocaria um limite claro em sua associação com um governo como o do Sarkozy.
Menina!
No que diz respeito aos Roms, a coisa foi horri'vel mesmo, ainda mais porque é impossi'vel para qualquer um não lembrar do nazismo: os Roms são ciganos...Mas são da comunidade européia, logo, o governo não pode não recebê-los em seu territo'rio, logo, estabeleceram um discurso que so' pode lembrar o de uma limpeza étnica.
Quanto a Amara: o limite é tão claro que outro filho/neto de a'rabe (que nunca esteve na esquerda) abandonou o sarkozismo rapidinho. Mas penso realmente que Sarkozy não é um verdadeiro racista; seu governo instrumentaliza a xenofobia quando acha que precisa, em nome também dos "bons a'rabes, bons negros", etc., todos "franceses universalistas do bem". Até onde eu sei, por exemplo, o de Sarkozy foi o primeiro governo da Quinta Repu'blica que incluiu filhos/netos de imigrantes no ministério...E' verdade que nessa u'ltima recomposição todos eles foram defenestrados, mas por conta de pressões dos adversa'rios internos de Sarkozy, de sua fragilidade que fez as velhas raposas do partido reassumirem o poder.
Mas Tâmara, será que existe racismo que não seja fruto da instrumentalização de alguma questão política?
Cynthia,
Acho que tem sim. Ou melhor, acho que existem dimensões diferentes do racismo. Estou aqui pensando em representações sociais, em sistemas de classificação social. As questões poli'ticas tem o potencial de transformar algumas ou todas essas dimensões em orientação social visi'vel ou dominante, mas não acho que sejam elas que o criam ou não, isso depende do contexto das relações de alteridade numa dada sociedade.
Melhor dizendo, num sentido amplo, racismo é um relação de dominação, logo, imediatamente poli'tica. E a racialização dos sistemas de classificação social é genealogicamente articulada aos empreendimentos poli'tico-cienti'ficos da colonização (filme forte e recente sobre isso: Vénus Noire, do francês Abdelatif Kechiche). Mas como os grupos e atores sociais interiorizam e agem para com as classificações racistas, isso é uma coisa que não depende so' de questões poli'ticas (no sentido de sistemas poli'ticos ou de governo - que é do que eu falava).
Sendo mais clara e precisa: Sarkozy e seus aliados tem como horizonte simbo'lico o dinheiro, o vil metal, concordo aqui com o casal de socio'logos bourdieusianos que define esse governo como marcadamente classista. O discurso de seu governo se acomoda muito bem, acho, com um modelo liberal de democracia "racial": o da formação de elites de cada grupo racialmente classificado, da inserção dessas sub-elites no quardo amplo das elites do pai's. Dai' sua "abertura" à diversidade governamental, desde que as portas fechem-se para novas levas de imigrantes. Por exemplo, foi no governo Sarkozy que se falou mais seriamente em quotas étnicas...Da' para entender agora porque uma filha de muçulmano pôde entrar num governo assim? Alias', ela assumiu um posto voltado às populações periféricas, não à questão feminina especificamente. Isso não elimina o paradoxo de continuar num governo que, apesar da abertura, institucionaliza discursos e poli'ticas racistas. Apenas esclarece como Fadela Amara pôde ali entrar. Como também torna possi'vel a hipo'tese de que agora que ela foi defenestrada, vai provavelmente buscar um espaço poli'tico entre a direita e a esquerda francesas; não da' mais para voltar ao seu mundo socialista de antes.
Acho que é isso.
Ah, estou louca para ver este filme, que já foi sugerido por aqui por uma de nossas leitoras (se não me engano, o diretor ou diretora é de origem tunisiana). O próximo número da Revista de Estudos Feministas publicará um artigo meu e de Jonatas sobre a construção da identidade/alteridade de mulheres e negros, cujo estudo de caso é justamente a Sara Baartman (a Vênus Hotentote). Quando sair a gente posta por aqui (embora o próprio artigo tenha sido gestado aqui no Cazzo).
E gostei da sua análise da situação francesa, com todos os seus paradoxos e ambiguidades. Mas não saberia comentar sobre as especificidades do governo de Sarkozy, embora minha antipatia (mezzo informada) continue.
Falando em cinema: Abdelatif Kechiche é menino, nasceu na Tuni'sia mas chegou na França aos seis anos. Acho até que tem uns ares de Jessé Souza. E' um diretor que me agrada cada vez mais. Vénus Noire é daqueles filmes que deixam a gente com todo o mal-estar possi'vel sobre o estado do mundo. Um bom -mal-estar, diria eu.
Aguardo o artigo de vocês por aqui. Abraço, Tâmara
Claro, Abdelatif! Nome de menino!
Eu vi o trailer no iútube e parece bem interessante.
Bjs
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