terça-feira, 27 de setembro de 2011

Positivismo, Positivismos: da tradição francesa ao positivismo instrumental (parte 1)

Auguste Comte
Por Tulio Velho Barreto (Pesquisador, Fundação Joaquim Nabuco). Artigo originalmente publicado em Estudos de Sociologia 4(2). Recife, Ed. Universitária, p 7-31, 1998. Cedido ao Cazzo pelo autor. 


O objetivo deste artigo é traçar um panorama mais geral do Positivismo, desde a tradição francesa (Auguste Comte e Émile Durkheim) à qual, por seu caráter fundador, se dedica um pouco mais da metade destas páginas, até o "positivismo instrumental" ou "empirismo abstrato", segundo a tradição norte-americana (Paul Lazarsfeld). Neste sentido, procura-se também abordar as idéias do "Positivismo Lógico do Círculo de Viena" e o "Positivismo" de Karl Popper, que se situam cronologicamente entre as duas concepções expostas no subtítulo acima. Como se vê, embora me proponha a dar uma visão geral sobre o tema, há uma escolha intencional, que permitirá, assim espero, pensar se existe um Positivismo ou vários. Por outro lado, antes de significar uma discussão exaustiva do tema, pretende-se, aqui, introduzi-lo e permitir ao leitor fazer uma ponte direta com os autores e as correntes que eles representam ou às quais eles se filiam. Dessa forma, para facilitar a exposição do tema, a estrutura do texto segue, na medida do possível, a seqüência cronológica já apontada. Começo, então, pela tradição francesa, com dois autores clássicos da sociologia, Comte e Durkheim, o que corresponde à primeira seção, para, em seguida, tratar dos demais, na segunda seção. No final, faço algumas breves considerações adicionais.

A Origem do Positivismo e a Tradição Francesa: Comte e Durkheim

Como ressalta Giddens (1978:318-19), devemos a Auguste Comte (1798-1857) os termos "positivismo" e "sociologia" e, naturalmente, a idéia de que "o advento da Sociologia deveria marcar o triunfo final do positivismo no pensamento humano". Ele também nos lembra que coube a Émile Durkheim (1858-1917) "ligar intimamente a estrutura lógica", estabelecida por Comte já em seus Cursos de Filosofia Positiva, "ao funcionalismo moderno", ampliando a concepção de que a Sociologia seria uma "ciência natural da sociedade". Daí decorre, em larga escala, a importância dos dois em qualquer exposição acerca do positivismo. Assim, esta primeira seção, dedicada à tradição francesa, está baseada, por um lado, nas obras de Comte: Curso de Filosofia Positiva, escrito entre 1830 e 1842, ao qual, em trabalhos posteriores, ele se referia substituindo o termo Curso por Sistema; Discurso sobre o Espírito Positivo, de 1844; e Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo, de 1848. Por outro lado, de Durkheim utilizo As Regras do Método Sociológico, publicado originalmente em 1895, em especial os capítulos onde ele explicita e discute sua concepção de "fato social" e as "regras" para sua observação, que, no meu entendimento, são centrais para a melhor compreensão do método sociológico. De forma adicional, utilizo também os prefácios às duas primeiras edições do livro, onde ele defende o método das críticas de então. Para tanto, foi frutífera a leitura de Aron (1982:297-75), que fornece um valioso guia para o estudo daquela obra.

O positivismo comteano

De modo geral, considera-se que há, no positivismo Comteano, pelo menos, três temas básicos, os quais servem de moldura para explicar o que Comte define como "a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia positiva". O primeiro está relacionado com a formulação de uma filosofia da história, onde já se encontram os princípios do positivismo; em seguida, aparecem a formulação e a classificação das ciências, que, baseadas naqueles princípios, servem para estabelecer uma hierarquia entre as ciências; e, finalmente, a sociologia positivista, quando ele desenvolve os elementos da nova e definitiva ciência e advoga a reorganização da sociedade e das instituições visando à restauração da ordem e à busca do progresso (cf. Halfpenny, 1982:13-26).

Inicialmente, a filosofia da história, de Comte, pode ser resumida na sua conhecida lei dos três estágios, que correspondem às três fases distintas percorridas pelo desenvolvimento do conhecimento e do pensamento ou espírito humano. Comte acreditava ter descoberto "uma grande lei fundamental" a partir de seus estudos sobre "o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade". Assim, cada um dos três estágios de sua lei tem características próprias e peculiares, até mesmo opostas entre si. Os três estágios são os seguintes: (a) o teológico ou fictício, que tem, como mostrarei adiante, também três fases distintas; (b) o metafísico ou abstrato, que corresponde apenas a uma fase transitória entre o estágio anterior e o próximo; e (c) o positivo ou científico, o estágio definitivo da razão humana.

O primeiro deles, o teológico, é o estágio primitivo, "provisório e preparatório", onde os fenômenos são explicados através da ação direta e contínua de agentes sobrenaturais, como deuses e espíritos, a quem são creditadas todas as anomalias; as observações dos fenômenos são em número reduzido, o que faz com que a imaginação ocupe o papel mais relevante; as especulações são dirigidas para a resolução de problemas insolúveis e inacessíveis; nele, o espírito humano busca, enfim, a origem de todas as coisas, as causas essenciais; e o homem imagina ter uma compreensão absoluta do mundo. O estágio teológico está dividido também em três etapas principais: a mais remota, que corresponde ao fetichismo; a intermediária, ao politeísmo; e a última, que é a fase de transição ao estágio metafísico, é chamada de monoteísmo.

O segundo estágio é o metafísico. Nele, os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas, e não mais por agentes sobrenaturais; e o abstrato ocupa o lugar do concreto, e a argumentação, o da especulação. Essa fase é apenas transitória. Assim, o espírito humano chega ao terceiro, último e definitivo estágio, o positivo, onde os fenômenos são explicados a partir de leis demonstradas experimentalmente, o que faz com que se renuncie à busca das explicações absolutas, da origem e da finalidade do mundo e das causas primeiras dos fenômenos. Aqui, já são introduzidas duas noções caras ao sistema positivo de Comte, isto é, a observação e a experimentação, próprias do conhecimento científico, que subordinam a imaginação e a especulação até então predominantes.

Para Comte, então, todas as formas de conhecimento passaram pelos dois primeiros estágios e vieram a se constituir definitivamente no último. Ademais, as sociedades evoluem de acordo com aquela "grande lei fundamental", assim como os indivíduos. Comte refere-se, por exemplo, à infância como nosso estágio teológico; à juventude como o metafísico; e à idade adulta como o físico.

Mas, a esta altura é bom indagar em que sentido Comte usa a expressão filosofia positiva. Pelo que se apreende até aqui, pode-se dizer o seguinte: Comte adota o termo filosofia para designar o sistema geral do conhecimento humano, e usa o adjetivo positiva para contrapor, segundo algumas palavras usadas por ele próprio, o real à imaginação, o útil ao inútil, a ordem à insegurança, o preciso ao vago, o relativo ao absoluto, a observação e a experimentação à especulação.

Ademais, para Comte, “o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessíveis e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam elas primeiras, sejam finais. [...] Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude” ([Curso de Filosofia Positiva, 1830-42] 1983:5).

Como se vê, apesar de ressaltar que o objetivo científico não é o de buscar causas iniciais e finais, Comte não deixa de admitir a explicação causal na medida em que está preocupado com as "relações normais de sucessão e similitude". Quanto ao método e sua relação com a teoria, Comte firma assim suas bases particulares do empiricismo:

[...] “de um lado toda teoria positiva deve necessariamente fundar-se sobre observações, [mas] é inegavelmente perceptível, de outro, que, para entregar-se à observação, nosso espírito precisa duma teoria qualquer. Se, contemplando os fenômenos, não os vinculássemos de imediato a algum princípio, não apenas nos seria impossível combinar essas observações isoladas e, por conseguinte, tirar daí algum fruto, mas seríamos inteiramente incapazes de retê-los; no mais das vezes, os fatos passariam despercebidos aos nossos olhos” (idem).

Já com respeito à relação entre ciência e o método (geral) positivo, e à importância do estudo deste último, talvez possa resumir sua concepção com as citações seguintes:

Numa ciência qualquer, tudo o que é simplesmente conjetural é apenas mais ou menos provável, não está aí seu domínio essencial; tudo o que é positivo, isto é, fundado em fatos bem constatados, é certo [...]. [À] impossibilidade de conhecer o método positivo separadamente de seu emprego, devemos acrescentar [...] que não podemos fazer dele uma idéia nítida e exata a não ser estudando, sucessivamente e na ordem conveniente, sua aplicação a todas as diversas classes principais de fenômenos naturais. Porquanto, embora o método seja essencialmente o mesmo em todas, cada ciência desenvolve especialmente este ou aquele de seus procedimentos característicos, cuja influência, muito pouco pronunciada em outras ciências, passaria despercebida. Assim, por exemplo, em certos ramos da filosofia, é a observação propriamente dita; em outros, é a experiência, e esta ou aquela natureza de experiências, que constituem o principal meio de exploração” (op. cit.:36-7).

A partir de tais princípios, chega-se ao segundo tema básico do pensamento Comteano, onde ele desenvolve sua formulação e classificação racional das ciências positivas fundamentais.

Inicialmente, Comte parte da premissa de que toda atividade humana é de natureza especulativa ou ativa. Daí resulta que a primeira divisão mais geral de nossos conhecimentos é teórica ou especulativa, de um lado, e prática ou empírica, de outro. Quanto à natureza das ciências naturais, tais conhecimentos devem ser distinguidos a partir dos tipos de fenômenos. Essa distinção coloca de um lado, as ciências abstratas, mais gerais, que objetivam a descoberta de leis, e de outro, as concretas, particulares, descritivas, que se destinam à aplicação de leis.

Assim, Comte chega à idéia de que existem quatro categorias principais de fenômenos naturais, os astronômicos, os físicos, os químicos e os fisiológicos. Ele aponta ainda para a necessidade de desmembrar os fenômenos sociais dos fisiológicos, apesar da física social ainda não ter entrado no domínio da filosofia positiva. Com efeito, às categorias de fenômenos naturais apontados anteriormente, corresponderiam as ciências fundamentais, que Comte denomina de abstratas. Elas seriam: a astronomia, a física, a química e a fisiologia ou biologia. (No final da segunda lição de seu Curso de Filosofia Positiva, ele inclui a matemática, como a primeira, e a sociologia, como a última, ali ainda denominada de física social.) Tal classificação baseia-se em uma ordem lógica e cronológica, onde se admite a gradação do mais simples e abstrato para o mais complexo e concreto. Assim, enquanto, de uma extremidade, a astronomia observa os fenômenos mais gerais, simples, abstratos, afastados do homem, da outra, a sociologia volta-se para os mais particulares, mais complexos, concretos e próximos ao ser humano.

O terceiro e último tema da sociologia de Comte está relacionado ao caráter reorganizador da sociedade e das instituições, pois ele via na filosofia positiva um instrumento para que o homem fosse reeducado para reorganizar as estruturas políticas e sociais visando à ordem (estática) e ao progresso (dinâmica) sociais.

Durkheim e "as regras do método sociológico"

Aron (1982:335) observa que nas principais obras de Durkheim há uma organização lógica recorrente, isto é, inicialmente, ele define o fenômeno, que é objeto de seu estudo; em seguida, faz a crítica das interpretações precedentes; e, finalmente, expõe sua explicação sociológica acerca do fenômeno analisado. Na verdade, é possível sugerir que esse procedimento resulta mesmo da concepção de método em Durkheim. Pode-se constatar isso em seu livro As Regras do Método Sociológico ([1895]1983), publicado entre suas duas outras importantes obras, A Divisão do Trabalho Social e O Suicídio, que é uma espécie de síntese abstrata onde ele expõe o método que emprega e defende o seu uso pelos sociólogos.

Já no início da introdução daquele livro, preocupado com a pouca atenção dos sociólogos "com a caracterização e definição do método que aplicam ao estudos dos fatos sociais", Durkheim faz uma referência a Comte e ao Curso de Filosofia Positiva, chamando-o de o "único estudo original e importante desta matéria" (1983:85). Assim sendo, Durkheim se propõe a mostrar que a sociologia é a ciência voltada para o estudo dos fatos essencialmente sociais, possui objeto próprio e fornece a explicação de tais fatos de maneira sociológica, usando um método que permite observar e explicar os fatos sociais, assim como procedem as demais ciências. Sua concepção de sociologia, de fato, está baseada em uma teoria do fato social. Ele se preocupa em demostrar ainda que a sociologia é objetiva e científica. Daí, resultam duas importante regras do método sociológico, isto é: (1) os fatos sociais devem ser tratados como coisas; e (2) são características do fato social; que ele exerce uma coerção sobre os indivíduos e é externo a eles.

Com efeito, para Durkheim, não conhecemos, no sentido científico do termo, o que são os fenômenos sociais que nos cercam, no meio dos quais vivemos. E ele parece mesmo dizer que vivemos ou vivenciamos. Mas, não é assim que costumamos pensar visto que estamos tão próximos a eles. E precisamente porque acontece de termos alguma idéia, geralmente vaga e confusa, sobre os fenômenos sociais que é importante considerá-los como coisas. Para tanto, precisamos nos livrar dos preconceitos e das noções prévias que temos sobre eles se desejamos conhecê-los cientificamente. É preciso, assim, tratá-los como fatos físicos, exteriores.


Como conseqüência, Durkheim recorre à coerção para definir o fato social. Por isso, para ele, "é um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção externa" (op. cit.:92-3). Assim sendo, conhece-se o fenômeno na medida em que ele se impõe aos indivíduos, coagindo-os de alguma forma.

Mas quais são os passos que deve seguir o sociólogo para estudar um determinado fenômeno? Segundo Durkheim,

“Todas as investigações científicas se debruçam sobre um grupo determinado de fenômenos abrangidos por uma mesma definição. A primeira tarefa do sociólogo deve ser, portanto, definir aquilo que irá tratar, para que todos saibam, incluindo ele próprio, o que está em causa. Esta é a primeira e a mais indispensável das condições para o estabelecimento de qualquer prova e de qualquer verificação; uma teoria só pode ser controlada se se conhecerem os fatos a que se reporta. Para além disso, dado que é através desta definição inicial que se estabelece o objeto de uma ciência, esse objeto será ou não uma coisa, consoante a forma como tal definição for feita. [Assim, deve-se] tomar sempre para objeto de investigação um grupo de fenômenos previamente definidos por certas características externas que lhes sejam comuns, e incluir na mesma investigação todos os que respondem a esta definição” (op. cit.:103-4).

Daí, resulta que, para Durkheim, ao se definir certa categoria de fatos, será possível encontrar para eles uma única explicação. Ou seja, um dado efeito provém sempre da mesma causa. Seu modelo é, assim, unicausal.

Ao abordar as regras relativas à constituição dos tipos sociais, Durkheim classifica as sociedades de acordo com graus de complexidade que as diferenciam. É o esquema das hordas até as sociedades polissegmentadas. Sem buscar referências fora das sociedades, ele as classifica apenas com base em critérios que refletem exatamente as sociedades consideradas, ou seja, a partir do grupo mais simples, as hordas, até o mais complexo, as sociedades polissegmentadas. Durkheim as situa de acordo com o número de segmentos presentes e a forma como eles estão combinados.

Quanto às idéias de normalidade e patologia, que têm um papel central na obra de Durkheim, e o colocam, assim como Comte, como alguém preocupado em reformar o mundo, pois têm desdobramentos práticos, pode-se dizer que, em Durkheim, elas decorrem também das definições e classificações de fatos sociais e de sociedade, acima referidas. De forma sintética, para ele, um fenômeno é normal quando pode ser encontrado, com certa freqüência, numa sociedade, em determinada fase. Assim, ele expressa tal concepção:

"1º - Um fato social é normal para um tipo social determinado, considerando uma fase determinada de desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades desta espécie, consideradas numa fase correspondente de desenvolvimento.
2º - Os resultados do método precedente podem verificar-se mostrando que a generalidade do fenômeno está ligada às condições gerais da vida coletiva do tipo social considerado.
3º - Esta verificação é necessária quando este fato diz respeito a uma espécie social que ainda não cumpriu uma evolução integral" (op. cit.:118).

Finalmente, quanto à explicação sociológica de um fenômeno, Durkheim a entende como definida pela causa. Assim, explicar um fato social é procurar sua razão eficiente, identificar o acontecimento antecedente que o produz. Uma vez estabelecida a causa de um fenômeno, pode-se procurar também a função que exerce a sua utilidade. Dessa forma constitui-se a explicação funcionalista em Durkheim. Mas, vejamo-la em suas palavras:

“A maior parte dos sociólogos julga ter explicado os fenômenos a partir do momento em que definiu a sua utilidade e o papel que desempenharam. [...] Mostrar a utilidade de um fato não explica o seu nascimento nem a aparência com que nos surge, pois as funções para que serve supõem as propriedades específicas que o caracterizam, mas não o criam. A nossa necessidade das coisas não as determina; tal necessidade não pode extraí-las do nada e conferir-lhes existência. Esta depende de causas de um ou outro gênero. [...] Portanto, quando nos lançamos na explicação de um fenômeno social, temos de investigar separadamente a causa eficiente que o produz e a função que ele desempenha” (op. cit.:133 e135).

Assim, é o conjunto de elementos que compõem uma determinada sociedade que constitui a causa dos fenômenos que a sociologia quer explicar. É dessa forma que a sociologia estuda os fatos exteriores, define os conceitos rigorosamente, o que possibilita o isolamento de categorias de fenômenos, classifica as sociedades em gêneros e espécies e, finalmente, no âmbito de uma determinada sociedade, explica um dado fato pelo meio social no qual ele ocorre. Por isso, para Durkheim, não podemos esquecer que a sociedade, em última instância, é uma realidade diferente das realidades individuais. Portanto, todo fato social tem como causa outro fato social, e o método (único) da prova na sociologia, que nos mostra qual a razão de um determinado fato ou fenômeno social, é o método comparativo (ou experimental indireto). Ademais, afirma ele:

“Dispomos unicamente de um processo comprovativo de que um fenômeno é a causa de um outro, de acordo com o qual se comparam os casos em que estes se encontram simultaneamente presentes ou ausentes e se procura saber se as variações por eles apresentadas nessas diferentes combinações de circunstâncias testemunham a dependência de um para com o outro” (op. cit.:151).

Finalmente, diante das limitações deste artigo, vale ressaltar que Durkheim destaca as três características centrais do método sociológico, a saber: (a) é independente de qualquer filosofia, pois "a sociologia não tem que optar entre as grandes hipóteses que dividem os metafísicos, [mas] tudo quanto se pretende que lhe concedam é que o princípio da causalidade se aplique aos fenômenos sociais", assim como também é independente das doutrinas práticas, tais como o individualismo, o socialismo, o comunismo; (b) é objetivo, pois está totalmente dominado pela idéia de que os fatos sociais são coisas e devem ser tratados como tais; e, por último, (c) é exclusivamente sociológico, ou seja, um fato social só pode ser explicados por outro fato social” (op. cit.:159-61).

Algumas considerações adicionais

Aqui, nesta subseção, saindo especificamente das obras de Comte e Durkheim, pretendo resenhar o que alguns autores contemporâneos dizem a respeito delas e da tradição positivista francesa. Para tanto, utilizo-me de Halfpenny (1982), Bryant (1985) e Benton (1977).

Halfpenny (op. cit.:13-26), por exemplo, aponta para distintos significados que se atribuem ao termo "positivismo", tanto por positivistas como por anti-positivistas. De fato, sociologia positivista (a) algumas vezes significa não mais que ser científico; (b) outras, serve simplesmente para que se ressalte a utilização de métodos estatísticos; ou, ainda, (c) mostra que o sociólogo busca explicações causais ou pesquisa leis fundamentais do comportamento humano ou de mudança social; ou, enfim, (d) significa a organização sistemática de informações empíricas objetivas visando a generalizações ou a teste de hipóteses.

Isso já denota quanta controvérsia o conceito comporta e é exatamente disso que se ocupa Halfpenny. Dessa forma, em seu texto, ele procura identificar, sistematizar e avaliar o que considera "alguns dos mais importantes usos que se faz do termo e descrever alguns dos diferentes ‘positivismos’ que tiveram emergência em distintos momentos desde o século passado". Só assim é possível validar ou não o positivismo e avaliar se a sociologia tem se beneficiado ou não com a sua enorme influência sobre ela.

Para Halfpenny, a filosofia positiva, proposta por Comte em seus Cursos, está dividida em três partes, que sugerem três concepções de positivismo, a saber: (a) é uma teoria do desenvolvimento histórico onde a ampliação do conhecimento é, ao mesmo tempo, o motor do progresso e a origem da estabilidade social; (b) é uma teoria do conhecimento, cujo único tipo válido para a humanidade é a ciência, conhecimento que é estabelecido através da observação; (c) é uma síntese de teses cientificas onde todas as ciências se integram em um sistema natural singular.

Por outro lado, a filosofia positiva de Comte é (a) empírica, porque a experiência humana era o árbitro (juiz) do conhecimento; (b) sociológica, porque o estudo psicológico da subjetividade humana estava fora do estudo sociológico do fenômeno social, o qual precede e constitui a psique individual; (c) enciclopédica (ou naturalista), porque todas as ciências, naturais e humanas, podem ser integradas em um sistema unificado de leis naturais; (d) científica, porque o conhecimento tem valor prático e o crescimento da ciência ocorra para o benefício da humanidade; e (e) progressista (ou reformadora social), porque as crises da civilização poderiam ser resolvidas, e a estabilidade social restaurada, ajustando os desejos humanos às leis da sociedade, estabelecidas cientificamente.

Em termos de "balanço" acerca da filosofia positiva Comteana, ele lembra que até o século passado, ela exerceu forte influência sobre os sociólogos. E quando, nos anos de 1930, tal influência, revigorada que fora por Spencer, perdeu importância, ainda assim o pensamento de Comte ganhou mais uma última materialização quando Durkheim, já no início do século XX, assumiu a disciplina da sociologia, então recém institucionalizada.

Para Halfpenny, Durkheim tem um reconhecido débito em relação a Comte, e graças àquele, o autor de Cursos de Filosofia Positiva teve reconhecida sua importância para a moderna sociologia. Em seus estudos, Durkheim adotou todos os principais temas abordados por Comte, ou seja: (a) o empiricismo; (b) o sociologismo; (c) o naturalismo; (d) o cientificismo e (e) o reformismo social. No entanto, ele não era absoluto em sua admiração por Comte. Embora subscrevesse o naturalismo, não fazia o mesmo com relação ao dogmatismo, por exemplo. Inclusive, porque entendia que a lei dos três estágios, de Comte, tendia à especulação metafísica.

Finalmente, em Durkheim, Halfpenny encontra uma das várias concepções de positivismo, que ele aponta em seu texto, qual seja, o "positivismo é uma teoria do conhecimento de acordo com a qual a sociologia é a ciência natural que se compõe da coleta e análise estatística de dados quantitativos acerca da sociedade".

Já Bryant (op. cit.:11-56), diferentemente de Halfpenny, considera Saint-Simon o melhor ponto de partida para traçar um panorama do positivismo na França, em especial, porque no começo do século XIX, seu trabalho já prenunciava o grande projeto de construir uma ciência positiva, e embora Marx tenha ignorado por completo Comte e Durkheim, o mesmo não ocorreu em relação a Saint-Simon e seu socialismo (utópico para Marx). E Comte e Durkheim foram, sob certo ponto de vista, continuadores da obra de Saint-Simon.

Ainda de acordo com Bryant, para Comte e Durkheim, "o positivismo era não apenas uma epistemologia, uma teoria do conhecimento, como ele é para muitos teóricos contemporâneos, mas também uma ontologia, uma teoria da estrutura e desenvolvimento do mundo" (idem.:11-2). De forma sintética, assim, ele enumera o que, em sua visão, são os princípios da tradição francesa delineada até aqui: (1) há apenas um mundo, e este tem uma existência objetiva; (2) os componentes do mundo e as leis que governam seus movimentos são descobertos apenas pela ciência, que é a única forma de conhecimento; portanto, o que não pode ser conhecido cientificamente, não pode ser conhecido simplesmente; (3) a ciência depende da razão e da observação pontualmente combinadas; (4) a ciência não pode descobrir todos os componentes do mundo nem todas as leis que o governam porque os poderes da razão e da observação humanos são limitados; mas o conhecimento científico permanecerá sempre relacionado com o nível do desenvolvimento intelectual atingido pelo progresso na organização social da ciência; (5) o que os homens buscam descobrir sobre o mundo é normalmente sugestionado por seus interesses práticos e sua situação; (6) há leis de desenvolvimento histórico cuja descoberta habilitará o passado a ser explicado, o presente, entendido, e o futuro, previsto; (7) há leis sociais que governam a interconexão das diferentes formas institucionais e culturais; (8) a sociedade é uma realidade sui generis; (9) a ordem social é a condição natural de sociedade; (10) as escolhas moral e política deveriam ser exclusivamente estabelecidas em uma base científica; (11) a sujeição do homem às leis naturais da história e da sociedade impede a evolução de formas institucionais e culturais em qualquer termo diferente daquele que está em conformidade com tais leis; (12) o positivo, o construtivo, substitui o negativo, o crítico; o positivo, o relativo, também substitui o teológico e o metafísico, o absoluto.

À maneira de Halfpenny, Benton (op. cit.:18-45 e 81-99) procura analisar a concepção de "sociologia científica da natureza", segundo o modelo Comteano, a qual tem exercido forte influência, ao mesmo tempo, na prática do cientista social e nas reflexões que ele próprio faz sobre o seu trabalho. Esta é a filosofia positivista, ou positivismo, usualmente associada ao nome de Comte. Assim, Benton trata da concepção positivista das relações entre filosofia e ciências sociais, e discute a doutrina principal da filosofia positivista, como exposta pelo próprio Comte. Mas, para ele, o positivismo de Comte não é um sistema de idéias fechado e definitivo. Pelo contrário, ele tem sido assunto para um processo contínuo de revisão, desenvolvimento e sofisticação até os dias de hoje.

Entretanto, embora Comte tenha cunhado o termo "positivismo", este não era, de modo algum, um achado profundamente original, em filosofia ou sociologia. Por isso, Benton o aborda através de uma discussão prévia da tradição filosófica à qual ele pertenceu, e das correntes do pensamento social a partir das quais escreveu seu trabalho. Se se aceita tal idéia, isto é, se a particular combinação que Comte faz da filosofia e do pensamento social é assim compreendida, é necessário, então, traçar a situação econômica e política da França nos primórdios do século XIX, para entendê-los. É o que ele faz, situando o trabalho filosófico e sociológico do positivista mais significativo do século passado. Em particular, ele procura mostrar que o positivismo, como teoria filosófica, é uma variante do empiricismo, do mesmo modo que as conexões inteligíveis entre empiricismo, como teoria filosófica do conhecimento, por um lado, e a política específica e o caráter ideológico da teoria social, que é produzida sob sua influência, por outro.

Contudo, Benton não defende que tal teoria social seja uma "aplicação" do positivismo ou empiricismo. Falando estritamente, para ele, a incoerência da teoria do conhecimento Comteana é tal que a teoria social não pode ser empreendida como uma "aplicação" de sua própria filosofia. Por esta razão, as conexões entre epistemologia e ideologia social substantiva, apesar de inteligíveis, não são necessárias. Elas são contingências sobre suposições substantivas.

No caso de Durkheim, Benton afirma que, apesar de aquele autor ser comumente considerado como um exemplar do método positivista, é, na verdade, um dos primeiros e principais pensadores a ultrapassar os termos do debate positivista/humanista. Ele faz isso, contudo, em parte, de forma inconsciente e contraditória, o que, sem dúvida, explica a variedade de leituras conflitantes que ele tem recebido.

Algumas semelhanças entre os dois autores são destacadas por Benton. Por exemplo, vários foram os fatos políticos, na França, que marcaram tanto os trabalhos de Comte quanto os de Durkheim. Assim, ele defende que o trabalho de Durkheim, assim como o de Comte, foi fundamentalmente um projeto político. E, não surpreendemente, os dois projetos são, de alguma forma, semelhantes quando propõem reorganizar ou reconstruir a sociedade a partir da elevação do espírito humano.

Assim como Comte, Durheim concebia o domínio do social distinto de outras ordens de realidade, mas não menos que uma realidade em seus próprios direitos, e defendia a fundação e o caráter do conhecimento científico deste domínio, que deveriam parecer com as ciências naturais, já estabelecidas, em sua abordagem e na forma de explicação. A nova ciência, teorizando as condições da ordem social, tinha uma necessária regra política prevenindo a anarquia e a desintegração social. Por fim, concebia a ciência natural defendendo emparelhar (juntar) categorias e vocabulário positivista.

Quanto às diferenças, ele destaca que, como a fisiologia ou biologia, a ciência mais próxima da sociologia, no modelo Comteano de hierarquia das ciências, e mesmo uma das mais relevantes para o avanço da sociologia, obteve enormes avanços nos anos seguintes. O modelo de Durkheim foi bastante influenciado por elas, o que, de certa forma, o distanciou de Comte. Por outro lado, considerando que o projeto de ciência positiva da sociedade permaneceu largamente uma aspiração em Comte, as Regras de Durkheim são, entre outras coisas, uma reflexão sobre sua própria prática substantiva de pesquisa, o que Comte não se propôs, é certo, a fazer.

Para Benton, apesar dos "sérios defeitos" na substantiva teorização social nos dois autores, o trabalho de Durkheim é de especial interesse na medida em que sua teoria do conhecimento não é simplesmente "empiricista" ou "positivista", mas é, sem dúvida, uma combinação de realismo e empiricismo. É realista em dois sentidos: (1) para Durkheim, o mundo real existe a priori e independente do conhecimento teórico sobre ele; e (2) a "forma fenomenal" em que esta realidade se apresenta pode ser tomada, de maneira "enganosa", como uma verdadeira característica da realidade, como sendo a causa original da "forma fenomenal". Cabe à ciência da sociedade a verificação despojada de pré-noções e preconceitos.

(continua)

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