Marina Félix de Melo
O Índice de Desenvolvimento
Humano (ou IDH) foi criado por Mahdub ul Haq e Amartya Sen, em 1990.
A parceria entre o ex-Ministro da Economia do Paquistão e o
celebrado economista indiano produziu esse importante instrumento de
análise do desenvolvimento e da desigualdade sociais. Retomando
uma importante vertente ética do liberalismo para o campo da
economia, Sen é particularmente conhecido por sua defesa do
desenvolvimento das capacidades humanas como elemento fundamental da
própria possibilidade de liberdade – e por sustentar que a
desigualdade entre grupos sociais não pode ser pensada apenas a
partir de suas respectivas rendas, ou seja, a partir de um critério
de estratificação financeira. Adotado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) desde 1993 como instrumento de
mensuração do desenvolvimento humano ao redor do mundo, o IDH
estrutura-se em três dimensões: longevidade;
acesso ao conhecimento
e padrão de vida.
O segundo desses itens, por seu turno, é subdividido em: taxa
de alfabetização de adultos
e taxa de escolarização
bruta. Essas três
dimensões buscam sintetizar aspectos interpretados pela ONU como
básicos ao desenvolvimento social: saúde,
educação e renda.
A grande tentação neste ponto é
criticar o
uso de indicadores quantitativos para as ciências sociais, apontar
suas limitações técnicas, bem como amplamente metodológicas. Como
afirmar, por exemplo, que longevidade representa saúde? Ora, ela é
apenas um possível indicador da saúde, interessante e importante
parâmetro, mas não exclusivo. Dizer que em 2010 a expectativa de
vida em Manari (Sertão de Pernambuco) era de aproximadamente 66 anos
não nos diz muito acerca de como se vive e em que condições de
conforto físico-mental se
chega até essa idade.
Igualmente, a longevidade é uma casa de medição alcançada por
média aritmética, que consiste em somar tudo e dividir pelo número
de casos. Este procedimento não suspende as ocorrências de
“outliers”, que são os resultados extremos encontrados nas
pontas da distribuição numérica de análise. Quanto ao quesito
educação, sua avaliação leva a questões ainda mais delicadas que
a medição da longevidade. Na
Inglaterra, por exemplo, chegou-se a adotar como critério para
aferir analfabetismo funcional saber ou não usar um forno
micro-ondas e um aparelho de DVD. Um
critério como este seria
significativo para
avaliar a alfabetização funcional
de
alguém que more, por exemplo, no sertão de Pernambuco? (tomemos o
exemplo de Manari -
IDHM1
de 0,487 em 2010 -,
analisado por Fabiana Moraes em matéria de 18 de agosto de 2013 no
Jornal
do Commercio).
Numa suposta comparação entre os resultados do IDHM de Manari e
Londres, por exemplo, essas diferenças deveriam ser consideradas.
O IDH também não especifica os
limites do que considera alfabetização. No Brasil, o PNUD utiliza
dados colhidos pelo IBGE, que tem a alfabetização como auto
declarável, e isso pode esconder o exemplo do analfabetismo
funcional. Mais que isso, algumas pessoas que respondem ser
alfabetizadas podem estar simplesmente dando uma resposta à
dificuldade de reconhecerem o próprio analfabetismo diante do
recenseador. Outro ponto é a escolarização bruta, medida em anos
de estudo. Diante da qualidade do ensino oferecida por algumas
instituições, esses dados podem esconder mais que revelar. Anos de
escolaridade, igualmente, não indicam a quantidade de horas
atribuídas a atividades educacionais (horários integrais e aulas
esporádicas semanais são fenômenos distintos), tampouco responde
sobre a qualidade da educação. Por fim, o fator renda. A renda
utilizada no IDH é a renda per capita, isto é, o PIB (produto
interno bruto) dividido pelo número de habitantes. Tal medida, como
toda média aritmética, é pobre por ocultar um dado importante de
estratificação social: a concentração de renda2.
O cálculo do IDH também não
pondera suas dimensões analíticas. Eis um dos principais impasses
sobre o indicador que não deveria apenas selecionar
“arbitrariamente” as variáveis que o compõe, mas também, saber
que peso cada uma destas “mereceria” na fórmula. A partir desta
caracterização mais geral, pensemos em alguns outros recortes do
IDH. Sua fórmula vem sofrendo adaptações a cada ano, adaptações
matemáticas. Por exemplo: passou da utilização de média
aritmética simples para média aritmética ponderada e, depois, para
média geométrica, Assim, os indexadores que compõem sua fórmula
geometrizam as médias antes destas serem divididas. Em termos
“empíricos”, isto quer dizer que o suposto baixo rendimento de
uma das dimensões não é mais linearmente compensado por outra
dimensão supostamente elevada. Um ponto interessante do IDH é que
seu resultado é uma grandeza adimensional, ou seja, já que procura
comparar resultados, coeficientes, tem a magnitude de valores
padronizada numa unidade, já que sua fórmula é posta dentro de uma
raiz cúbica:
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, PNUD, 2013.
Se pensamos no IDH, na sua utilização clássica de comparação entre países, ajustamos alguns pontos. Existem diferenças entre os institutos de pesquisa de onde são extraídos os dados. Dizer que o IBGE no Brasil tem a mesma administração de controle dos dados que INE em Portugal, seu equivalente, já seria uma aposta muito alta. Agora, imaginemos isso em esfera global. Alternativas educacionais e contextos culturais configuram um problema para bases comparativas como um todo. O erro mais comum que encontramos nas citações da mídia sobre resultados de IDH é a comparação entre resultados de diferentes anos. Vejamos: cada resultado, disposto em listagem, deve ser analisado em comparação e, unicamente, com a lista em que se aloca. O resultado do IDH varia entre 0 e 1 (melhorando em medida crescente). Dizer que um país X melhorou de um ano para outro porque seu coeficiente pulou de 0,75 para 0,78 em alguns anos não faz sentido. A fórmula vem sofrendo alterações a cada coleta, como já mencionamos e, não apenas isso, mas também, os resultados brutos só fazem sentido quando considerados o restante da lista, nomeadamente os resultados superiores ao do país em análise. Nem todos os países fizeram/fazem parte de todas as listas publicadas pelo PNUD. A Alemanha, por exemplo, não era contabilizada até poucos anos e, quando entrou no ranking, sem muita surpresa, ocupou as primeiras posições mundiais no Índice de Desenvolvimento Humano, mexendo com os resultados de posição dos países “abaixo” de si. Dizer que uma nação esteve em 30º lugar só faz sentido se a lista não tiver alteração dos elementos de análise até o 29º elemento. Por outra mão, a lista mundial tende a ficar cada vez mais completa e homogênea no que, salvaguardando às readaptações da fórmula, poderemos ter mais possibilidades interpretativas do ranking daqui certos anos. Em 2011, o Brasil ocupava a 84º posição na temida lista, numa pesquisa que considerou 187 países (18 países a mais do que a listagem anterior).
Aparte às limitações
esboçadas, o IDH é o principal indicador social de que dispomos, a
compor uma definição de desenvolvimento humano via as três
dimensões observadas. É parcimonioso quanto ao número de variáveis
que utiliza, sendo estas de fácil acessibilidade, bem como permite a
comparação entre diferentes países e regiões por lista divulgada.
Em julho de 2013 tivemos pública a lista de IDH-M no Brasil, que é
o Índice de Desenvolvimento Humano por Municípios, calculado a
partir de dados desagregados (cedidos pelo PNAD-IBGE). A vantagem do
olhar sobre os dados desagregados é que o índice geral de um país
tende a esconder suas particularidades, os diferentes níveis de cada
região. Os dados desagregados podem ser selecionados com relação à
renda, grupo racial e/ou étnico, gênero etc.
Alagoas obteve o menor Índice de
Desenvolvimento Humano entre
os estados do País, com o
resultado de 0,63 numa escala de 0 a 13.
A média nacional é de 0,71. Concentremo-nos neste Estado. Ao
observarmos o Índice de Gini de Alagoas,
notamos que este também é pior do que a média nacional. Numa
escala de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, mais desigual é a
amostra), o Gini (2010) do Brasil é de 0,59, enquanto o de Alagoas é
de 0,63 (coincidentemente, o mesmo coeficiente de seu IDH).
Mais grave é quando desagregamos
os dados dentro do Estado. A capital Maceió tem um IDH-M na grandeza
de 0,72, o que não surpreende, posto ser a cidade onde se localiza a
elite política financeira local, concentradora da renda e dos
acessos à educação e à saúde em cerca de cinco bairros
litorâneos, os cartões postais do turismo. O problema social pesa
neste espaço entre o 0,72 de Maceió e o 0,63 de Alagoas. Cidades
destacadas no Estado têm resultados que valem a pena mencionar:
Porto Calvo (0,58); Penedo (0,63); Marechal Deodoro (0,64) e;
Arapiraca, onde está parte da Universidade Federal de Alagoas
(0,64). E, além destes municípios de destaque, passamos por
resultados ainda mais deprimentes, como o da cidade de Olho D’água
(0,50). Alagoas tem cinco municípios entre os piores do Brasil no
que se refere a tais resultados. (PNUD, 2013).
Se compararmos Maceió a demais
capitais da região Nordeste, vemos que o 0,72 da cidade fica abaixo
das vizinhas fronteiriças Aracaju e Recife (0,77), ou de Fortaleza e
Salvador (0,75). Voltemos aos níveis estaduais: realizamos o que em
estatística habitua-se chamar de análise de clusters,
que nada mais é do que a separação dos resultados estaduais em
grupos de homogeneidade. Com os resultados do IDH-M de 2013, temos um
primeiro grupo composto apenas pelos estados de São Paulo, Santa
Catarina e pelo Distrito Federal (0,82 grupo). O segundo grupo é
formado por estados diversos do centro-oeste, sudeste e sul, salva
raras exceções, como o Amapá (0,78 grupo). O terceiro grupo
concentra os estados do Norte e Nordeste (0,63 grupo). Logo, nota-se
que o discurso de que o Nordeste tem “crescido” exponencialmente
nos últimos anos prende-se ao fato de que as demais regiões também
não são unidades estanques, no que o dinamismo de desenvolvimento
nacional e regional ainda marca fortes diferenças entre as regiões,
não apenas por termos segregado estes estados em três grupos mas,
infelizmente, pela diferença substancial dos resultados entre eles.
Referências:
PNUD
(Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
(2010), Relatório
de Desenvolvimento Humano.
http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_PT_TechNotes_reprint.pdf
IBGE
(Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) (2013),
Índice de Desenvolvimento Humano por Município. www.ibge.gov.br
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1
Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal.
2
Já
existem tentativas interessantes de um IDH ajustado à desigualdade,
o IDHAD (Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à
Desigualdade), mas ainda em estágio relativamente embrionário de
aplicação. Para isso, buscou-se adequar a fórmula do Índice de
Gini (Índice que mede a estratificação social) à fórmula do
IDH. Entretanto, percebeu-se o impacto da vulnerabilidade da fórmula
de Gini, criada a partir da curva de Lorenz que tem pouca
sensibilidade matemática. Para se notar a diferença entre uma
realidade e outra a partir do Índice de Gini é preciso que a
realidade tenha mudado substancialmente - cada centésimo do Gini
corresponde à demasiada alteração entre as sociedades estudadas.
(Relatório de Desenvolvimento Humano, 2010, p. 227).
3
O Brasil tem cerca de 12% de taxa de analfabetismo. O estado de
Alagoas tem 24%, isto é, o dobro do problema nacional.
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