quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A Marselhesa no handball : música de um dispositivo silencioso de ação protestatária ou imaginação sociológica ?


Tâmara de Oliveira

Aqui e acolá andava assistindo a pedaços de partidas do campeonato mundial de handball porque, como os rapazes franceses são excelentes nisso, a televisão daqui tem coberto bem os jogos. Eu os estava vivendo como uma espécie de madeleine de Proust, mas duplamente negativa. Primeiramente porque eu estava contemplando os jogos e não praticando um ato que acionava uma revivência. E mais uma vez negativa porque o que eu revivia era ruim : voltava às aulas de educação física de minha adolescência, às insuportáveis partidas de handball que os professores obrigavam-me a participar.

Eu ali figurava como a pata de plantão (não nada bem, nem anda bem, nem voa bem), aquela que nenhum time queria porque faria a alegria de qualquer adversário. Meu medo da bola só era superado pelo medo das colegas que, apito soado, viravam guerreiras monstruosas, dessas que não hesitariam : devorariam meu corpo magro, pequeno e desajeitado para recuperarem a bola. Cautelosa, eu evitava a tal da bola e passava a partida grudada ao árbitro (o professor), esperando que ele recuperasse o bom-senso e acabasse com aquela carnificina. E normalmente ele acabava, melhor dizendo, terminava por entender que o melhor era substituir a pata por alguém menos morto em campo. Para mim, handball era isso : minha luta silenciosa contra o professor de educação física, até que ele renunciasse a me impor aquele jogo que me apavorava e paralizava.

Mas ontem, quando pela primeira vez vi uma partida desde seu início (entre a França e a Islândia), foi outro silêncio que chamou minha atenção. Começemos pelo começo : não saberia explicar bem porque, vai ver é um ridículo componente nacionalista de minhas representações sociais (Moscovici, 2004) ou apenas uma boa ocasião para avaliar as qualidades estéticas dos jogadores, mas adoro assistir à execução dos hinos e presto atenção à reação de cada jogador durante esse momento solene.

O primeiro hino foi o da Islândia – que nunca tinha ouvido, já que a Islândia não costuma participar de copas do mundo de futebol. Sem entender nada daquela língua escandinava, meus ouvidos concentraram-se em sua musicalidade e meus olhos, é claro, nos islandeses ali presentes. A musicalidade remeteu-me a uma representação de Estado-nação absolutista, anterior às grandes revoluções fundadoras ou consolidadoras da modernidade, embora a Islândia seja representada como país ocidental perfeitamente avançado (tão avançado que foi o primeiro a falir com a crise econômico-financeira de 2008) e, historicamente, tenha se constituído como Estado livre munido de um parlamento já no século X (precisaria verificar melhor essas e as seguintes informações históricas, mas deixo isso para o leitor menos preguiçoso do que eu). Só que, ainda segundo essas informações históricas meio fluidas, no século XIII a Islândia foi submetida à monarquia norueguesa e, do século XIV até 1944, esteve sob dominação da monarquia dinamarquesa. Não poderia dizer agora se seu hino nacional ainda é fruto da longa dominação monárquica por seus primos escandinavos, mas sua musicalidade remeteu-me a essa representação : música lenta, nobiliárquica e sóbria (para não dizer fria, como a terra de gelo que dá nome ao país), evocando algum velho déspota que, no melhor dos casos, fosse esclarecido.

E os meninos islandeses só faziam reforçar a representação de que eu estava diante de simbólica ação coletiva de uma comunidade (no sentido tönniesiano) : abraçados uns aos outros, como que desenhavam uma imagem holística de sociedade; cantando em uníssono, concentrada e virilmente seu hino, pareciam materializar um espírito de corpo (Blumer, 1951, apud Voegtli, 2010), manifestar uma dessas efervescências coletivas que Durkheim tanto cultivava e que Blumer, segundo Voegtli, entenderia como um dispositivo cerimonial de sensibilização ao coletivo, de reforço do sentimento de pertencimento a um grupo :
(…)Todos esses momentos são dispositivos onde é reafirmada a unidade do coletivo, onde são exprimidas as relações com os aliados e adversários, onde se efetuam sob uma outra forma a socialização e o vínculo ao grupo.

(…)Para Blumer, o espírito de corpo se desenvolve a três níveis : o desenvolvimento das relações de dentro e de fora ao grupo, inicialmente ; o desenvolvimento de uma camaradagem (fellowship) informal, em seguida ; os comportamentos cerimoniais formais, finalmente.

(…)Entre os ‘dispositivos de sensibilização’, pode-se por exemplo realçar o papel da música,(…) – Voegtli, 2010, p. 218.  


Ou, em outros termos mas sob a mesma perspectiva, como se cantar o hino nacional fosse um trabalho político e estratégico de construção e demonstração identitária :

(…)O trabalho identitário assim apreendido no seio de um coletivo visa tornar claro processos de vinculação ao grupo e mediações que vem nutrir essa vinculação. Mas ele também se refere aos laços entre um empreendimento de movimento social e seus aliados e adversários. Neste sentido, a identidade coletiva pode ser estrategicamente mobilizada na luta política. – Voegtli, 2010, p. 219)

Espero que algum leitor tenha notado o termo « empreendimento de movimento social ». Pois é, os autores citados refletem as identidades coletivas sob o prisma dos movimentos sociais, enquanto eu estou falando de uma partida de handball ! Mas muitos dos componentes de um movimento social (constituição de um coletivo ; causa ; adversário ; luta) estão presentes numa competição esportiva. E, quando se trata de competição entre equipes nacionais, as representações dos Estados-nação manifestam-se como identidades coletivas em luta regulamentada, cuja causa é a vitória no jogo. Sendo assim, abuso da licença poético-sociológica, dizendo que a execução dos hinos nacionais pode ser aqui entendida como o dispositivo cerimonial da manifestação dessas identidades coletivas em luta esportiva.

Ora, considerando que a imagem da Islândia (até há pouco decantada como baluarte de um modelo escandinavo que continuava dando certo), tem afundado com seu triste papel na crise econômica que o mundo globalizado vive desde 2008, e que ela detém o vice-campeonato mundial de handball mas sua equipe não vinha muito bem no atual campeonato, quem haveria de se surpreender com aquela dramática exibição da unidade do povo islandês, ali representada por um grupo de jovens varões lutando contra os favoritos para chegar à semi-final ? Eu, não ! Pensando bem – se bem que só pensei alguma coisa depois que a execução do hino francês apresentou-me um problema, no sentido definido por Berger e Luckmann (1996) –, a musicalidade do hino islandês, aos meus ouvidos retrógrada, caia como uma luva sobre um dispositivo de demonstração de um espírito de corpo.

Foi então que surgiu a ruptura inevitável : olha A Marselhesa aí, gente ! Musicalmente vibrante e popular, letra revolucionária e violenta :

-Allons enfants de la Patrie
Le jour de gloire est arrivé !
Contre nous de la tyrannie
L'étendard sanglant est levé
L'étendard sanglant est levé
Entendez-vous dans nos campagnes
Mugir ces féroces soldats?
Ils viennent jusque dans vos bras.
Égorger vos fils, vos compagnes!
-Aux armes citoyens
Formez vos bataillons
Marchons, marchons
Qu'un sang impur
Abreuve nos sillons E por aí vai…

Abro parênteses : como ela é sanguinária, essa Marselhesa, pelo menos aos ouvidos e olhos de quem aprendeu desde criancinha a cantar que seu país é « deitado eternamente em berço esplêndido/Ao som do mar e à luz do céu profundo », parecendo gostar muito de rede e de água de coco…Isso remeteu-me a um artigo de Marilena Chauí (1994), no qual nossa filósofa coloca a influência da Marselhesa nos hinos de Estados-nação construídos durante o século XIX e afirma que essa influência não se manifesta no hino brasileiro, contemplativo e naturalizante, avesso às lutas sociais…Fecho parênteses.

Comecei então a olhar o time francês e o contraste era evidente: seus membros pareciam representar o conceito de sociedade de Tönnies : ninguém abraçava ninguém, como se mostrassem que estavam em associação voluntária e racional de indivíduos autônomos e, como se exibir uma imagem holística pudesse ferir seus próprios princípios de associação. Mas foi quando a câmera começou a destacar individualmente os jogadores que tudo foi ficando estranho para mim ou, para falar como Berger e Luckmann (1996), foi então que um problema para a estabilidade de minha realidade social subjetiva foi desenhando-se : alguns jogadores cantavam, outros não ; dois dos jogadores que não cantavam apresentavam visivelmente um ar de tristeza, enquanto os outros não-cantantes apresentavam expressões tão impenetravelmente graves que seria impossível decidir se aquilo era respeito por um hino que entretanto eles não cantavam, expressão estratégica de distância para com esse hino ou a mesma tristeza dos dois outros, só que em forma atenuada ; e, golpe final, todos os jogadores franceses que não cantavam a Marselhesa tinham pele negra, enquanto todos os jogadores franceses com pele branca, cantavam-na !

Vou primeiro relativizar meu estranhamento : não é de hoje que sei que jogadores franceses de futebol são criticados porque vários não cantam a Marselhesa. E conheço um caso em que um não-cantante, nascido na Nova Caledônia (ex-colônia e hoje legalmente Território de Ultra-Mar Francês), assumiu publicamente o caráter político identitário de seu ato, motivado por sentir-se mais pertencente ao seu território do que à França. Outras vezes também a Marselhesa tem sido vaiada por expectadores do próprio país. A extrema direita francesa costuma apropriar-se desses acontecimentos para « denunciar » que eles provam que os « imigrantes de enésima geração » não querem integrar-se à Doce França. Recentemente, discordando dessas interpretações estrategicamente trabalhadas pela extrema direita (e atualmente também pela dita direita moderada), Michel Platini afirmou que no tempo dele muita gente já não cantava o hino, mas que isso não incomodava ninguém, ou, dizendo em meus termos, não era entendido como prova de não integração de quem quer que seja.

Pode-se supor então que a Marselhesa dos estádios vem sendo cada vez mais politizada, exprimindo progressivamente o estado da arte das interpretações em luta sobre as relações entre « franceses de cepa » e « franceses de origem » (com ascendência imigrante das ex-colônias). Sobre isso, remeto o leitor a um texto meu publicado aqui no Cazzo em 30.11.2009 e intitulado O que Zinedine Zidane e Gilberto Gil têm em comum. Simplificando bastante, poderia dizer que, se até o início dos anos 1980, a politização da Marselhesa era diretamente política, envolvendo as relações entre os cidadãos e os símbolos do Estado-nação, foi nessa própria década que essa politização começou a ser mediada progressivamente pelas tensões sociais etnicizadas.

Em 1980, por exemplo, houve o episódio Aux armes et caetera, protagonizado pelo iconoclasta de carteirinha Serge Gainsbourg que, selecionando alguns versos da Marselhesa, compôs um reggae com músicos de Bob Marley. Seu show foi “ocupado” por parachutistas nacionalistas e aposentados, alguns jornalistas atacaram Gainsbourg, mas o governo não interferiu publicamente e seu disco foi um grande sucesso junto às faixas etárias jovens, urbanas e anti-racistas da França. Ora, já à época, não faltou quem apontasse o pequeno judeu ofensor dos brios nacionais. De lá para cá, o silêncio de alguns ou muitos jogadores de futebol e as vaias eventuais de espectadores à execução do hino nos estádios, têm sido interpretados num intervalo entre os seguintes extremos: as equipes e os estádios são cheios de não-franceses que denigrem os brios nacionais; a politização das reações à Marselhesa é a expressão de uma xenofobia progressivamente manipulada pelo governo e mídias franceses.

Mas eu nunca tinha visto uma divisão tão visível entre cantantes e não-cantantes, por cor de pele ! E isso no handball, esporte que não tem a mesma significação no que diz respeito às representações da identidade nacional, mas no qual a França é hoje a melhor do mundo. Sem contar que havia ainda aquela tristeza na expressão de dois dos não-cantantes, aquela gravidade impenetrável na expressão dos outros não-cantantes…O que foi aquilo ?! Evidentemente, como estou mergulhada na literatura sociológica sobre os movimentos sociais, disse-me imediatamente : isso é um belíssimo exemplo da diversidade, flexibilidade e criatividade potencial dos dispositivos de ação protestatária. A beleza, para mim, estava na relação de contraponto entre a música e o silêncio, naquela aparente oposição muda à demonstração de uma identidade coletiva, paradoxalmente musicada pelo próprio objeto da oposição – a Marselhesa, símbolo da identidade nacional francesa.

Porque, se é verdade que não se pode reduzir a progressiva politização da execução da Marselhesa em estádios à manipulação xenofóbica de governo e mídas (embora estas sejam reais), não se poder minimizar sociologicamente a crise do modelo assimilicionista francês de integração nacional, a confrontação decepcionante que os atores sociais experimentam entre os ideais de integração e a realidade factual (Habermas, 1999), construindo cotidianamente um problema social sobre as relações entre « franceses de cepa » e « franceses de origem ». Hélas, apesar desse contexto sócio-político, dos movimentos, contra-movimentos, associações, ações coletivas ou institucionais que dinamizam essa problemática concretamente, a verdade é que eu não posso dizer de que é expressão aquilo que eu vi – com esses olhos que a terra há de comer !

As noções de dispositivos de sensibilização coletiva, de espírito de corpo, de trabalho identitário, etc., são resultantes de pesquisas empíricas, enquanto meu olhar está delimitado pela imagem fugidia da transmissão televisiva de uma partida de handball. Minha imaginação sociológica orientou meus sentidos à percepção daquela divisão por cor de pele e traçou relações possíveis, mediadas pelo que conheço e experimento do contexto sócio-político francês, assim como pelo que tenho aprendido com a sociologia dos movimentos sociais na contemporaneidade – sobretudo aquela de inspiração bourdieusiana, articulada a certas aquisições das escolas norte-americanas sobre os movimentos sociais (Fillieule, 2010), mas que pode admitir inclusive certas aquisições de seus adversários da chamada teoria dos novos movimentos sociais (Voegtli, 2010 ; Neveu, 2005).

Para analisar sociologicamente aquele fenômeno, várias dimensões deveriam ser observadas, colhidas, relacionadas, entre os atores sociais (os jogadores), as organizações onde eles atuam (equipe nacional, federação de handball, etc.) e suas articulações recíprocas. Antes de qualquer coisa, seria necessário ver as partidas anteriores e posteriores para verificar se o mesmo episódio acontece, se o que eu vi não foi apenas uma coincidência momentânea, transformada por minhas próprias representações das tensões sócio-políticas na França contemporânea. Neste sentido, as motivações dos jogadores silenciosos são um elemento sine qua non para que se possa vislumbrar a possibilidade de que o que vi foi uma ação protestatária. Com efeito, mesmo considerando pesquisas já realizadas indicando que jovens franceses com ascendência nas ex-colônias têm menor sentimento de identidade nacional do que os outros, aquele silêncio pode significar simplesmente que aqueles jogadores não cantam a Marselhesa porque, individualmente, não foram socializados sob uma forte dose de dispositivos de nacionalidade e, o treinador, a equipe técnica e a federação, não têm o hino como um enjeu importante para a consolidação do grupo. Em outros termos, seria necessário explorar a episódio, usando o recurso analítico denominado frames da ação:

A consideração dos comportamentos cognitivos e discursivos da ação coletiva, tem-se traduzido desde os anos 1980 pelo recurso à categoria dos ‘enquadramentos’ (frames). Goffman entendia isso, antes de tudo, como o funcionamento de esquemas interpretativos, geralmente implícitos, que permitem a todo momento responder ao ‘O que está acontecendo?’ Os promotores norte-americanos da noção […] retomam essa noção para ver como as atividades de ‘enquadramento’ (framing), de definição de situação, constróem experiências como problemáticas, formalizam soluções, persuadem sobre a pertinência de uma ação coletiva, enfim, produzem significações dentro e para a ação.

(…)Os ganhos dessas pesquisas são muito apreciáveis. Elas reintroduzem na análise o que o objetivismo da mobilisação dos recursos tinha deixado na sombra : as crenças, o fato de que as pessoas que se investem numa mobilização não cessam de produzir justificações e interpretações. Elas esclarecem os processos de recrutamento e influência(…) – Neveu, 2005, p. 102.

Articulado às motivação e representações dos atores, um elemento importante para que uma ação seja analisada como protestatária e coletiva, é sua significação para o que é externo ao grupo, sua repercussão social que, sobretudo na contemporaneidade, passa pela análise da apropriação/repercussão midiática desses fenômenos :

A análise das representações e das crenças nas mobilizações passa também pela análise do principal forum onde elas são colocadas em cena : as mídias. Estas não são apenas um suporte sobre o qual se projetam os discursos mobilizados, eles são parte das interações do movimento social – Neveu, 2005, p. 102.

Eu não pude fazer um real levantamento, mas, a priori, parece até que só aqui em casa nós vimos aquela divisão entre canto e silêncio por cor de pele. Os narradores do jogo não disseram nada ; os jornais do outro dia detalharam a partida mas, até onde li, ninguém referiu-se àquilo. Dir-se-ia, parafraseando Baudrillard, que « la guerre de la Marseillaise n’a pas eu lieu »…Será que se fosse numa partida de futebol, as mídias e os telespectadores também não teriam visto nada ? Acho difícil, dado que este assunto da Marselhesa já é problema social no futebol francês. Em todo o caso, a imaginação continua uma fonte fudamental de percepção, reflexão e conhecimento sociológicos. A propósito : a França ganhou facilmente a partida.



BIBLIOGRAFIA


BERGER, P. / LUCKMANN, T. La construction sociale de la réalité. Paris: Masson/Armand Colin, 1996.

CHAUÍ, M. Raízes Teológicas do Populismo no Brasil : Teocracia dos Dominantes, Messianismo dos Dominados, in : Anos 90 – Política e Sociedade no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1994.

FILLIEULE, O. Introduction. In : FILLIEULE/AGRIKOLIANSKY/SOMMIER (orgs.) Penser les mouvements sociaux – conflits sociaux et contestation dans les sociétés contemporaines. Paris : La Découverte, 2010.

HABERMAS, Jürgen - Droit et Démocratie . Paris : Gallimard, 1999

MOSCOVICI, S. Representações sociais – investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes. 2004.

NEVEU, E. Sociologie des mouvements sociaux. Paris : La Découverte, 2005.

VOEGTLI, M. « Quatre pattes, oui, deux pattes, non ! » L’identité collective comme mode d’analyse des entreprises de mouvement social. In : FILLIEULE/AGRIKOLIANSKY/SOMMIER (orgs.) Penser les mouvements sociaux – conflits sociaux et contestation dans les sociétés contemporaines. Paris : La Découverte, 2010.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tentativa de autoanálise: Jampa e o feminismo


Por João Paulo Silva Filho

Feminismo: coisa de homem?

A sugestão desse texto partiu de um diálogo que tive com a professora Cynthia Hamlin no Facebook. Depois de ter linkado esse depoimento que havia lido, escrevi a seguinte chamada para o texto:

Feminismo, coisa de homem. Ser contra injustiça pode ser um aprendizado de uma vida. E não é fácil. Vale muito a leitura desse texto de autoanálise.

O que me valeu a seguinte resposta: ‎"Feminismo, coisa de homem". Jampa, apesar de ter entendido o que vc quis dizer, essa sua frase dá margem a umas interpretações complicaaaadas...

O diálogo continuou até chegamos ao essencial: Aliás, Jampa, vc poderia fazer sua autoanálise e doá-la para o Cazzo, não?

Aqui estou.

Mas, como dito, não creio que minha autoanálise vai render tanto como a que fez a própria Cynthia por aqui. Aliás, muita coisa boa tem aparecido na internet nesse sentido. Como o blogue feminista que promente ser bom, composto de estudantes da USP, que entrou no meu radar pelo Biscoito, o Quem mandou nascer mulher?

Passei dois longos dias pensando como fazer uma reflexão pessoal sobre minha relação com o feminismo que não fosse íntima demais para perder o seu interesse público. E ao pensar nisso, ocorreu-me o primeiro elemento de dificuldade que terminou por ser o mote do meu texto: as diferenças e semelhanças entre minha relação com o feminismo (mais intelectualizada), com a reflexão feminista, com o universo de reivindicação de amigas ativistas - e as minhas relações com o sexo feminino (mais mundanas), mais concretamente, as que nutro com as mulheres que me rodeiam, amigas, filha, mãe, esposa, etc.

Existe um claro descontínuo entre esses dois tipos de relação. O estranho é o seguinte: relacionadas entre si no plano da análise (falo da relação com o feminismo e da relação com as mulheres), as questões feministas, para mim sempre mais reflexivas, tendem sempre a ficar em suspenso nas relações concretas estabelecidas com as mulheres no dia-a-dia. Não sei se isso chega a ser um dilema, mas essa tensão aparece na minha reflexão sobre mim mesmo com alguma frequência. Escolhi falar apenas do primeiro aspecto (relação intelectualizada com o feminismo), porque o segundo já implicaria ter vencido as resistências que na verdade, no máximo, consigo apenas reconhecer. O que mostra que o conhecimento de uma limitação quase nunca é suficiente para se liberar de certas amarras.

Vamos então ao reconhecimento da minha fraqueza reflexiva masculina: sei que minha resistência existe, mas a percebo com mais clareza na relação mais direta com o feminismo, daí aceitar para mim o foco do feminismo como quem aceita, sem saber exatamente como funciona o mecanismo que o produz, o efeito terapêutico da psicanálise. Antes de exemplificar esse primeiro locus do mea culpa, façamos uma digressão para expor como a sociologia aparece para mim a um só tempo como elemento integrante da minha resistência (sempre entendia no sentido freudiano de denegação) e meio para transpô-la (a resistência) pela reflexão: a sociologia volta num segundo momento, mas como recurso analítico das causas da resistência.

É preciso, para isso, situar minha visão da sociologia e como tendo a instrumentalizá-la para me situar no mundo. Dois pontos para mim são essenciais: 1) a socialização e, 2) por conta dela, a história, entendida como acúmulo do passado nos indivíduos condicionando a ação dos agentes/atores nos mais diversos contextos sociais. Resultado: a história da relação com as mulheres é (necessariamente) um elemento importante e deve ser levado em consideração para entender a "socialização masculina", mesmo a que produz os seres mais desprovidos de sensibilidade com a chamada "questão da mulher". Foi movido por essa ideia que pude, em minha tese, reconstruir os esquemas de socialização de Paulo Honório, protagonista do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, levando em conta a multiplicidade de formas de se relacionar com o sexo oposto, todas elas descritas na narrativa como fazendo parte da história de vida da personagem. Paulo Honório, violento e machista, por conta da ambivalência e complexidade das relações estabelecidas com as mulheres durante seu período de formação, pôde, num dado momento, depois de causar a morte de sua esposa, refletir sobre sua própria condição de homem, percebendo aspectos importantes de seu comportamento, forma de agir e ser da qual se arrepedia amarguradamente. A dominação gerou a perda, mas o que tornou possível a reflexão autoanalítica contida no romance narrado em primeira pessoa? Eis a pergunta que moveu minha análise. Se Paulo Honório estivesse 100% convicto de que fez o que tinha que ser feito, se fosse um macho socializado totalmente no regime dos valores de sua dominação, como poderia ele questionar a matéria prima de seu comportamento? Percebam que, como analista, usei as ferramentas da sociologia não para inculpar o protagonista, mas para reter as informações correspondentes ao seu processo de socialização e sua atualização (no presente) como mote performativo da trama do romance. Uma crítica feminista teria a meu ver ido mais longe, revelando a incapacidade dele de se dar conta de tantas coisas importantes antes da morte da mulher. Tive uma boa trocas de ideias a esse respeito com Ana Paula Portella, que por e-mail avaliou o limite do alcance crítico da empreitada analítica que empreendi. Empreitada de homem?

Depois dessa primeira digressão, pode-se com mais clareza ver o que simboliza minha resistência (mais uma vez, no sentido de Freud): como sociólogo que nunca estudou as relações de gênero (na verdade, só um pouquinho, para aquela que foi parte ínfima de minha tese), minhas opiniões tendem a ser "deslocadas" do foco central da crítica feminista, tornando meu esforço de compreensão de alguns eventos, uma mise en abstraction das questões concretas postas à luz do dia pela reflexão das feministas.

Exemplo concreto dessa abstração pode ser lido aqui, quando me posicionei a respeito do caso Eloá. Na época, li várias análises de trato feminista, mas me recusava a aceitar o argumento central das teses ali defendidas, como quem tem medo de ver o óbvio que elucida sua posição de dominação.

Num texto para lá de mal escrito, já sob efeito da mais pura denegação masculina, tentei mais uma vez reafirmar o meu propósito: nem tudo é questão de gênero, e blá, blá, blá. Uma amiga de doutorado, das mais inteligentes colegas que conheci, comentou o que hoje eu mesmo vejo como meu despropósito:

"Oi, Jampa, Acho legal essa tentativa de diálgo com o feminismo… Mas acho de fato que algumas questões ainda são cegas para você, tudo que você fala é legítimo, mas o buraco é muito mais embaixo e muito mais profundo. Existem elementos que realçamos porque de fato enxergamos assim em nossa cultura, ocidental e oriental, com as suas nuances tão específicas… de submissão e menor valoração às mulheres. Vejo muitos relatos e inclusive os jornais colocam o “amor que mata”. Só essa frase, que em si é absolutamente cega, já diz muito da compreensão equivocada, inclusve das pessoas que querem tratar o caso seriamente. A questão da vítima realmente é muito mole para ser pega, pois se ampliarmos isso, Lindembergue também é vítima de uma lógica de amor e de relações que o fez acreditar que sem ela ele não podia viver, e que sem ele ela deveria ser morta... Acho que faltam elementos, e por mais que o seu diálogo seja sincero, ele ainda tem ficado, do m eu ponto de vista, “nas boas intenções”, e sei que o esforço é válido, mas, usando uma frase de uma amiga: “os homens podem se compadecer da situação das mulheres, mas nunca padecer”. E quando leio o que você escreve, ao menos para mim, fica claro o seu lugar de homem nos pontos de vista que defende… não quero tratar aqui de uma guerra dos sexos, mas dos elementos e das discussões importantes para permitir te alavancar desse lugar."

Volto aqui ao ponto inicial do meu mea culpa para com isso tentar concluir essa breve autoanálise: foi através da relação direta com as feministas, e as questões e argumentos espinhosos que põem em questão a posição particular em que os homens estão situados para refletir sobre os eventos, que pude sempre me dar conta do tamanho da minha resistência. E isso já aconteceu em diversas ocasiões, como o exemplo acima ilustra. Por essa razão, no diálogo no Facebook, defendi que esse lugar específico ocupado pelo homem, que o coloca inclusive na defensiva porque ele se julga ameaçado de perder o lugar que ocupa no sistema de dominação, não pode ser desconsiderado para a reflexão que prescinde de análise sobre a especificidade da resistência masculina ao feminismo. É um ponto de vista que defendo, acredito, que não se confunde com o comentário que Nicole fez:

"Pra mim o problema que deriva do que Cynthia esta dizendo é algumas pessoas acharem que esse processo da aceitação do feminismo pelo homem é mais árduo do que a aceitação feminina, que ocorreria de forma mais 'natural'. E sabemos bem que esses movimentos de aceitação, tanto masculino quanto feminino, são de certa maneira indissociáveis e co-dependentes."

Em nenhum momento eu quis defender que seja mais fácil para mulher que para o homem (em termos de socialização dos esquemas de dominação, ou seja, da incorporação desses esquemas) aceitar as teses centrais que o feminismo defende (aliás, que os feminismos defendem, não podemos esquecer). Apenas acredito, como sociólogo, que não se pode ignorar o lugar do qual o homem socializado atua ao aceitar ou recusar tais ideias. O mesmo deve-se fazer em relação a mulher socializada e ao feminino. Isso se quisermos dar alguma concretude aos debates abstratos sobre socialização do feminino e do masculino. A questão que me faço é de sociologia da dominação, dos espaços ocupados que não querem ser perdidos, dos capitais simbólicos que designam superioridade etc. esse topos que situa concretamente os agentes na hierarquia social que a estrutura de dominação de alguma forma agencia. Negar isso seria, a meu ver, negar a realidade díspar que é a razão de ser do feminismo, dos embates contra a situação estrutural de inferioridade. Veja que discuto teoricamente o que poderia ser debatido através de questões mais concretas, através de categorias que visassem captar essa disparidades em seus contextos específicos...

Mas como não quis expor, por mil e uma razões, as minhas dificuldades mundanas, da ordem da conviência pessoal com o sexo feminino, e não tenho pesquisas nessa área, achei melhor me ater à minha modesta relação intelectual com o feminismo. Julgo que nas relações concretas poderíamos encontrar também elementos não menos essenciais para analisar os fatores que freiam ou fazem avançar - em uma figura que se julga heterossexual como eu - sua sensibilidade em prol da causa feminista. Isso fica para uma oportunidade futura, quando tiver ponderado com mais clareza sobre os recalques corriqueiros de minha masculinidade.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A beleza em jogo


por José Eisenberg*

Há uma aversão disseminada nas sociedades contemporâneas à ideia de atribuir valor estético a manifestações da cultura de massa, produzidas em escala industrial para quem toma refrigerante e come batata frita. Onde estaria, por exemplo, o belo e o bom gosto de um videogame? Qual a beleza em fazer o Mario ultrapassar o Donkey Kong numa simulação de corrida de kart no televisor diante de nós? Shigeru Miyamoto, principal desenvolvedor de jogos da Nintendo e criador do personagem Mario, o Mickey Mouse dos videogames, declarou em março de 2010 que, para ele, “videogame não é arte”. Miyamoto ironizava a beleza de uma arte que ajudara a inventar. Como Magritte, Miyamoto escrevia ao seu modo no enquadramento da câmera de televisão: “Isto não é um cachimbo”.

Para os vovôs do videogame, o cachimbo era o telejogo da Philco. Nos primeiros shopping centers e seus centros de diversão eletrônica, Space Invaders para os meninos e Pacman para as meninas. Tudo invenção de japonês: Atari, Sega, Nintendo e Sony. O videogame é um jogo com raízes na cultura japonesa. Sua imaginação é narrativa: há heróis e vilões, todos com gosto pelas artes marciais; há um objetivo a ser perseguido e seus príncipes galgam cavalos alados em direção a algum lugar. Seus aplicativos são de repetição, plenos de momentos de game over/restart e são rápidos o suficiente para que uma partida termine antes da próxima estação: tudo é nipônico no universo da maior parte dos videogames, e se há neles arte, não se pode ignorar estas raízes.

Flâneur viciado em um museu

No início, a limitação técnica dos computadores tinha como contrapartida a ousadia criativa dos artistas-designers dos jogos eletrônicos. Hoje, os recursos quase ilimitados da técnica empurraram a arte de jogar games para o mundo da simulação onde, de tão parecida com a vida, uma corrida de F1 ou um vôo simulado de caça conferem uma plasticidade hiperrealista à experiência de jogar. Na produção destes videogames, trabalham centenas de artistas, comparáveis ao exército que produz um filme. Os créditos no final podem ser igualmente longos e chatos. Na cinemática que resulta, videogames criam experiências de som e imagem-movimento, em que a estética do cinema, em particular da ficção científica e do desenho animado infantil oferecem as maiores inspirações. Deste ponto de vista, portanto, não há como negar que videogame é uma forma de arte.

A cinemática do videogame, entretanto, está vinculada a uma concepção de jogo que o torna distinto do cinema. Assistimos filmes e desenhos animados; videogames são jogados. Este aspecto lúdico do “jogo de vídeo” retira o cinéfilo de sua condição passiva de audiência e o coloca diante de um desafio interativo que é na maior parte das vezes competitivo, exigindo da estética do videogame, além de recursos técnicos de interatividade que consoles e computadores oferecem, recursos de “jogabilidade”. Como argumenta Daniel Real, desenvolvedor de games, o desafio artístico do mutirão de artistas que trabalha na criação de um videogame é torná-lo um jogo bonito mas, acima de tudo, é preciso torná-lo um jogo bom de jogar; bom de jogar e por muito tempo. “Jogabilidade”, portanto, é sinônimo de aprendizado lento, por mais rápido que seja o ritmo da ação do videogame; é sinônimo de inventar razões para jogar que vão além de simplesmente vencer ou conquistar os objetivos determinados. Curioso como um videogame não pode ser ensinado (no máximo há dicas). Ele precisa ser praticado. E muitas vezes.

Jogo “bom de jogar”, lembra Daniel Real, é aquele que, a cada momento em que o jogador desiste de uma partida e reinicia o jogo — game over/restart — algo diferente, inesperado e, acima de tudo, “bacana”, se revela. O jogador de videogame é como um flâneur viciado em um determinado museu, que lá retorna todos os dias e fita, por algum tempo, os mesmos objetos de arte, sempre em busca de algo novo, algo que antes havia passado desapercebido.

É desta possibilidade de reiteração da experiência que o jogador de videogames extrai um juízo estético. O museu, para trazer de volta este aficionado, oferece arquitetura, decoração, bons assentos, silêncio, um café, uma lojinha, e uma miríade de outras condições que permitem que, a cada novo encontro com os objetos de arte, o flâneur possa enxergar o que antes era invisível e, ao mesmo tempo, encontrar razões para retornar amanhã. No caso do videogame, este reencontro não precisa esperar até amanhã, quando reabre o museu. Basta “dar um game over e um restart”.

A repetição, a compulsão, uma interação até a exaustão com todos os componentes da cinemática do videogame; os cenários, os personagens e a trilha sonora; um conhecimento detalhado de cada atributo do ser-monstro-avatar-avião que você controla. Este é o horizonte da experiência estética do videogame e, para sua realização, a função game over/restart é essencial.

No processo, como em qualquer jogo, constrói-se o horizonte de uma vitória que é cada vez mais passível de ser conquistada, na medida em que a narrativa ou atividade do jogo fica cada vez mais familiar ao jogador. Dominar o horizonte estético do videogame é, portanto, essencial para extrair o prazer lúdico de jogar. E é a possibilidade concreta de ganhar, e não a intensidade do desejo de vitória, que se configura como condição necessária à construção daquilo que conhecemos como o “vício” de jogar videogames.

O que o desenvolvedor de videogames almeja, portanto, é encontrar maneiras de converter o gamer em um jogador infiel; alguém que não hesita em começar uma nova partida, desde que sempre no mesmo jogo (afinal, o objetivo é a fidelidade do consumidor). Para tanto, ainda que o videogame possa ser completamente alheio à lógica do ganhar ou perder, é preciso que haja algo como “jogar bonito” para descrevermos a experiência estética que ele possibilita; algo similar ao que testemunhamos no futebol, por exemplo. Há inclusive videogames em que sequer a lógica do competir tem importância; em que a lógica é essencialmente cooperativa ou contemplativa. Em todos, entretanto, a gramática do game over/restart é insuperável. Imerso em sua atividade lúdica, sem noção do tempo que passa e alheio aos passageiros do espaço que ocupa, o gamer subitamente sente-se desagradado com a partida que joga. Game over. Restart.

O tempo do presente ampliado

Gumbrecht diz que vivemos hoje um presente ampliado, que o futuro já não é um lugar certo para se ir e que o passado perdeu sua função pedagógica. Em sua amplitude, creio que o videogame revela esta nova temporalidade e a técnica que ela privilegia. Quando o desenvolvedor de videogames consegue emaranhar o jogador na trama do game over/restart, a experiência estética ganha expressão no próprio ato de jogar. E o prazer, a beleza, o bom gosto, em suma, a experiência estética que o jogador irá vivenciar depende essencialmente de um videogame que é simplesmente “bom de jogar”.

*JOSÉ EISENBERG é professor de Filosofia da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Texto publicado, originalmente, no Jornal O Globo, caderno Prosa e Verso, do dia 8/01.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Hegel, os hegelianos e o Romantismo 3: a rabada idealista



Jonatas Ferreira

A hierarquia entre as artes

Por email, Artur reclamou de os  meus quitutes no Cazzo estarem pouco substanciosos. Disse que come tudo distraidamente, que sente falta de algo realmente nutritivo. Lembrou-me de uns versos de Ascenso Ferreira, que não transcreverei aqui por falta de espaço e por timidez. Sugeriu-me um passeio gastronômico pelo Mercado de São José, o que fiz com gosto e alguma cautela. Voltei de lá com esse prato típico que agora apresento – e lembrando de Rabelais... Noves fora, neste post, ilustro o argumento esboçado no post anterior a partir do estudo de Hegel sobre a poesia.

Creio que a primeira coisa que salta aos olhos na leitura deste livro é a existência de uma hierarquia entre as artes, hierarquia que subjaz à própria concepção de história de Hegel. Há culturas que realizam mais plenamente o espírito e outras que se encontram ainda na infância da História, assim como, há artes mais espirituais e artes menos espirituais. Pois, se por um lado, a razão na história só se realiza e desenvolve de modo concreto, na realidade de uma cultura que é sempre temporal e espacialmente delimitada, existem formas concretas de expressão onde o Espírito Absoluto se realizou mais plenamente. Deste modo, é possível também dizer que os materiais de que se servem as artes plásticas limitam sua capacidade de imprimir o espiritual nas formas sensíveis quando a comparamos a outras formas artísticas. É possível dizer que encontramos no espaço que compõe a expressão artísitica gradações entre uma menor e uma maior idealidade, uma ordem que iria da arquitetura, à escultura, à pintura. Por esse motivo, infere Hegel, é que os templos gregos precisavam ser adornados com estátuas que magnificassem seu conteúdo espiritual – e os deuses eram humanizados, pois no ser humano o Espírito se realiza mais plenamente que em qualquer outro ente natural. A estátua grega, por seu turno, é dotada de um sentido de interioridade que uma coluna, uma edificação, mesmo que religiosa, não pode ter. Mas, no que diz respeito às esculturas da antiguidade clássica, o mármore ou o bronze são também limites para essa síntese que se opera entre espírito e matéria.

Por sobre esse limite, um desenvolvimento se opera. Há outros tipos de manifestação artísitica em que a idealização pode ser realizar de forma ainda mais pleno. Tomemos a música como exemplo.
“Como dissemos, é a música que ultrapassa a fronteira do visível, ao exprimir a interioridade como tal e os sentimentos subjectivos, não já com o auxílio de figuras plásticas, mas por meio de vibrações sonoras. Ao proceder assim, ela transporta-nos ao outro extremo: ao da inexplícita concentração subjectiva, em qeu o conteúdo só encontra nos sons uma expressão simbólica” (Hegel, s/d, p. 10).

A associação entre música e interioridade precisa ser entendida. Claro, o sonoro é, como explica Hegel, invisível e, enquanto tal, dá-nos a impressão de uma presença que não é propriamente material, de uma sensibilidade ao invisível. Haveria algo mais que sonoro, mais que sensível na música, ele explica: o canto de uma ave, um sabiá, por exemplo, perde todo o seu encanto se descobrimos que é produzido por um apito. Na música há um elemento de interioridade que nos fala mais plenamente da idealidade do espírito humano do que a escultura, portanto. Ora, dizer que a música é mais subjetiva, pois é isso que está sendo proposto, faz todo o sentido se tivermos em mente que o Romantismo alemão acreditava ser a música a arte mais essencial que existiria. Uma linguagem supostamente da pura emoção, ou seja, que se dirige diretamente ao sensível no humano, ao seu sentido de unidade com o mundo, que o torna pleno por alguns momentos. Ocorre-me aquela famosa reflexão de Horkheimer e Adorno sobre Ulisses e o canto das sereias. Onde a música se instala, uma postura de objetividade, distanciamento e precaução se tornaria difícil de ser sustentada. O cauteloso Ulisses ouvia música com uma convicção romântica e uma atitude técnica, iluminista em relação ao lugar da arte no progresso da civilização.

Quando falamos da relação do Romantismo alemão com a música devemos, além disso, mencionar a forma surpreendente que esta alcançou na obra de compositores como Beethoven, Mendelssohn, Schubert etc. Porém, exatamente porque a música é entendida como expressão radical de interioridade, de subjetividade e emoção, para Hegel ela não poderia ocupar o lugar mais destacado na hierarquia entre as artes.
“Com efeito, considerado em si mesmo, o som é desprovido de qualquer conceito e assenta em relações numéricas; deste modo o lado qualitativo do conteúdo espeirtual corresponde às relações quantitativas e às diferenças de tempo, contrastes e mediações que elas comportam, mas somente de uma maneira geral; a precisaão qualitativa como tal não pod ser totalmente expressa pelo som”. (Hegel, s/d, p. 10)

Fácil de perceber, na citação acima, o lugar destacado que a palavra ocupa como meio privilegiado mediante o qual o conceito a razão, o espírito se apresenta diante de nós, possibilitando o seu reconhecimento. Derrida talvez dissesse a esse respeito que logocentrismo é precisamente isto: o privilégio da palavra como índice da presença do espírito, da fantasia de um ser que estaria pleno em si próprio. É na poesia, portanto, que a arte encontra sua forma mais elaborada de idealização. É ela que em princípio pode constituir uma síntese entre a interioridade da música e a exterioridade das artes plásticas; é ela que pode espiritualizar plenamente o mundo externo e, ao mesmo tempo realizar a interioridade como algo que, em sua exterioridade, pode ser compartilhado. E aqui podemos perceber o modo como Hegel opera a ideia de síntese como superação de uma contradição, como sua resolução num plano mais elevado. De modo semelhante à música, na poesia realiza-se a “percepção imediatada alma por si mesma e em si mesma, princípio de que carecem a arquitetura, a escultura e a pintura” (Ibid. p. 10-11) - estas se realizam como objetos exteriores à consciência. Por outro lado, a poesia recupera da pintura e escultura, por exemplo, uma capacidade de representar, que a música perde, dada a interioridade sob a qual ela é produzida e experienciada. Essa capacidade de representar é ainda dinâmica, capaz de captar o movimento das coisas externas, como a escultura, a arquitetura e a pintura não podem, além de ser capaz de representar também a interioridade. (Fico sempre me perguntando o que Hegel acharia do cinema, caso o tivesse conhecido.) Assim, a poesia
“amplifica-se até formar com as representações, as intuições e os sentimentos interiores, um mundo objectivo, que mantém quase toda a precisão da escultura e da pintura, e é, além disso, capaz de representar de forma mais completa que qualquer outra arte a totalidade de um acontecimento, o desenvolvimento da alma, de paixões, de representações ou a evolução das fases de uma ação” (Ibid).

Para Hegel, o paradigma do simbolismo é a arquitetura, assim como a escultura se realiza mais plenamente no classicismo e a pintura e a música no romantismo. Uma hierarquia entre os estilos, portanto, é também uma hierarquia entre as artes. Quanto mais próxima do logos, mais humana, mais espiritual é a arte, e portanto mais desenvolvida. Para ele, todavia, o “grau de perfeição de uma arte” depende de sua capacidade de se elevar acima das particularidades de “tal ou qual forma especial”. “Pela sua essência, é a poesia a arte que melhor do que qualquer outra, apresenta maiores possibilidades de um tal desenvolvimento libertador. Ela assim se conduz na criação artística, quer dotando de uma existência real cada forma particular, quer libertando-se da dependência em relação a um determinado tipo de concepção e de conteúdo, seja simbólico, clássico ou romântico” (Ibid. p. 21). Mas, se a poesia só pode realizar seu potencial na história, é fundamental que percebamos ali mesmo seu “desenvolvimento libertador”, que pecebamos o seu destino nas contradições que ela supera, sabendo de antemão aquilo que a destingue do prosaico, do mundo rotineiro de todos os dias: “O objecto verdadeiro da poesia é o reino infinito do espírito” (Ibid., p. 30). Assim, ela é a busca “compreender uma multiplicidade de circunstâncias”, “mas deve apresentar este vasto conjunto de particularidades como estando subordinado a um só princípio” (Ibid., p. 33). A realização mais fundamental da poesia, portanto, está de algum modo atrelada a um monoteísmo capaz de pensar a diversidade, a um pensar a essência do mundo que não pode ser confundido com a “consciência vulgar”, prosaica do mundo, que aceita os fatos particulares na insignificância de sua “acidentalidade” (Ibid., p. 35). Porém, a consciência poética nada é sem esses acidentes. E aqui voltamos à influência herderiana, sobre a qual já falamos.
“Como a poesia tem por objetcto, não as generalidades da abstracção científica, mas todas as ideisas da razão individual, encontra a sua principal determinação no caráter nacional de que é uma emanação e cujo conteúdo e modo de concepção se tornam o seu conteúdo e o seu modo de expressão próprios, o que a conduz a um grande número de formas particulares. Com efeito, as poesias oriental, italiana, espanhola, inglesa, romana, grega e alemã diferem umas das outras pelo seu espírito, sentimentos, maneira de conceber o universo, expressão etc.” (Ibid., p. 37 e 38)

A poesia, lugar onde o geral e o particular se encontram de modo orgânico, vivo, varia no tempo e no espaço e essa variação está diretamente ligada à realização do espírito no mundo, o que vale dizer que encontraremos também nessa variação a estruturação de uma ordem e uma hierarquia. Mas a forma de subordinação que a suposição de um princípio estruturador do mundo implica é curioso, pois ele difere, por exemplo, do pensar técnico, no qual a particularidade é apenas um meio para atingir um fim. Na poesia, cada particularidade conta com sua própria dignidade, “cada parte, cada momento são interessantes em si, porque dotados de vida” (Ibid., p.44). E sobre isso já falamos em um post anterior: a arte não deve ser concebida como meio para a obtenção de nada; ela é essencial e, como tal, possui uma dignidade incompatível com a instrumentalização (Ibid. p. 57 e 58). (Vai entender Dostoievski, que escreveu obras-primas com o propósito de pagar suas dívidas!). A poesia nos retira da “prosa da vida”, ou seja, de nossos engajamentos cotidianos em que o mundo se torna irrefletido e, portanto, fundamentalmente instrumentalizável. Que a poesia, a arte, possam ser pensadas como uma esfera privilegiada nesse exercício de combate à alienação, parece-me uma herança clara do Romantismo de Jena, no que pese Hegel não postular, como aqueles, que a arte ocuparia o papel mais elevado na realização plena do ser humano.

Na medida em que é um exercício de estranhamento com relação ao mundo dado, à prosa da vida, a poesia é um ato crítico. “Ao tratar o elemento sensível com esta atenção, […] acrescenta-se à seriedade do conteúdo qualquer coisa que o torna mais distante, menos familiar e transporta tanto o poeta como o auditor a uma esfera de serena beleza” (Ibid., p. 89). Acerca do tratamento poético da vida quotidiana, poderia ser dito aquilo que Hegel diz acerca de certos constrangimentos que o poeta tem para se expressar, como, por exemplo, o uso da rima. Esse obstáculo não constitui um limite à expressão poética, mas um elemento que o “eleva e ajuda” (p. 88). A poesia, portanto, está ligada à organicidade entre vida e espírito que nos permite retomar algo já dito nessa série de posts: para Hegel, a história, seu desdobramento em contingências, está inextricavelmente relacionada à realização da razão no mundo. É a partir da contradição, da contingência, da particularidade que o espírito se desenvolve nesta direção. Constatar isso, é um passo para apreciar a necessidade de se pensar a própria história da poesia como exercício através do qual se perceberá a direção ruma à qual esse desenvolvimento se produz. Isso me levaria agora a discorrer sobre poesia épica, sobre a poesia lírica e sua síntese na poesia dramática. Mas a preguiça é maior do que o progresso de meu espírito. Digo apenas que são páginas memoráveis.

[e mais uma vez não vou reler o que escrevi e identificar erros. Almas boas, espíritos de luz, gente da terra do frevo, do semba, da catira, do bumba e do fandango, ajudem.]


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Marco teórico não foi feito para humilhar ninguém! (meras notas para um futuro e talvez improvável artigo)



Luciano Oliveira

O título é uma paródia de uma frase célebre que Ferreira Gullar teria dito em relação à crase: ela não foi feita para humilhar ninguém; o marco teórico também não. Mas, pelo que vejo, ele continua maltratando desnecessariamente nossos candidatos à glória sociológica. Assim, dou minha pequena e humilde contribuição sobre o assunto, esperando ser de alguma utilidade.

Como ocorre com tudo na vida, é melhor começarmos por esclarecer o significado dos termos do assunto que estamos tratando - como, aliás, recomendava Voltaire, um francês que nasceu antes de Derrida! Ocorre que, depois de uns vinte anos metido nesse negócio de orientação, ainda me surpreendo com certas perguntas que orientandos meus me fazem. Dou como exemplo uma que me foi feita recentemente: “Professor, meu trabalho é sobre democracia. O Senhor [nesses tempos de hoje, alguns me tratam de Você] acha que Bobbio é o meu marco teórico?” Quando digo, com toda sinceridade, que não sei, eles acham que estou gozando. Não estou.

Começando do começo, marco teórico é uma tradução supostamente literal do inglês theoretical framework. Disse supostamente porque Cynthia Hamlin, que sabe muito mais inglês e entende dessas coisas muito mais do que eu, observou-me certa vez que, nesse caso, não deveríamos dizer “marco”, e sim “moldura”. Dá no mesmo. Voltairianamente eu direi que isso não importa, já que a tradução que lhe demos foi essa e que, nesse caso, esse é o sentido de marco teórico: theoretical framework. Mas o que é isso e como chegou até nós?

Acho... (mas só acho, porque não pesquisei a coisa a fundo e imagino que pessoas como Silke Weber e Heraldo Souto Maior sabem melhor do que eu se é isso mesmo) ... acho, como dizia, que a expressão aportou entre nós no início dos anos 70, período em que, sob o regime militar, estruturou-se em termos nacionais a pós-graduação brasileira, momento em que os usos e costumes da graduation (não sei se se diz assim!) americana teve uma influência nos usos e costumes que terminamos adotando por aqui. Pelo menos em termos de forma, pois no que diz respeito a conteúdos, continuamos ainda hoje reverenciando mais os europeus do que os americanos.

Pois bem. No seu contexto original, theoretical framework é uma expressão que se insere no estilo que aqui costumamos chamar, um tanto depreciativamente, “positivista” de fazer ciência, em que uma teoria já assentada gera novas hipóteses de pesquisa que são testadas. O modelo, acho (quase tudo neste texto é “achismo”, como já devem ter notado), vem das chamadas ciências “duras”, “normais” (química, física etc.), como as chamou Thomas Kuhn, em que os cientistas trabalham dentro de determinados paradigmas “unanimemente” aceitos e nos quais se inserem, elaborando novas hipóteses e espichando o saber acumulado para novos objetos, o que vai gerando novas hipóteses que por sua vez etc. etc.

Tudo é muito certinho na teoria e na prática pode não ser bem assim (como acho que Bruno Latour tem enfatizado), mas é razoavelmente assim.

Nas ciências “anormais”, “moles” (as ciências sociais), dentro das quais nos situamos, a coisa é bem mais complicada, até porque não existem paradigmas universalmente compartilhados. Na verdade não existe uma coisa chamada A Sociologia, mas vários autores, tradições, escolas, grupos e grupinhos que lançaram sobre o mundo e vários dos seus objetos sociais o que chamaria de “olhar sociológico” (expressão que prefiro a Sociologia – que simplesmente não existe!), olhar que qualquer um de nós pode adotar para também mirar análogos objetos, geralmente com a ajuda deles ou de um deles, ou simplesmente de uma frase de um deles etc. etc. Isso seria o famoso “marco teórico”, cuja aplicação, nos moldes que alcunhei de “positivista”, nem sempre é fácil, até porque as formulações dos autores que adotamos não costumam ter o rigor que se observa nas outras ciências.

Há casos, porém, em que isso acontece. Lembro um.

No seu famoso “Carnavais, Malandros e Heróis”, Roberto DaMatta escreve uma série de ensaios que são o desenvolvimento de brilhantes “insights” sobre o comportamento do brasileiro no que ele chama de casa e de rua (ou seja, na rua, nos comportamos como se estivéssemos na casa da Mãe Joana...) Mas a base empírica do seu trabalho é bem chochinha. Se não me engano (e como isso não chega a ser um artigo acadêmico estou me desonerando da trabalheira de localizar a referência), se não me engano, como dizia, ele se refere a entrevistas com alunos, amigos, conhecidos etc., tudo sem maior rigor ou controle. Pois bem. Faz alguns anos um sujeito chamado Alberto Carlos Almeida pegou esses insights de DaMatta e transformou-os em hipóteses empíricas, com indicadores e tudo o mais, e saiu por aí entrevistando gente. Dessa vez tudo sob controle. O resultado é um livro chamado A Cabeça do Brasileiro, que comprei mas ainda não li (aí... às vezes me desespero pensando em todos os livros que não lerei na vida, porque a arte é longa, mas a vida é breve!) e portanto não sei o que dizer desse exercício de aplicação de um marco teórico específico. Cito apenas o caso como exemplo. Quem quiser conferir o resultado, bom trabalho!

Voltando à história de Bobbio com que comecei.

O meu inocente aluno achava que, como ele escreveu bastante sobre democracia, ele, o aluno, que também gostaria de escrever sobre o tema, Bobbio iria servir.

Respondo-lhe agora.

Pode, sim, mas depende do seu objeto de pesquisa. Poxa, pra começo de assunto, pela vastidão, antiguidade e imensidão do que existe sobre o assunto, democracia não é exatamente um objeto de pesquisa, mas uma área temática. Lógico que, eventualmente, pode sim ser um objeto de pesquisa. Mas isso não é coisa para principiantes. Só para dar um exemplo, pensem num outro tema igualmente vasto: a justiça. Pô!, imaginem o quanto é necessário de erudição, experiência, tempo, talento etc. etc. para escrever uma obra como A Teoria da Justiça de John Rawls... É a obra de uma vida!

Voltemos ao italiano.

Bem, Bobbio pode ou não ser um marco teórico? Pode. Mas o que de Bobbio? Pelo que já conheço, meu aluno é a favor da democracia e vai fazer uma leitura laudatória de Norberto, realçando o quanto ela e ele são importantes... Vai também, pela experiência que já tenho, juntar num mesmo saco Habermas, Rousseau, Schumpeter, Marilena Chauí... É uma mistura de feijoada com salada que não leva a nada!

Mas Bobbio pode, sim, ser um marco teórico, insisto. Tudo vai depender do corte. Dou um exemplo.

Num dos seus livros, escrito se não me engano (mais preguiça de ir procurar...) nos anos 80, A Era dos Direitos, Bobbio faz uma afirmação sobre a universalidade dos direitos humanos que se tornou problemática na era do multiculturalismo que estamos vivendo. Diz ele mais ou menos que, na atualidade (lembrem que era há trinta anos...), a questão dos direitos humanos não é mais a do seu fundamento, “agora” aceito por todos, mas de sua realização. Ora, alguém pode, a partir dessa afirmação, transformá-la em hipótese de pesquisa, problematizá-la à luz do que está acontecendo no mundo de hoje (basta pensar no Irã daquele presidente cujo nome não sei escrever - acho que Lula também não -, aquele que parece um cego de feira), e fazer um trabalho bem interessante que, eventualmente, dependendo do talento do autor, pode até ser genial! Bobbio seria, nesse caso, um marco teórico – ainda que fosse para ser contrariado.

Foi o que uma vez aconteceu comigo.

Eu já passei duas vezes na vida por essa angústia do marco teórico: uma no mestrado, outra no doutorado. Conto rapidamente.

O mestrado, primeiro. Era na área da Sociologia Jurídica e, na época (começo dos anos 80), Boaventura de Souza Santos, que havia feito uma pesquisa sobre uma experiência de justiça informal numa favela do Rio de Janeiro operada pela Associação de Moradores local, estava na moda. Elegi-o como meu marco teórico. O conceito-chave do dito era o de “pluralismo jurídico”, que virou uma coqueluche entre os acadêmicos da minha área. O objeto empírico que elegi foi a polícia – ou seja, comissariados de polícia em bairros populares do Recife que também exerciam uma espécie de “justiça informal”, resolvendo pendengas das chamadas classes populares. Pois bem, no decorrer do trabalho de campo dei-me conta de que o conceito de “pluralismo jurídico”, cuja especificidade era a existência de um direito operado fora dos aparelhos de estado (a associação de moradores), não servia para mim! Afinal, que instituição mais estatal do que a polícia?... Não sem angústia, abandonei-o!

A outra experiência, a do doutorado, foi “melhor” sucedida. Meu tema eram os direitos humanos e o pensamento político de esquerda no Brasil. Meio acidentalmente (não é o caso aqui de relatar todas as peripécias intelectuais de então), cheguei a um texto de Claude Lefort, “Direitos do Homem e Política”, que parecia caber como uma luva no meu objeto. E coube! O meu marco teórico foi aplicado e confirmado por meus dados!

Fico por aqui.

Se adotei uma linguagem um tanto “esportiva” para escrever sobre tão grave assunto, é porque acho cada vez mais que, como diria Guimarães Rosa, “a alegria é o vau do mundo”!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Hegel, os hegelianos e o Romantismo 2: o acarajé absoluto



Jonatas Ferreira

O lugar do Romantismo na História

Em seu livro O Belo e o Destino: uma introdução à filosofia de Hegel, Márcia Gonçalves afirma que a estética hegeliana estaria estruturada em torno de três pressupostos básicos. Em grande medida, essa afirmação sintetiza o que viemos dizendo até aqui e adianta um outro ponto que ainda trataremos. Os eixos teóricos dos textos estéticos de Hegel, assim, seriam os seguintes: “1. O conceito de destino como oposição entre liberdade e necessidade; 2. O conceito de beleza como idealização perfeita do sensível ou como harmonia entre a idéia livre e sensível contingente; 3. O conceito evolutivo de arte como superação crescente do sensível pelo espírito” (Gonçalves, 2001, p. 17). Desses pontos, havíamos já discorrido sobre o segundo e o terceiro. Deixaremos para um próximo post o desenvolvimento do conceito de destino.

Interessa agora compreender como a arte romântica produz uma harmonia particular entre a contingência do material sensível e a “idéia livre”, o conceito, assim como procurar entender o lugar que o Romantismo ocupa no processo de “superação crescente do sensível pelo espírito”. E isso por um motivo muito simples: será a partir dessa apreciação que Hegel entenderá o lugar de sua própria filosofia, e de sua estética, na trajetória de desenvolvimento do Espírito.

Nesse sentido, recordemos o que já dissemos anteriormente: parece suspeito a Hegel qualquer projeto que proponha retirar o ser humano de sua alienação, de sua fragmentação com relação a si mesmo e com relação ao mundo que o cerca, que signifique retornar a uma relação imediata com a natureza. Esse poderia ser o projeto de Rousseau, ou ao menos daquilo que encontramos expresso e malguns de seus textos, mas não o de alguém que defende a realização progressiva do espírito absoluto na terra. Se tal unidade tivesse alguma viabilidade para além do contingente, raciocina Hegel, ela não teria sido superada por uma forma mediada pela razão e pela técnica. O amor romântico pode dar a sensação momentânea de plenitude, mas ela é passageira; do mesmo modo, é possível dizer que uma relação imediata com a natureza em que predominem a harmonia, proporção e o sentimento vital que nos desperta a beleza, é, para Hegel, fundamentalmente instável, incapaz de forjar um projeto civilizador. Ou seja, tal “imediação” é necessariamente contingente e, enquanto, tal afasta o espírito de sua mais alta vocação.
“Uma unidade natural do pensar e do intuir é aquela da criança, do animal, a qual se pode chamar no máximo de sentimento, mas não de espiritualidade. O homem, entretanto, teve de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, passar pelo trabalho e pela atividade do pensamento, para só então, enquanto vencedor desta sua separação da natureza, ser aquilo que é. Aquela unidade unidade imediata é apenas abstrata; verdade que é em si, não verdade efetiva. Não é somente o conteúdo que precisa ser verdadeiro, mas também a forma” (Hegel, apud Gonçalves, 2001, p. 18)

Se nos detivermos no Romantismo alemão, perceberemos, todavia, que a busca de unidade entre o ser humano e a natureza diz muito, mas não diz coisas fundamentais. Tomemos as telas de Caspar David Friedrich que ilustraram vários posts que publicamos aqui – quem não as viu, é só utilizar as palavras-chave do blog. No lugar da integração entre o ser humano e a natureza, vemos, pelo contrário, uma natureza inóspita, seres humanos desamparados em sua pequenez. O Romantismo, argumentamos, não foi apenas o espaço de busca de uma beleza perdida, o gozo de um sentimento de harmonia entre a exterioridade do mundo e a interioridade de nossa capacidade de produzir formas, a nostalgia por “um estado de inocência perdida” (Gonçalves, Ibid. 18). Uma das heranças do kantismo levada adiante pela estética romântica é precisamente o sentimento de desamparo, de finitude, é o centramentro filosófico no humano precisamente naquele espaço onde se percebe sua derrelição.

No que pese essa pequena, mas importante, correção, Hegel apresenta uma síntese dessas possibilidades estéticas modernas de um modo muito mais consciente do que Kant pôde apresentar na Analítica do Sublime. Em sua Estética somos informados com todas as letras que a natureza não deve ser entendida como mais alto parâmetro da beleza. A beleza é sempre de algum modo uma vitória do espírito sobre a exterioridade do mundo natural, ainda que ela não possa prescindir dessa exterioridade para se realizar. É portanto na arte, na produção humana, onde o espírito, a ideia absoluta, pode se tornar consciente de si própria – ainda que ela se exteriorize como natureza. Mas se a ideia absoluta é sempre o horizonte da arte, a pergunta que passamos a fazer é: por que motivo então Hegel não se identifica com de Schiller ou com o idealismo transcendental Schelling?

Schiller e Schelling

Em Schiller, Hegel identifica o mérito de ter em sua poética “considerado as profundidas internas do espírito” (Hegel, 1989, p. 59). De fato, há aspectos importantes a unir os dois autores. Schiller entende que uma das tarefas culturais de seu tempo seria a de procurar elevar cada homem particular à condição de “homem ideal”. Essa idealidade, por seu turno, é representada na figura do Estado que enfeixa e coaduna essas particularidades. Como seria possível alcançar essa situação ideal? Ou o Estado, na qualidade de ente moral, supera as particularidades dos indivíduos, ou as individualidades “se enobreceriam” até chegar à idealidade. “La razón, según Schiller, exige la unidad como tal, lo adecuado a la especie, y la naturaleza pide multiplicidad e individualidad; ambas leyes mandan por igual sobre el hombre” (Hegel, Ibid. p. 60). Isso corresponde perfeitamente ao que julga Hegel com respeito à própria vida, que se particulariza para poder se concretizar, e se perde na mortalidade, para que, na indiferenciação da extinção das indivdualidades, retorne-se à idealidade de uma vida geral, independente da particularidade que ela assume no tempo. A análise hegeliana de Schiller, no entanto, encaminha-se para algo bem mais específico:
En el conflicto entre estas dos partes opuestas, la educación estética debe realizar precisamente la exigencia de su mediación y reconciliación, pues, a juicio de Schiller, tiende a formar las inclinaciones, la sensibilidad, los impulsos y el ánimo de tal manera que la naturaleza se haga racional en sí misma y, en consecuencia, también la razón, la libertad y la sensibilidad salgan de su abstracción, a fin de que, unidas con la parte de la naturaleza, en sí racional, reciban en ella carne y sangre. Lo bello es, por tanto, la formación unitaria de lo racional y lo sensible, entendida como lo verdaderamente real” (Ibid.)

Segundo Márcia Gonçalves, a proposta schilleriana de uma educação estética da humanidade, de uma educação moral com base no ideal exemplar da beleza, toca mais claramente o jovem Hegel, mas é objeto de crítica do Hegel maduro. A arte se encontraria “entre o mundo prosaico da sociedade burguesa, com sua forma alienante de apropriação do mundo natural, e a representação idílica do romantismo, como retorno a um estado original de liberdade imediata na natureza” (Gonçalves, 2001, p. 56). Isso nos retorna a um terreno já percorrido, nomeadamente, a uma crítica da capacidade de encontrar a unidade do espírito através da arte. E nunca devemos esquecer, com salienta Taylor: “O espírito absoluto toma três formas, que são, em ordem ascendente de adequação, arte, religião e filosofia” (Taylor, 1999, p. 466).

É preciso, com respeito ao Romantismo, entender aquilo que Hegel também diz acerca da poesia lírica: ela satisfaz uma necessidade histórica de radicalizar a espiritualidade da arte no sentido da interioridade do ser humano, isto é, no sentido de sua subjetividade. Herdeiro cultural do Cristianismo, na sua valorização da alma do indivíduo, de sua condição de ser moral concebida a partir de sua responsabilidade sobre suas escolhas, pode-se dizer sobre a arte romântica aquilo que é dito sobre a poesia lírica: “O homem, ciente da sua subjectiva interioridade, vê-se a si próprio e torna-se para si mesmo, uma obra de arte” (Hegel, s/d, p. 230). Mas em que sentido o homem transforma a si mesmo em obra de arte? No sentido de que sua idealidade, a espiritualidade que o caracteriza, já não precisa ser projetada sobre o mundo externo, e quando o faz é para encontrar ali apenas um pretexto para reconhecer o sujeito livre, o indivíduo como centro da atividade artística.

É também conhecido o débito que a obra estética de Hegel tem com as reflexões de seu amigo Friedrich Wilhelm Joseph Schelling. Aqui teremos condições de apontar apenas alguns sinais dessa influência que se operou pela contradição. Ainda estou estudando essa coisa. Mas já posso dizer a partir das próprias observações de Hegel que Schelling é herdeiro legítimo da filosofia transcendental de Fichte, sobre quem já falamos nesse Cazzo. Como Fichte, Schelling procurou fechar as antinomias entre subjetividade e objetividade, ou entre o sujeito que se objetiva e o sujeito objetivado, mediante um princípio absoluto. Em Fichte esse princípio corresponde ao Ato, à própria disposição do sujeito em produzir mundo e conhecimento. Já dissemos aqui o quanto Friedrich Schlegel e sua ideia de uma obra de arte como pura produtividade, com infinita produtividade e imaginação, deve também a esse autor. Schelling encontra sua própria forma de apropriar-se de Fichte. Para ele, o fundamento primordial que cancelaria toda antinomia entre subjetividade e objetividade, espiritualidade e natureza, seria a identidade. Douglas Scott, tradutor de Schelling para o inglês, discorre sobre esse tema da seguinte forma: “Não é o princípio da subjetividade tal como mostrado na consciência humana – sua identidade de si – que constitui aquele primeiro princípio, mas, antes, o princípio da identidade ele próprio implicada naquela configuração” (In Schelling, 1989, p. xxx) . Em outras palavras, o princípio da identidade como categoria ideal se impõe sobre a fragmentação do sujeito. E Scott prossegue: “Não a identidade daquele que conhece e do conhecido [...], mas, antes, a identidade enquanto tal constitui aquele primeiro princípio. Assim, o absoluto se manifesta igualmente tanto nos produtos (reais) da natureza e nos produtos (ideais) do espírito” (Ibid.). O esforço filosófico de Schelling, então, é de encontrar o absoluto que se apresenta tanto na natureza quanto na subjetividade, ou, melhor, que constituiria a essência de ambos, o princípio cósmico, absoluto da identidade entre as coisas. Schelling prepara o terreno para falar de uma “intuição intelectual”, ou seja, de uma intuição que não nos oferece a imediata apreensão do sensível, mas do próprio ato intelectual. A esse respeito, temos as seguintes linhas de Hegel nas Lições sobre a História da Filosofia:
De un modo todavía más fortuito, aparece este saber inmediato como intuición intelectual de lo concreto o identidad de la subjetividad y la objetividad. Esta intuición es intelectual porque es intuición racional y porque, en cuanto conocimiento, forma al mismo tiempo una unidad absoluta con el objeto del conocimiento. Pero esta intuición, aunque sea el conocer mismo, no es todavía nada conocido; es lo no mediado, lo postulado. Debemos tenerla, pues, como algo inmediato; y algo que se puede tener, puede tambíen no tenerse. Por tanto, en cuanto que el supuesto inmediato de la filosofiía es que los individuos tienen la intuición inmediata de esta identidad de lo subjetivo y lo objetivo, esto da a la filosofia de Schelling la apariencia de que su condición exige a los individuos un talento artístico especial, el lenio o un estado especial de ánimo, de que es en general algo fortuito, que sólo se da en los hijos de la fortuna” (Hegel, 1997, p. 492-493)

Para Schelling, portanto, “a objetividade da intuição intelectual é a arte” (apud Hegel, 1997, 495-496). Bem, aparentemente temos aqui algo não muito distante das considerações hegelianas sobre o sentido da arte: o absoluto se objetiva de modo esteticamente, ou melhor, artisticamente. Mas chama nossa atenção na extensa citação acima o fato de que a oportunidade dessa experiência seja dado pela fortuna, conferida a indivíduos talentosos, dotados de gênio. E de pronto já podemos apontas duas coisas: a própria ideia de gênio se choca com aquele pressuposto hegeliano de que nenhum indivíduo é maior que sua cultura e tempo, que o particular não pode ser contraditório com o geral. Safranski (2010) nos sugere que uma tal postura foi bastante conveniente para que Hegel tenha se tornado um filósofo do establishment, no que pese seus pendores iluministas. Porém, há mais aqui. E algo do que há por dizer não é novo em nosso argumento: o espírito não pode ser plenamente expresso na arte. “Éste [el arte] es siempre un modo de la intuición, y esta forma sensible de la existencia no permite que la obra de arte corresponda al espíritu” (Hegel, 1997, p. 497). Mas o que chama atenção na crítica hegeliana é seu alvo romântico: a subjetividade, do gênio, do indivíduo especial que tem acesso a uma intuição intelectual esvaziada da concretude do mundo não pode constituir um fundamento que venha a sanar a alienação, a prosa do mundo, na qual a modernidade se debate. Essa crítica ganha uma dimensão bastante contemporânea quando Hegel critica o que ele chama de “mau infinito” e ironia românticos.

Mau infinito e ironia

Acredito que esses dois temas estão intimamente relacionados na literatura filosófica e sociológica contemporânea, em particular em correntes pós-estruturalistas dessa literatura. E há algo a ser observado logo agora: a ironia é para Hegel fruto de um perspectivismo, de um subjetivismo que corrói a pretensão civilizadora da filosofia por encontrar fundamentos. Estes fundamentos, para ele, derivariam da ideia realizada pela razão no mundo, no concreto do mundo e não à revelia deste. O objeto central de suas críticas aqui é a herança fichteana tal como ela se apresenta no Romantismo e mais particularmente na obra de Friedrich Schlegel. “Fichte establece el yo y, por cierto, un yo abstracto y formal, como princípio absoluto de todo saber, de todo conocimiento y razón” (Hegel, s/d, 61). Mas, ele argumenta, se tomamos como dado de partida esse eu formal e abstrato, “nada es valioso como considerado en sí y para sí” (Ibid., p. 62). (E aqui, por um momento, podemos apreciar de modo aligeirado o quanto o marxismo deve a essa discussão que gira em torno de categorias românticas. Mas passemos adiante.). O que falta à tradição fichteana, ou seja, a Schelling e a Fridrich Schlegel, é exatamente a concretude da objetividade esvaziada por este eu formal.

Mas se nenhum objeto tem um valor intrínseco, um valor que não esteja subsumido no arbítrio do eu, qualquer forma que a expressão filosófica e artística tome será contingente, puro jogo imaginativo, fantasia. Em Schlegel, como já vimos anteriormente, a própria subjetividade não escapa à produtividade infinita da imaginação. Ora, essa subjetividade autopoiética, ou indeterminada, pode agradar ao paladar mais ágil do pensamento pós-estruturalista, mas não a Hegel, um filósofo de sistemas, do fundamento. A análise hegeliana da ironia é nesse sentido bastante atual.
“En aquella posición donde el yo que lo pone y disuelve todo desde sí es el artista, a cuya conciencia ningún contenido se apresenta como absoluto, como válido en y para sí, pues todo contenido se ofrece como aniquilable aparencia puesta por uno mismo, no hay lugar anguno para la mencionada seriedad, puesto que sólo se atribuye validez al formalismo del yo” (Ibid. p. 62)

E mais adiante:
Así, el individuo que vive como artista, ciertamente entra en relaciones con los demás, vive con amigos, personas amadas, etc., prero, como genio, tiene por nula esta relación con una relatividad determinadada, con acciones especiales, así como con lo universal en y para sí, y se comporta irónicamente frente a eso” (Ibid. p. 63)

A ironia romântica seria então fruto de uma imaginação voluntarista, desgarrrada dos objetos como coisas em si e para si. Tendo com tudo apenas uma relação formal, abstrata, pode ironizar tudo, pois nada vale tanto assim. A indeterminação e inquietação formal românticas, base cultural de todo modernismo que virá, é aqui criticada com sendo fundamentalmente niilista. Uma paz confortável com a contingência das formas é inimiga da verdade. A crítica ao subjetivismo, ao niilismo que dele decorre é criticado por Hegel junto com o que ele julga ser um abandono da verdade.
Esa es la significación general de la ironía divina, como concentración del yo en sí mismo, para el cual están rotos todos los vínculos y que sólo quiere vivir en la felcitdad del proprio disfrute. Fue Friedrich von Schlegel el que descubrió esta ironía, y muchos otros han hablado y siguen hablado de ella con mayor o menor acierto o desacierto […] Si el yo se qeuda en esta posición, todo se presenta para él como nulo y vano, con excepción de la propia subjetividad, que con ello es también hueca, vacía y fatua” (Ibid. p. 63).

A ironia torna a distinção entre grande e o pequeno igualmente sem importância, assim como verdadeiro e o falso, bem e o mal. Tudo se encontra, sob sua força corrosiva, borrado sob a mesma fantasia “fátua”. E aqui Hegel faz questão de distinguir entre o irônico e o cômico. Neste último encontramos uma força moralizadora que a ironia desconhece. Essas observações sobre o conhecido traço da obra de Friedrich Schlegel, e que se projeta sobre o Romantismo alemão como um todo, são fundamentais para compreendermos, por fim, a análise dos limites culturais desse movimento cultural. Ele foi fundamental para trazer a interioridade como um momento fundamental de realização do Espírito no mundo, sob sua marca o próprio espiritual na arte se torna mais claro, mas apresenta limites que haverão de ser superados. É necessário que o clássico e o romântico, a adequação formal que fala da verdade do mundo externo e a esta outra que fala da interioridade humana, encontrem-se numa síntese que os supere. Sobre isso falaremos melhor no próximo post.

[publicado sem a mínima revisão: almas generosas , mosamores, identifiquem e apontem meu erros]