Jonatas
Ferreira
Que
eu saiba, devemos a Paul Virilio a constatação
certamente contundente de que a aceleração,
a velocidade se tornaram elementos políticos
centrais na reprodução
do capitalismo. Para ele, a capacidade de determinar o ritmo das
sociedades contemporâneas
em suas dimensões cultural, econômica,
existencial, biológica etc., e não
a mera ocupação
de territórios, seria o fundamento da dominação
política
nos dias atuais. Num contexto de proliferação
da informação
e de inovação
tecnológica, a dominação
deve ser analisada como fenômeno
dromopolítico. "Assim,
a guerra e a política
não são
mais travadas pelo
controle e ocupação
do espaço,
mas pelo comércio
do e no tempo" (Virilio, 1996, p. 13). Algumas páginas
adiante, ele observa em um tom algo apocalíptico:
"A
inteligência
dromocrática
não se
exerce contra um adversário
militar mais ou menos determinado; ela se exerce como um assalto
permanente ao mundo e através dele, como um assalto natureza do
homem" (Ibid., p. 69). No que concerne ao pensamento ocidental, a
questão
da natureza do
homem como Heidegger e Derrida nos ensinam, é um tema
sensibilíssimo.
Refletir sobre o quanto podemos acelerar o metabolismo de nosso
organismo, sobre nossa capacidade de dar respostas às
demandas sistêmicas
do capitalismo pode ser uma forma interessante de recolocá-la.
O quanto aguentamos sem que nos desumanizemos? Evidentemente, se buscarmos uma abordagem mais ampla do tema da aceleração,
constataríamos
que o pensamento moderno oferece uma rica trajetória teórica até que
os conceitos de dromocracia,
de dromopolítica
definam aspectos tão
essenciais
de nossos envolvimentos técnicos com a realidade.
Hermínio
Martins, no recente
Experimentum Humanum,
de 2013, proporciona uma excelente revisão
bibliográfica
–
embora bem mais que isso seja ali oferecido - relativa ao conceito de
aceleração
nas sociedades modernas. Neste livro aprendemos que, no alvorecer do
século
vinte, "o historiador norte-americano Henry Adams falava de uma 'lei
da aceleração'
governando a história ocidental" (p. 305). Mais especificamente,
tratava-se ali de uma aceleração
promovida pela sucessão
de tecnologias cada
vez mais sofisticadas. A economia também
se mostrou um solo
fértil
para refletir sobre esse conceito. Staffan B. Linder, em The
Harried Leisure Class,
ao tratar da aceleração
do consumo, é um dos inúmeros
exemplos arrolados e discutidos por Martins da importância deste conceito neste campo –
sobre o Experimentum
Humanum falaremos em
um próximo post.
Quando
penso nas considerações
de Virilio acerca do que chama dromocracia, sobre aceleração
tecnológica e suas implicações
políticas,
parecem-me claros os perigos de uma análise
por atacado, de uma teorização
que, concentrando sempre em aspectos sistêmicos
da reprodução
capitalista, e da disseminação
tecnológica, negligencia dados concretos de resistência às
tendências
dromopolíticas
contemporâneas.
Creio que essa observação
se aplicaria a várias
das contribuições
analisadas por Martins. Curioso que, quando grandes teóricos falem
da sociedade da informação,
por exemplo, pensemos em Pierre Levy, tudo se passa como se
computadores em questão
nunca dessem pau,
que muitos de nós não
tivessem que
conviver com o padrão
de qualidade da
Microsoft, por exemplo, ou que no Brasil as infovias não
fossem tão
cheias de buracos.
Navegar no ciberespaço
pode ser uma
experiência cuja celeridade seria comparável
aquela que eu, criança,
e o leitor ou a leitora há de me perdoar o prosaico da analogia,
apresentava ao pescar caranguejo com meu pai no mangue que existia
entre a Iputinga e o Rio Capibaribe. Isso que parece evidente na
periferia do ciberespaço, é um elemento
fundamental para refletirmos
sobre a aceleração
tecnológica nos seus vários âmbitos.
Recentemente, ao entrevistar uma psicanalista de origem argentina na
cidade de São
Paulo, Isabel
Marazina, essa ideia me ocorreu, creio que no contexto das reflexões
da própria Isabel: considerar o congestionamento, o
engarrafamento uma dimensão essencial em qualquer formulação
teórica sobre a aceleração.
E isso aprendemos de modo muito simples com os problemas de
mobilidade característicos
da urbanidade brasileira. A aceleração
dos indivíduos
não conduz de modo irrevocável à celeridade sistêmica;
pelo contrário,
ela pode resultar em paralisação
dos movimentos individuais. Uma conclusão
semelhante pode ser
tirada quando analisamos os postulados econômicos do liberalismo,
caso a mão
invisível
da providencia não
garantisse
proporção
e harmonia ao cosmos. Na dúvida
de estar Deus morto ou vivo, o capitalismo aprendeu a se planejar
minimamente, mas creio que o problema aqui se mantém mesmo diante da evidência de esforço macroeconômicos de planejamento, sobretudo quando consideramos que o capitalismo
pressupõe um reprodução
global, ampla.
Evidentemente,
diante do exposto acerca da mobilidade brasileira, ou quando pensamos
sobre as diversas velocidades que compõem o ciberespaço,
um pensar tecnocrático
afirmaria a necessidade de um esforço
racionalizador
ainda mais robusto. Em princípio, nossas observações sobre este lado epimeteico - pois Epimeteu é aquele cuja ineficiência finda por ameaçar a existência da humanidade - da aceleração nada mais seria que falta de condições ou disposição racionalizadora. O fato de o ruído, a tendência à desorganização
da matéria,
ser um elemento inerente à própria noção
de informação
não
deve nos desnortear
acerca de nosso compromisso com esta última - e, evidentemente, com um mínimo de racionalidade.
Se a presença
de vírus
eletrônicos parece estar associada ao próprio fluxo informacional,
não
há dúvida
que nossos esforços
devem ser direcionados no sentido de uma limitação de seu poder entrópico. No que concerne ao problema de mobilidade no Brasil, bem sabemos que ela corresponde a interesses políticos bastante específicos e que, dessa perspectiva, ela é bastante racional. Pensemos nos termos em que são outorgadas concessões de exploração dos transportes públicos nas metrópoles brasileiras, ou perguntemo-nos por que razão uma mesma empresa pode prestar serviços de pavimentação tão ruins no Brasil e de excelência em outras partes do mundo. Do mesmo modo, a questão
da aceleração e do congestionamento se torna mais
interessante quando percebemos que um vírus
não é um
mero acidente técnico,
mas um produto econômico e político - ele sempre nos remete aos interesses de quem o produziu ou aos interesses que contraria. Em todo caso, é com o poder e com a impotência
que nos deparamos quando temos nossos sistemas invadidos, ou nosso
arquivos infectados, por esses entes tecnológicos.
Assim, quando manifestantes hoje ocupam ruas e avenidas de grandes cidades no Brasil, na Turquia ou no Egito, é a suposta inevitabilidade da aceleração, ou seja, a contestação de um padrão de hegemonia dromocrática, que entra em pauta. Independentemente de esses manifestantes terem ou não como objetivo explícito de seus protestos uma 'slow life', 'slow city - isso quase nunca é o caso, aliás - o controle da velocidade constitui parte da pressão política que exercem quando lutam por melhor saúde, menos corrução, mais recursos para a educação etc. Se há aqui uma capacidade clara de produzir um evento político contra-hegemônico é porque existe a percepção de que essas vias são economicamente sensíveis e porque implicitamente se assume que o controle do fluxo nestes espaços constitui um ato político crucial. Se, em algumas dessas manifestações, e aqui nos reportamos especificamente ao caso brasileiro, a lentidão do trânsito nas grandes cidades aparece como tema mais visível das próprias paralisações – afinal a maioria de nós quer transportes públicos de melhor qualidade, um trânsito mais racional, ruas em bom estado de conservação -, não devemos esquecer que o controle da aceleração aqui surge, de forma contundente, como tema político. Impedir o fluxo normal da Avenida Paulista, por exemplo, demanda uma compreensão política clara do sentido econômico de tal paralisação.
Assim, quando manifestantes hoje ocupam ruas e avenidas de grandes cidades no Brasil, na Turquia ou no Egito, é a suposta inevitabilidade da aceleração, ou seja, a contestação de um padrão de hegemonia dromocrática, que entra em pauta. Independentemente de esses manifestantes terem ou não como objetivo explícito de seus protestos uma 'slow life', 'slow city - isso quase nunca é o caso, aliás - o controle da velocidade constitui parte da pressão política que exercem quando lutam por melhor saúde, menos corrução, mais recursos para a educação etc. Se há aqui uma capacidade clara de produzir um evento político contra-hegemônico é porque existe a percepção de que essas vias são economicamente sensíveis e porque implicitamente se assume que o controle do fluxo nestes espaços constitui um ato político crucial. Se, em algumas dessas manifestações, e aqui nos reportamos especificamente ao caso brasileiro, a lentidão do trânsito nas grandes cidades aparece como tema mais visível das próprias paralisações – afinal a maioria de nós quer transportes públicos de melhor qualidade, um trânsito mais racional, ruas em bom estado de conservação -, não devemos esquecer que o controle da aceleração aqui surge, de forma contundente, como tema político. Impedir o fluxo normal da Avenida Paulista, por exemplo, demanda uma compreensão política clara do sentido econômico de tal paralisação.
Há poucos anos,
Maria Rita Kehl publicou um livro muito interessante sobre aspectos
psicológicos envolvidos na aceleração da vida.
Em O Tempo e o Cão,
aprendemos que a depressão
que hoje afeta a
vida de uma parte considerável
da vida dos indivíduos
que vivem nos grandes centros urbanos - e, evidentemente, não
apenas nestes
grandes espaços,
como pode atestar as estatísticas
de consumo de substâncias
psicoativas da pequena cidade de Itacuruba –
pode ser entendido como um depoimento político, independentemente de termos aqui uma ação política.
Diante daquilo que Benjamin chamaria de empobrecimento da experiência,
alguns indivíduos
produzem algo que, da perspectiva da manutenção
do sistema, seria considerado um ruído.
Esses indivíduos simplesmente mostram uma inapetência constrangedora com respeito aos produtos que a vida quotidiana disponibiliza. Tomando de empréstimo
o argumento de Pierre Fédida,
e sua psicanálise
de base fenomenológica, Maria Rita Kehl afirma: "A depressão é a expressão
de mal-estar que
faz água
e ameaça
afundar a nau dos
bem-adaptados ao século
da velocidade, da euforia prêt-à-porter,
da saúde,
do exibicionismo e, como já se tornou chavão,
do consumo generalizado" (2009, p. 22). Em oposição
à mobilização
constante dos recursos demandada pela dinâmica
do consumo, da inovação
tecnológica, o indivíduo
deprimido parece colocar em questão e em evidência
o próprio
empobrecimento da experiência
ao recusar um compromisso com um mundo constantemente
desvalorizado pela dinâmica
da aceleração.
Contra a velocidade vertiginosa e a mobilização
de todos os entes, o deprimido em sua inapetência com respeito à realidade que o cerca impõe a temporalidade do
inconsciente, a temporalidade de um "tempo
que não
passa". E o tempo não passa, primeiramente, porque os eventos se sucedem sem que nada possa alcançar uma significação especial. Nada se destaca no contexto da da sucessão dos fatos, nada pode constituir um evento. Para Fédida,
assim, o estado depressivo, num certo sentido, deve ser entendido como constitutivo
da própria psiquê: sem a ilusão
deste tempo imobilizado não há propriamente
subjetividade. Como bom fenomenólogo, para ele o acesso às
estruturas mais
fundamentais de nossa subjetividade só ocorre quando a atitude natural
diante da realidade é colocada em suspensão,
quando o mundo em sua funcionalidade, em seu ser-para-a-mão,
diria Heidegger, é colocado em questão.
"O
melancólico ficou
preso em um tempo morto, um tempo em que o Outro deveria ter
comparecido, mas não
compareceu. Já o
tempo morto do depressivo funciona como um refúgio
contra a urgência
das demandas de gozo do Outro. Em seu refúgio,
o depressivo tenta se poupar do imperativo de satisfazer o Outro; no
entanto, quanto mais ele se esconde, mais fica a mercê Dele" (Ibid., p.
21).
Mas
a depressão é
uma experiência
de sofrimento excruciante e ninguém,
em sã consciência,
desejaria colocar em suspensão
seus compromissos
simbólicos com o mundo, mesmo empobrecido, a um custo tão
alto. A psicanálise
é pensamento trágico, é
pathei mathos,
ou seja, acredita
no aprendizado pelo
sofrimento. Basta que retornemos ao Mal-Estar na Civilização, por exemplo. Na edição lançada recentemente pela Companhia das Letras, lemos o seguinte trecho desta obra: "O programa de ser feliz, que nos é imposto pelo princípio do prazer, é irrealizável, mas não nos é permitido - ou melhor, não somos capazes de - abandonar os esforços para de alguma maneira tornar menos distante a sua realização" (p. 40). Como alternativa a esse pensar, e seu penar inerente, as dificuldades de manter
compromissos com o simbólico podem ser apenas
contornadas. Neste caso, também
a lógica
racionalizadora, a lógica técnica
da performance com um valor em si, pode constituir uma alternativa. A
força
política
da indústria
farmoquímica, neste sentido, atende a necessidades sistêmicas
amplas: sem o controle do metabolismo dos corpos, de seus humores, como continuar acelerando e produzindo? Em todo caso, aqui também
a relação
entre aceleração
e paralisia
proporciona um ângulo
importante a partir do qual poderíamos
pensar no que Virilio chama de "assalto
à natureza do homem". Trata-se de um problema
tanto mais delicado
quanto venhamos a nos dar conta de que o ser humano não
tem uma "natureza" e
que seu ser no mundo se abre sempre de modo técnico. É
essa constatação
que permite refletir sobre o que tolerável
e o que não,
o que deve ser
considerado como "empobrecimento da experiência",
e o que não deve, reflexão que deve, segundo penso, sempre mobilizar a ideia de democracia.
.
.
.
.
4 comentários:
Suponho que o(a) leitor(a) eventual deste texto irá encontrar mais erros de digitação do que usualmente encontra em meus textos. Por algum motivo, o editor de texto que uso substituiu todos os "ç", acentuações etc., por caracteres chineses - se é que o meu mandarim anda em dia. Substitui tudo umas duas ou três vezes, mas o problema recorria. Publiquei da melhor maneira que consegui. Jonatas
Olá, prof. Jonatas
Texto instigante, sobretudo os últimos parágrafos. Duas coisas vieram a mente lendo o seu texto:
Primeiro, talvez por ter lido recentemente A Solidão dos Moribundos, de Norbert Elias: de que modo e de que maneiras a aceleração da vida altera ou lida com o problema da finitude? Apesar de todos os "avanços" na manipulação da "natureza do homem", o ser-para-morte continua como possibilidade inevitável. Evidentemente, o tempo e a temporalidade são fatores fundamentais na forma culturalmente peculiar pela qual o homem enfrentar a irreversibilidade do seu curso até a última parada, sua morte. Em certo sentido, o pensamento metafísico em geral respondeu a esse o problema do ser-para-morte, da vida que se encaminha progressivamente para o seu irrefreável desfecho, numa chave que é, também, a do tempo e sua aceleração. No caso, anular a aceleração do tempo pelo recurso simbólico ao imóvel dos túmulos, jazigos e do próprio tempo pela eternidade cristã. Além do mais, nesse contexto, parece-me, a morte produz experiência no sentido de Benjamin, pois produz narrativa.
Pois bem, e num chamado mundo pós-metafísico, pobre em experiência e definido pela aceleração superexcitada? Qual é o nosso "racionalismo específico", para falar como Weber, nessa questão da finitude.
A segunda coisa, foi que, nos últimos parágrafos, lembrei de uma filósofa chamada Beatriz Preciado (Teoria Queer). Entre outras coisas, ela busca realizar a genealogia do que chama do dispositivo fármaco-político da produção do gênero durante o século XX. Os gêneros são produtos, entre outras coisas, de tecnologias políticas farmacológicas: pílulas, hormônios, etc.. Ela insere a farmacologia no que se refere a produção das diferenças de gênero sob o signo do biopoder - embora ela chame de tecnopoder. Da mesma maneira, ela possui uma preocupação de relacionar este dispositivo com o capitalismo e seus imperativos funcionais, que chama de heterocapitalismo. Enfim, tenho algumas restrições a abordagem dela, mas é um trabalho interessante de problematização da farmacologia. Abraço,
Caro Alyson,
Obrigado por seus comentários - sempre oportunos. Gosto também dos parágrafos finais desse pequeno texto e é por ali que pretendo ampliá-lo. Quanto a Beatriz Preciado, não conheço o seu trabalho. Foi bom você tê-lo mencionado. Vou adquiri-lo e depois conversamos a respeito. Um forte abraço. Jonatas
Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer ao Dr. Padman. por me ajudar a recuperar meu amante depois que ele me deixou alguns meses atrás. Enviei amigos e meus irmãos para implorar por mim, mas ele recusou que tudo acabasse entre nós dois, mas quando conheci o Dr. Padman. ele me disse para relaxar que tudo vai ficar bem e realmente depois de apenas dois dias eu recuperei meu homem. muito obrigado Dr. Padman. aqui está o e-mail desse grande homem, se você precisar da ajuda dele, pode entrar em contato com padmanlovespell@yahoo.com
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